O gráfico ActionAid e Ibase é resultado do processamento de microdados de Pnads Contínuas (a partir de 2012) e de Pnads de 1992 a 2011. A população em situação de extrema pobreza é a com rendimento domiciliar per capita de até R$ 70,00 e a em situação de pobreza de até R$ 140,00 referente a junho de 2011. P. O que você está dizendo é que a tendência já aponta, mesmo que ainda não confirmada, que o Brasil voltará ao Mapa da Fome? R. Acredito que, infelizmente, sim. Nós não temos ainda os dados dessa pesquisa que comentei. Eu posso falar, sim, sobre os próprios dados da Pnad Contínua [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua], que revelam esse empobrecimento acelerado da população com aumento muito grande, e que varia de região para região, de estado para estado. O Rio de Janeiro, por exemplo, vive uma situação em que a pobreza extrema, muito ligada à questão do próprio desemprego, cresceu muito, triplicou em um ano [de 143 mil para 480 mil em um ano]. P. Quais são as outras regiões? R. O Nordeste brasileiro e a região Norte têm um grau de pobreza maior do que o Sudeste e o Sul, mas o nordeste teve um movimento muito positivo até 2014 no sentido de recuperação, mas agora a gente volta a assistir a uma situação de agravamento, porque já era mais vulnerável originalmente. P. E quais são os fatores desse crescimento da extrema pobreza? R. São vários fatores. Avalio que, em primeiro lugar, a título de enfrentamento do que se chamava desequilíbrio fiscal, se fez uma política que, de um lado, gerou uma paralisia grande da economia, gerando com isso desemprego, e não resolveu o problema do déficit fiscal. A receita, consequentemente, se reduziu e o país entrou num círculo vicioso de paralisia e, ao mesmo tempo, crescimento do desemprego e da pobreza, sem capacidade própria de gerar uma recuperação. Esse é um fator. Não querendo ser o dono da verdade, mas é a prática de uma política econômica completamente equivocada nos três últimos anos. Não se pode esquecer de que 2015 já se experimentou uma política bastante recessiva como opção para o enfrentamento das dificuldades que apareceram. A paralisia na construção civil, por exemplo, atinge as camadas pobres da população, deixando um grande número de pessoas desempregadas ou subempregadas; as próprias empresas que trabalhavam em torno do sistema Petrobras e tantas outras que foram paralisando agravam esse quadro. Ou seja, o desemprego não pode ser desprezado nesse aspecto. P. A tomada de decisão de fazer o ajuste fiscal e congelar os gastos públicos por 20 anos deve ser considerada com efeito imediato? R. Não tenha dúvida. A emenda constitucional foi aprovada no final de 2016. Se você pega o orçamento de 2016 — e estou falando dos programas sociais —, já se vê um fortíssimo contingenciamento durante aquele ano. Então se viveu já em 2016 uma experimentação do corte de recursos. A proposta de orçamento para 2017 traz um enorme corte e para 2018 ainda mais. É o que nós hoje estamos chamando de estado de desproteção social, porque faltam recursos de todos os lados. No aspecto da pobreza extrema, a gente está sentindo que em relação ao programa Bolsa Família, estão sendo feito cortes grandes de contingentes de famílias que, na verdade, ao contrário do que o governo alega, não são famílias que simplesmente não prestaram conta adequadamente, mas são aquelas mais vulneráveis que em geral têm mais dificuldades de prestar essas contas. Muitas famílias dentro do Bolsa Família foram cortadas e tinham, ou como única renda ou uma parte importante de sua renda, vinda do programa, e isso tem uma importância na questão alimentar por outras pesquisas que já fizemos. A gente sabe que os recebedores do Bolsa Família, na sua maior parte, gastam em alimentação, pelo peso que o alimento tem nos seus próprios orçamentos. P. Essa questão do Bolsa Família é um levantamento ou uma percepção? R. Não é um levantamento. Foram cortadas 1 milhão e 500 mil famílias, pode-se ver pelos próprios dados do governo. Inclusive, para 2018 o governo já coloca um orçamento menor para o Bolsa Família. O que está ocorrendo, o que a gente supõe, não temos comprovação ainda, é que grande parte dessas famílias cortadas são as mais pobres. E uma outra causa é a questão dos preços, não só dos alimentos, mas outra questão que pesa, o gás. O gás impacta muito sobre as famílias mais pobres. Com um aumento dos combustíveis de uma maneira geral, estamos começando a escutar as primeiras manifestações do quanto isso está pesando. Fora o fato de que o aumento dos combustíveis gera um aumento dos gêneros alimentícios. P. O Brasil é um dos principais produtores de alimentos do mundo e pessoas passam fome. Como compreender essa situação? R. O Brasil tem indubitavelmente uma capacidade de produção de alimentos relevante. Esse não é o nosso problema, o da produção, mas o que ocorre é que existe uma profunda desigualdade, inclusive, no campo.