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CPI

Ponto de

Ricardo Rocha/CMSP
recomeço
Câmara analisa políticas
públicas voltadas aos refugiados
e imigrantes que buscam uma
vida melhor em São Paulo

Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@camara.sp.gov.br


Colaborou Renata Oliveira | renataoliveira-cci3est@camara.sp.gov.br

V
indos de todas as partes do mundo, há muito tempo os estrangeiros
chegam à cidade de São Paulo para ficar, deixando sua cultura e
seus descendentes. O fluxo não para. A Missão Paz, entidade ligada
à Igreja Católica que ajuda estrangeiros recém-chegados, atendeu 2.215
pessoas no primeiro semestre deste ano. Em 2016, foram 8.376 atendi-
mentos (4.410 no primeiro semestre); em 2015, 6.929. Segundo a Polícia
Federal, atualmente cerca de 400 mil estrangeiros vivem no Município. Mas
o número pode ser maior, pois muitos vêm de forma clandestina.
Esse contingente pode ser de imigrantes, de pessoas que saíram
do país onde viviam por decisão própria, ou de refugiados, que tive-
ram de deixar sua terra porque corriam riscos. Esses últimos podem NOVOS ARES
ser vítimas de conflitos armados, violência generalizada e violação Anas Obaid fugiu da
massiva dos direitos humanos ou de perseguições motivadas por guerra na Síria e agora
tem uma loja na Mooca
questões ligadas a raça, religião, nacionalidade, opinião política ou
participação em grupos sociais.

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esforço deu certo e ele já fala bem a drogas”, afirma Haydu à Apartes.

Mônica Nakajima/Adus
língua, com sotaque árabe. “É o contrário, os refugiados estão
Atualmente, Obaid tem uma fugindo dos terroristas e dos trafi-
pequena loja em uma galeria na cantes”, ressalta. “Infelizmente, há
Rua da Mooca, no bairro Mooca, muito preconceito.”
onde vende produtos sírios, como O diretor destaca que os refugia-
perfumes (que ele mesmo fabrica), dos não são criminosos. Uma das
kefiés (lenços árabes tradicionais) condições para que uma pessoa te-
e bolsas de couro. nha seu pedido de refúgio reconhe-
Nem todos, porém, são tão cido no Brasil é não ter cometido
bem recebidos na nova terra. O crime em seu país de origem ou em
diretor-presidente do Instituto de qualquer outro local, esclarece. Se-
Reintegração do Refugiado (Adus), gundo Haydu, uma das formas de
Marcelo Haydu, conta que alguns diminuir a violência é acabar com
brasileiros não gostam dos estran- o preconceito e com a desinforma-
geiros por falta de informação e se ção. Por isso, o Adus tenta mostrar
baseiam nos estereótipos. “Se o imi- aos brasileiros a cultura dos estran-
grante vier de um país de origem geiros. O instituto oferece aulas de
muçulmana, acham que é terroris- árabe, francês e espanhol, além de
ta; se vier da África, é traficante de cursos de gastronomia com pratos

SENZALA
A haitiana Roselaure Jeanty denunciou que estrangeiros são tratados como escravos no Brasil

OPORTUNIDADES • Estrangeiros de várias nacionalidades participam de feira para vender produtos típicos

Apesar de São Paulo ser uma situações degradantes lembram o tem- relacionados aos estrangeiros e fize- Preso por membros do grupo terro-
cidade de imigrantes, há pessoas po da senzala”, denunciou Jeanty, que ram uma visita à feira boliviana, reali- rista Estado Islâmico, só foi solto
que não veem com bons olhos os vive no Brasil há quatro anos. zada aos domingos na Rua Coimbra, após sua família pagar, segundo ele,
recém-chegados, que acabam li- Para investigar situações como no Brás. A Comissão também ouviu “muito dinheiro”. Após sua liberta-
dando com ignorância, preconcei- essas, a CMSP instalou em 1º de representantes da Prefeitura e de or- ção, recebeu ameaças e teve de deixar
to, desrespeito e até violência física. fevereiro deste ano uma Comissão ganizações que trabalham no acolhi- o país, que enfrenta uma guerra civil.
De acordo com a secretária-geral da Parlamentar de Inquérito (CPI) para mento dos imigrantes e refugiados. Obaid foi para o Líbano e de lá
União Social dos Imigrantes Hai- averiguar a política de migração e veio para o Brasil, o único país que
tianos (USIH), Roselaure Jeanty, medidas necessárias para o seu aper- AULAS NO KARAOKÊ lhe abriu as portas. “Escolhi morar
os imigrantes e refugiados, mesmo feiçoamento. “Nossa cidade foi for- Um dos refugiados no Brasil é Anas em São Paulo por ser uma cidade
com diploma de cursos superior, só mada por imigrantes, recebê-los bem Obaid, sírio de 30 anos que chegou grande e ter muitas oportunidades
conseguem emprego na faxina ou na é fundamental”, afirma à Apartes o ao País em 2015 e já se sente paulis- de trabalho”, diz. Na capital, come-
construção civil. Segundo a haitiana, vereador Eduardo Suplicy (PT), que tano. “São Paulo é minha cidade, já çou a aprender português, principal-
os recém-chegados são explorados propôs a criação da comissão e foi sei andar nela”, conta, orgulhoso. Sua mente nos karaokês, onde gosta de
principalmente por não falar portu- eleito seu presidente. jornada começou em Damasco, capi- cantar músicas brasileiras como Ai

Ricardo Rocha/CMSP
guês e não conhecer as leis trabalhis- Em quatro meses, os vereadores tal da Síria, onde estudava Jornalismo se eu te pego (“Nossa, nossa/Assim
tas. “Estamos no século 21, mas essas da CPI trataram de diversos temas e trabalhava em uma TV do governo. você me mata”), de Michel Teló. O

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típicos dos outros países, e utiliza os consenso, com propostas amplas e

Equipe de Eventos/CMSP
imigrantes como professores. que abrangem praticamente todas
Para inserir o estrangeiro na so- as necessidades apresentadas. Ele de-
ciedade brasileira, o instituto promo- fende que haja uma acolhida melhor
ve aulas de português, cursos de qua- aos estrangeiros e mais inserção na
lificação profissional, palestras sobre sociedade. “A cidade como um rico
empreendedorismo, feiras de arte- espaço de convivência e interação é
sanato, apoio psicológico, campeo- estimulante para todos nós”, justifica.
natos de futebol e outras atividades. A boliviana Mônica Rodriguez,
no Brasil há 13 anos, gostou do re-
POLÍTICAS PÚBLICAS latório. Em entrevista ao portal da
São Paulo foi a primeira cidade bra- CMSP, ela reconhece que “no papel,
sileira a ter uma política específica está ótimo”, porém ressalta que “nós,
para a questão dos estrangeiros. Em imigrantes, temos de acompanhar e
2016, a Câmara Municipal aprovou cobrar”. “Espero que a CPI seja o
um projeto enviado pelo Executivo e primeiro passo”, diz Rodriguez.
instituiu a Política Municipal para a Enquanto as soluções não che- BEM-VINDOS • Suplicy: “nossa cidade
População Imigrante. Seus principais gam, os estrangeiros vão levando a foi formada por imigrantes, recebê-los
bem é fundamental”
objetivos são garantir ao imigrante o vida, conhecendo os hábitos da cida-

Antônia Souza/Adus
acesso a direitos sociais e aos serviços de e se tornando paulistanos. Quan-
públicos; promover o respeito à diver- do indagado se pretendia voltar para
sidade e à interculturalidade; impedir VITÓRIA • Seleção de refugiados do Congo foi campeã a Síria quando a guerra civil acabar,
violações de direitos; fomentar a par- no 3º Campeonato Multicultural, promovido pelo Adus Anas Obaid sorri: “só para visitar.
ticipação social e desenvolver ações Gosto muito do Brasil e dos brasi-
coordenadas com a sociedade civil. leiros, que têm um coração maravi-
A CPI da Migração foi criada para está sendo implementada e levantar abrir contas, guardam o dinheiro lhoso”. Para ele, “é como se fossem
ajudar a analisar como essa política mais informações sobre a situação dos
imigrantes e dos refugiados na cidade.
Para Suplicy, foi uma comissão dife-
que conseguem em casa, chaman-
do a atenção de bandidos. Suplicy
se lembrou de um caso de 2013,
PRINCIPAIS PROPOSTAS DA CPI dois amores: a Síria é minha mãe e
o Brasil, minha esposa”.

ABRANGÊNCIA
rente das demais CPIs, que geralmen- quando ladrões invadiram a resi- • Parcerias com órgãos estaduais, federais • Espaços de recreação e lazer para
“O relatório contempla todas as situações te começam a partir de uma denúncia. dência de uma família boliviana e e com o Alto Comissariado das Nações a integração sociocultural SAIBA MAIS
apresentadas à CPI”, afirma Fabio Riva “Queríamos saber como estão vivendo mataram, com um tiro na cabeça, Unidas para Refugiados (Acnur) • Regulamentação das feiras de artesanato Documento
os imigrantes e refugiados e como po- o menino Brayan Yanarico Capcha,
demos ajudá-los”, afirma o vereador. de 5 anos, porque ele, assustado, • Rede de acolhimento, valorização e • Mais cursos de português Relatório da CPI da Política de
integração dos imigrantes Migração. www.camara.sp.gov.br/
O padre Paolo Parise, um dos chorava no colo da mãe. • Menos burocracia para validação comissao/comissoes-encerradas/cpi-
coordenadores da Missão Paz, criti- A burocracia para conseguir a va- • Acesso dos refugiados ao Sistema de diplomas da-politica-de-migracao
cou a falta de medidas que ajudem lidação dos diplomas de curso supe- Único de Saúde (SUS) Sites

COMPOSIÇÃO
os estrangeiros quando eles deixam rior é outro entrave muito prejudicial
• Qualificação dos profissionais da rede Instituto de Reintegração do
as casas de acolhimento. “Faltam aos imigrantes, que têm dificuldades Refugiado (Adus). www.adus.org.br
pública para atender os imigrantes
políticas para que possam arrumar em conseguir emprego para os quais Missão Paz. www.missaonspaz.org
moradia digna, abrir conta bancária, estão preparados. “Faço uma apelo • Centros de convivência para imigrantes Presidente: Eduardo Suplicy (PT) Coordenação de Políticas para
ter um emprego decente e aprender às faculdades paulistanas para que em situação de rua Vice-presidente: Fernando Holiday (DEM) Migrantes da Prefeitura de São
Paulo. www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/
a língua portuguesa”, apontou du- se esforcem em validar os diplomas • Mapeamento dos serviços e locais mais Relator: Fabio Riva (PSDB) secretarias/direitos_humanos/migrantes
rante uma sessão da CPI. estrangeiros”, diz Suplicy. acessados pela população imigrante Demais membros: Caio Miranda Carneiro Reportagem
A questão bancária também Na avaliação do relator da CPI Fábricas de suor e sofrimento.
• Formalização da situação bancária (PSB), Gilberto Nascimento (PSC), Noemi
Equipe de Eventos/CMSP

foi destacada pelos integrantes da Migração, vereador Fabio Riva Gisele Machado, 2017, Apartes.
da comissão. Como os imigrantes (PSDB), após quase cinco meses de • Combate à violência contra mulheres Nonato (PR) e Soninha (PPS) Disponível em www.camara.sp.gov.br/
e refugiados têm dificuldades em reuniões foi possível chegar a um apartes – Edição 24

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