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Resumo
Introdução
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Tradução livre de “the right to offend is far more important than any right not to be offended”. Disponível em: http://www.
telegraph.co.uk/education/3348850/Atkinson-defends-right-to-offend.html.
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Tradução livre de “The clear problem of the outlawing of insult is that too many things can be interpreted as such.
Criticism, ridicule, sarcasm, merely stating an alternative point of view to the orthodoxy, can be interpreted as insult.”.
Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/uknews/law-and-order/9616750/Rowan-Atkinson-we-must-be-allowed-
to-insult-each-other.html.
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Empregarei ao longo do texto o termo “dano” e temos como “injúria” (sem necessariamente exprimir o tipo criminal),
“ultraje” ou “lesão” como sinônimos e marcadores que indicam o humor ter ultrapassado os limites do permissível,
portanto da liberdade de ser expresso sem sofrer consequências. Com isso, quero indicar que a partir do momento em que
a expressão do humor viola a margem de tolerância passa a ser legítima a provocação do Estado e do sistema jurídico para
punir a transgressão contra os alvos do dano.
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Segundo Philip Percival (2005, p. 93), moralistas cômicos estão comprometidos com a ideia de que a presença de temas
moralmente controversos ou reprováveis em manifestações humorísticas comprometem ou até mesmo eliminam seu efeito
cômico, ou seja, a capacidade de uma piada ser engraçada ou até mesmo do enunciado pertencer ao domínio cômico.
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Essa forma de abordagem me faz assumir duas premissas. Primeiro uma acepção ampla da liberdade de expressão de
qualquer ideia, por mais ofensiva que possa ser. Segundo, que apesar de ampla, a acepção assumida não é ilimitada, pois
encontrará seus limites no momento em que o teor da declaração expressa for merecedor de sanção. Nesse sentido, “nós
somos de fato livres para dizer o que quisermos. [...] Um governo não pode tornar impossível dizermos certas coisas. A única
coisa que pode fazer é punir pessoas depois que disseram, escreveram ou publicaram seus pensamentos. [...] Uma análise
mais persuasiva sobre a liberdade de expressão sugere que a ameaça de sanção torne mais difícil e potencialmente mais
custoso o exercício de nossa liberdade. (trad. Livre) (MILL, David van. Freedom of Speech. In: Stanford Encyclopedia of
Philosophy, 2012. Disponível em: http://plato.stanford.edu/entries/freedom-speech/. Acesso em: 29 nov. 2014).
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Apesar de ser uma etapa natural perquirir quais critérios e consequências jurídicas são cabíveis sobre o responsável pela
piada ofensiva, por exemplo, se o comediante deverá ser responsabilizado civil ou criminalmente, tal tarefa não fará parte
dos objetivos do estudo. O que pretendo demonstrar é que o padrão para a avaliação moral do humor pode ser uma técnica
de julgamento prévio empregada pelo juiz para considerar se o fato concreto (a piada emitida) é realmente merecedora de
sanção, portanto sujeito à uma resposta institucional do direito à ofensa produzida.
dessa tipologia crítica será útil para determinar qual alternativa é a mais
plausível para basear o critério de limitação ao humor danoso. Além disso,
uma definição a respeito do que consiste um estereótipo será fornecida para
melhor rotular quais instâncias de humor desafiam os limites do tolerável.
Por fim, faço um pequeno alerta: utilizarei alguns exemplos sobre o
humor que têm linguagem coloquial, forte ou até mesmo chula para muitos,
e exijam certo apelo à malícia para a compreensão do humor. Não faz parte
das minhas intenções ofender qualquer leitor, sequer forçá-lo a considerar
engraçado quaisquer exemplos de piada. Apesar disso, acredito que, se
o leitor se encontrar constantemente incomodado com a maior parte do
humor reproduzido no texto, é por ser grande defensor de ideais moralistas
fortes, postura que será devidamente rebatida ao longo do trabalho.
Utilizo os exemplos apenas para o bem da construção argumentativa.
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Esse exemplo é encontrado no filme “A Repossuída” (1990), estrelado pelo comediante Leslie Nielsen.
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Tradução livre de “What we normally ,think of as stereotypes involve not just any generalization about or image of a group,
but widely-held’ and widely-recognized images of socially salient groups – Jews as greedy, wealthy, scholarly; Blacks as
violent, musical, lazy, athletic, unintelligent; women as emotional, nurturant, irrational; Asian-Americans and Asians as
good at math and science, hard working, a ‘model minority’; Irish as drinking too much; English as snooty, Poles as stupid;
and so forth.”
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Tradução livre de: “there is an obvious sense in which a racista, sexista, or otherwise offensive joke – one that it would be
wrong to be amused by – is not a good joke: it is morally bad. But that doesn’t mean the joke isn’t funny. Morally bad jokes
can be more or less funny; and the judgement that a joke is offenseive does not settle the question os its comic value...”
Como indicado anteriormente, a análise dos limites do humor será feita sobre a
perspectiva do moralismo cômico moderado. Agora, apresento motivos pelos
quais se deve evitar escolher a versão moralismo cômico forte como critério.
Por razões evidentes, não foi possível traduzir a piada para o português, já que o humor é produzido pelo duplo sentido da
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palavra “screw”. Desafortunadamente, não existe em nossa língua nativa aproximação que relacione o ato de desenroscar
uma lâmpada com a prática de uma relação sexual.
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Tradução livre de “to find the joke funny, the listener must actually share... sexista atitudes that are implied by the joke”.
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A generalização precipitada é uma falácia de argumentação caracterizada por dar um salto direto para a conclusão
deixando de lado premissas e provas importantes. A falácia ocorre quando se apresenta uma premissa com dados muito
limitados para se chegar à conclusão. Um exemplo típico dessa falácia é a tradicional conclusão de que todos os políticos
são ladrões, baseado na ocorrência de um caso de corrupção que envolveu apenas alguns parlamentares.
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Apesar da piada não mencionar explicitamente que o viajante atrapalhada é representante da cultura árabe, não é
absurdo imaginar que um árabe possa achar esse tipo de piada engraçada e divertida, ou mesmo que algum comediante
árabe faça humor com essa piada. Para funcionar, é arguível que tal piada também surte efeito substituindo a figura do árabe
por qualquer sujeito estrangeiro de uma cultura que não se conhece a fundo, já que o estereótipo necessário para a piada
funcionar não é a figura do árabe, mas de um estrangeiro cuja cultura seja bem diferente da audiência. Pode até ser o caso
desse humor em específico produzir o estereótipo de que pessoas árabes são ninfomaníacas ou zoofilistas, mas não acredito
que isto seja suficiente para concluir que a piada transmitiu algum tipo de preconceito capaz de causar um dano reprovável.
Tradução livre de “In creating his new fictitious stereotype of Kazakhs, with negative features often attributed to Russians,
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Cohen insulted Kazakhs twice. He portrayed them as having vices they don’t have: anti-Semitism was never widespread in
Kazakhstan, nor was the persecution of Gypsies; women have rights equal to men’s. And secondly, the vices he attributes to
Kazakhs he took from stereotypes of their Russian oppressors.”
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Tradução livre de: “What’s the difference between an Indian and an aspirin?... The aspirin is White, and it works!”
(TAPLEY, 2004, p. 185).
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Dessa distinção, não se segue que piadas do segundo tipo nunca sejam capazes de induzir preconceito. Por exemplo,
imagine a hipótese de um humorista contar uma série de piadas étnicas. Todas têm como alvo apenas o estereótipo dos
afrodescendentes e visam desprestigiar a pequena plateia afrodescendente que está acompanhando o espetáculo. É arguível
que as piadas em sequência sejam ofensivas a ponto de indicar a incitação do racismo pelo comediante. Se, ao invés de
disso, o humorista tivesse feito humor contra variados grupos étnicos da plateia e da sociedade, as piadas étnicas contadas
não produziriam intenções racistas sujeitas à repreensão. Esse exemplo revela ao menos uma hipótese na qual piadas
étnicas, toleráveis por não conterem conteúdo racista, são capazes de ultrapassar o limite de tolerância, por transmitirem
atitudes racistas capazes de degradar, caso o alvo da piada seja constantemente retratado. Esse caso é semelhante à prática
do bullying escolar, que só é identificado mediante reiteradas provocações a um alvo específico.
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Tradução livre de: “to fail the community standards test, something must be more than offensive. Offensiveness is
tolerable. We have to allow a certain range of attitudes, expressions and lifestyles in order to be a diverse, free, pluralistic
society. Mere offense will not fail the community standards. However, to dehumanize, or to degrede is to fail the community
standards test. It is intolerable in our community, which values diversity and equality and human dignity, to depict certain
members as less than human, or as less worthy of the basic human rights and freedoms expressed in the Charter.”
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Alguém poderia contra argumentar, por oposição, que a relação de dominância não funciona, pois seria possível de se
fazer piadas moralmente reprováveis também contra sujeitos de um grupo dominante e causar algum tipo de degradação a
tal membro. Acredito que a objeção até é plausível, mas não vejo como ela é capaz de efetivamente produzir um dano. Lyttle
(2010), por exemplo, acredita que piadas sobre membros da igreja pedófilos ou advogados dificilmente sofrem censura
ética. O uso de estereótipos de sujeitos ocupando posições dominantes surge como uma espécie de “jogo limpo” praticado
pelos humoristas que aproveitam de uma posição social privilegiada do alvo da piada para fazer humor. Morreall (2005,
p. 109) chega a ser até mais enfático, ao considerar o caso de piadas dirigidas aos advogados. Acredita que dificilmente o
estereótipo atribuído aos advogados no humor provoca o mau tratamento, insulto ou decadência da classe dos juristas. Até
mesmo advogados parecem aprovar ou mesmo tolerar o humor feito contra sua profissão. o estereótipo aplicado sobre esse
exemplo não visa desumanizar ou degradar a classe dos juristas, ressaltam um estereótipo que, apesar da valência negativa
não é suficiente para causar uma lesão. O mesmo pode ser dito sobre outros estereótipos comuns em anedotas como é o
caso dos portugueses ou das loiras.
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Tradução livre de “a person in a dominant social position, publicly and intentionally targets some person or group who is
in a subordinate social position in a way that degrades or dehumanizes that person or group”.
Por fim, após ter discutido várias questões sobre a ética do humor que
repercutem na avaliação da permissibilidade moral de piadas e esquetes
humorísticos e ter apresentado um critério razoável para a detecção do
humor danoso, demonstrarei como o uso do parâmetro apontado pode ser útil
para avaliar a pertinência da intervenção jurídica do Estado no julgamento
de hipóteses de humor lesivo. Foi escolhida uma ação judicial, cujo teor
apresenta casos na fronteira dos limites ao humor. Apresentarei um relato
breve do caso, mencionando os tipos de humor abordados, bem como a linha
de raciocínio seguida pelo juiz para proferir seu veredito. Em sequência
avaliarei o grau de reprovabilidade das piadas mencionadas segundo o
critério proposto, bem como o posicionamento do magistrado segundo as
teses éticas do humor estudadas. A seguir, o caso, as piadas, e as opiniões:
O caso selecionado foi da Ação Civil Pública Nº 0100503-06,
do TJ-SP julgada em 2012 pelo Juíz de Direito Tom Alexandre Brandão,
proposta pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, a APAE
de São Paulo, contra o humorista Rafael Bastos. O objeto da ação foi uma
piada feita pelo comediante no show de stand-up “A Arte do Insulto”
comercializado em “DVD”. A esquete faz referência aos deficientes
mentais acolhidos pela instituição, conforme representada no acórdão: “um
tempo atrás eu usei um preservativo com efeito retardante... efeito
retardante... retardou... retardou... retardou... tive que internar
meu pinto na APAE... tá completamente retardado hoje em dia...
eu tiro ele pra fora e ele (grunhidos ininteligíveis)”. A alegação da
autora é de que o réu atingiu violentamente a dignidade daqueles que
suportam a realidade dura e triste causada pela deficiência. Como punição,
requereu indenização pelos prejuízos causados à imagem da associação, no
valor de R$ 10.000,00 para cada associado da APAE que se habilitar à
favor do dano, bem como recolhimento do DVD ou a retirada da menção
à APAE. Já o autor, em contestação argumentou que o humor é protegido
constitucionalmente pela liberdade de expressão e não é sujeito à
censura ou repressão, o único objetivo é o animus jocandi, a diversão.
No julgamento do mérito da ação, o magistrado Tom Alexandre
Brandão, ainda fez menção a outro caso polêmico, envolvendo outro humorista
do stand-up comedy Danilo Gentilli. Apesar de não ter chegado à justiça, o
Além disso, a piada feita pelo humorista foi direcionada em reprimenda aos
residentes do Bairro Higienópolis, noutras palavras, o humor possuía um
alvo determinado. Mesmo que o comediante não tenha intenção ou pregue
algum tipo de ideologia anti-semita, a piada teve por objeto um tema de
traços racistas. Conforme exposto, piadas más, de conteúdo racista, não
necessariamente carecem de dados contextuais que comprovem intensão
dirigida ao preconceito. Uma forma de tentar salvar tal piada da reprovação
moral seria enquadrá-la na categoria das piadas boas proposta, ou seja, o
gênero da sátira. Porém é um tanto implausível sustentar essa hipótese para
a piada de Gentilli, já que não há qualquer benefício discutir o tabu social do
elitismo das classes sociais de um bairro de classe média-alta com uma piada
dirigida à degradação de judeus. Muito menos a alusão ao holocausto parece
ter a intenção de fazer crítica ao preconceito direcionado aos judeus. Portanto,
a piada de Gentilli foi uma má piada, uma tentativa fracassada de satirizar
um preconceito ,que acabou por produzir mais uma fonte de preconceito.
Em síntese, o teste prático do critério sobre os limites ao humor
demonstrou ser possível submeter tipos de humor à uma avaliação dos limites
éticos de sua expressão, ao contrário do que foi professado pelo julgador
responsável. Acredito que essa modo de deliberar é a forma mais razoável e
honesta para abordar o problema, pois não torna o exercício cômico incólume
ao julgamento moral com a escusa do animus jocandi, na mesma medida
que não restringe seu exercício por ideais moralistas extremamente sensíveis.
Conclusão
Referências bibliográficas
Consultas bibliográficas