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Análise da canção “Expresso 2221” de Gilberto Gil

Por Givas Demore2

Gil afirma que esta canção nasceu aos poucos. Um dia,


segundo suas palavras, quando ele estava no metrô de
Londres ele anotou no seu caderno o verso” 'Começou a
circular o expresso 2222, que parte direto de Bonsucesso pra
depois”. O autor afirma que esqueceu o escrito e quase um
ano depois voltou às anotações, pegou seu vilão e escreveu
todo o restante. (Gil, 1994, ficha técnica do álbum
Unplugged)

“Começou a circular o Expresso 2222


Que parte direto de Bonsucesso pra depois
Começou a circular o Expresso 2222
Da Central do Brasil
Que parte direto de Bonsucesso
Pra depois do ano 2000”

Gil afirma que não sabe de onde apareceu a expressão 2222 que ela pode ter surgido a partir
de memória auditiva visual. O expresso, como trem, é muito significativo para o autor, pois,
segundo ele, sua infância foi rodeada de viagens de trem.

Essa canção é uma grande alegoria para dar significado a uma verdadeira viagem
proporcionada pelas drogas. O expresso ao qual Gil se refere pode ser interpretado como
sua trajetória, o caminho, a viagem, são as drogas.

"É evidente que a ideia de viagem, expressa na letra, está ligada às drogas, os
modificadores e expansores de consciência da época. Era um tempo de muita
maconha, LSD, mescalina; Londres vivia o auge dessa cultura. O expresso foi uma
alegoria literal disso. (Gil, 1994, ficha técnica do álbum Unplugged)

A palavra Bonsucesso foi utilizada por rimar com o expresso e por revelar o lugar de onde
o compositor havia vindo: O rio de janeiro: Brasil. Gil se coloca com o expresso que faz
viagens. Essas viagens são propiciadas pelas alucinógenos.

“Dizem que tem muita gente de agora


Se adiantando, partindo pra lá
Pra 2001 e 2 e tempo afora
Até onde essa estrada do tempo vai dar
Do tempo vai dar
Do tempo vai dar, menina, do tempo vai”

A expressão “Pra depois do ano 2000” significa, utilizar a imaginação de forma livre, sem
freios e limites. O autor provavelmente veria os anos 2000 como anos modernos e coloca

1
© Gege Edições / Preta Music (EUA & Canadá)

2
Músico, cantor e compositor, especialista em educação musical e mestrando em música (UnB) –
givas.demore@gmail.com
essa perspectiva em suas músicas para significar o lugar onde as viagens encontram um
significado futurístico, irreal, por não se saber como seriam esses anos ou por não saber “até
onde essa estrada do tempo vai dar”.

A menina que está aqui não possui significado relevante. “É interlocutora fictícia”. Segundo
Gil ela foi colocada na estrofe apenas como vocativo para ser um “elo como o que liga os
vagões”. Não há uma significação relevante na expressão menina.

“Segundo quem já andou no Expresso


Lá pelo ano 2000 fica a tal
Estação final do percurso-vida
Na terra-mãe concebida
De vento, de fogo, de água e sal
De água e sal
De água e sal
Ô, menina, de água e sal”

Aqui está falando das pessoas que já experimentaram essas viagens ocasionadas pelas
drogas. Gil está falando desse expresso que não respeita o tempo, o real. Esse expresso pode
até ser considerado como a morte, mas não é essa a perspectiva de Gil. O expresso é a
possibilidade de viajar sem sair do corpo.

Na estrofe temos um grande aposto explicativo. Esse aposto se inicial com “lá pelo ano
2000” e finda em “ô, menina, de água e sal”. Ele continua na próxima estrofe. Os termos
utilizados dentro do aposto são elucidativos e contribuem para a significação da viagem
proporcionada pelo expresso. Somente o compositor poderia dizer o que ele quis dizer com
alguns termos da estrofe.

“Dizem que parece o bonde do morro


Do Corcovado daqui
Só que não se pega e entra e senta e anda
O trilho é feito um brilho que não tem fim
Oi, que não tem fim
Que não tem fim
Ô, menina, que não tem fim”

Essa estrofe é uma continuação da anterior. “Segundo quem já andou no Expresso” dizem
que ele leva a algum lugar, pode subir ou descer e como o expresso é tido como uma
experimentação não é possível concretamente, entrar nela, sentar-se e andar. O caminho do
expresso de Gil é na mente humana, nos caminhos da alucinação, ilusão e irrealidade. O
trilho desse trem é a sensação alucinógena que parece não ter fim. (Eu não sei que sensação
é essa, portanto fica difícil descrever), mas acredito que esse brilho seja o efeito psicotrópico
do prazer, da alegria e também agonia.

A menina, como interlocutora, é “vocativo funcional” e não possui papel relevante,


segundo Gil.

“Nunca se chega no Cristo concreto


De matéria ou qualquer coisa real
Depois de 2001 e 2 e tempo afora
O Cristo é como quem foi visto subindo ao céu
Subindo ao céu
Num véu de nuvem brilhante subindo ao céu”

Gil continua explicando que quem utiliza esse expresso psicotrópico nunca chega no Cristo
concreto, em referência ao bonde do corcovado que chega no cristo redentor concreto. O
expresso é um bonde para a irrealidade. Ele passa longe de qualquer coisa real.

“Depois de 2001 e 2 e tempo afora” não é possível perceber nada que esteja acontecendo
na realidade. Gil utiliza uma comparação fazendo uma crítica à ascensão de Cristo, pois diz:
“o Cristo é como quem foi visto subindo ao céu subindo ao céu num véu de nuvem brilhante
subindo ao céu”. O que ele realmente quer dizer é que cristo não é ninguém, pois ninguém
foi visto subindo aos céus numa nuvem. Depois de entrar no expresso e experimentar “seu
balanço” Cristo não importa e, talvez, nem sequer existe, segundo o compositor.

Ao citar este texto, por favor cite o autor

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