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Ver o Anexo.
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Ver o Anexo.
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Há outras importantes abordagens que tratam da questão do empresariado, mas que não se reportam à questão
da classe ou da elite, por exemplo, Mancuso, 2004, Iglécias, 2007, Schneider, 2004, Payne, 1995 e Weyland,
1998, mas, nem por isso, deixarão de ser aqui comentados.
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I.1 – Os ensaístas
Estamos considerando como ensaístas os autores que tratam do empresariado a luz de
uma interpretação sobre o processo histórico de constituição da sociedade brasileira para
construir suas análises, e que, portanto, não se limitam ao resultado de uma pesquisa empírica
específica. As reflexões destes autores se voltam para as características, a formação, a gênese,
o papel e as tarefas do empresariado. Disso decorrem outras questões, tais como a da
burguesia nacional, a da burguesia brasileira, da classe dominante e da revolução burguesa6.
Deste grupo destacamos, em primeiro lugar, os trabalhos de Hélio Jaguaribe. No final
dos anos 1950, Jaguaribe apresentou para os empresários a sua análise a respeito das tarefas e
dos problemas que se colocavam para a “burguesia”, mais especificamente industrial, frente à
“transição” do “subdesenvolvimento” para o “desenvolvimento”. O autor concluiu que o
desenvolvimento colocava desafios para a burguesia, entre eles a substituição de importações,
o planejamento, o combate ao crescimento da máquina pública, o aperfeiçoamento do Estado
e o aumento da produtividade (JAGUARIBE, 1958).
Por sua vez, Nelson Werneck Sodré trata da “gênese” da “burguesia brasileira” como
forma de analisar a “classe dominante” no Brasil e como um “esforço de interpretação”, no
sentido de ajudar a promover, o “desenvolvimento da revolução brasileira”. Ou seja, busca
situar a burguesia brasileira no seu “desenvolvimento histórico” e “contribuir para a prática”
(SODRÉ, 1967)7.
Sodré conclui que o “... aparelho de Estado, em nosso país, está na posse da
burguesia”, mas que havia a necessidade da “burguesia nacional” de consolidar o seu poder
sobre o latifúndio e o imperialismo, e para isso, teria como aliados o proletariado e o
campesinato: esse seria o seu “papel”. Seria desta forma que a “burguesia nacional” realizaria
“as tarefas peculiares è revolução burguesa” (SODRÉ, 1967).
Em suma, dos ensaístas derivamos algumas indicações: a importância da questão da
classe, mas tratada a partir de sua gênese e de suas tarefas, ou seja, a importância da questão
da missão política e das responsabilidades do empresariado para a construção das análises,
dando a estes trabalhos um forte teor normativo e prescritivo. Além disso, há a tendência a se
considerar a burguesia como um todo, a despeito de toda a diversidade interna. Portanto, isso
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Há outros trabalhos mais recentes que compartilham algumas destas características da abordagem ensaística,
mas que são mais voltados para uma dada conjuntura, tais como os de Ianni (1990) e Francisco de Oliveira
(1990). Isso reforça que os critérios que adotamos aqui servem apenas como uma referência para a análise, mas
não para a explicação e o tratamento de todas as implicações das obras aqui referidas.
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Segundo Luiz Carlos Bresser Pereira, Sodré e Jaguaribe faziam parte da “interpretação nacional-burguesa”, que
surge nos anos 1940, predomina nos anos 1950 e seria reflexo das mudanças pós-30. Para Bresser Pereira, tal
interpretação defenderia a necessidade de uma identidade e de um projeto nacional, que girava em torno da
industrialização e da independência política (BRESSER PEREIRA, 1997).
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sugere uma agenda de pesquisa sobre a atualidade, ou seja, como o empresariado se relaciona
com a política e o Estado, e não apenas com a política econômica, como pensa seu papel e
como pretende realizá-lo. Além disso, observamos que estes trabalhos possuem uma forte
conotação normativa e prescritiva, ou seja, contém uma visão do que seria correto fazer e
visam a prática ou a indicação do que a burguesia deveria fazer. Mas, o que podemos
ressaltar também é que várias destas questões estarão presentes nos trabalhos dos outros
grupos de estudos aqui considerados. Por fim, destaca-se a importância da questão da classe e
até mesmo certa tentativa de definir sociologicamente o conceito de classe, embora isso não
tenha sido acompanhado do desenvolvimento de pesquisas empíricas nas quais tais conceitos
seriam operacionalizados em análises históricas8.
I.2 – Os sociólogos
Em segundo lugar, podemos situar o grupo dos sociólogos, que também poderiam ser
chamados de sociólogos do desenvolvimento, dada a sua preocupação com a relação entre
empresariado e desenvolvimento econômico. Este grupo se caracteriza também por uma
inovação em relação aos ensaístas, ou seja, a realização de pesquisas empíricas e o
enfrentamento da análise sociológica do empresariado, com todas suas implicações teóricas e,
sobretudo, metodológicas, voltada para as formas históricas de sua existência no Brasil. Mas,
o fato de basearem suas análises em pesquisas empíricas não significa que deixaram de lado
as questões que caracterizam a abordagem dos ensaístas, ou seja, uma dada interpretação da
formação da sociedade capitalista no Brasil, em particular no que diz respeito ao
desenvolvimento econômico.
Fernando Henrique Cardoso (1964) volta sua pesquisa para os dirigentes de grandes
empresas industriais brasileiras no início dos anos 19609, com o objetivo de analisar a
“participação dos empreendedores industriais no desenvolvimento econômico do Brasil” e
estudar o empresariado a partir das conseqüências das transformações na sociedade capitalista
sobre as “funções empresariais” (CARDOSO, 1964).
Cardoso chama a atenção para o fato de que as “elites dirigentes da economia”
tornaram-se também “elites políticas”, pois o êxito da própria empresa exigia que se
ultrapassasse o âmbito restrito dos negócios empresarias e se interferisse no sistema de poder,
disputando com os novos grupos gerados pela própria dinâmica da produção moderna, sejam
8
Essas características podem ser encontradas também em trabalhos de alguns autores que aqui seriam
classificados como marxistas, como é o caso de Antonio Carlos Mazzeo (1988 e 1997).
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A pesquisa foi realizada entre julho de 1961 e outubro de 1962 e envolveu industriais de São Paulo, Blumenau,
Belo Horizonte, Recife e Salvador. Utilizou-se o resultado de um survey sobre as empresas da grande São Paulo,
envolvendo a aplicação de questionários para 288 empresas com mais de 500 empregados (CARDOSO, 1964).
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Por sua vez, Luciano Martins pretendeu fazer um estudo da “burguesia nacional” e da
“formação histórica e do comportamento social do empresário industrial brasileiro”, o que
suscitou “uma série de questões metodológicas que acabaram por obrigar o autor a uma
reapreciação de todo o processo brasileiro de desenvolvimento” (MARTINS, 1968, p. 11)11.
Martins usa a expressão “empresariado industrial brasileiro” para se referir ao grupo social
concreto que é objeto da análise (MARTINS, 1968, p. 26) e “grandes industriais” para se
referir ao grupo social concreto, objeto das pesquisas (questionários) (MARTINS, 1968, p.
120). Para o autor, os empresários industriais formam o “... estrato que, em última análise,
constituiria a burguesia nacional” (itálico de Martins) (MARTINS, 1968, p. 126). Mas, as
expressões mais freqüentemente usadas pelo autor são “empresários”, “setores empresariais”
etc., e a expressão “burguesia nacional”, geralmente entre aspas, aparece sem uma discussão
mais detida sobre a sua fundamentação teórica.
Para Martins, a questão de fundo é a “reidentificação e redefinição dos papéis (...) dos
atores sociais do processo de desenvolvimento”: “À medida que se reconhece uma tipicidade
para o contexto histórico do subdesenvolvimento e seu processo, a questão do papel do
empresário, e a novidade que ele possa conter, passam necessariamente a ter que ser
abordadas a partir da situação que se quer compreender”; a crise “pós-desenvolvimentista” é
um momento estratégico para fazer tal análise (MARTINS, 1968, p.109).
Por último, podemos mencionar o trabalho de Bresser Pereira, que estuda os
“empresários industriais e administradores” ou o papel dos “empresários industriais
brasileiros” na industrialização e no desenvolvimento econômico e político do Brasil. Mas, tal
questão não teria sido tratada pelo autor em todos os seus aspectos, mas sim especificamente
no que tange às origens étnicas e sociais, à mobilidade social e à carreira dos dirigentes das
empresas paulistas (BRESSER PEREIRA, 1974).
A pesquisa de Bresser Pereira consistiu em fazer um “... levantamento factual sobre a
mobilidade social e profissional dos administradores de cúpula das empresas paulistas”12.
Para tanto, foi feita apenas uma verificação das origens étnicas (nacionalidade de pais e avós)
e sociais (a “classe social” da família). Segundo o autor, no Brasil, os “empresários
schumpterianos” e “administradores profissionais” só surgem a partir dos anos 1930. Mas,
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Martins realizou uma pesquisa junto aos empresários industriais em meados dos anos 1960 e tratou das
questões sobre a reorientação do modelo de desenvolvimento pós-1964 através de questionário submetido aos
dirigentes dos 50 maiores grupos industriais do Rio de Janeiro e de São Paulo (MARTINS, 1968, p. 26). Ainda
que a pesquisa tenha se voltado para os grandes e médios industriais, estes últimos foram considerados apenas
quando adicionavam algo às conclusões tiradas a partir dos primeiros (MARTINS, 1968).
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Foram entrevistados diretores ativos das empresas nacionais e estrangeiras com mais de 249 empregados,
localizadas na Grande São Paulo (BRESSER PEREIRA, 1968).
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diferentemente dos “países capitalistas desenvolvidos, até o início dos anos 1970 nem os
empresários nem administradores de empresas alcançaram um poder econômico e político
significativo no Brasil”. Mas, após 1930, diante dos limites do Estado e da falta de interesse
do capital estrangeiro na industrialização, teria cabido aos “empresários industriais” o impulso
inicial da “revolução industrial brasileira” até o final dos anos 1940. Para Bresser, a maior
parte dos industriais era composta por imigrantes radicados no Brasil e a tese de que teria
surgido uma burguesia nacional capaz de liderar o desenvolvimento econômico no Brasil em
bases capitalistas e nacionalistas somente faria sentido até meados dos anos 1950, como é o
exemplo da análise de Hélio Jaguaribe, quando já uma série de fatores novos inviabilizava o
surgimento de uma burguesia nacional (BRESSER PEREIRA, 1968, p. 14-17).
A tese de Bresser Pereira é de que, no final dos anos 1950, os empresários industriais
assumiram uma “posição dominante dentro da burguesia brasileira”, frente aos grandes
“comerciantes e fazendeiros” e “... não precisavam mais ser nacionalistas para defender seus
interesses”. Isso teria feito com que esses empresários se acomodassem e perdessem a
oportunidade de “desenvolver uma ideologia própria”, seguiu a ideologia da “velha oligarquia
mercantilista”. Enfim, os empresários industriais perderam a chance de ser “nacional”: “..., os
empresários industriais brasileiros nunca chegaram a se constituir em um grupo social coeso,
com interesses, objetivos e ideologia definidos” (BRESSER PEREIRA, 1968, p. 19). Mas, em
nota, Bresser ressalva que isso não quer dizer que a “burguesia industrial brasileira” fosse
uma abstração ou um grupo sem um mínimo de coesão. Tratar-se-ia de uma “posição
intermediária”: “A base material comum em que opera esta burguesia sempre lhe garantiu
uma certa identidade de classe” (BRESSER PEREIRA, 1974, 28).
Quanto à origem social, a grande maioria dos empresários seria originária das classes
médias e a ascensão social teria se dado por etapas, desde os avôs. A mobilidade social no
Brasil ainda é baixa, comparada com outros países. Os filhos das classes mais altas teriam
mais chances de fazer parte da diretoria. Isso se deveria, em parte, ao estágio de
desenvolvimento no Brasil (BRESSER PEREIRA, 1974, p. 188).
O poder econômico teria sido assumido cada vez mais por “... uma nova classe de
empresários industriais”, na maioria imigrantes ou descendentes de imigrantes, e originários
principalmente da classe média. Para Bresser Pereira, Caio Prado Jr., Luciano Martins e
Castro Gonçalves defenderiam que os empresários industriais são uma mera continuação da
oligarquia agrário-comercial que dominava o país até 1930 e que, portanto, não havia
conflitos entre estes dois grupos. Mas, embora compusessem uma mesma “elite econômica”,
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se trata de “... dois grupos étnica e socialmente separados”, com interesses econômicos que,
no início, eram conflitantes (BRESSER PEREIRA, 1974, p. 186).
Em suma, deste breve comentário de algumas obras clássicas da Sociologia do
empresariado no Brasil, destacamos a importância que eles atribuem às questões que guiam as
nossas reflexões, mas, sobretudo, a indicação de procedimentos metodológicos e de hipóteses
de trabalho que, como veremos mais adiante, são fundamentais para a construção da estratégia
aqui proposta.
Quando se considera os estudos dos sociólogos verifica-se que: 1-a preocupação com
aquilo que seriam as tarefas do empresariado ainda estão presentes; 2- a questão da classe
também se apresenta, através de um conceito mais descritivo, mas este passa a ser articulado a
pesquisas típicas de estudos de elite; 3- este segundo conceito também não é tratado de forma
sistemática, ou seja, não há um debate mais intenso com os trabalhos clássicos (Mosca, Pareto
e Michels), nem com os contemporâneos ao momento em que se estava escrevendo (Wright
Mills e Robert Dahl, por exemplo), predominando a referência ao conceito de empreendedor
de Schumpeter, ora de forma crítica (Cardoso, 1964 e Martins, 1968), ora de forma positiva
(BRESSER PEREIRA, 1974).
Entretanto, os limites da definição teórica e metodológica de elite é menos importante
diante de outros tantos aspectos positivos, os quais, em termos da nossa problemática,
implicaram em avanços importantes13. A novidade não é meramente a existência de pesquisa
empírica, mas sim o enfretamento das questões metodológicas relacionadas à análise
sociológica e historicamente situada do empresariado. Os sociólogos, em especial Cardoso,
indicam a importância das variáveis e questões políticas nos estudos sobre o empresariado.
Para esses autores, a questão da política se coloca prioritariamente como variável de análise, e
não como questão concreta, como ocorre com os ensaístas. E isso não impediu a consideração
de outras variáveis, como a cultural (valores e atitudes políticas), a institucional (as entidades
empresariais e a empresas) e a individual (os empresários, seus valores e suas histórias
pessoais).
Mesmo que ainda persista a questão das tarefas do empresariado, há uma preocupação
em verificar empiricamente o que o empresariado é, mesmo que isso seja feito também em
comparação com o que ele não teria sido, como é o caso de Bresser Pereira. O problema desta
abordagem é ser um tipo específico de comparação, ou seja, não se trata de um método
comparativo que articula certo número de experiências históricas, mas sim da comparação
13
Em outro trabalho, destacamos a importância das contribuições de Cardoso e Martins para a análise do
empresariado no Brasil (COSTA e ENGLER, 2008).
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com algo a-histórico ou um modelo de empresariado, da mesma forma que os trabalhos dos
ensaístas, prática que Cardoso (1967) tenta evitar. Não se trata de negar o uso de modelos,
que todos os grupos tendem a fazer, mesmo quando criticam tal postura, mas sim de usá-la a
partir de critérios metodológicos claros e não normativos, ou seja, a partir das premissas
analíticas do método comparativo.
De um modo geral, os sociólogos partem da idéia de que há uma relação entre a
posição de um grande empresário ou líder de grande empresa, em situação de entrevista, e o
conjunto da classe ou “burguesia”. Esta é a forma se resolve a questão da forma de existência,
manifestação e ação da classe. E Cardoso acrescenta uma observação interessante: qualquer
prognóstico sobre o futuro da sociedade de classes no Brasil, só poderia ser feito
“concretamente” se, simultaneamente à análise das transformações porque passam as classes
dominantes, se faça a análise das massas urbanas, especialmente trabalhadores, e das massas
rurais (CARDOSO, 1964, p. 175). E se, por um lado, este grupo considera os empresários
compreendidos pela sua pesquisa enquanto uma “classe”, no caso, a “burguesia industrial”,
por outro lado, sugere que as entidades de representação seriam também formas concretas de
manifestação desta classe.
Enfim, a consideração do empresariado não apenas como questão, seja teórica, seja
política, mas como um objeto, é decisiva, porque indica que a forma de fazê-lo caminha na
direção da análise da classe a partir de sua elite. Além disso, estes autores dão início a uma
estratégia de abordagem que vai estar presente nos estudos sobre empresariado até os dias de
hoje. Como vimos acima, um aspecto importante é a consideração das variáveis políticas e
culturais dos empresários, agora como questão de pesquisa, e não apenas como parte de uma
grande interpretação. E Cardoso e Martins sugerem que a dimensão da prática política, tão
importante para os ensaístas, poderia estar presente no processo de coleta de dados, desde que
passando pelo crivo teórico, ou da “coerência teórica” (MARTINS, 1964).
Há também entre estes autores a preocupação com as “funções empresariais” e sua
dinâmica (Cardoso, 1964 e Martins, 1968). Cardoso já falava até em “responsabilidade
social” da empresa e o impacto disso na atuação do empresariado e na sua relação com a
sociedade e o Estado (Cardoso, 1964, p. 155). Como é sabido, está é uma importante agenda
de pesquisa sobre empresariado no Brasil e no mundo.
Martins, por sua vez, parece usar a expressão burguesia apenas em função da
importância que, naquela conjuntura do debate acadêmico e político, esta figura assumia.
Mas, é muito interessante o comentário deste autor sobre a necessidade de “trocar a cautela
cientificista pelos riscos da criação” (MARTINS, 1968, p. 12) quando se trata de problemas
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que fazem parte da realidade mais imediata. Além disso, Martins considera importante
trabalhar questões que eram indagações de grupos sociais concretos, o que sugere que as
questões colocadas pelos próprios empresários, poderiam ser trabalhadas pelo analista
(MARTINS, 1968, p.13). Para Martins, a preocupação em ter e apresentar sua interpretação
desta situação de crise do desenvolvimentismo se coloca como algo necessário para se
analisar a ação política do empresariado industrial e conseguir ser entendido pelo leitor. Ou
seja, não seria possível fazer uma análise desta ação política sem ter uma interpretação da
conjuntura estudada.
O que nos interessa também destacar no trabalho de Martins é algo que também existe
nos trabalhos de Bresser Pereira (1974) e Cardoso (1967), ou seja, a articulação do
levantamento de informação sobre os valores e a forma de pensar o gerenciamento por parte
dos industriais brasileiros com a análise de sua trajetória social e familiar. E o trabalho de
Bresser Pereira (1974) também é exemplar deste tipo de análise sobre o empresariado
brasileiro, pois mesmo que não esteja centrado na variável política, indica os desafios da
análise sociológica do processo de constituição do empresariado como grupo social,
utilizando procedimentos típicos de estudos de elites articulado ao estudo das organizações
(empresas).
Entendemos que esse é um estudo importante para se conhecer o grupo enquanto tal,
ou seja, como ele é composto, o que, por sua vez, é importante para pensar suas formas de
ação coletiva. Mas, o argumento de que o empresariado teria perdido uma “oportunidade” de
desenvolver ideologias e formas de ação próprias, não é propriamente ‘sociológico’, pois diz
respeito a um juízo em relação a o que o grupo deveria ou poderia ter feito, mas que não fez.
Caberia melhor ao menos especular porque o empresariado brasileiro não fez o que as
burguesias de outros países supostamente teriam feito.
Outras observações podem ser feitas sobre os sociólogos. Em primeiro lugar, como os
trabalhos acima mencionados exemplificam a predominância da preocupação com a relação
entre empresariado e economia, ficando as questões relacionadas à política suas instituições,
quando presentes, ocupando um segundo plano no processo de análise da classe e de sua elite.
Mas, o mais importante é o fato de estes trabalhos, realizados há praticamente 50 anos atrás,
mobilizarem não apenas a questão da elite de classe, como também variáveis importantes para
a composição da estratégia que aqui estamos propondo, no caso, a questão das motivações e
dos valores, seja em relação à gerência, seja em relação à economia, à sociedade e à política.
Mas, principalmente a partir das proposições de Martins, observa-se que enquanto os
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Além das observações de Diniz sobre este ponto, podemos citar esta passagem de Renato Boschi em relação
aos sociólogos: “Na medida em que o padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil foi caracterizado como
basicamente autoritário pela literatura, não apenas o papel do Estado foi enfatizado como a burguesia foi
avaliada com base no que ela não tinha sido, antes que com base no que de fato fora” (BOSCHI, 1979, p. 6).
Voltaremos a esta questão mais adiante. Mas, embora não possamos desenvolver aqui esta questão, entendemos
que, de um lado, os sociólogos também buscaram romper com certos modelos na análise do empresariado e, de
outro, que eles não disseram que o empresariado não era um ator político relevante, mas sim que não foi o agente
da construção do desenvolvimento capitalista no Brasil, e procuram mostrar que não havia condições objetivas
para isso. E se os sociólogos utilizam um modelo para pensar o papel econômico do empresariado, os cientistas
políticos da mesma forma o fazem quando analisam a relação entre empresariado e Estado na construção das
formas de representação.
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A pesquisa se deu nos “órgãos de natureza consultiva” criados no período. Foram selecionados apenas alguns
daqueles voltados para a área econômico-financeira mais diretamente ligados aos interesses dos grupos
econômicos analisados. Assim, foram considerados os processos de política econômica que tramitaram nos
seguintes órgãos: Conselho Federal de Comércio Exterior, Conselho Técnico e Economia e Finanças, Conselho
Nacional de Política Industrial e Comercial e Comissão e Planejamento Econômico. Quanto aos órgãos de
classe, foram considerados o Centro Industrial do Brasil (depois Confederação Industrial do Brasil) e a
Confederação Nacional a Indústria, no Rio de Janeiro. Quanto à burguesia comercial, foi considerada a partir a
Associação Comercial do Rio de Janeiro (DINIZ, 1978).
16
A pesquisa se caracterizou por entrevistas de natureza não estruturada com dirigentes industriais como forma
de obter um clima mais informal e favorável à obtenção de informações. A amostra foi criada a partir das
indicações feitas pelos próprios entrevistados e se concentraram em São Paulo, entre setembro de 1975 e agosto
1976. Isso foi completado com a análise de uma das principais associações da indústria, “... que compreendia o
grosso dos interesses de um segmento substancial da elite empresarial”, a Associação Brasileira da Infraestrutura
13
fraqueza por parte dos “empresários industriais”, buscaram-se evidências de uma “base
organizacional mais forte para a atuação da burguesia enquanto classe”. Daí, “... a hipótese de
que uma tal base provavelmente poderia ser delimitada ao redor de um setor da burguesia
compreendido pelas empresas de maior porte e, portanto, mais consolidadas na economia
brasileira” (BOSCHI, 1979).
Este trabalho merece destaque também por ter feito algo parecido com as pesquisas
dos sociólogos, não apenas aos realizar entrevistas com empresários, mas por considerar seus
valores e idéias como objeto de análise, e, sobretudo, por dar importância para a relação entre
este grupo e o arranjo político-institucional, ou seja, o regime político, e não apenas a política
econômica ou o modelo de desenvolvimento.
Outra característica de Eli Diniz e Renato Boschi é a grande produção conjunta, na
qual usam as expressões “entidade de classe” e “elites empresariais” para analisar a relação
entre empresariado industrial e desenvolvimento e, de forma relativamente livre, expressões
como “empresariado”, “elites empresariais” e “elites econômicas”, em geral se referindo ou a
grandes empresários ou às entidades de classe (Diniz e Boschi, 2000 e 2003). Em um destes
trabalhos conjuntos, fica evidente o uso mais corrente da expressão “elite” na análise do
empresariado, além da pesquisa articulando informações sobre as entidades de representação
e os posicionamentos de dirigentes de entidades de representação e de grandes empresas
industriais (DINIZ e BOSCHI, 2003).
Em terceiro lugar, outro trabalho que podem ser situado no grupo dos cientistas
políticos é o de Maria Antonieta Leopoldi, cujo objetivo é, entre outros, “... verificar as
ligações entre o processo de construção da “identidade de classe” do empresariado industrial e
o processo de industrialização”. A autora usa também as expressões “fração de classe” e
“burguesia industrial”, que seria uma das “classes sociais” que estariam se relacionando com
o Estado no processo de desenvolvimento econômico no Brasil, de 1930 até 1990
(LEOPOLDI, 2000, p. 22 e 23), e também menciona rapidamente a “elite industrial”,
composta por nomes como Roberto Simonsen, Jorge Street, Euvaldo Lodi e Oliveira Passos.
Neste processo, o Estado teria ocupado um papel importante no processo de “construção da
identidade de classe” e na definição dos moldes das relações entre tais classes e o Estado
(LEOPOLDI, 2000, p. 296).
Angela Maria de Castro Gomes realiza um estudo muito interessante sobre a relação
entre empresariado e a “questão social”, mais especificamente o peso político das entidades
e Indústrias de Base (ABDIB), como forma de “qualificar a hipótese geral”, dada a impossibilidade de um teste
empírico rigoroso (BOSCHI, 1979, p. 9).
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marxistas. Ou seja, da mesma forma como acontece com o conceito de classe, se trata de um
uso mais descritivo do que teórica e metodologicamente orientado. Vimos que isso também
acontece com a expressão burguesia nos estudos dos sociólogos. Enfim, isso mostra a forma
como este grupo resolve a questão do empresariado enquanto classe e enquanto elite.
Por último, vemos que, em seus trabalhos iniciais, os cientistas políticos se referiam e
utilizavam expressões relacionadas à análise de classe, e que isso deixou de acontecer nos
estudos posteriores dos nomes mais importantes deste grupo, ou seja, Eli Diniz e Renato
Boschi, embora tenha permanecido o estudo empírico daquilo que seriam as “elites
empresariais”, no caso, os dirigentes de grandes empresas industriais e de entidades de
representação. Enfim, esta abordagem se aproximou mais de outro grupo de estudiosos do
empresariado, o qual poderíamos chamar de institucionalistas, dado que analisam o
empresariado a partir da questão de suas instituições representativas não apenas como objeto
de análise, como acontece com praticamente todos aos grupos aqui propostos, mas como
variável explicativa fundamental, algo mais próximo do chamado neo-institucionalismo
histórico17. Neste grupo poderíamos situar autores como Schmitter (1971), Schneider (2004),
Payne (1995), Vanda Costa (1994 e 1998) e Mancuso, 2004, e até mesmo, como vimos acima,
Bresser Pereira e Eli Diniz (2009).
Como veremos mais adiante, essa é mais uma constatação do que uma explicação ou
uma crítica, mas reforça a necessidade de se enfatizar que a problemática do empresariado
enquanto classe, mesmo de uma perspectiva não necessariamente marxista, já teve maior
relevância neste campo de estudo, e defender a importância desta tradição, não para recuperar
um passado glorioso, mas sim de buscar novos ganhos analíticos a partir desta velha questão.
I.4 – Os marxistas
Esse grupo contempla os trabalhos que utilizam as categorias propostas por autores no
campo do marxismo. Dada a óbvia importância da questão das classes sociais para este campo
teórico, procuraremos verificar como eles resolvem analiticamente a questão do
empresariado, através de categorias como “burguesia”, “frações burguesas” e “classes
dominantes”. Entretanto, neste grupo serão colocados os autores que tratam da questão do
empresariado enquanto classe social, mais especificamente enquanto burguesia, e em especial
a sua relação com o Estado, mas que fazem uma referência explícita ao marxismo. Enfim,
remetem a uma problemática que, embora não seja exclusiva, como vimos acima, é
característica do marxismo e dos autores que aqui estamos chamando de marxistas.
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Diante da diversidade de estudos sobre o institucionalismo, estamos aqui nos referindo à classificação feita por
Hall e Taylor (2003).
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18
Florestan menciona muito rapidamente as “elites” das classes burguesas (FERNANDES, 1967, p. 347 e 353).
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Armando Boito Jr. é um autor fundamental da abordagem que aqui estamos chamando
de marxista. Desde seu primeiro trabalho a respeito da relação entre burguesia e política na
crise de 1953-1954 (BOITO, 1982), assim como em seus trabalhos mais recentes, Boito,
utiliza expressões como “burguesia”, “classes proprietárias”, “frações de classe”, “classe
capitalista” e “classe dominante”, a partir das proposições de Marx e de Poulantzas (BOITO
2007 e 2012)19. Mas, das reflexões de Boito merece destaque também a observação em
relação à importância que a questão e o conceito de classe possuíam nos estudos, de diversos
matizes teóricos, não apenas do que aqui estamos chamando de empresariado, mas de
questões fundamentais do processo de formação a sociedade e do Estado no Brasil, salvo
algumas poucas exceções20. Tal processo estaria associado ao declínio do marxismo no meio
universitário brasileiro, o que teria implicado no desaparecimento de “noções”, entre outras,
de “classe” e “fração de classe”, e na consideração do Estado como mero cenário da luta entre
setores do empresariado e em estudos segmentados que isolam tais setores do conjunto da
“burguesia”. Apesar de indicar os ganhos analíticos decorrentes do avanço nas pesquisas
empíricas sobre o empresariado no Brasil, considera “burguesia” como “... o conjunto do
empresariado – banqueiros, industriais, fazendeiros, comerciantes – como integrantes da
classe capitalista e o Estado brasileiro como uma entidade moldada, pelas suas instituições e
pelo pessoal que as ocupa, para servir aos interesses fundamentais dessa classe social”
(BOITO, 2007).
Lúcio Flávio de Almeida também analisa as lutas no interior da classe dominante e as
políticas estatais no Governo JK, a partir dos conceitos de Marx e Poulantzas. Almeida
entende que somente a análise do “fracionamento da classe dominante”, do papel do Estado
burguês de “... ‘soldar’ as frações desta classe em um bloco político-ideológico – o bloco no
poder”, da relação entre estas frações e da “ideologia dominante”, da presença das ideologias
nos “aparelhos” e da forma como as “classe dominadas” se relacionam com a ideologia
dominante, permitiria uma compreensão mais profunda e contundente do “nacionalismo-
populista” que marcou o Brasil entre 1930 e 1964. Almeida localiza as classes dominantes e
suas frações a partir da questão das ideologias, e sua incorporação e materialização em
“aparelhos”, subjacentes às práticas das classes e das frações de classe (ALMEIDA, 2006, p.
32).
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Em outro trabalho de nossa autoria, trabalhamos com a relação entre “burguesia comercial”, no caso, paulista,
através da entidade de representação de segundo grau, a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, e o
Congresso Nacional no Brasil dos anos de 1950. Enfim, neste trabalho também consideramos as proposições de
Poulantzas e tomamos esta entidade como forma de analisar a ação política desta fração da “burguesia”,
tentando, a partir disso, pensar algumas características da democracia no Brasil naquele período (COSTA, 1998).
20
Boito cita o trabalho de Renato Perissinotto, o qual será também comentado posteriormente.
18
fazê-la a luz de autores marxistas, como Poulantzas, Claus Offe e Gramsci e, de outro, a
referência à emergência de uma “elite industrial”, presente nas suas entidades de
representação. Delgado associa a “elite industrial” ao processo de constituição de um grupo
de grandes empresas industriais que se constituíram em Minas entre 1920 e 1940 e leva em
conta as características do discurso desta elite e até aspectos da sua trajetória (DELGADO,
1990, p. 55 e 71). Enfim, articula a análise das caraterísticas dos dirigentes de empresa e dos
dirigentes de entidades, o que, como veremos a seguir, nos parece ser fundamental para o
desenvolvimento da análise do empresariado enquanto elite e enquanto classe.
Renato Perissinotto trata da relação entre “classes dominantes” e regime político na
Primeira República a luz do conceito de hegemonia de Poulantzas, fazendo uma revisão da
literatura sobre este período e a crítica do uso de expressões como “oligarquias regionais” e
“burguesia cafeeira”, analisando os conflitos no interior do bloco no poder (PERISSINOTTO,
1994). Mas, em outro trabalho, como o próprio autor explica, a preocupação volta-se não
apenas para verificar a relação entre interesses de uma dada fração e as políticas de Estado,
mas para o modo como se deram as relações entre “grande capital cafeeiro” e o aparelho de
Estado, tomando como objeto o estado de São Paulo (PERISSINOTTO, 1996).
Em uma linha analítica próxima, Adriano Codato estuda o comportamento das
“frações dominantes” e as “lutas burguesas” frente ao “sistema decisório” da política
econômica no Brasil pós-64, mais especificamente no Conselho de Desenvolvimento
Econômico no período Geisel (1974-1979).
Codato (1997) e Perissinotto (1994 e 1996) seguem as proposições e Poulantzas de
que a política e a “materialidade institucional do Estado” (CODATO, 1997) no Brasil devem
ser vistas a luz da dinâmica da luta de classes. Esta luta de classes, particularmente no que diz
respeito ao empresariado, se dá através das entidades de representação, mais especificamente
em relação à definição da política econômica. A presença das “frações burguesas” é
apreendida pela relação, com maior ou menor proximidade, de dirigentes de grandes empresas
e de entidades de representação nos órgãos do Estado voltados para a definição da política
econômica (CODATO, 1997).
Enfim, esses trabalhos são importantes pela tentativa de superar a análise da relação
entre empresariado e Estado exclusivamente a partir da relação entre a política econômica e
aquilo que se toma como os interesses das “classes dominantes”. Falta uma análise da relação
entre esta classe e o outro lado da “materialidade institucional do Estado”, ou seja, as
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Isso é compreensível, dado que, ao menos Codato trata de período de funcionamento de um regime autoritário
e Perissinotto foca mais particularmente as políticas econômicas e a constituição do aparelho de Estado.
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Procuramos contemplar parcialmente esta questão ao tratar dos “padrões de ação política” do empresariado
nos períodos democráticos (COSTA, 2003 e 2005).
21
injunções sobre o empresariado, ou seja, sobre a própria classe, preocupação que vimos nos
outros grupos. Além disso, tais trabalhos indicam também a necessidade de considerar os
pequenos e médios empresários no arranjo econômico e político (Gorender, 1981), o que
reforça a necessidade de tratar o conjunto do empresariado, não como um todo homogêneo
mas sim na sua diversidade de setores e regiões e dos diversos níveis da condição de
empresário e de elite econômica.
Enfim, resolve as questões da classe e da representação e da ação de classe e de suas
frações a partir, de um lado, dos depoimentos de nomes destacados do empresariado, e de
outro, da dimensão organizacional, ou seja, as entidades de representação do empresariado.
Mas, esta abordagem desconsidera que o “fracionamento” proposto pela forma sindical ou
mesmo espontaneamente expresso através das associações livres pode não ser suficiente para
dar conta da complexidade e segmentação das atividades empresariais que o próprio
capitalismo gera, e não atende necessariamente aos requisitos teóricos colocados pelos
conceitos, por exemplo, o de efeito pertinente de Poulantzas, autor fundamental na
argumentação dos marxistas.
Outro problema desta abordagem é a sobreposição das questões da ação coletiva, no
caso, de classe e a questão da dominação, ou seja, a questão do empresariado enquanto classe
dominante. Além disso, há momentos em que a expressão fração de classe refere-se a um
setor de atividade, como os industriais, os banqueiros ou os comerciantes, a partir do critério
da propriedade, e momentos em que se refere ao porte da atividade industrial, como, por
exemplo, a “média burguesia industrial” (ALMEIDA, 2006, p. 51) ou à localização
geográfica das “frações regionais” (SAES, 1985), ou mesmo a uma frente de frações de classe
(BOITO, 2012).
Enfim, a análise se volta para os proprietários dos meios de produção, ora às pessoas
dos dirigentes de grandes empresas, ora às suas entidades de representação. Não é nosso
objetivo discutir neste momento as implicações teóricas desta abordagem, mas apenas
ressaltar que, ainda que considerados como classe, tais estudos se voltam para os proprietários
e controladores dos meios de produção. Ou seja, em termos de objeto, trata-se do mesmo
considerado pelos sociólogos e pelos cientistas políticos, obviamente a partir de referenciais
teóricos distintos. Isso remete à importância da pesquisa empírica sobre estes indivíduos que
ocupam as posições de direção das empresas ou das entidades de representação, que aqui
estamos chamando de elite. Neste aspecto é que destacamos a análise de Delgado (1990),
pois, mesmo que não tenha feito um estudo mais detido das características do grupo que
chama de “elite industrial”, levantou a possibilidade da articulação entre estes dois conceitos.
22
organizada como classe social” (grifo nosso), depende de uma referência às condições
concretas específicas de cada contexto social (CARDOSO, 1967).
Delimitação do alcance, ou seja, evitar grandes níveis de agregação, tais como
burguesia e classe dominante, o que implicaria em uma abrangência tanto teórica quanto
empírica muito grande, pois tanto o conceito quanto os dados históricos teriam que abarcar
problemas que vão da ação coletiva à dominação e aos diversos setores, e seus respectivos
segmentos, das atividades capitalistas.
Podemos ressaltar que, diferentemente de Cardoso, Martins e Gomes, Eli Diniz,
Renato Boschi e Bresser Pereira continuam produzindo análises importantes sobre o assunto
até o presente momento, mas neles a questão do empresariado enquanto classe social
arrefeceu-se ou foi deixada de lado. Verificamos também que esta produção possui grande
diversidade tanto empírica e histórica, quanto teórica, ou seja, englobando trabalhos não
apenas acerca dos industriais, como é o caso dos banqueiros por Ary Minella, dos
comerciantes, como Paulo Roberto Neves Costa (1998 e 2005), do agronegócio, como
Wagner Iglécias (2007) e Regina Bruno, e contemplando abordagens de inspiração marxista,
como as de Armando Boito (1982) e Renato Perissinotto (1996).
Ary Minella indica a importância de considerar os diversos “meios” através dos quais
as classes se manifestam como uma questão empírica, e não apenas teórica, de pesquisa
(MINELLA, 1990, p. 105), o que implica em utilizar desde conceitos como o de “elites
orgânicas” de René Dreifuss (1986), até mecanismos de pesquisas igualmente diversos, como
a análise de rede (MINELLA, 2007b).
Daí a ainda predominante análise do empresariado industrial, em geral, das regiões
economicamente mais desenvolvidas do país. O que se retira disso é a necessidade de
diversificar os objetos de pesquisa, considerando outros setores e abrangendo as pesquisas
para o âmbito nacional e para regiões menos desenvolvidas economicamente, o que vem
sendo feito em função da expansão deste campo de estudo. Por exemplo, podemos lembrar a
escassez de trabalhos sobre os setores rurais, com as poucas exceções de Sonia Mendonça
(2010) e Regina Bruno (1997).
A análise das características sociais, dos valores e do comportamento enquanto atores
sociais daqueles que comporiam a elite do empresariado, em suas dimensões econômicas e
também políticas, seria uma forma teoricamente orientada e empiricamente fundamentada de
construção de uma abordagem sociologicamente eficaz deste importante grupo social das
sociedades capitalistas contemporâneas, tomando o caso brasileiro, a qual seria em parte
construída, mas em parte apenas resgatada de estudos pré-existentes.
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A nosso ver, este item e o anterior permitiriam tratar de questões como a dominação ou a “classe dominante” e
da hegemonia, em uma dimensão empírica mais robusta.
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Neste sentido, as proposições de José Santos (2002) podem ser interessantes, embora a preocupação com a
renda e a atividade profissional não contemple dimensões importantes para pensarmos a questão das classes e do
empresariado, tais como a cultura política e a ação política, propõe uma abordagem interessante para a
compreensão do coletivo do qual decorre a elite.
27
empresa e a política etc. O mais importante não é continuar ou romper, mas aprender com o
que foi produzido.
Outra característica que pode ser ressaltada dos estudos do empresariado é o
posicionamento político. Os comentários acima podem sugerir que isso coubesse apenas aos
trabalhos chamados de ensaístas, ou mesmo dos marxistas, mas praticamente em todos os
trabalhos há uma interveniência das questões políticas e um posicionamento político frente ao
momento e às perspectivas históricas. Por exemplo, Martins (1968) chega a colocar a
experiência política concreta como um elemento importante e útil para a construção da análise
do empresariado. Entendemos que isso está longe de ser um problema ou defeito, mas sim a
comprovação da importância do tema para a análise da conjuntura e do futuro de nossa
sociedade e é outra tradição que convém ser mantida nos estudos sobre o empresariado no
Brasil, o que exige a busca de novos conceitos e metodologias para a análise das formas
históricas deste grupo social.
Em terceiro lugar, todas as indicações acima, inclusive a forma de agrupamento dos
autores nas abordagens aqui propostas, podem ser úteis para o tratamento de outras questões,
correlatas e inter-relacionadas, que são igualmente relevantes do ponto de vista sociológico. E
não seria exagerado dizer que estes estudos são fundamentais para a compreensão de outras
questões, como o funcionamento da sociedade, da economia, do Estado e da democracia no
Brasil.
Por último, mas mais importante, este percurso pela literatura sugere procedimentos
interessantes para o tratamento, tanto teórico quanto metodológico, dos estudos sobre o
empresariado, o que, dentro de certos limites, pode até contribuir para a construção de uma
agenda de análise sobre as classes sociais em geral nas sociedades capitalistas
contemporâneas, em particular por permitir, de um lado, fortalecer a dimensão teórica e de
outro incrementar a metodologia de pesquisa empírica. Além disso, todos os trabalhos acima
comentados demonstram também a dificuldade de conseguir informações, dados e entrevistas
junto aos empresários, o que felizmente, parece estar mudando, mas não deixa de remeter à
observação de Offerlé (2009) sobre a ignorância que ainda acaba sendo mútua entre
estudiosos e empresários acerca de suas respectivas atividades.
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COSTA, V. R. 1998. Ação patronal e corporativismo. Revista de Sociologia e Política, nº
10/11. Curitiba.
29
* * *
31
ANEXO
A QUESTÃO DA CLASSE E DA ELITE NOS ESTUDOS SOBRE EMPRESARIADO NO BRASIL
Jáuregui (2004) “Empresariado”, “empresários”, “elites empresariais” Relações entre empresariado industrial e Estado no Brasil e na Argentina entre 1920-1955
As reivindicações, o comportamento e a “ideologia” econômica da burguesia industrial,
Leme (1978) “Burguesia”, “burguesia industrial”, “empresariado industrial”
através de suas entidades de representação, entre 1919 e 1945.
Mancuso (2007) “Entidades de classe” Revisão da literatura sobre a relação entre empresariado e política
“Burguesia”, “burguesia nacional”, “burguesia nacional”, “burguesia
Mazzeo (1988) A relação entre a burguesia e a constituição do capitalismo no Brasil
agrária nacional”, “burguesia brasileira”
Mazzeo (1997) “Burguesia” “Burguesia brasileira” A formação do modo de produção e da formação social capitalista no Brasil
Relação entre empresários do setor rural, organizados em suas entidades de representação, e
Mendonça (2010) “Patronato”, “empresários”
Estado entre 1964 e 1993
As entidades de representação, grandes empresários, grandes bancos, grandes grupos
Minella (1990) “Burguesia”, “burguesia bancário-financeira”, “setor financeiro”
privados nacionais do capital financeiro no Brasil entre 1960 e 1980
Minella (1993) “Entidades de classe” Análise do comportamento das entidades representativas do capital financeiro nos anos 1980
“Representação de classe”, “associações de classe” “elites Associações de classe e as instituições financeiras como forma de representação e
Minella (2007a e 2007b)
empresariais” e “classes empresariais” organização de classe do “setor financeiro”
Os principais sujeitos da economia e da política e o poder das “burguesias” (grandes
Oliveira (1990) “O capital”, “as burguesias”, “o empresariado”, “burguesia agraria”
empresas e conglomerados e entidades de representação) no Brasil nos anos 1980
Payne (1992) “Elites industriais” As “elites industriais” brasileiras na transição política
Os motivos do insucesso do projeto da burguesia industrial nas suas relações com o Estado
Pimentel filho et al. (1986) “Burguesia industrial”, “burguesia nacional”, “classe burguesa”
entre 1930 e 1980
“Grande empresariado industrial”, “fração de classe”, “classe
Pont (2012) Empresariado industrial, entidades de classe, corporativismo e Estado entre 1990 e 2010
empresarial”, “classes dominantes”, “elite empresarial”
“Burguesia”, “burguesia mercantil”, “burguesia industrial”, “classe A formação do Estado burguês no Brasil ou a transformação burguesa do Estado no Brasil
Saes (1985)
proprietária”, “classes dominantes” no final do século XIX
“Capital” (agrário, industrial e financeiro), “burguesia”, “burguesia A hegemonia no bloco no poder no Brasil pós-1964, pensada a partir das formas do capital e
Saes (1990)
bancária”, “burguesia industrial” suas entidades de representação e partidos políticos
O papel do Estado na organização das classes dominantes e dominadas. A hegemonia e o
Saes (2001) “Classes dominantes”, “frações de classe”
bloco no poder no Brasil nos anos 1970 e 1980
Usa a expressão "classe", mas em referência genérica à estrutura A teoria dos grupos de interesse ou "group theory of politics" e sua eficácia nas abordagens
Schmitter (1971)
social no Brasil. sobre classe ou elite
As formas institucionais da representação política e a força política do empresariado na
Schneider (2004) “Business leaders”, “Economic elites”
América Latina
Vanda Costa (1994 e 1998) “Classe”, “classe patronal” e “relações intra-classe” Relações de classe e corporativismo no Brasil: as associações de classe
Burguesia enquanto classe dominante e uma das “classes essenciais”, ao lado do
Weffort (1984) “Burguesia”
proletariado, na sociedade capitalista e o populismo no Brasil.