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A obra tardia de André Gorz e a sua

relação com a Nova Crítica do Valor


Nuno Miguel Cardoso Machado

I Seminário do Programa de
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• André Gorz nasceu em Viena, em 1923.

• Infância difícil: mãe alemã católica/pai judeu.

• Crise de identidade: “não era nada exceto o nada que era”

• Descoberta da filosofia existencialista de Sartre

• 3 principais fatores que contribuíram para o abandono do seu


“quasi-autismo”
• Contato pessoal com Sartre
• Início da carreira de jornalista
• Início da sua relação com Dorine

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• Identidade esquizoide, i.e., “múltiplas personalidades”:
• Vida pessoal de “Gérard Horst”
• “Michel Bosquet” – jornalista
• “André Gorz” – filósofo e teórico social

• Morte em 22/Setembro/2007

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Período Caraterização teórica Obras Data
histórico
Década de 1950 Existencialismo: influência de Fundamentos para uma moral 1955
Sartre O Traidor 1958
A Moral da História 1959
Década de 1960 Marxismo tradicional/ Estratégia Operária e Neocapitalismo 1963
ontologia do trabalho O Socialismo Difícil 1968
Reforma e Revolução 1969
Década de 1970 Viragem ecológica: influência Divisão do Trabalho e Modo de Produção Capitalista 1973
de Illich Crítica do Capitalismo Quotidiano 1973
Ecologia e Política 1975
Década de 1980 Grande rutura: crítica do Adeus ao Proletariado 1980
trabalho e do proletariado Os Caminhos do Paraíso 1985
Metamorfoses do Trabalho 1988
Década de 1990 Reformismo Capitalismo, Socialismo, Ecologia 1991
Misérias do Presente, Riqueza do Possível 1997
Década de 2000 Radicalização: descoberta da O Imaterial 2005
Nova Crítica do Valor Ecologica 2008

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Positivo
(implícito)
Conceito de alienação Individual/
Superável
(psicanálise existencial)
Conceito de dominação “Má-fé”

Sujeito revolucionário Proletariado


(implícito)
Rendimento Básico Não abordado

Conceito de tecnologia Positivo


(implícito)
Visão de sociedade pós-capitalista “Moralização da existência”

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Positivo
(ontológico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Superável
(libertação no trabalho)
Conceito de dominação Dominação direta/ de classe

Sujeito revolucionário Proletariado

Rendimento Básico Não abordado

Conceito de tecnologia Positivo


(apropriação coletiva dos meios de produção)
Visão de sociedade pós-capitalista Socialismo de Estado

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Positivo
(ontológico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Superável
(libertação no trabalho)
Conceito de dominação Dominação direta/ de classe

Sujeito revolucionário Proletariado


(“Nova Classe Operária”)
Rendimento Básico Não abordado

Conceito de tecnologia Positivo


(apropriação coletiva dos meios de produção)
Visão de sociedade pós-capitalista Socialismo de Estado (planificação)
+ Conselhos Operários (autogestão)

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Positivo
(ontológico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Superável
(libertação no trabalho)
Conceito de dominação Ambivalência

Sujeito revolucionário Proletariado

Rendimento Básico Não abordado

Conceito de tecnologia Negativo


(civilização industrial vs. ferramentas conviviais
[Illich])
Visão de sociedade pós-capitalista Produção microssocial
(ecologicamente sustentável)
+ Alocação central

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Negativo
(historicamente específico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Insuperável
(redução do horário de trabalho)
Conceito de dominação Impessoal
(insuperável na esfera heterónoma)
Sujeito revolucionário “Não-classe dos não-trabalhadores” /
Inexistência
(de um sujeito revolucionário apriorístico) [Metamorfoses do Trabalho]
Rendimento Básico Condicional
(contrapartida do trabalho efetuado na esfera heterónoma)
Conceito de tecnologia Ambivalente
Produção industrial  centralização + lógica capitalista
Produção pós-industrial (microeletrónica)  descentralização + lógica não
mercantil
Visão de sociedade pós- Sociedade Dual
capitalista Esfera da heteronomia (mercantil)
Esfera da autonomia (não mercantil)

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Negativo
(historicamente específico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Insuperável
(redução do horário de trabalho)
Conceito de dominação Impessoal
(insuperável na esfera heterónoma)
Sujeito revolucionário Inexistência
(de um sujeito revolucionário apriorístico)
Rendimento Básico Condicional
(contrapartida do trabalho efetuado na esfera heterónoma) /
Incondicional
(A partir de Misérias do Presente, Riqueza do Possível [1997])
Conceito de tecnologia Ambivalente
Produção industrial  centralização + lógica capitalista
Produção pós-industrial (microeletrónica)  descentralização + lógica não
mercantil
Visão de sociedade pós- Sociedade Dual /
capitalista “Sociedade da Multiactividade”
(A partir de Misérias do Presente, Riqueza do Possível [1997])

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Dimensões da teoria de André Gorz
Conceito de trabalho Negativo
(historicamente específico)
Conceito de alienação Social
(trabalho alienado)/
Superável
(abolição do trabalho)
Conceito de dominação Impessoal
(superável)
Sujeito revolucionário Inexistência
(de um sujeito revolucionário apriorístico)
Rendimento Básico Incondicional
“Dinheiro de consumo” (O Imaterial [2005])
Medida de emergência (“Penser l’exode de la société du travail et de la
marchandise” [2007])
Conceito de tecnologia Positivo
“Autoprodução high-tech”  produtividades elevadas + controlo/autogestão
(“apropriável”)
Visão de sociedade pós- Sociedade Pós-mercantil
capitalista (abolição do trabalho, do valor, da mercadoria e do dinheiro)

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• O Imaterial (2005)
• “Capitalismo cognitivo”  conhecimento é a principal força produtiva

• O conhecimento não é redutível a uma quantidade de trabalho abstrato

• O conhecimento é reprodutível – nomeadamente sob a forma de


software – praticamente sem custos e universalmente partilhável: valor
tende a desaparecer.

• A produção computadorizada destrói muito mais valor do que aquele que


cria.

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• Ecologica (2008)
• 3ª Revolução Industrial  aumento exponencial da produtividade que
supera o poder de expansão do mercado

• Menos trabalho significa menos valor e menos dinheiro

• O capitalismo enfrenta o seu “limite interno” absoluto: diminuição do


trabalho produtivo (de mais-valia) e aumento do trabalho improdutivo

• Explosão do “capital fictício”: dificuldades de acumulação na “economia


real” levam o capital a simular a sua acumulação na esfera financeira e
bolsista.

• Os “BRICS” estão inseridos na dinâmica do mercado mundial: estes


países terão de igualar ou superar a produtividade dos países do Norte
para poderem sobreviver na concorrência global.

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Autores Obras Principais Data

Georg Lukács History and Class Consciousness 1923

Isaak Rubin Essays on Marx’s Theory of Value 1928

Theodor W. Adorno Dialética do Esclarecimento (c/ Horkheimer) 1944


Dialética Negativa 1966
Max Horkheimer Eclipse of Reason 1947
Escola de
Frankfurt
Herbert Marcuse Reason and Revolution 1941
Eros and Civilization 1955
One-Dimensional Man 1964
Jacques Camatte Capital and Community 1966

Guy Debord e a I.S. A Sociedade do Espetáculo 1967

Fredy Perlman “An Essay on Commodity Fetishism” 1968

Helmut Reichelt Sobre a Estrutura Lógica do Conceito de Capital em Karl Marx 1968
“Nova
Leitura de Hans-Georg Backhaus “On the Dialectics of the Value-Form” 1969
Marx”
Hans Jürgen Krahl Costituzione e Lotta di Classe 1971

Lucio Colletti Marxism and Hegel 1969

Alfred Sohn-Rethel Intellectual and Manual Labour 1970


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• A Nova Crítica do Valor surge em finais da década de 1970/meados da década
de 1980, associada aos nomes de:

1. Jean-Marie Vincent (França/1934-2004)


• Texto seminal: “La domination du travail abstrait” (1977)
• Obra principal: Critique du Travail – Le faire et l’agir (1987)

2. Moishe Postone (EUA/1942-)


• Texto seminal: “Necessity, Labor and Time: A Reinterpretation of the Marxian
Critique of Capitalism” (1978)
• Obra principal: Time, Labor, and Social Domination – A Reinterpretation of Marx’s
Critical Theory (1993)

3. Robert Kurz (Alemanha/1943-2012)


• Texto seminal: “A Crise do Valor de Troca: ciência, força produtiva, trabalho
produtivo e reprodução capitalista” (1986)
• Obra Principal: O Colapso da Modernização - Da derrocada do socialismo de
caserna à crise da economia mundial (1991)
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• 5 aspetos-chave da teoria de Moishe Postone:
1. “Critique from the standpoint of labor” (marxismo tradicional) vs.
“Critique of labor”

2. Distinção entre riqueza (material e imaterial) e valor.

3. “Treadmill dynamic” – Para manterem a sua competitividade, as empresas


têm de aumentar continuamente a sua produtividade (e a sua produção)

4. Esquema base/superestrutura (marxismo tradicional) vs. As categorias


capitalistas são categorias a priori no sentido Kantiano: expressam
simultaneamente relações sociais e formas de pensamento.

5. Antissemitismo estrutural – pseudoanticapitalismo

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• Alguns aspetos-chave da teoria de Robert Kurz:
• O valor é uma forma de riqueza abstrata e fetichista

• O trabalho abstrato é uma metafísica real: trata-se de uma atividade


tautológica – puro dispêndio de energia humana – com a finalidade de
produzir uma fantasmagoria real: o valor.

• Estado/mercado e economia/política são as duas faces da mesma moeda.

• O Iluminismo é a (ir)racionalidade historicamente específica da


modernidade capitalista.

• O sujeito moderno é estruturalmente Masculino, Branco e Ocidental (MBO)

• Dissociação sexualmente conotada (Scholz): o capitalismo deve ser


entendido como um “patriarcado produtor de mercadorias”. A esfera
económica, estruturalmente definida como masculina, pressupõe a
existência de uma esfera dissociada, estruturalmente definida como
feminina.
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Dimensões da Teoria Crítica Jean-Marie Vincent Moishe Postone Robert Kurz

Teoria do Valor-Trabalho (Marx) X X X

Escola de Frankfurt (herança teórica) X X X


Crítica do Valor “em sentido estrito”

Crítica do trabalho (abstrato) X X X

Crítica do fetichismo da mercadoria X X X

Crítica do valor (distinção riqueza/valor) X X X

Dominação impessoal X X X

Crítica do proletariado/luta de classes X X

Teoria da Crise (limite interno absoluto) X

Crítica do Estado X X

Crítica do mercado X X X

Crítica do antissemitismo estrutural X X


Crítica do Valor

Crítica da dissociação sexual X


“em sentido
amplo”

Crítica do Iluminismo X

Crítica da forma-sujeito X

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• A influência da NCV sobre Gorz é reconhecida por Anselm Jappe e por
Françoise Gollain.

• Numa entrevista concedida em 2006 Gorz assumirá que “o que me interessa


hoje em dia (…) é a «Nova Interpretação da teoria crítica de Marx» publicada
por Moishe Postone [a obra Time, Labor and Social Domination] (...). Se
pudesse fazer um voto, seria o de vê-la traduzida juntamente com os livros
publicados por Robert Kurz”.

• Gorz carateriza a obra de Postone como “magistral”. No que se refere a Kurz,


Gorz diz explicitamente que o autor é “provavelmente o melhor teórico crítico
das transformações do capitalismo e da sua crise atual” e qualifica de
“profético” o seu livro O Colapso da Modernização.

• Gorz confessará com algum desgosto que “foi já bastante tarde que eu
descobri a corrente da crítica do valor”.

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1) Entendimento do trabalho como uma categoria historicamente específica.

2) Identificação da crise do trabalho e, por conseguinte, da crise do capitalismo

3) A explosão do “capital fictício” é um sintoma e não a causa da crise


económica

4) A superação da crise do trabalho requer a superação do próprio trabalho – no


sentido hegeliano de aufhebung – assim como a abolição do valor
(económico) produzido pelo trabalho e da forma-mercadoria.

5) Crítica da noção de um sujeito (coletivo) revolucionário apriorístico


(proletariado, “multidão”, etc.)., i.e., da noção paradoxal de um “sujeito
objetivo”.

6) Conceção da dominação vigente no capitalismo como uma dominação


impessoal.
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1. Conceção de tecnologia – Gorz tende a atribuir um caráter imediatamente
não mercantil à informática e à microeletrónica.

2. Subsiste um certo “practicismo” em Gorz, herdado do marxismo tradicional.

Destaca-se a ausência, em Gorz, das dimensões constitutivas da Crítica do Valor


“em sentido amplo”:

3. Uma crítica do Iluminismo

4. Uma crítica da forma-sujeito

5. Uma crítica consequente da dissociação sexualmente conotada

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