Você está na página 1de 36

RSP ENSAIO

E SCOLAS DE GOVERNO
Lim ito s • condicionalidactos

Fra n cisco G a e ta n i

texto trata da tem ática da


Um a proposta
m od ernizad ora
O form a çã o do corpo d ir i­
gente das burocracias
públicas e das lim ita çõ es à
institucionalização de escolas de
preparação destes quadros. As
preocupação com a moder­ p ro b lem á tica s de capacitação,
nização do listado aparece, de uma remunenraçáo e carreiras precisam
form a geral, vinculada a um ser equacionadas de fo r m a
projeto de desenvolvim ento necessariamente articulada. A lógica
nacional e a uma determ inada da ação governamental, tratando a
concepção de qual deva ser o questão de fo rm a fragm entada, a
papel a ser desem penhado por dinâmica de atuação das corporações,
este listado. Não faz sentido, voltadas para aten d er interesses
portanto, pensar a questão do particulares, e as práticas políticas
redesenho do seto r público clientelistas tradicionais acabam por
apenas sob uma ótica d ific u lta r enorm em ente a conso
m odernizante, com o se esta lidação das iniciativas voltadas para
adjetivação fosse capaz de a profissionalização da a d m in is­
produzir um consenso geral sobre tração pública.
as im plicações deste posi­ nados com propostas de reformas
cionamento. Na verdade, a mínima institucionais. Paradoxalmente, a
qualificação do que significa a situação “atrasada” que se
proposta "modernizadora” já é pretende alterar/erradicar não
capaz de deflagrar m últiplos costum a ser objeto da mesma
conflitos de interesses envolvidos atenção. Sua qualificação também
com a possibilidade de alteração e problem ática, uma vez que
do status quo estatal. implica na revelação dos interesses
c práticas que serão afetados pelas
Ainda assim, a referência à idéia de mudanças propostas, o que pode
modernização do Estado aparece provocar (e geralmente provoca)
reiteradamente nos discursos, leis a mobilização e reação destes
e docum entos oficiais relacio­ segmentos sociais atingidos.
113
RSP Francisco G aetani

sta ressalva c im portante p o lítica s o n d e o g o v ern o é


E para a com preensão da apenas uma destas forças.
complexa teia de interesses
A intenção é chamar a atenção para
contra a qual vai se colocar a idéia
de criação de uma escola a necessidade de uma sustentação
destinada a formar quadros para mais ampla de um projeto desta
o serviço público, que deveria ser natureza. E esta sustentação
apenas um a peça de uma envolve um pacto, ainda que
estratégia mais am pla de mínimo, relacionado com alguns
transformação do aparato admi­ aspectos estru tu ran tes da
nistrativo estatal. administração pública. A costura
de uma agenda destinada a
Neste sentido, é interessante instrumentalizar uma negociação
lem brar que a criação da Ecole interpartidária relativa ao serviço
Nationale d ’Administration, na público é (ou se espera que seja)
França, coincidiu com a decisão de do interesse da maioria das forças
governo de reconstruir o Estado políticas de expressão. Prati­
francês, duramente contaminado camente todos os grandes partidos
pelo colaboracionism o que experimentaram a posição de ser
predom inou no período da governo (municipal, estadual ou
ocupação nazista. Houve, por­ federal), nos últimos dez anos e já
tanto, um a clara opção pela esbarraram em barreiras comuns,
renovação do conjunto do serviço ainda que buscando implementar
público em novas bases, funda­ programas e ações diferentes.
mentada nas noções de mérito e
competência profissional. O (escasso) discurso sobre a
im portância da adm inistração
C o n sta ta -se , p o is, a in d is- pública é bastante semelhante no
sociabilidade entre a proposta que se refere ao diagnóstico,
de se criar uma instituição com diversificado no que tange às
a finalidade de formar quadros causas e divergente com relação à
d irig e n te s da b u ro cracia terapêutica (ainda que abrigando
pública e um projeto político campos de interlocução possíveis).
de atuação. Não se trata, no É neste espaço de negociação
caso, de uma proposta política- política, inter e supra partidário,
partidária, que eventualm ente que pode se buscar trabalhar no
estreitasse a base de apoio da sentido de se p ro d u zir um a
id é ia . A n o ção de p ro je to qualificação do que se pretende
p o lític o , n e ste co n tex to , se dizer com m odernização da
assenia sobre o princípio tlc administração pública.
um a a g lu tin a ç ã o de forças
114
RSP Escolas de governo: limites e condicionolidodes

cpassando a argumenta- países bastante diversos (como


ção apresentada, pode-se França, Espanha, Itália, Canadá,
resum ir as idéias apre­ Portugal, México e A rgentina,
sentadas nos seguintes tópicos: entre outros) no Brasil estas
iniciativas ainda não se tomaram
a) a proposta de modernização da orgânicas. Mas a idéia persiste.
administração pública precisa ser Cabe examinar então, o porquê
qualificada sob pena de ser desta insistência na viabilização de
reduzida a peça retórica, um projeto que vem se revelando
destituída de significado; tão controverso e ... frágil.
b) esta qualificação vincula-se É como se qualquer que fosse a
necessariamente à concepção de proposta de reestruturação do
um projeto nacional de Estado (minimamente articulada)
desenvolvim ento, ou mais que viesse a emergir, demandasse
precisamente a uma determinada a instalação de uma escola voltada
visão de Estado; para a form ação de quadros
dirigentes de alto nívèl. Mesmo na
c) a proposta de escola de governo Inglaterra e nos Estados Unidos
insere-se no contexto de uma tais instituições se fazem
articulação política, em uma pauta presentes, operando a renovação
que inclui as bases consensuais de e qualificação de profissionais
funcionam ento do serviço encarregados de im plem entar
público. políticas públicas, que, inclusive,
implicam a redução da intervenção
Um a iniciativa recorrente estatal na vida econômica e social
destes países.
As experiências iniciadas .
partir de meados dos anos 80 e no
Parece haver uma convicção de
que, cedo ou tarde, de uma forma
início dos anos 90, em Belo ou de outra, centros de formação
H orizonte, São Paulo, Porto deste gênero se consolidarão
Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro e também no Brasil, tanto no plano
Brasília, parecem indicar o fôlego nacional quanto estadual (há
de um projeto que escala para estas escolas nas
paradoxalmente vem enfrentando grandes unidades da federação,
grandes dificuldades para especialmente se estiverem em
consolidar-se. Embora haja uma sintonia com um projeto federal).
clara sinalização internacional Há que se atentar, no entanto, para
revelando o espaço institucional a incapacidade destes projetos se
para propostas desta natureza, em consolidarem , ainda que em

I
RSP Francisco Gaotani

termos minimos. A travessia dos Independentem ente do equa-


governos não tem sido bem cionam ento destas questões a
sucedida. O acúmulo de massa proposta tem se disseminado. A
crítica não tem ocorrido. A fixação ENAP (em Brasilia), a FUNDAP (em
de pesquisadores tem sido difícil. São Paulo), a FESP (no Rio de
As desarticulações com os planos Janeiro), a EGMG/FJP (em Minas
de carreira e com as políticas de Gerais) e o IPARDES (no Paraná)
remuneração permanecem. E, last caminham nesta direção, mesmo
but not least, a clarificação de sem um a avaliação mais
quais são os alunos (o perfil) aprofundada das possibilidades de
destes centros não está definida. êxito do projeto. O apelo,
portanto, perm anece atual e
Já há algumas décadas existem p ertin en te. Com relação às
centros de formação de recursos possibilidades de êxito da
hum anos para o setor público, proposta, persistem no entanto, as
tanto no plano federal quanto incertezas.
estadual. Estes institutos não
possuíam , no entanto, esta Recapitulando, é interessante reter
pretensão de ocuparem o espaço os seguintes aspectos em relação
de form ação de elites para o à atualidade da proposta:
governo. Apenas a Receita Federal,
o Itamaraty e as Forças Armadas a) a proposta permanece atual e
eram (e são ainda) dotadas de portadora de um apelo recorrente,
centros de formação próprios, como se observa pelas iniciativas
articulados com as respectivas estaduais e pelo consolidado
estru tu ras de carreira e quadro de referências in te r­
remuneração. A transição destes nacionais;
centros de capacitação para um
pro p ó sito mais am plo não é b) os projetos em curso não se
simples. A divisão institucional de encontram consolidados, nem
papéis (caso de Minas Gerais por tam pouco foram capazes de
exemplo onde a Fundação João equacionar de forma conclusiva os
Pinheiro e o Instituto Estadual de obstáculos à sua in stitu cio ­
Desenvolvim ento de Recursos nalização;
Humanos atuam, respectivamente,
com a clientela de nível superior e c) a diferenciação da proposta de
de nível m édio/básico) e a criação de escolas de governo da
coexistência dos dois papéis no atuação rotineira na área de
mesmo órgão (caso da FUNCEP/ capacitação e treinam ento de
IiNMYCIiDAM) não c desprovida pessoal não está ainda claramente
de tensões desagregadoras. formulada.
116
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

para a cúpula do governo,


O s atributos e ap elos de qualquer que seja ele. É como se
uma proposta sedutora fosse criada a possibilidade de um
acesso, legitim ado pelas legis­
lações que regem a burocracia de
oucas propostas gozam de um Estado, aos mais altos escalões
apelo como o da criação de uma dirigentes, credenciado inclusive
escola destinada a formar quadros pelos mandatários políticos.
dirigentes. É como se tratasse de
uma nobre missão, vinculada aos O com ponente de idealização,
mais altos e elevados interesses do necessariam ente p resen te na
Estado. O objeto em questão proposta, é, praticam ente,
insere-se na tradição do ideal inevitável (eventualmente também
weberiano, no sentido de se dotar desejável). Trata-se, explicita­
o Estado de técnicos rigo­ mente, de construir uma inter­
rosam ente selecionados e venção no âm bito do aparato
subm etidos a um a intensa estatal visando dotar o serviço
preparação destinada a capacitá- público de quadros dotados de
los para assumirem as tarefas de com petências instrum entais,
seus cargos (de alta resp o n ­ analíticas e políticas que permitam
sabilidade). um m elhor atendim ento ao
interesse social.
Trata-se, portanto, de um projeto
aparentemente consistente com as Existe também uma dim ensão
propostas políticas dos mais globalizante na proposta, uma
diversos matizes ideológicos. pretensão de abrangência que se
confunde com as próprias
Há também uma difusa convicção fronteiras do Estado, como se fosse
de que caberia a este tipo de possível articular de form a
instituição a formação de elites coordenada suas necessidades e
dirigentes capazes de conduzir os possibilidades. Assim sendo, o
negócios de governo, a partir da acesso ao espaço decisório
assim ilação de com petências governam ental se daria (por
específicas em program as de dentro da máquina) a qualquer
ensino organizados com esta momento e alcançando, poten­
finalidade. cialm ente, qualquer lugar (no
sentido de setor).
Neste sentido a proposta da
criação de uma escola de governo Esta é, portanto, uma proposta
não tem com o deixar de ser aparentemente muito tentadora
percebida como um passaporte para aqueles a quem forem
17
RSP Francisco Gaetani

conferidas as tarefas de pilotá-la.


E m esm o do ponto de vista As restrições corporativas
político é bastante defensável, se
colocada na perspectiva de uma
infra-estrutura capaz de formar ro m a n d o com o quadro de
proGssionais a serviço da política, referência, a experiência da ENAP
isto é, de potenciais projetos com os gestores, em Brasília, é
políticos. interessante observar o quadro de
reações à proposta então em
D entro desta ótica não se processo de im plem enta­
visualizam, a princípio, grandes ção.Dentre estas, especial atenção
obstáculos a este projeto, nem m erecem os posicionam entos
tam pouco a com plexidade das oriundos das universidades, dos
dificuldades institucionais envol­ conselhos profissionais e das
vidas na sua efetiva im ple­ (poucas) carreiras estabelecidas.
mentação.
A crítica oriunda da comunidade
Nestas condições, é interessante acadêmica é centrada na convicção
registrar, então, que: de que as próprias universidades,
através de seus centros de
a) a idéia de escola de governo formação de graduação e pós-
possui ressonância social, sendo graduação poderiam perfeita­
respaldada pela experiência de mente suprir as necessidades de
outros países e pela deterioração quadros qualificados por parte do
da administração pública nacional; setor público. As universidades já
dispõem de massa crítica instalada
b) o ideal weberiano de burocracia e de um arranjo institucional
permanece como uma miragem comprovadamente mais estável
perseguida por aqueles empenha­ que o da máquina governamental,
dos na restauração (ou instalação) o que as colocaria era m elhor
de um ethos público; posição para assumir tal tarefa. A
iniciativa do próprio governo para
c) a proposta possui apelo político, formar seus quadros é percebida
tanto do ponto de vista daqueles como manifestação de uma'visão
em penhados na sua operacio- autárquica da adm inistração
nalização, quanto na perspectiva pública. Neste sentido, o projeto
do conjunto da classe política. em questão não possuiria
condições mínimas capazes de lhe
assegurar chances de êxito. Dada
esta avaliação, o estabelecimento
de vínculos mais estreitos com as

118
RSP Escolas de governo: limites e condicionalicJacJes

universidades seria a forma mais que foram envolvidos no debate -


indicada de equacionamento do fusão da ESAF com a ENAP e o
problema. CENDEC - m obilizaram -se
decisivamente com o objetivo de
O posicionamento das corpora­ se proteger, mantendo-se à parte.
ções profissionais, tanto estaduais
quanto federal, relaciona-se com Todas as manifestações mencio­
a questão da jurisdição destas nadas se referenciam em
entidades, em termos de campo de racionalidades próprias que as
formação universitária. Notada- justificam. Nenhuma é com ple­
m ente o C onselho Federal de tamente desprovida de sentido,
A dm inistração e o Conselho ainda que seus méritos sejam em
Estadual de Adm inistração de alguns casos bastante discutíveis.
Minas G erais levantaram
questionam entos relacionados O desenrolar dos acontecimentos
com a natureza das atividades dos no período 90/94 produziu certos
egressos destas escolas. Uma vez realinham entos deste quadro.
caracterizada a form ação em Como foi mencionado, algumas
adm inistração pública estas carreiras outrora essenciais do
entidades teriam que ser ouvidas Executivo foram duram ente
e acatadas na regulamentação da atingidas pelo desmantelamento
carreira/profissão. da administração federal e, no
momento, encontram-se alinhadas
Finalmente é interessante observar na busca da sobrevivência (sim,
as m anifestações das carreiras porque é exatamente este o caso).
estabelecidas em relação a um No caso da universidade, os
pro jeto com o o da ENAP. Os vínculos estão se estreitando cada
profissionais form ados em vez mais, através de projetos
adm inistração, integrantes das com uns e de iniciativas de
carreiras técnicas do governo cooperação técnica como eventos
federal pleitearam “isonomia” com e seminários. Na medida também
a carreira dos gestores. Os em que a ENAP não se ocupa da
in teg ran tes das carreiras de formação em áreas concorrentes
orçamento, finanças, controle e com o segmento acadêmico, estas
m esm o do IPEA, após uma relações fluem melhor.
prim eira atitude de estra­
nhamento em relação aos egressos Pode-se, portanto, concluir que:
da ENAP, a eles se alinharam em
busca de condições mínimas de a) as reações de origem
trabalho. Já os fiscais da Receita corporativa ao projeto de escola de
Federal, no único momento em governo revelam, de um lado, a
119
RSP Francisco Gaetani

manifestação de interesses destes A primeira questão diz respeito à


próprios setores e, de outro, a fragmentação dos governos na
existência de questões não últim a década. A ausência de
claram ente equacionadas no projetos hegemônicos com lastro
âmbito desta proposta; político capaz de dar sustentação
às ações de governo é, sem dúvida,
b) a evolução dos acontecimentos um poderoso obstáculo a
nos últimos anos, especialmente iniciativas reformadoras de amplo
no que se refere ao agravamento alcance. A fragilidade decorrente
da crise institucional do setor deste quadro provoca o
público, contribuiu para o loteamento da administração e o
arrefecim ento das reservas acirram ento da tendência à
colocadas, embora o quadro geral feudalização dos órgãos. O
onde se operava a discussão, tenha conceito de territorialidade se
piorado no seu conjunto; sobrepõe ao interesse da
administração. A autoridade se
c) as manifestações corporativas restringe aos seus lim ites
citadas não podem ser res­ institucionais. A ssuntos que
ponsabilizadas pelas lacunas, perpassam o conjunto da máquina
deficiências e insuficiências da administrativa não têm como ser
proposta de criação de uma escola encaminhados e negociados, a não
de governo como, por exemplo, a ser quando são prioritários para o
do plano federal. dirigente do Executivo. Em geral,
os m últiplos poderes de veto
As dificuldades ocultas atuam anulando-se reciproca­
mente e inviabilizando o avanço
da proposição.
ü ^ m a das maiores dificuldades
na análise da experiência das Um segundo ponto diz respeito ao
escolas de governo é a conjunto do funcionalismo. Um
identificação das forças contrárias projeto de natureza elitista (no
ao projeto que não possuem sentido de form ar um a elite),
visibilidade social. Não se trata, no restrito a uma minoria para a qual
caso, de nenhum tipo de interesse se acena com condições de
de caráter conspiratório, mas de capacitação, trabalho e rem u­
práticas, procedimentos, posturas neração especiais , no âmbito do
e atitudes, geralmente marcados setor público, não tem como ser
pela opacidade e diluição de recebido com simpatia quando o
responsabilidade que vêm funcionalism o passa p or um
contribuindo para a inviabilizaçâo processo de desprofissionalização.
deste tipo de proposta. E, claram ente, um a iniciativa
120
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

facilmente isolável e desvinculada controle social.


de quaisquer outras forças sociais
e políticas. É, tam bém , uma Recapitulando, três grupos de
iniciativa marginal, dissociada de dificuldades atuam ativamente no
outras proposições conexas sentido de bloquear a institu­
capazes de assegurar-lhe uma cionalização da idéia de escola de
inserção mais orgânica no âmbito governo:
do governo. Cabe lembrar que a
grande maioria dos funcionários a) a ausência de forças políticas
públicos era, até a Constituição de suficientem ente fortes para
1988, contratada via regime CLT deflagarem ações voltadas para o
ou ocupante de cargos de enfrentam ento de questões de
confiança. A entronização de natureza conflitiva com o as
carreiras de elite não tem como ser relativas à reform a da adm i­
bem vinda sem o equacionamento nistração pública;
da situação dos que possuem mais
tempo de estrada. b) o caráter excludente da
proposta de formação de quadros
Um terceiro conjunto de de elite do Estado, dissociada de
interesses, talvez os efetivamente quaisquer outras m edidas
mais poderosos, que atuam (e articuladas, destinadas à requa-
continua atuando) no sentido lificação e valorização do
contrário ao fortalecimento desta heterogêneo conjunto do funcio­
proposta é o constituído pelos nalismo público;
segmentos (econômicos, políticos,
corporativos e sociais) que c) a atuação ativa de grupos
possuem interesse na fragilização particulares, dentro c fora do
do Estado, para que possam ter aparato estatal, que se beneficiam
suas demandas melhor atendidas. da fragilidade estrutural do setor
Do clientelism o aos anéis público para capturarem
b urocráticos acostum ados a vantagens e viabilizarem o
trabalhar à sombra dos meios de atendimento de seus interesses.
comunicação social, passando por
corporações e grupos econômicos O contexto onde se processa
cuja sobrevivência é inviável se a ação
submetidas à concorrência política
aberta, todos estes setores reagem
organicam ente a qualquer
iniciativa capaz de, sim ulta­
N ão há com o ab o rd ar a
problemática de funcionamento
neamente, fortalecer o Estado e da máquina administrativa sem
ampliar sua permeabilidade ao levar em conta o contexto e as
121
RSP Francisco Gaetani

condicionalidades históricas que


m oldam o escopo das in ter­ O bservações a respeito do
venções reformistas. Esta ressalva momento atual
é im portante dada a persistente
reprodução de iniciativas
m odernizadoras marcadas pela
sua a-historicidade. É como se a
N a última década três crises se
sobrepuseram e se interpe-
adm inistração pública, ao netraram : a crise do regim e
contrário da sociedade, pudesse autoritário, a crise econômica e
ser analisada de forma atemporal, financeira do Estado e a crise
como se seus problemas fossem política e institucional do setor
cronicam ente os mesmos, público (BARBOSA,[s.d.]).
independentem ente das macro-
transformações cm processo no No que se refere explicitamente à
seu “entorno”. Como bem ressalta máquina administrativa estatal o
Kliksberg, “a máquina não é anti- processo de desagregação e
histórica; seu estabele- cimento faz desarticulação que vinha evo­
p arte viva de um processo luindo no decorrer dos anos 80,
histórico global que a marcou foi potencializado pelos
profundam ente em suas acontecimentos do período 88/90
características centrais e que ela -, (CARNEIRO, 1991). Em primeiro
por sua vez, contribuiu para lugar, é importante ressaltar que
modelar. (...) Sua historicidade a decisão de se implantar o Regime
visceral determina que muitos dos Jurídico Único, conform e
problemas que apresenta não são determinação da Constituição de
endógenos; são as manifestações, 1988, foi tomada sem a realização
em seu nível, de problem as de estudos antecipatórios de seu
estruturais da sociedade em seu impacto, seja do ponto de vista
econôm ico-financeiro, seja do
co n ju n to ” (KLIKSBERG, 1992, ponto de vista institucional-
p.45). organizacional. A administração
pública retrocedeu à realidade pré
Neste sentido, a proposta de 1967 verificou-se a cristalização de
criação de escolas de governo todo um processo de crescimento
precisa ser destrinchada à luz do desordenado da m áquina,
com plexo contexto político, ocorrido nas duas décadas
histórico e organizacional em que anteriores. Na contram ão das
se insere. tendências de se promover maior
flexibilização das estru tu ras
organizacionais, em consonância
com as transform ações
tecnológicas e culturais em curso,
122 !
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

promoveu-se o enrijecimento da que os dirigentes da época


administração pública forjada no demonstraram em simplesmente
período do autoritarism o, com apagar a memória da adm inis­
todas as suas disfunções e tração pública.
deficiências.
Neste contexto, não é de se
Em segundo lugar veio o estranhar que as propostas de
desm antelam ento da m áquina reforma da máquina administrativa
administrativa do governo federal, (no sentido de fazê-la funcionar,
ensaiada no final do governo bem entendido) tenham se perdido.
Samey com a operação desmonte, Na verdade, transformaram-se em
mas efetivamente levada à cabo verdadeiras não questões, cujo
pelo então recém eleito presidente bloqueio é revelador da gravidade
Collor. Se a Operação Desmonte da deterioração do quadro.
possuía motivações financeiras
relacionadas com a necessidade de Finalmente, cabe o registro de que
red u zir despesas e procurou o governo Itamar não enfrentou
introduzir certa racionalidade nos este problema, contribuindo para
cortes, a reforma administrativa seu agravamento ao desconhecer
perpretada por João Santana ficou a trajetória desagregadora na qual
m arcada pela mais absoluta vem atuando a adm inistração
irracionalidade. O grau de pública. Particularmente trágica é
desestruturação da m áquina a situação de carreiras e quadros
administrativa alcançou patamares estratégicos como é o caso dos
inéditos, transformando o Estado analistas de orçam ento e de
em uma massa amorfa de funções, finanças, e os pesquisadores do
cada vez mais vulnerável ao assaltoIPEA. O impacto cumulativo de
dos mais variados interesses. três (des)governos sobre a
administração federal resultou em
um processo de entropia cuja
A título de exemplo é interessante reversão não se encontra à vista.
recordar que a ENAP possuiu sete
presidentes em apenas cinco anos No plano contextual cabe, pois, o
(89/93). registro de três elem entos que
contribuíram para plasm ar
A gravidade do quadro é de tal decisivamente a realidade atual:
ordem que mesmo a recuperação
dos registros, dados e docu­ a) a implementação desastrada do
m entação (tradicionalm ente RJU, que engessou a adm inis­
precários e frágeis) deste período tração federal e cristalizou as
tornou-se um exercício de distorções acumuladas ao longo
arqueologia dada a capacidade das últimas décadas;
123
RSP Francisco Gaetani

b) o desmantelamento do setor regimes democráticos, tomou-se a


público pelas forças políticas que exceção, independentem ente de
ocuparam o governo nos últimos divergências de caráter ideológico.
dez anos, período em que o país A ansiedade do novo, a
teve três presidentes; necessidade de diferenciação em
relação à situação an terio r
c) desaparecimento das questões (qualquer que fosse), a urgência
intrinsecam ente vinculadas à na apresentação de resultados em
administração pública da agenda tempo (político-eleitoral) hábil e
decisória nacional, assim como do vários outros com portam entos
universo de atenções da mídia e intrínsecos ao jogo político, foram
dos formadores de opinião. exacerbados ao extremo, a ponto
de se chegar a uma absoluta
In stab ilid ad e adm inistrativa dissociação entre a atuação de
certos órgãos e suas finalidades
sociais e institucionais.
E stu d o elaborado pelo Centro de
E studos de C ultura C ontem ­ A sobreposição destes processos
porânea (CEDEC) para a ENAP - produziu certas alternativas de
“Estrutura e Organização do Poder comportamento burocrático que,
Executivo” mostra que o grau de pela frequência de sua ocorrência,
estabilidade da estrutura justificam ser explicitadas.
organizacional do Executivo
federal foi nulo nos últimos anos A primeira delas é, sem dúvida, a
(ANDRADE E JACCOUD,199f, p. indiferença. A máquina "apreen­
129). A instabilidade é a única deu” que a melhor forma de lidar
referência certa na administração com as mudanças é ignorá-las. Esta
federal. O rganogram as foram postura se manifesta em um nível
sendo m odificados com uma de resposta ao com ando do
aceleração espantosa, de forma governo próximo do vegetativo.
absolutam ente dissociada de Trata-se do esforço m ínim o,
análises organizacionais de indispensável para não se criar
profundidade. Alterações no lay- incom patibilidades com os
out tornaram -se tão rotineiras titulares de plantão.
quanto as mudanças dos titulares
de cargos de confiança, cuja Um segundo tipo de posicio­
rotatividade atingiu índices sem namento, mais institucional do
precedentes na história do país. que o prim eiro, é o encapsu-
lamento. É o ensimesmamento do
A (des)conlinuidade adm inis­ órgão. A idéia é ficar fora do
trativa, um clássico desafio dos noticiário. T rabalhar para o
124
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

público interno. Não sc tom ar


“atrativo”, não chamar a atenção Os subterrâneos da
sobre si m esmo. A ssegurar a adm inistração pública
com unicação apenas com os
setores externos responsáveis pela
oxigenação ($) básica da agravam ento da crise da
instituição. adm inistração pública teve,
porém, um mérito: permitir que
Um terceiro efeito deste viesse à tona a ponta do iceberg
“aprendizado” é a consolidação de dos elem entos que movem a
um sólido conservadorism o m áquina adm inistrativa e,
burocrático. Desenvolve-se a freqüentem ente, o pró p rio
descrença, a mentalidade de que governo, especialmente quando
o novo é sem pre um blefe, a muito fragilizado (a ponto dos
autoridade do deja vu. A nostalgia cargos
precisarem
de prim eiro escalão
ser ocupados po r
da “época em que as coisa técnicos, dadas as baixas
funcionavam ” faz o resto. O possibilidades de retomo político
descompromisso fundamentado que oferecem, nestas circuns­
se transforma cm resistência ativa tâncias). Trata-se da questão da
a quaisquer iniciativas respon- remuneração dos servidores e dos
sabilizadoras. E os fatos, pelo agentes políticos (do Executivo,
m enos os mais recentes, são Legislativo e do Judiciário), tema
evocados para confirm ar a que se situa no ponto cego da
sabedoria deste entricheiramento. agenda de discussões nacional.
A instabilidade possui, portanto, Antes de entrar neste assunto, tão
seu componente de estabilidade: complicado quanto desagradável
o reforço da inércia e do (o que costuma ser uma excelente
conservantismo burocrático. desculpa para o arquivamento da
discussão), é importante recuperar
Em síntese, a instabilidade algumas reflexões sobre a questão
redefiniu alguns traços da cultura dos cargos de confiança e das
p ró p ria do serviço público, carreiras.
contribuindo para tomá-lo mais
conservador, inerte e opaco. Prim eiram ente é interessante
observar um paradoxo entre o
discurso que enfatiza a
necessidade da perenização da
ação governamental (dentro do
princípio de co n tin u id ad e
administrativa) e a prática, uma
125
RSP Francisco G aetani

vez no poder, de se proceder à prefeito, governador ou


am pliação dos cargos cujo presidente), as de fôlego
recrutamento possa ser feito de interm ediário (com o as das
forma ampla. Forças políticas de instituições federais de ensino
diversos credos partidários, superior e do sistema de ciência e
sentindo-se “impotentes” em seus tecnologia, que costumam oscilar
esforços para mover a máquina ou ao longo do tempo) e as demais,
necessitando abrir espaço para aí incluídos tam bém os
acomodar solicitações de credores, funcionários definidos com o
têm, de forma recorrente, lançado estáveis pela Constituição de 1988.
m ão deste expediente como Além de, no conjunto, os governos
estratégia de governo (senão no prom overem o arrocho das
prim eiro m om ento, logo no despesas de pessoal com o
segundo das gestões). Não se estratégia de financiam ento de
visualiza, hoje, a possibilidade de seus gastos, a regra é atender (ou
convergência de forças políticas no enfrentar) cada carreira em
sen tid o de se prom over uma particular, negociando sem pre
reversão desta prática. caso a caso, cada vez com uma.
Trata-se apenas de “dividir para
O segundo ponto diz respeito à governar” uma vez que o governo
questão dos chamados planos de administra as expectativas destes
carreira (geralmente abordados de quadros de m odo a deixá-los
forma reducionista como planos convictos de que no tratamento
de cargos e salários). Assim como particular possuem m elhores
na questão anterior, a coincidência chances de serem atendidos.
do que se passa nas adm i­ A dm inistrando este rodízio e
nistrações de partidos políticos desincentivando iniciativas
distintos, bem como nas três conjuntas o governo economiza na
instâncias de governo (federal, administração dos gastos com a
estadual e municipal), é indicativa folha de pagamentos. O segredo
do grau de gravidade e profun­ de Polichinelo é não permitir que
didade (no sentido de enrai­ seja promovida uma consistência
zamento histórico-cultural) desta generalizada e duradoura entre o
problemática. Existem as carreiras conjunto das carreiras
fortes (como a dos fiscais que (possibilidade efetivam ente
costumam ter o seu nível inicial de rem ota e que exige com plexa
vencim entos, incluindo-se as engenharia política). Quando este
gratificações por produtividade - risco ocorre o governo ameaça
geralm ente generalizadas -, nivelar por baixo e desestabiliza a
gravitando em torno dos frágil unidade do processo de
vencimentos do Executivo, seja ele mobilização.

126
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidados

N
este quadro, a p roli­ provável que este quadro
feração de tabelas apresente m udanças no curto
contendo gratificações, prazo. Esta não é, pelo seu caráter
adicionais e indenizações conflitivo, uma bandeira de
conjugada com a proibiçãocampanha
pelo dos partidos políticos.
Suprem o T ribunal Federal E não vem sendo, pelas mesmas
(BARBOSA, [s.d.|, p. 8) de se razões, objeto de ação
firmarem contratos coletivos de governamental.
trabalho en tre servidores c o
Estado, acaba por produzir um A economia da folha de
quadro cuja cacofonia de vozes só pagam ento
faz dificultar o discernimento de
qual seria o interesse da sociedade
neste tipo de discussão. O fato é
que antes mesmo de se pretender discussão de fundo que
um disclosure da folha de permeia este debate é a questão
pagamento, as dificuldades já se da política de rem uneração
avolumam de forma impressio- praticada no setor público e suas
nan te. imbricações com o exercício do
poder político. Não se trata de
Em linhas gerais pode-se dizer, reduzir a questão de recursos
então, que tanto a expectativa de hum anos na adm inistração
uma maior profissionalização dos pública a um a discussão de
quadros de governo via acesso contracheques, nem tam pouco
qualificado a cargos de direção, relacioná-la com a temática da
quanto a reivindicação de planos governabilidade. Trata-se de
de carreiras consistentes para a analisar os vetores relacionados
administração pública constituem, com a atual (irreversível?)
na conjuntura atual, miragens no deterioração da e stru tu ra de
debate nacional sobre o tema. As rem uneração dos servidores e
propostas e práticas de governo dirigentes da máquina adminis­
em curso não autorizam trativa, e de co m p reen d er o
expectativas no sentido de um conflito de lógicas - política x
equacionamento destas questões, técnica-administrativa - que baliza
d istin to do historicam ente este quadro.
experimentado. A não ser que a
situação de impossibilidade de O primeiro ponto a ser ressaltado
gerência da máquina continue se é a orgânica desinformação sobre
agravando c reduzindo os graus de este assunto. Os dados são
liberdade dos decisores (o que, precários. As séries históricas são
por sinal está ocorrendo) é pouco difíceis de serem construídas. As
127
RSP Francisco Gaetani

estatísticas não são consistentes a institucionalização e cristalização


umas com as outras. A legislação de vantagens. Nesta perspectiva,
de pessoal é um emaranhado de nenhuma, mas nenhuma carreira
leis de difícil consolidação e mesmo (nem fiscais, nem docentes
compreensão (o tratamento caso das univesidades, nem as forças
a caso é a regra e os casuísmos são armadas, nem a polícia federal,
inúm eros). O acesso às infor­ nem qualquer outra carreira
mações c uma questão quase que estratégica), vai se mobilizar de
de segurança nacional (e cm forma articulada com as demais
alguns casos talvez seja encarada com a finalidade de pleitear um
dessa forma mesmo). Trata-se, esforço de prom over a consis­
portanto, de assunto demasiado tência inter-carreiras (os preços
com plexo para ser objeto de relativos da estrutura de pessoal).
atenção dos governantes. Km se A lógica particularista de cada
tratando de questão espinhosa carreira é, por o u tro lado,
politicam ente, prevalece o extremamente funcional para os
julgamento de que c melhor não propósitos tradicionais dos
mexer, uma vez que não há como governos, qual seja o de promover
se gerar resultados capitalizávcis a economia (cega) dos gastos com
curto prazo. Mesmo dentro de pessoal através do rodízio do
uma perspectiva estratégica, atendim ento (freqüentem ente
costum a-se avaliar que os transitório) de seus pleitos. Cabe
desgastes decorrentes do lembrar que a gestão da folha de
dcsvelam cnto da gravidade do pagam entos é um assunto da
quadro não compensa eventuais com petência real da equipe
esforços “racionalizadores” nesta econôm ica, com a eventual
área. O resultado é a conjugação interveniência do titu lar da
da adm inistração da folha de Secretaria da A dm inistração
pagam entos como um grande Federal, quando possui força
agregado (geralm ente a ser política para influenciar as
arrochado) e institucionalização decisões.
do increm entalism o como
procedim ento padrão de A implementação do SIAPli é, sem
equacionam cnto de problemas dúvida, um marco histórico no
nesta esfera. serviço público federal. Cria
condições objetivas para que se
O segundo pon to para o qual deve inicie um processo dc controle
ser chamada a atenção é a lógica institucionalizado do gasto,
instalada a partir destes m ovim entação, alocação e
parâmetros O desafio é, na ótica capacitação dc pessoal. Cria, na
particular de cada carreira, buscar verdade uma massa crítica de
128
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

inform ações capaz de in stru ­ dos vetores políticos desagre-


mentalizar o processo decisório no gadores desta proposta (não há
que se refere aos recursos cacife político que viabilize a
humanos do setor público. Eleva “compensação” destes interesses,
o patamar informacional a partir com o governo pressionando
do qual se formulam (ou não) as sempre no sentido de comprimir
políticas públicas nesta área. Mas os gastos com pessoal);
embora condição necessária, esta
não é obviamente uma condição d) a implementação do SIAPE é da
suficiente para a operacionalização maior importância para a criação
de ações substantivas neste das condições de formulação de
campo. Os avanços instrumentais uma política de recursos humanos
podem melhorar a qualidade para o serviço público federal; mas
das potenciais deliberações, que não é suficiente para provocar
se situam inexoravelm ente no ações neste sentido.
plano político. Ampliaram-se as
possibilidades de atuação nesta O bloqueio das propostas de
área, mas os problem as de reform as
natureza política não mudaram.
Resumindo:
J&Ls recorrentes propostas de
a) a desinformação existente sobre reform as adm inistrativas têm
a problemática da remuneração fracassado sucessivam ente em
dos servidores é funcional para o decorrência de um conjunto
governo e para as carreiras que se heterogêneo de razões, algumas
encontram em situação privi­ situadas no cam po da esfera
legiada; política e outras no próprio seio
do aparato estatal. A facilidade
b) a lógica da ação corporativa, com que estas propostas têm sido
generalizada no âm bito das desarticuladas não deixa, no
carreiras do serviço público é entanto, de ser surpreendente e
altam ente facilitadora da reveladora da dificuldade de se
m anipulação clientelista da empreender reformas "modemi-
rem uneração por parte do zantes”, cujos benefícios não são
governo, que atende no particular apropriáveis em termos imediatos
em detrim ento de políticas de e particulares, tendendo a se diluir
cunho mais abrangente; no tem po e pelo conjunto do
tecido social.
c) o processo de consolidação das
carreiras é uma tarefa que não se Neste sentido, vale a pena buscar
encontra colocada devido à força recuperar as causas destas
129
RSP Francisco Gaetani

dificuldades, seja no âmbito da pública e a melhoria da qualidade


sociedade, seja na órbita pública. do atendim ento à população
(caso, por exem plo, de Hélio
A sociedade distante Beltrão e, mais recentem ente,
Antônio Brito) saíram do governo
com grandes índices de
N o plano da sociedade o popularidade. Mas é preciso
desgaste da imagem do serviço ressaltar que na m elhor das
público nos últimos anos tem se hipóteses a opinião pública
dado de form a acelerada. A (sempre influenciada em alguma
sociedade não compreende e não medida pela mídia) se preocupa
aceita o baixo desempenho da com os resultados das ações de
adm inistração pública. Parado­ governo. Seu olhar esbarra nas
xalm ente isto não tem feito bordas do balcão do Estado, é
prosperar a tese do listado mínimo, externo ao que se passa
a não ser entre segm entos rotineiram ente lá dentro, li a
abastados, justamente os que menos pressão social só incide sobre o
se utilizam dos serviços públicos (à que emerge. Onde os mecanismos
exceção talvez do ensino superior). de publicização dos atos
O outro lado da descrença e da adm inistrativos fracassam , a
desconfiança manifesta cm relação atenção do público não alcança.
ao Estado é, paradoxalmente, uma
demanda por uma maior (qualidade Entra, então, em ação um
e quantidade da) intervenção poderoso ator social: a mídia. Cada
estatal, em especial na esfera social vez mais, de um a form a
(educação, saúde, habitação, desequilibrada, sensacionalista e
transporte, saneamento, segurança, nem sempre racional, são os meios
justiça, etc). As parcelas da de comunicação de massa que têm
população que não se encontram feito as vezes do “olho do dono”
incorporadas efetivamente à no que se refere à administração
economia/cidadania de mercado da coisa pública. Na ausência da
não têm a quem recorrer senão ao atuação efetiva dos três poderes no
Estado. Ainda que de forma difusa, exercício de controles recíprocos
quase mágica, é da atuação do que assegurem o equilíbrio do
Estado que esperam algum tipo de regime democrático, a mídia tem
melhoria. ocupado o espaço de fiscal do
Estado, assumindo eventualmente
Sintomaticamente, titulares do as funções executivas, legislativas
governo que conseguiram e judiciárias no que se refere ao
estabelecer vinculações entre o tratamento de fatos relacionados
aperfeiçoamento da administração com a administração pública. Se
130
RSP Escolas de governo: limitas e condicionalidades

por um lado esta situação tem o Estas ONGs (ricas, pobres,


mérito de propiciar uma maior conservadoras, progressistas,
transparência dos atos de governo, locais, internacionais, com pe­
p o r o u tro indica a grave tentes, artificiais ...) estão muito
fragilidade cm que se encontram mais ocupadas em se viabilizar do
as in stituições republicanas, que em promover a regeneração
freqüentemente agindo à reboque do setor público. Mesmo quando
dos meios de comunicação. se confrontam com o Estado,
almejam também resultados, não
As organizações não-gover- intenções ou justificativas a
nam entais (ONGs) constituem respeito de porque as coisas não
outra instância im portante de têm como funcionar.
participação política da sociedade
e que tem tido um em bate O s d ram as de uma não-
permanente com o setor público, questão
p ro d u zin d o em alguns casos
situações, no mínimo, curiosas.
Ágeis e flexíveis, as ONGs têm Cfeuando se associa ao quadro
demonstrado em muitas situações desenvolvido anteriom ente,
uma capacidade de intervenção assuntos como a revolução
bastan te eloqüente. A m ulti­ tecnológica, o processo hiperin-
plicação de ONGs atuando na flacionário, o agravam ento do
órbita executiva (e a perda da apartheid social e o custo do
importância relativa das entidades aprendizado democrático, toma-
que atuam apenas na esfera se mais fácil com preender a
reivindicativa) tem provocado dificuldade de se abrir uma vaga
situações paradoxais nas suas na agenda para um assunto como
relações com a esfera pública. Na a reestruturação do serviço
verdade, em muitos casos estas público, em bora ele perm eie
entidades estão concorrendo com todos os demais. Na verdade, trata-
o poder público e freqüentemente se de uma temática meio, que não
substituindo-o à medida que se é analisada enquanto atividade
agrava a incapacidade deste finalística pelos múltiplos atores
intervir de forma minimamente públicos (exceto as corporações)
articulada em questões como e privados.
meio-ambiente, formação profis­
sionalizante, m eninos de rua, Isto contribui para a sua
direitos do consumidor, habitação circunscriçâo aos lim ites, por
popular, geração de emprego e exemplo, de um órgão como a
renda, entre outros. SAF, cujo principal elemento de
atratividade política é a possi­
131
RSP Francisco Gaetani

bilidade (perversa) de funcionar a) é uma prioridade “m eio”,


com o um banco de favores sistêmica, que não tem como ser
adm inistrado de forma direta­ tratada de forma delim itada e
mente vinculada à Presidência da restrita;
República. Exceto este uso, a SAP
é um ministério com um poder de b) é um assunto da competência
fogo m ínim o cm relação ao de um m inistério frágil, com
conjunto da administração. Se a dificuldade de in terag ir em
área de recursos humanos não é condições dc interlocução efetiva
percebida como estratégica pelo com a área econômica e com as
titu lar do Executivo e pelo demais atividades fim do governo.
conjunto de forças políticas que o
apoiam ou m esm o que lhe O endereço institucional
promovem oposição, a SAI7 não
tem com o (respaldo, fundos,
acesso, pessoal, inform ações, componente “administração”
capilaridade etc) conduzir um é reiteradam ente classificado
processo permanente, seletivo e com o secundário pela ótica
gradual dc reforma da adminis­ tradicional da classe política, pela
tração pública. Noutras palavras, visão econom icista da área
possui uma com petência econôm ica e pela cultura dos
normativa absolutamente disso­ bacharéis da ala jurídica do
ciada de sua real força política. governo. Não há, em nenhum
espaço do governo, uma clara
Assim sendo, a inflexão na forma compreensão de que uma Política
de percepção e tratamento da crise Nacional de Administração Pública
do setor público dificilmente tem é “uma mediação condicionante
com o ocorrer a partir de um para o cumprimento das outras
processo endógeno à máquina políticas”(KLIKSBHRG, 1992, p. 66).
adm inistrativa. Esta, pelo
contrário, deve continuar Neste contexto a SAP acaba por
evoluindo na trajetória de entropia
operar uma política de
em que se encontra. Este é, no administração pública “implícita”,
momento, o vetor resultante da na expressão de Kliksberg, viciada
ação das diversas forças sociais que
pelo formalismo, pela ausência de
interagem neste campo. historicidade, pela visão apolítica
do Estado, pela im portância
A irrupção da problemática da exacerbada conferida aos meios,
adminisração pública é, portanto, por concepcões “iluminadas” dc
difícil por duas razões: reformas administrativas e outras
distorções. Este modus operandi
132
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

é incapaz de re sp o n d e r aos coordenado pelo vice-presidente


desafios históricos e políticos Albert Gore.
atu alm en te colocados. Na
verdade este é um p o sicio ­ No caso do Brasil, embora a SAF
nam ento profundam ente defen­ tenha sido constituída como uma
sivo da máquina, desprovido de secretaria diretamente vinculada à
qualquer risco de alteração do Presidência da República, trata-se
sta tu s quo. D entro desta de um ministério com problemas
persp ectiv a a SAF insere-se e com petências formais m uito
organicam ente no mosaico da superiores a seus recursos
problem ática da administração hum anos e institucionais. Na
pública. A ida de pessoas como verdade, a SAF não faz pane dos
E rundina e Canhim para este órgãos que desenvolvem ações
m in istério é sin to m ática do finalísticas e que produzem
reconhecim ento da sua fragili­ resultados externos visíveis. Sua
dade e do esforço de compensá- atuação é m uito voltada para
la com os atributos (políticos, dentro da máquina, c tende a se
pessoais e corporativos) dos ocupar de aspectos periféricos da
titulares mencionados. adm inistração pública, menos,
eventualm ente, por vontade
O endereçamento institucional da própria que pela fragilidade
problem ática da reform a do política e organizacional que a
Estado não tem com o ser caracteriza.
equacionado no estreito campo
das com petências da SAF, a A SAF não tem como bancar o
despeito de eventuais esforços que confronto com outras áreas do
este Ministério possa empreender governo, a não ser quando atua no
neste sentido. sentido de vetar ou barrar
iniciativas corporativas, o que não
Uma política nacional de necessariamente leva à construção
adm inistração pública só tem de alguma coisa.
como ser implementada a partir
do próprio titular do Executivo. Mesmo sem uma política, sem
Não é por outra razão que nos recursos e sem cacife político, a
Estados Unidos todo o programa SAF perm anece sendo o locus
de reestruturação da adm inis­ institucional privilegiado para o
tração federal, fundamentado nas tratam ento de questões com o
proposições de David Osbome e sistema de carreiras, política de
Ted G aebler - Reinventando o recursos humanos, formação de
G overno (Brasília 1994, MH pessoal e sistemas de informações
C om unicação) - esteja sendo sobre a adm inistração pública
133
RSP Francisco Gaetani

federal. A fragilização e Começa-se então a fechar um fluxo


desagregação da SEPLAN-PR circular do grupo de problemas
paradoxalm ente aum entou sua analisados. Entretanto,o colapso
importância relativa porque a SAF do planejamento no país afetou
tom ou-se o espaço residual de também a administração pública,
iniciativas relacionadas com mas esta, contraditoriam ente,
projetos de m odernização possui potencialm ente mais
administrativa. chances de se reconstituir por
estar form al e legalm ente
Estas potencialidades, no entanto, estruturada.
não têm sido exploradas de forma
satisfatória pelas razões As fronteiras dos pro blem as
apresentadas anteriormente. Há,
porém , um com plicador neste
quadro: a SAF não dispõe de ^ l a SAF situam-se, portanto, um
nenhum tipo de quadro de conjunto estratégico de compe­
carreira capaz de irrigá-la e de tências de governo cujas
prom over a renovação de seu possibilidades e recursos institu­
quadro técnico (constituído pelos cionais encontram -se sub-
funcionários estabilizados pela explorados, seja em função das
C onstituição de 1988 e pelos turbulências do período político,
ocupantes de cargos de seja em decorrência da fragilidade
confiança). Isto dificulta institucional do órgão.
enormem ente a constituição de
um a m assa crítica capaz de Alguns destes graus de liberdade
alavancar um processo de estão sendo explorados, como é o
formulação e implementação de caso do SIAPE e do Fundo Especial
políticas públicas voltadas para a de Form ação, Q ualificação,
reorganização do setor público. Treinamento c Desenvolvimento
Não são funcionários com do Servidor Público (FUNDASE).
perspectivas de longo prazo, com
a preocupação de “fazer carreira” A im plem entação do SIAPE
no órgão. instrumentaliza o governo para a
formulação de uma política de
Paradoxalm ente a ENAP é um pessoal para o conjunto da
centro de formação vinculado administração federal. Mais do que
funcionalmente à SAF, uma escola um instrum ento de controle, o
criada com a finalidade de formar SIAPE é um insumo informacional
quadros para o conjunto do capaz de alimentar um processo
serviço público, o que inclui decisório mais qualificado.
naturalmente a SAF.
134
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

A
criação e regulamentação trabalho tendo este assunto como
do fundo destinado a um dos itens da agenda (ver
viabilizar financeiramente Cadernos ENAP - Redefinição do
o processo de capacitaçãoPapel
dos do Estado), a SAF
funcionários é, sem dúvida,propriamente
um dita não se encontra
avanço estratégico da m aior institucionalmente envolvida no
importância. Cria condições para debate. Certamente uma resposta
a institucionalização do possível é o fato dela não dispor
investim ento em formação de de tempo nem de quadros para se
servidores. ocupar deste assunto, devido ao
acúmulo de trabalhos. Embora
Mas existe um conjunto de legítimo, este posicionamento é
temáticas estratégicas nas quais a claramente sintomático de uma
SAF não tem conseguido se inserir política implícita de administração
de forma orgânica e articulada. pública, que acaba por reforçar o
D entre estas m erecem ser status quo vigente. Não se trata de
destacadas: a) o debate sobre o aguardar o resultado do confronto
papel do Estado; b) o impacto da das forças político-partidárias
revolução tecnológica sobre a para, definido o Estado que se
adm inistração pública; c) as deseja, se desenhe o seu formato,
relações entre política econômica delineie-se a estrutura, definam-se
e gestão governamental e d) o as carreiras e forme-se o pessoal.
tripé carreiras, rem uneração e A SAF não pode ser reduzida (em
formação de recursos humanos. especial pelos seus pró p rio s
quadros) a um a dim ensão
A questão da crise das funções do estritamente operacional. Há um
Estado é, talvez, a mais complexa espaço ativo a ser ocu p ad o /
discussão nacional do momento. percorrido neste processo, não se
O debate, no entanto, não tem dá no vazio institucional da
avançado decisivam ente em máquina, mas sim incidindo sobre
nenhuma direção (Estado de Bem- o seu próprio cerne. O Estado é
Estar Social, Estado M ínimo, inevitável. Não adianta dramatizar
Estado Intcrvencionista, Estado o quadro atual com adjetivos como
Eficaz...). Naturalmente este é um term inal, nem tam pouco cabe
confronto fundam entalm ente idealizá-lo como se a imagem-
político, em curso na esfera dos objetivo do Estado ideal não
poderes Legislativo e Executivo. tivesse que, no plano real, originar-
Mas o posicionamento da SAF em se do que está posto. Mas este é
relação ao tema é de absoluto um debate estruturante do projeto
alheiamento. Ainda que a ENAP nacional, do qual a SAF não pode
venha produzindo encontros de se om itir até porque, pela sua
135
RSP Francisco Gaetani

atuação cotidiana, é uma das Brasil, no entanto, a adoção do


instituições mais credenciadas RJU pela Constituição de 1988,
para participar. aliada à form a com o foi
im plantado, à legislação sobre
Já o im pacto da revolução previdência social (particular­
científico-tecnológica sobre a mente na administração pública)
adm inistração pública, embora e à extensão da estabilidade aos
seja assunto menos carregado do funcionários com mais de cinco
ponto de vista político é da maior anos de casa (celetistas e
importância para uma moderniza­ ocupantes de cargo de confiança
ção qualificada da m áquina inclusive) significou im putar à
administrativa. As discussões sobre sociedade e às gerações futuras
a modernização do serviço público encargos e obstáculos in co n ­
ainda são prisioneiras de antigos sistentes com as possibilidades
paradigmas organizacionais, cuja produtivas do país, na conjuntura
matriz é o DASP, um avanço para atual. Aqui, novamente, a SAF não
a época em que foi criado, mas um se encontra no centro das
órgão fossilizado quando foi discussões, quando deveria buscar
extinto. Em plena época da ser a vanguarda do debate. É fato
economia da informação (cabo, que a ENAP vem marginalmente
fax, modcn, redes, satélites, celular dando sua contribuição a este
etc), a administração pública se debate (ver as publicações sobre
deslum bra como uma criança Contratos de Gestão no Serviço
diante do progresso da técnica Público e Contratos de Gestão e a
mas não é capaz de processar, em Experiência Francesa de
termos de conteúdo, as poten­ Renovação do Setor Público), mas
cialidades que se descortinam por apenas colóquios e anais não
se encontrar imersa em estruturas bastam. A aceleração do tempo e
(jurídicas, organizacionais e o encurtam ento das distâncias
tecnológicas) que não fazem propiciado pelas novas
mais sentido no m undo tecnologias esbarram no colapso
contem porâneo. Na era da dos conteúdos pró p rio s da
acumulação flexível, Calvino (ver administração pública. Se a SAF
ítalo Calvino, Seis Propostas Para não refletir sobre as potenciali­
o Próximo Milênio, Ed Companhia dades de m udanças que o
das Letras, SP, 1990) antecipava as progresso técnico abriga,
exigências de leveza, rapidez, colocando-se na perspectiva de
exatidão, visibilidade e m ulti­ governo, nenhum outro órgão
plicidade que desafiam as público se ocupará deste papel. A
instituições públicas e privadas, na respeito deste assunto, a história
iminência da virada do século. No das em presas estatais de
136
RSP Escolas do governo: limites e condicionalidades

inform ática (ex: SERPRO) é clientelismo e o fisiologismo de


emblemática de um processo de outro pressionam no sentido de
obsolescência não antecipada, que inviabilizar a emergência de uma
hoje custa caro ao público (órgãos administração política (ver o texto
de Estado) usuário. A revolução da de Florindo Villa-Alvarez “As
m icroinform ática atropelou a experiências de form ação de
cultura do m ainfram e, menos, é gestores no Brasil”, m im eo,
claro, no serviço público. Brasília, 1990), ancorada na
perspectiva de um a gestão
O terceiro ponto m encionado integradora do Estado e fundada
refere-se à interação da SAF com o em uma concepção que privilegia
núcleo econômico do govemo, aí o eixo das políticas públicas
co n stitu íd o pelas equipes de governamentais. A SAF submergiu
confiança dos dirigentes e pelos neste confronto. Refluiu do espaço
quadros de carreira. Este tem sido descortinado com o processo de
um confronto desigual, e este é um redemocratização e não chegou a
assunto que demanda reflexão. se impor enquanto interlocutora
M attos (ver Carlos M attos in da área econôm ica, vendo-se
listado e Planejamento: Sonhos e reduzida a auxiliar (ambígua na
Realidade, Brasília, 1989, Ed. perspectiva de ambas as partes)
CENDEC) chama a atenção, em seu nas negociações salariais com o
trabalho sobre as causas do funcionalismo.
declínio do planejam ento na
América Latina, a respeito dos O quarto e últim o p o n to diz
traços de uma ortodoxia latino- respeito à com plexa interação
americana de planejamento entre entre carreiras, rem uneração e
os quais o voluntarismo utópico, formação de recursos humanos na
o reducionismo econômico e o adm inistração federal. Neste
formalismo. Esta matriz ideológica cam po, área de atuação
ainda é influente no Brasil, indiscutível da SAF, os problemas
especialmente junto à tccnocracia efetivamente extrapolaram suas
reform ista (paradoxalm ente) (da SAF) com petências e
remanescente do período autori­ potencialidades. As causas
tário. A república dos bacharéis do (endógenas e exógenas) deste
período populista foi sucedida processo de incapacitação
pela tecnoburocracia do institucional já foram abordadas
autoritarismo, mas hoje as duas anteriormente, mas é interessante
tradições se fundem no expurgo observar como a perm anência
da gestão do comando do aparato deste quadro, ao longo de três
governamental. O economicismo presidentes c sete titulares (Aluízio
e o formalismo de um lado e o Alves, João Santana, Carlos Garcia,

137
RSP Francisco G aelani

Carlos Pimenta, Luíza Erundina e quando a área econômica percebe


Romildo Canhim) é sintomática de a folha de pagamento (sim, porque
uma profunda anomia da máquina em bora distintas am bas as
pública. Reiteradamente tratada questões são indissociáveis uma da
enquanto variável secundária na outra) apenas como um agregado
equação da governabilidade, a econômico a ser comprimido (ao
“adm inistração” só tem como contrário, por exemplo, da dívida
ingressar na agenda decisória interna). Mas quando se observa a
através do queixume de (todas as) falta de uma política de renovação
outras áreas, da queda dc braço dos quadros do setor público,
com as carreiras cm relação à após as aposentadorias em massa
questão dos vencim entos e causadas pela implementação do
gratificações c, finalmente, através RJU, pergunta-se a quem compete
da crescente constatação de que, form ular uma política para a
tal como se encontra adm inis­ administração pública do país. Dos
tração pública é “imprestável” para dezoito concursos realizados de
a viabilização dc qualquer tipo de 1989a maio de 1992 (p. 63, Estrut.
pro jeto nacional distin to do e Org. do Poder Executivo),
rep resen tad o pela pantanosa dezesseis foram para instituições
paralisia atual. A m áquina federais de ensino superior, um
adm inistrativa do governo para a Receita Federal e outro para
encontra-se desestruturada, Analistas de Finanças e Controle.
desarticulada e absolutam ente A falta e o excesso de pessoal
dissociada do m undo real. As convivem perm anentem ente na
delegacias regionais dos minis­ órbita do serviço público federal.
térios são exem plares deste É através dc uma reposição
quadro. O Estado, essa Babel criteriosa e qualificada, ju n ­
amorfa e disforme, só é orgânico, tam ente com uma política
hoje, a interesses particulares consistente de alocação de
(produtivos, corporativos, fi­ pessoal, que este quadro se altera
nanceiros, familiares etc) que se (em qualquer direção que seja). O
apoderaram de setores estratégi­ com portam ento da SAF, neste
cos do aparato estatal. Mas esta caso, resume-se ao bloqueio dc
constatação, amplamente difundi­ novos concursos (afinal ela apenas
da, não é capaz de constranger o opera sua realização) e à ausência
órgão incumbido institucional- de qualquer tipo de proposta de
mente a problematizar o assunto. renovação dos quadros de pessoal.
O recorrente fracasso das Se as aposentadorias se
discussões sobre planos de multiplicam, pouco importa pois
carreira não é de responsabilidade continuam a onerar a folha dc
exclusiva da SAP, especialmente m odo que não se autoriza a
38
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

reposição. Com relação à ENAP é postura acaba por criar um ponto


importante ressaltar que vem se cego no debate pois é como se
to rn an d o um a im portante apenas uma mágica vontade
promotora de eventos e editora de política do P residente da
publicações (o que não é pouco República pudesse alterar a
neste contexto), mas enquanto situação. Noutras palavras a SAF
escola depende: a) da realização acaba por refluir para uma postura
de concursos para que possa apolítica e defensiva, facilitando
m inistrar um treinam ento sua instrum entalização pelos
introdutório aos funcionários de interesses beneficiários deste
carreira que ingressam no serviço quadro.
público; b) da institucionalização
de um a vinculação entre o Brechas possíveis e virtuais
processo de capacitação e
habililação para promoções e c) da
consolidação do FUNDASE. Na alavancagem das reformas
ausência destes requisitos o usualmente pretendidas (raciona­
oferecimento de cursos de média lização, modernização, profissio­
duração e de pós-graduação lalo- nalização e atualização, para ficar
senso (como previsto para 1994) no plano do senso com um )
é a alternativa que resta, mas depende da identificação de
insuficiente para projetar e idéias-força capazes de aglutinar
consolidara própria escola. segm entos sociais, políticos e
institucionais em tom o de sua
No limite, a principal crítica à SAF viabilização.
é que ela não se assume enquanto
órgão form ulador de políticas A crise da qual está se falando
públicas para a adm inistração alcança a União, os estados e os
federal e se desresponsabiliza (em m unicípios, assim com o os
função das dificuldades existentes) poderes Executivo, Legislativo e
pelo agravamento dos problemas Judiciário.'l'rata-se, portanto, de
da m áquina adm inistrativa do uma crise cuja com plexidade,
Estado. Sua racionalidade não é abrangência e capilaridade indica
nem econômica, nem político- a necessidade de uma estratégia
sistêmica, nem tam pouco a da multifacetada de enfrentamento,
form ulação responsável (ver o em um contexto necessariamente
texto Formação de Políticas de de longo prazo (é bom lembrar
Governo, de Paulo Vieira da Silva como, a despeito dos esforços das
e Luiz Pedone in Análise & pessoas, as coisas são lentas no
Conjuntura, Belo Horizonte, p. 61- serviço público), ainda que
73, mai/ago 1987, Ed. FJP). Esta resultados imediatos, de curto e
,139
RSP Francisco Gaetani

médio prazo precisem ser gerados parte da crise econôm ico-


para realimentar e fortalecer as financcira do seto r público
proposições perseguidas. decorre justamente da incapacida­
de do Estado lidar com esta
O desafio maior desta estratégia é concorrência de interesses
precisar ser, necessariam ente, conflitantes. Em certa medida o
política e transpartidária. Trata-se processo inflacionário decorre
fundam entalm ente de (re)po- desta captura do Estado por um
litizar a administração pública, no conjunto de interesses inconciliá­
sentido de recuperar sua dimensão veis e incom patíveis com as
política republicana. Precisa, proporções da riqueza produzida
também, do aval dos participantes no país.
do processo político (partidos,
parlam entares, lideranças civis, A maior permeabilidade do Estado
m ovim entos sociais, ONGs, às pressões próprias do jogo
acadêmicos e demais atores). Sem democrático não correspondeu,
um consenso m ínim o (a ser no entanto, ao aum ento do
costurado) não há arranjo controle do Estado pela sociedade.
institucional capaz de se viabilizar.
A seguir, são desenvolvidos temas Excetuando a atuação da imprensa
de uma possível agenda, cm tomo e importantes processos pontuais
da qual possam ser, potencial­ (como os que resultaram no
m ente, desenvolvidas ações “im peachm ent” e na CPI do
convergentes, independentemen­ Orçamento), a sociedade civil e
te do lugar a partir do qual estes mesmo os órgãos do governo têm
sujeitos se m anifestem . São se m ostrado incapazes de
brechas, no sentido de janelas de prom over uma am pliação da
oportunidades, cujo aproveita­ transparência do que se passa no
m ento dep en d e em grande interior do Estado, em especial no
medida da capacidade dos atores que se refere à dinâm ica de
envolvidos atuarem de forma ágil funcionam ento e de fin an ­
e politicamente articulada. ciamento das empresas estatais
(que não são objeto desta
P erm eab ilid ad e e reflexão), do poder Legislativo
tran sp arên cia (hoje um pouco mais exposto) e
do poder Judiciário (o poder
esquecido).
processo de redemocratiza-
ção tomou o listado muito mais A opacidade é tam anha que o
permeável às pressões dos grupos próprio Executivo se revela
sociais. Neste sentido, grande freqüentemente im potente para
140
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

atuar no sentido dc coibir abusos, privatizáveis. É am plam ente


por crônica impossibilidade dc ter disseminado o pavor de que as
accsso a informações. más notícias acabem po r
contaminar aqueles que as operam
O próprio D iário O ficial da (o fam oso m edo da bom ba
União, cuja edição destina-se a explodir no próprio colo).
tom ar dc conhecimento público
os atos dos três poderes, tomou- Favorecer a exposição. Desvelar a
se o maior exemplo de linguagem opacidade (principalm ente
cm código na adm inistração quando for indiscutível a
pública. Há casos cm que apenas importância da transparência).
os formuladores e os beneficiários T rabalhar para am pliar a
da lei ou do decreto são capazes publicização dos dados da
dc compreender o alcance do que adm inistração. C atalisar o
está sendo publicado. desvelamento da administração.
Estes são desafios a todos que se
A cultura do sigilo só favorece encontram dentro, no limite e fora
aqueles que têm o que cscondcr, do Estado.
os que fazem do tráfico das
informações um bom negócio c, A título de exemplo é interessante
finalmente, aqueles cujo temor de recordar a crise institucional
que “alguma-coisa-possa-aconte­ decorrente das divergências sobre
cer-se...” é tão grande que os a data de conversão dos salários
mantém inabordáveis a qualquer em URV. É praticam ente
tipo dc solicitação. im possível se im aginar o que
poderia acontecer com a
A adm inistração tem m edo da publicação dos contracheques dos
transparência e da exposição titulares, dirigentes e técnicos dos
pública. E este não é um medo que poderes Legislativo e Judiciário.
se explica apenas pelo medo de Como é sabido, no confronto das
que informações sejam distorci­ teses da isonom ia com a da
das. Trata-se de um temor real de independência e autonomia dos
dois “olhares”: o dos chefes que três poderes tem prevalecido um
nesta hora são capazes de inibir e pacto cujas bases são desconheci­
intim idar os servidores e o da das para, praticamente, o conjunto
incontrolável e im previsível da sociedade. Isto explica, em
opinião pública. No fundo é o parte, a incapacidade funcional do
medo frontal do povo, de que este Legislativo c do Judiciário atuarem
não concorde com algumas coisas pró-ativam ente em relação ao
feitas cm seu nom e, mas que Iixecutivo (este, felizmente, cada
podem estar gerando dividendos vez mais visado).
141
RSP Escolas de Governo: Limites e Condicionalidades

A
expectativa é que à me­ há apenas um rodízio de vetos,
dida que se direcio­ fundam entado na dissociação
nem as luzes para estes generalizada do discurso na
setores obscuros do Estado,oposição
o com a pragmática da
“olho do dono” se mobilizesituação.
na
defesa do que é de todos, e não
de um grupo de privilegiados. A Em muitos casos, a representação
corrupcão da máquina adminis­ política tem se m ostrado tão
trativa é uma pinça que atua nos pródiga na criação e no
dois extremos: a base e o topo da reconhecimento de novos direitos
pirâm ide salarial. Som ente que não é mais possível fugir da
qu an d o a transparência se responsabilidade de se prover os
institucionalizar enquanto m eios e/ou de balizar a
procedimento e meta permanen­ titularidade destes direitos.
tes é que a administração passará
a ser pública e de dom ínio Enquanto assuntos com o
público. carreiras, salários, benefícios,
aposentadorias, entre outros, não
Exposição política forem publicam ente equacio­
nados, no interesse do conjunto
da sociedade, não haverá
m aior chance de se em ­ condições para um desvio ou
preenderem reformas estruturais reversão de rota. Há, inclusive,
na administração píblica nacional quem fundam ente consistente-
é a sua politização, no sentido de mente a “necessidade” da crise se
se forçar um acordo dos atores agravar ainda mais para provocar
políticos com o objetivo de uma reação.
fortalecê-la, de m odo a não
privilegiar nenhum a facção em Sc este assunto não for posto e
particular. Quanto mais se protelar equacionado nestes term os,
esta negociação, pior para o Estado dificilm ente se viabilizarão
e mais cara a conta para a requisitos mínimos indispensáveis
sociedade. para a formulação e implementa­
ção de uma política nacional de
Não é possível admitir que certas admistração pública.
teses tenham sua validade
condicionada pelo fato de um E cabe refletir se a SAF, mais
grupo ou outro estar (sempre inclusive, do que a ENAP, está
transitoriam ente, com o é da disposta a assumir este desafio, ao
essência da dem ocracia) invés de permitir a cristalização
ocupando o governo. Neste caso desta postura de impotência que
142
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

tem caracterizado o órgão, descontextualizadas historica­


tornando-o mal visto pelo m ente) enxerga na esfera do
funcionalismo, pela classe política político a presença do estorvo, da
e pelos próprios dirigentes do deturpação, do desvio, do
Executivo. "jeitinho" etc. Não conseguem
incorporar a dimensão política ao
A SAF precisa desenvolver um próprio trabalho que desenvolvem
discurso próprio, um marketing e interagir a p artir desta
in stitucional fundado em perspectiva com seus interlocu­
propostas de políticas para a tores. Não se assumem enquanto
administração pública negociadas operadores de uma proposta (de)
politica c institucionalmente. A política de administração pública
área econômica do governo, que e insistem em se refugiar nas
lida com conflitos certam ente frustradas tentativas "tecnicamen­
ainda mais dramáticos que estes é te corretas” de reformar o Estado.
obrigada a este exercício o tempo E este tipo de prática está
todo e está aos poucos condenada ao fracasso, exceto no
ap ren d en d o a fazer política caso de um retrocesso autoritário
econôm ica no âm bito de uma que ressucite velhos m itos,
democracia. Não há porque supor devidamente pasteurizados sobre
que com a SAF pudesse ser reform a e m odernização
diferente. adm inistrativa. Como registra
Piquet Carneiro, as duas grandes
Esta discussão, por sinal, faz com reform as m odernizadoras do
que se recorde um registro Estado brasileiro se deram em
importante para a compreensão contextos autoritários (1937 e
dos acontecim entos da última 1967), im pulsionadas p or
década. Trata-se do profundo governos que exerciam o poder de
desconhecimento que os quadros forma intensiva e centralizada,
técnicos da administração federal lendo como pano de fundo um
possuem do processo político. projeto nacional compartilhado
Não se trata de ignorância no (em certos casos formulado) pelas
sen tid o estrito, mas sim de Forças Armadas. A reform a do
preconceitos, desconfianças, Estado no contexto democrático é,
idealizações, crendices c outros portanto, uma experiência inédita
pré-julgamentos cuja origem se no Brasil (mas nem por isso menos
situa claram ente na m atriz urgente).
ideológica do período autoritário.
A SAF é exem plar desta
m entalidade que por razões
eventualmente pertinentes (mas
143
RSP Escolas de Governo: Limiles e Condicionalidades

Presidência. Falta apenas


Um a ag en d a m inim am ente capacidade de transcendência
plausível política. Não há justificativa para a
ausência dc estudos qualificados
cuja produção d ep en d e
^ J m dos instrumentos clássicos fundam entalm ente do próprio
dc políticas públicas do Estado é órgão.
a utilização criteriosa c qualificada
de seu poder de encomenda como O cxcclcntc trabalho sobre a
forma de direcionar e/ou induzir “Estrutura e Oq>anização do Poder
o desenvolvimento de determina­ Executivo”, desenvolvido pelo
dos produtos, processos, CEDEC, sob coordenação da ENAP
tecnologias ou pesquisas, que é um caso exemplar dc exceção
dificilmente seriam produzidos que confirma a regra. As parcerias
espontaneam ente pela livre com o Instituto Brasileiro dc
atuação das forças dc mercado. Sc Administração Municipal c com a
há uma atividade que pode ser Universidade de Brasília vão no
desenvolvida a baixíssimo custo e mesmo sentido. Seja através dc
sem demandar maiores conflitos instituições independentes, seja
políticos intraburocráticos, alem via universidades, seja por meio
da tradicional dificuldade de se das fundações dc pesquisa
alcançar/acessar os dados, esta estaduais das quais a ENAP vem
ativdade é a realização de estudos (lentamente) se aproximando, seja
c pesquisas que instrumentalizem através dc iniciativas intra SAF/
a atuação da própria SAF na ENAP muita coisa pode ser feita. A
formulação, negociação, viabiliza­ sc lastimar apenas a ausência dc
ção, implementação e permanente alunos e professores permanentes
avaliação de uma política nacional na escola (sim, porque a ENAP foi
de administração pública. criada para ser uma escola), uma
vez que seriam os quadros mais
A SAF possui a com petência apropriados para desenvolverem
institucional, os bancos de dados, este tipo de trabalho.
o domínio da estrutura organiza­
cional, a memória da legislação, os Os conteúdos a serem trabalhados
recursos institucionais, o e desenvolvidos são inúm eros.
patrim ônio de contatos, os Problemas, lacunas, perguntas e
técnicos qualificados e experien­ interpelações não faltam . As
tes, a infra-estrutura e a demandas são, mais que urgentes,
competência instalada da ENAP, fundamentais para a estruturação
poder de barganha com outras de um quadro com preensivo
áreas do governo e o acesso à dinâmico, que sirva dc instrumen-

144 ,
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

in stru m en to de balizam ento rantes da administração pública,


decisório de todos os atores entre outras, passam , funda-
intervenientes nestes processos. fmentalmente, pela SAF. A ENAP
Há, no entanto, que se querer não tem como provocar decisões
fazer. Do contrário, mais cedo ou de governo desta magnitude. Pode
mais tarde, a pressão de fora para influenciar, interagir politica­
dentro acabará por extrair/expelir m ente, procurar explorar sua
estes estudos de dentro do Estado. capacidade de gerar recursos
próprios, produzir eventos que
Conclusão provisória: as explicitem estas discussões,
Escolas de Governo em realizar pesquisas que clarifiquem
com passo de esp era entre o e qualifiquem estas tem áticas,
voluntarism o e a ação oferecer bons cursos para os
política quadros da administração federal
(profundam ente carentes de
N iniciativas do gênero cm várias
o contexto das idéias áreas), mas não pode fazer o
expostas, percebe-se que a Estado se mover.
abordagem da questão das Escolas
de Governo não tem como se dar Também a SEPLAN-PJR, um órgão
sem um a com preensão mais de importância estratégica que
abrangente da problemática do também se encontra fragilizado,
conjunto da administração pública praticam ente não tem d e­
federal. Em especial, não há como m onstrado possuir condições
se analisar as potencialidades políticas de atuar na reversão do
desta proposta de forma quadro atual. A questão do
desvinculada da política de arcabouço institucional, indispen­
administração praticada pela SAI-, planejam ento dode desenvolvi­
sável ao processo retomada do
no caso federal, e pelas secretarias mento, praticamente não faz parte
estaduais de adm inistração e da agenda decisória do órgão. A
recursos humanos (cujo quadro é
bastante semelhante ao federal), exceção é o IPEA que insiste cm
produzir estudos e pesquisas da
no plano regional. maior importância para o país,
mesmo em circunstâncias as mais
As decisões sobre a realização de adversas.
concursos públicos, planos de
carreiras (naturalmente vinculan­ M antido este quadro (ceteris
do-as com rem uneração e paribus, com o dizem os
capacitação), alocação de recursos econom istas) o que pode ser
em form ação de quadros e trabalhado no âmbito da ENAP não
condução de projetos reestrutu- é muito diferente do que vem se
145
RSP Escolas de Governo: limites e condicionalidades

buscando fa/.cr (com maior ou articulação política e institucional


menor sucesso conforme o caso). da ENAP vem sendo aproveitado
Mas e m uito pouco quando se muito timidamente. A realização
considera a m agnitude dos do Encontro Nacional: Função
desafios colocados. Trata-se de Pública, Estado e Sociedade e da
um a ação increm entalista reunião do C entro Latino-
voluntariosa, mas incapaz de Americano de Administração para
alterar (no sentido de ampliar) os o D esenvolvim ento foram
limites do possível. demonstrações da competência da
instituição, mesmo sem alunos,
É fato que a ENAP, assim como a em ocupar o cenário nacional. Mas
própria SAF, se ressente de há que se envolver neste processo,
problemas comuns às outras áreas de forma mais efetiva e
do Estado (quadros de carreira, permanente os agentes políticos,
salários, infra-estrutura, pessoal não apenas com o eventuais
qualificado etc). Na verdade ambas palestrantes, mas como tomadores
as instituições experimentam as de decisões e form uladores de
dificuldades que, em tese, políticas e legislações que
possuem a com petência ins­ configuram o país. A ENAP precisa
titucional para resolver para o comprometer-se irreversivelmente
con ju n to da adm inistração com a repolitização do debate
pública. sobre a form ulação de um a
política nacional de administração
Ainda assim, existem graus de pública, que tem excepcionais
liberdade a serem explorados. O oportunidades de emergir junto
agravamento c o espraiamento da com a eleição do próxim o
crise do seto r público estão governo. Não há outra alternativa.
transbordando para a sociedade. Do contrário a escola continuará
Respostas a este quadro terão que margeando a sua própria razão de
surgir porque a bandeira política ser histórica: a form ação do
da recuperação da capacidade de adm inistrador político, um
ação do p o d er público já se servidor público profissional e
encontra posta. A ENAP pode capaz de recuperar a perspectiva
contribuir de forma extremamente de uma gestão integradora do
im portante para a politização Estado em torno de suas
qualificada do debate. A escola finalidades públicas.
possui uma capacidade de
produzir fatos políticos, além do
papel de catalisadora de
discussões que vem desem pe­
nhando. Além disso o potencial de

146 :
RSP Escolas de governo: limites e condicionalidades

Bibliografia Resumen

BARBOSA, A. F. Isonomia: a refor­ ESCUELAS DE GOBIERNO:


ma agrária na administra­ LIMITES Y
ção pública. [s. I.], [s. d)., CONDICIONALIDADES
mimco.
El texto trata el tem a de la
CARNEIRO, J.G.P. A revitalização formación dei cuerpo dirigente de
do setor público. In: O leviatã la burocracia pública y dc las
ferido: a reforma do estado lim itaciones a la instituciona-
brasileiro. Rio de Janeiro: José lización de escuelas de
Olympio, 1991. preparación dc estos cuadros. Las
problemáticas de capacitación,
JACCOUD, L, ANDRADE, R.C. (oig.) remuncración y carreras necesitan
Estrutura e organização do ser resucltas en form a
poder executivo. Brasília: ncccsariam entc articulada. La
ENAP, 1994. 2 v. lógica dc la acción gubemamental,
tratando la cuestión en forma
KLIKSBERC, Bernardo. Como fragm entada, la dinâm ica de
transformar o estado: para actuación dc las corporaciones,
além de mitos e dogmas. Bra­ destinadas a atender intereses
sília: ENAP, 1992. particulares, y las prácticas
políticas clientelistas tradicionales
acaban por dificultar en o r­
MATTOS, C. listado e planejamen­ memente la consolidación de las
to: sonhos e realidade. Brasília: iniciativas dirigidas a la
CENDEC, 1989. profesionalización de la adminis-
tración pública.
SILVA, P.V., PEDONE, L. Formação
de políticas de governo. Revis­ Abstract
ta Análise e Conjuntura. Belo
Horizonte: Fundação João Pi­
nheiro, p. 61-73, maio/ago. SCHOOLS OF GOVERNMENT:
1987. LIMITS AND CONDICIONALITIES

VILLA-ALVAREZ, Florindo. As expe- The text treats the issue of training


riéncias de formação de ges­ administrative personnel in public
tores no Brasil. Brasília, 1990, bureaucracies and the limits for
mimeo. institutionalizing schools to train

147
RSP Escolas de Governo: limites e condicionalidades

that staff. The problems of training,


salaries and careers nced to be
overcome in a joint manner. The
logic of governm cntal action,
which treats each facet of the
problem sepcarately, the dynamics
of the spirit d ’corps in those staffs
aim ed at m eeting particular
interests, and the traditional
practice of patron-client relations
in politics create great stumbling
blocks to consolidation of
initiatives aimed at making public
administration professional.

Francisco Gaetani é diretor-


geral da Escola de Governo de
Minas Gerais, Fundação João
Pinheiro.

148

Você também pode gostar