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Trajetorias Interrompidas - Junho de 2017 PDF
Trajetorias Interrompidas - Junho de 2017 PDF
INTERROMPIDAS
Homicídios na adolescência em
Fortaleza e em seis municípios do Ceará
TRAJETÓRIAS
INTERROMPIDAS
Homicídios na adolescência em
Fortaleza e em seis municípios do Ceará
A METODOLOGIA................................................. 41
FOTO: DAVI PINHEIRO
RESUMO EXECUTIVO
Raul foi morto aos 17 anos, quando estava indo deixar a namorada em casa. Os
policiais pararam o ônibus, mandaram os dois descerem, bateram e atiraram no
adolescente. Vitória também tinha 17 anos quando o namorado deu um tiro em sua
cabeça enquanto ela amamentava o filho em uma rede. Antônio foi linchado aos 12 anos
em um terreno baldio perto de casa e Carlos estava sentado na calçada conversando
com um primo quando foi assassinado, aos 17 anos.
Os nomes são fictícios1, mas todas as histórias são reais e foram interrompidas
pela violência no Ceará. Fortaleza foi uma das cidades do Nordeste em que o qua-
dro de homicídios mais se agravou na última década e, hoje, a principal vítima desta
violência é o jovem negro, pobre, morador de periferia.
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Cada capítulo narra a história de um adolescente vítima de homicídio. Emble-
máticas, as histórias são representativas do perfil e da vida familiar destes adoles-
centes, da dinâmica da violência em comunidades populares e da dificuldade de
acesso às políticas públicas nestes lugares.
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
CAPÍTULO 1
Nas comunidades,
grafites, como este,
lembram os adolescentes
assassinados
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Após o tratamento, ele não quis mais estu- Em razão do preconceito sofrido por cau-
dar, porque sofria preconceito dos colegas por sa da doença e dos conflitos familiares que vi-
causa das sequelas. Em uma ocasião, mães de venciou, Raul decidiu fazer algumas tatuagens.
colegas pediram ao colégio para que o tiras- Entre elas estavam duas lágrimas, em seu olho
sem de lá. Mesmo diante das dificuldades, a direito, que simbolizavam, segundo familiares,
mãe nunca desistiu de colocar o filho de volta o seu sofrimento e o da sua mãe. Para sua irmã
na escola. Quando Raul fez 17 anos, Madalena Vanusa, na interpretação da polícia, a tatuagem
o matriculou no Projovem, onde voltaria a es- representava a figura de um palhaço, e isso pode
tudar logo que fizesse 18 anos, três meses an- explicar a violência que ele sofreu no dia em que
tes de ser morto. foi assassinado.
Durante uma estadia com o pai, Raul come- Segundo a mãe, nesse dia Raul estava num
çou a fazer tatuagens. Também foi nesse período ônibus indo deixar a namorada em casa, já que
que ele conheceu a namorada, Elisa, de 13 anos, tinham decidido viver separados. Os policiais
que foi morar com eles por um período de oito pararam o ônibus, mandaram os dois descerem
meses. Com o fim do relacionamento, Raul vol- e então bateram e atiraram no adolescente na
tou a morar com a mãe. Ele acabou reatando o frente de Elisa.
namoro com Elisa, mas Madalena não permitiu Vanusa foi reconhecer o corpo do irmão e afir-
que eles morassem juntos em sua casa, porque mou que o local da tatuagem tinha sido muito ma-
a menina só tinha 13 anos. Então o casal foi chucado: “Meu irmão morreu de graça, ele nunca
viver com a sogra de Raul por algum tempo. fez nada para ninguém. É por isso que minha mãe
Depois, foram morar sozinhos, perto de Mada- é tão revoltada. Ela não deixa ele descansar. Eu falo
lena, que sustentava o casal e ia visitá-los quase pra ela: ‘mãe, eu também gostava muito do meu
todos os dias. irmão, mas tem que deixar ele descansar’”.
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QUEM SÃO ESSES ADOLESCENTES sua maioria pretos ou pardos, do sexo masculino,
O perfil dos adolescentes assassinados em têm em média 17 anos e moram em bairros po-
Fortaleza (veja gráfico abaixo) e em mais seis mu- bres das cidades. Também possuem documentos,
nicípios do estado do Ceará com maiores índices portanto, registros oficiais como cidadãos brasi-
de homicídios é muito similar ao de Raul. São em leiros, e têm uma crença religiosa.
3 Nos outros municípios, apenas Sobral registrou três casos de adolescentes do sexo feminino assassinadas. Nos demais, foram
todos do sexo masculino.
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primos). Eles também iam à praia (59,59%), à pra- poderiam estar concluindo o ensino médio. Tra-
ça (43,15%) e frequentavam campos de futebol balharam de forma eventual no comércio ou em
gratuito (43,84%). Usavam a internet em lan hou- serviços da construção civil. Bebiam e fumavam.
ses (42,47%), pelo telefone celular via rede móvel Não foram atendidos pelo Conselho Tutelar,
(55,48%) ou via wi-fi (13,01%) e 18,49% em um Creas (Centro de Referência Especializado de As-
computador de sua residência. sistência Social), Juizado ou Defensoria Pública.
A maioria dos adolescentes assassinados Conversavam com a mãe sobre seus problemas
nos sete municípios do Ceará também tinha pessoais. Conviviam com seus pais. Suas casas
abandonado a escola por desinteresse há mais possuíam eletrônicos e eletrodomésticos co-
de um ano. Pararam no 6o ou 7o ano, quando já muns em muitas residências brasileiras.
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CAPÍTULO 2
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Vitória nasceu em Fortaleza e morou a maior gundo a família, era envolvido com atividades
parte da sua infância em uma comunidade da ilícitas, e a relação acabou não dando certo. Vi-
periferia da capital, limite com uma cidade da tória morou três meses com ele e, depois, voltou
região metropolitana. Descrita como “brincalho- para a casa dos pais.
na”, “bem-humorada” e de “risada contagiante”, Grávida, abandonou a escola ao concluir o
ela era, segundo os relatos da família, boa aluna, ensino fundamental e trabalhou até às véspe-
carinhosa com os pais e muito apegada aos ir- ras de entrar em trabalho de parto. Depois que
mãos, principalmente ao mais novo, com quem o bebê nasceu, revendia moda íntima e roupas
dividia a cama para dormir. para as pessoas da comunidade e fazia alisa-
Aos 10 anos, começou a trabalhar em uma mento e hidratação de cabelos no salão impro-
pequena fábrica de roupas com a mãe e a avó. visado em casa.
Seu sonho, no entanto, era abrir um salão de Quando o bebê tinha 9 meses, conheceu ou-
beleza. Queria fazer um curso profissionalizante tro rapaz e começou a namorá-lo. Como o pai de
na área e construir um “puxadinho” em casa para seu filho, ele também tinha envolvimento com
montar seu salão. “Mas não deu tempo”, lamen- o crime e era muito ciumento, o que a família
ta a avó em voz baixa. só soube depois da morte da adolescente. Suas
Aos 14 anos, Vitória mudou-se para um con- amigas contaram que ele já havia batido em Vi-
junto habitacional de outro bairro. Seus pais tória e, certa vez, teria mordido a sua perna, por
receberam o apartamento, junto com outros vi- ela estar usando um short curto.
zinhos, como indenização, pois a casa em que Nos últimos dias de sua vida, a adolescente
moravam foi desapropriada para a construção passava o tempo inteiro na casa da mãe, cuidan-
de uma estrada. do do filho e trabalhando nos preparativos da
Um ano após a mudança, ela começou a na- festinha de 1 ano dele. À noite, ia para a casa do
morar um rapaz mais velho, de quem acabou namorado, que morava no mesmo condomínio,
engravidando, aos 16 anos. O adolescente, se- e levava o bebê, que ainda mamava.
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No dia 14 de dezembro de 2015, uma segun- Assim, muitas delas se tornam mães bem
da-feira, por volta das 20 horas, Vitória saiu com o jovens, ainda em uma etapa de desenvolvimen-
filho para a casa do namorado, como fazia todos to individual, e é sobre elas que recai toda res-
os dias. A mãe cuidava do comércio da família, ponsabilidade sobre uma nova pessoa, sem um
quando ouviu apenas um tiro. Acostumada com compartilhamento efetivo dessas atribuições
os sons da violência na periferia, não imaginou com o pai da criança.
que fosse com a sua filha. No outro bloco, os vi- Mulheres com “duplas” e até “triplas” jornadas
zinhos escutaram o barulho do disparo e o choro de trabalho constroem a si mesmas e as suas con-
incontrolável de um bebê. O namorado de Vitória cepções sobre o mundo e sobre sua vida no de-
saiu correndo pelas escadas e fugiu dizendo ter sempenho diário das funções sociais exigidas pela
sido um acidente. condição que assumiram. Cabe a elas o encargo
Os vizinhos entraram na casa e acolheram o exclusivo por suas famílias. Muitas delas, inclusive,
bebê, sujo nas costas com a pólvora do dispa- se autoproclamam as responsáveis pelos filhos e
ro. Um amigo da família avisou a mãe da ado- demais familiares, bem como pela renda da casa.
lescente. Quando ela chegou ao apartamento, a Com isso, a “culpa materna” ganha contornos
filha ainda respirava na rede. diferentes, se acentuando cada vez mais, pois são
Vitória tinha 17 anos quando foi morta pelo elas que geralmente acompanham a vida escolar
namorado enquanto acalentava seu filho para dos filhos, os cuidados com a saúde, os conflitos
dormir, amamentando-o em uma rede. Cinco me- entre irmãos e com a comunidade, compram a
ses depois do assassinato, o crime não tinha sido comida, as roupas, pagam o aluguel, enfim, as-
sequer encaminhado à Delegacia de Homicídios. sumem a responsabilidade afetiva e financeira
Apesar de sua história diferir da de outros as- de sua família. Os entrevistados, na capital, afir-
sassinatos de adolescentes no Ceará, ela dialoga maram que a mãe era a pessoa responsável pelo
diretamente com todo o contexto que é pano adolescente em 85,62% das respostas.
de fundo para as tramas da violência atual. Ma- Contrariando o senso comum, que teima,
chismo, autoritarismo, racismo, desigualdade e muitas vezes, em classificar essas famílias como
circulação de armas são presentes e fortes no “desestruturadas”, há uma convivência familiar
Ceará e em outros estados brasileiros. Vitória era entre mães, pais e irmãos que precisa ser reco-
adolescente, mulher e moradora da periferia. nhecida e considerada nas políticas públicas e
sociais destinadas às famílias vulneráveis a si-
A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA tuações e cenário de violência.
Como Vitória, a maioria dos jovens assassinados Sobre a escolaridade da mãe e do pai, o ensi-
(72,6%), em Fortaleza, foi criada por sua família bio- no fundamental incompleto predominou (48,8%
lógica e convivia com mãe e pai. Boa parte das mães das mães e 41,3% dos pais) em Fortaleza. Poucos
entrevistadas pela pesquisa na capital também fi- familiares concluíram o ensino médio (10% das
cou grávida na adolescência do adolescente vítima mães e 13,7% dos pais) e menos ainda o ensino
de homicídio e/ou de um irmão dele (55,4%). superior (2,3% das mães e 1,7% dos pais).
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CAPÍTULO 3
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Tratado sempre no diminutivo pelos familia- Dos 6 aos 12 anos, quando morreu, Toinho
res, Toinho morava com a avó, de 73 anos, duas sempre teve alguma ocupação, trazendo para
primas e três irmãos mais novos em uma casa casa alguns trocados. De acordo com uma pri-
de um único cômodo coberto, sem serviço de ma, com 8 anos “ele já tinha salário e trabalha-
água e esgoto. Numa tarde de janeiro de 2015, va com tudo que podia para ter as coisas dele
ele foi morto em um terreno baldio próximo de e da gente”.
lá. Tinha 12 anos. Criado pela avó desde pequeno, quando
Os registros de uma matéria jornalística foi abandonado pela mãe, Antônio frequentou
veiculada em rede nacional e o depoimento pouco a escola. Morreu sem conseguir reconhe-
da avó indicam que ele teria sido assassinado cer todas as cores e letras.
por outros jovens a pedradas por ter presen- Embora vissem nele atitudes de adulto, in-
ciado um conflito de duas importantes favelas clusive no que se refere à sexualidade, os fami-
da área. Segundo a avó, alguns adolescentes liares garantem que Antônio foi um garoto que
chegaram a ser apreendidos, mas depois fo- “teve infância”. “Brincava de arraia, bila, futebol,
ram soltos. Em outra versão, o adolescente de dançar, de ser vendedor e construtor. Ele era
estaria envolvido com o tráfico local, tendo fechado, não conversava com os outros de fora
sido morto por isso, possibilidade negada por não, mas aqui, comigo e a vó, ele dançava, ria,
vizinhos, moradores, familiares e professores brincava, era feliz”, relembra uma prima.
que o descreveram como “um menino traba- “Quero que as pessoas que assassinaram meu
lhador” e ativo. neto – e todo mundo, na verdade – quando colo-
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
Mais de 70% dos adolescentes assassi- e desiste da escola. Por que desistiu? Você chega
nados em 2015, nas sete cidades cearenses, para a mãe e fala ‘deixa a menina ir para a escola’
estavam fora da escola há pelo menos seis e ela diz ‘não, se ela for, vão matar’(sic)”, exempli-
meses, segundo o levantamento feito com ficou a diretora. “É revoltante estar no meio e não
224 famílias entrevistadas. Um enredo de poder fazer nada”, lamentou a diretora.
exclusão que se repete com seus irmãos, pri- Segundo os profissionais que participaram
mos e amigos. do grupo, o corpo gestor muitas vezes se depa-
4 CERQUEIRA et al (2016). Em nota técnica, pesquisadores do Ipea identificaram que a melhora nos indicadores de qualidade
escolar impacta na redução significativa do número de homicídios e que, quanto mais anos de estudo, menos provável um indi-
víduo jovem ser vítima de homicídio.
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ra com situações, como esta relatada pela dire- res entrevistados, a maior parte das vítimas
tora de Fortaleza, que demandam ajuda de dife- não completou sequer o ensino fundamental
rentes áreas e secretarias. (veja gráfico abaixo).
Outro motivo que afasta o adolescente da
escola é o “desinteresse”, identificado em 78 Nível de escolaridade dos jovens assassinados
(53,42%) dos 146 casos analisados na capital.
Desinteresse que as famílias tentam de alguma Ensino fundamental I Ensino fundamental II Ensino médio
forma contornar, na maioria das vezes sem su-
cesso. Uma das mães entrevistadas lembrou que 100 16 3
matriculou o filho em diferentes escolas do bair- 10,96% 4 21,43%
25% 3
ro, mas o adolescente, que acabou mais tarde 80 5
8 37,50%
sendo morto, sempre fugia. 50% 10 55,56%
A necessidade de trabalhar ou ficar em casa 83 66,67%
6 7
para cuidar dos irmãos mais novos e a falta de 60 56,85% 50%
37,50% 2
estruturas comunitárias, como creches, também 25%
foram apontadas como possíveis causas para o 40
abandono escolar.
8
“Quando o menino falta cinco vezes, pode 50% 6
4
3
20 5 4 44,44%
ir atrás que o problema ali está grave. Pode ser 43 37,50%
33,33% 28,57%
37,50%
a mãe usando o menino para ficar com o me- 29,45%
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quando veem um menino lá [na Unidade Básica (61,6%), álcool (41,7%) e cigarro (29,4%)5 foram
de Saúde], às vezes, querem até enxotar porque as mais citadas. As demais cidades seguiram
acham que está lá para fazer bagunça”, revelou. uma tendência semelhante.
A perspectiva de uma metodologia espe-
cífica para adolescentes apareceu ainda na ESCASSEZ DE PROJETOS SOCIAIS
pesquisa como uma preocupação da rede de Apesar de o contexto social das famílias e dos
atenção psicossocial. “No CAPS AD [Centro de locais onde moravam ser propício para sediar
Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas], direcio- projetos sociais diversos, as narrativas ouvidas
nado ao público adulto, geralmente, não chega pelo Comitê também indicaram pouca participa-
jovem”, relatou um psicólogo membro de um ção dos adolescentes pesquisados em atividades
projeto de extensão da Universidade Federal deste tipo. Com exceção de Sobral, em que quase
do Ceará. “Primeiro, porque a gente não tem um terço dos adolescentes havia participado de
‘perna’. Segundo, porque a maioria não reco- algum projeto social, todas as outras cidades tive-
nhece como problema a sua relação com uso ram mais de 50% de respostas negativas.
de substâncias”, explicou. Segundo ele, ainda No estudo, ficou claro o não conhecimento e
não há uma agenda que contemple o fenôme- a não participação das famílias em ações deste
no da violência na saúde mental. tipo, gerando um círculo vicioso: quanto mais
Tanto o médico quanto o psicólogo que parti- elas não acessam os serviços ou projetos exis-
ciparam da pesquisa concordaram que há neces- tentes, mais saem do seu perfil de atendimento.
sidade de se pensar estratégias de aproximação
com os adolescentes. Segundo eles, quanto maior
a situação de vulnerabilidade social vinculada ao TRABALHO IRREGULAR E PRECÁRIO
uso de substâncias psicoativas, mais esses jovens Como Antônio, que trabalhou dos 6 aos 12 anos,
necessitam de uma ação proativa dos serviços de quando morreu, em construção, borracharia,
saúde em espaços comunitários. Ambos, no en- feiras livres e outras ocupações, os adolescentes
tanto, reconhecem que o surgimento de iniciativas vítimas de homicídio nos sete municípios anali-
como esta esbarra, entre outras coisas, no número sados tiveram, em geral, alguma experiência de
reduzido de equipamentos e profissionais. trabalho, a maioria delas na informalidade (veja
Em relação ao uso abusivo de drogas na ado- gráfico na página ao lado).
lescência, a pesquisa não coletou informações Apenas quatro (três em Fortaleza e um em
suficientes para quantificar em que medida isso Caucaia) dos 224 jovens de 12 a 18 anos, cujas
ocorreu. Identificou, no entanto, se o adolescen- histórias foram analisadas na pesquisa, nunca
te vítima de homicídio experimentou ou não al- haviam trabalhado. Também foram raros os ca-
gum tipo de substância psicoativa. Segundo os sos em que as atividades ocorreram protegidas
familiares entrevistados, em Fortaleza, maconha pela lei, como estagiários ou jovens aprendizes.
5 Com relação à experimentação de algum tipo de droga, os familiares podiam responder mais de um item, se fosse o caso.
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O estudo só registrou três situações desse tipo, Idade da primeira experiência de trabalho
em Fortaleza, o equivalente a 2% das respostas.
De maneira geral, os entrevistados descre- N.S./N.R. Nunca trabalhou Antes dos 14 anos Dos 14 aos 18 anos
veram os adolescentes em trabalhos pontuais,
100
como pequenas compras, entregas, entre outros. 2
Remuneradas com “alguns trocados”, segundo os 69 5 25%
47,26% 7 35,71%
familiares, essas atividades costumavam aconte- 80 7
43,75% 1
cer de acordo com o que surgia no dia. Num con- 43,75% 5
11 55,56% 12,50%
texto em que o trabalho regularizado é escasso,
60 73,33%
sobretudo para os jovens, a informalidade e a ile-
galidade podem se cruzar com facilidade. 4
43 25% 5 7
No grupo focal com educadores e profissionais 40 29,45% 31,25% 50% 5
da área de saúde, a falta de oportunidades quali- 4
62,50%
2
ficadas de emprego para os adolescentes foi uma 20 31 5 13,33% 44,44%
4
fala recorrente. “A gente fica abismada com o po- 21,23% 31,25% 25% 1 / 6,67% 2
tencial desses meninos, que está sendo perdido 3 / 2,05% 1 / 6,67% 14,29%
porque eles não têm oportunidade”, lamentou a 0
diretora de uma escola de Fortaleza.
REDE DE PROTEÇÃO E APOIO FALHA Fonte: Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência
O percurso dos adolescentes por várias siglas policial. “O carro do Conselho parece o do RAIO
de projetos e programas parece ser a realidade [tropa especial da Polícia Militar do Ceará]. Quan-
de muitas famílias, que acabam não tendo o apoio do chega, corre todo mundo. Todo mundo quer
institucional que precisariam para superar as que eu prenda”, relatou.
múltiplas desigualdades e vulnerabilidades. Instituições como o Conselho Tutelar e o
Em vez de políticas públicas atuando na pro- Centro de Referência da Assistência Social (Cras)
teção e na defesa desses adolescentes, o que apareceram durante a pesquisa como equipa-
acaba sendo visto, muitas vezes, de acordo com mentos que possuem boa capilaridade nos ter-
os relatos, são práticas punitivas e normalizado- ritórios vulneráveis das cidades e que, de forma
ras por gestores e técnicos. geral, as famílias conhecem.
Para um conselheiro tutelar participante do Apesar disso, o acesso a eles ainda é dificulta-
grupo focal, uma conversa respeitosa e harmo- do. No caso do Cras, o equipamento não parece
niosa com a família deveria ser uma prática co- dispor de profissionais suficientes e, possivelmen-
mum nos conselhos tutelares, mas não é o que te, de programações atrativas à comunidade, em
acontece. Hoje, segundo ele, a representação so- especial aos adolescentes. “Não consigo perceber
cial do Conselho Tutelar se confunde com a ação algo de fato atrativo para eles”, observou uma téc-
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
nica durante a realização do grupo focal. “Nós não 15 famílias ouvidas disse recorrer a instituições de
temos o serviço de convivência e fortalecimento Justiça. Nenhuma outra instituição foi citada. Já em
de vínculos para adolescentes”, completou. Horizonte, nenhuma família relatou ter recorrido a
Num cenário em que, não raras vezes, os pro- instituições quando em situação de conflito.
fissionais veem os jovens e as suas famílias como Fragilizadas pela morte do adolescente, muitas
os responsáveis por sua vulnerabilidade ou “sem famílias internalizam um processo de culpabiliza-
grandes possibilidades de saída” dessa situação, ção pelo trágico desfecho. Também, segundo os
poucos familiares também admitiram buscar pesquisadores, foi comum se deparar com mães
alguma instituição em situação de conflito. Das dizendo: “Vocês, foram os primeiros que aparece-
146 famílias entrevistadas em Fortaleza, somen- ram após a morte do meu filho”, denunciando o
te 36 (24,6%) recorreram a esse tipo de ajuda. abandono do Estado diante dessa demanda.
Deste percentual, quase metade procurou insti- De maneira geral, as instituições jurídicas ou
tuições religiosas (5,5%) ou fez menção à Assis- de educação, saúde e assistência não se apre-
tência Social e à Saúde (4,8%). sentaram como espaços de suporte e esclareci-
Em relação à amostra total, o percentual mais mento na vida dessas famílias.
significativo no que se refere à busca por apoio insti- Em um grupo focal realizado com profissio-
tucional foi em Eusébio, onde quatro das oito famí- nais da rede socioassistencial, o diretor de um
lias pesquisadas (50%) relataram ter procurado su- centro socioeducativo localizado em Fortaleza
porte nas instituições de Segurança Pública, Saúde narrou a história de vida de um adolescente ví-
e Assistência Social. Em Caucaia, somente uma das tima de homicídio que sintetiza este abandono
Os adolescentes
assassinados não tinham,
em sua maioria, participado
FOTO: LUCAS MOREIRA
de projetos sociais
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
recorrente: “Quando o João morreu, ele tinha vam, perpetuando a violência policial sofrida nas
matado 14 pessoas. Olhando para a história dele, comunidades.
vejo a fragilidade das relações. Aquele menino A atuação do Poder Judiciário foi ainda vista,
não era da família, não era da vizinhança, não em alguns casos, como disforme e equivocada,
era da comunidade. Ele não era de ninguém”. levando à apreensão de adolescentes meses e até
anos depois da prática do ato infracional, o que
A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA E OS CASOS dificulta que o jovem estabeleça qualquer relação
entre o ato cometido e a aplicação da medida.
PESQUISADOS Além disso, o monitoramento do Sistema So-
Em quase metade (46%) dos 146 casos ana- cioeducativo do Ceará, realizado pelo Fórum dos
lisados em Fortaleza, os adolescentes vítimas de Direitos da Criança e do Adolescente em Forta-
homicídio já haviam cumprido alguma medida so- leza, em 2014, aponta que os Centros de Referên-
cioeducativa. Nas demais cidades pesquisadas, este cia Especializados de Assistência Social (Creas),
percentual é de pouco mais de um terço (35%). nos quais se executa o serviço de atendimento
Na capital, a medida mais aplicada foi privação de Liberdade Assistida, efetuam, em sua maior
de liberdade (27,3%), seguida por liberdade assis- parte, atendimentos mensais. As visitas domici-
tida (17,1%) e prestação de serviço à comunidade liares também são pouco frequentes, ocorrendo,
(6,8%). Nas demais cidades, apesar de os percentuais em sua maioria, apenas semestralmente.
terem sido diferentes, esta tendência se repetiu. Uma demora que pode ter grande impac-
O que também parece não ter mudado é a to na trajetória de vida do adolescente, como
falta de impacto positivo desta política na vida narrou uma das mães entrevistadas: “Foi tudo
do adolescente. De acordo com os relatos, as uni- muito rápido. Ele viveu tudo de uma vez. Em um
dades de internação do Sistema Socioeducativo ano, se envolveu com más amizades, deixou a
parecem ter aumentado o cenário de vulnerabi- escola, brigou, assaltou, usou drogas, recebeu-
lidade em que esses adolescentes se encontra- medida socioeducativa e foi assassinado”.
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
CAPÍTULO 4
FOTO: LUCAS MOREIRA
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
Carlos era um adolescente negro, pobre, de Durante a sua curta vida, o jovem só teve
periferia e fazia questão de reconhecer-se assim. duas namoradas. A primeira delas chegou a
Ao perguntarmos aos seus pais como ele se de- morar com a família. “Namorico de adolescen-
clarava em relação à sua cor, a resposta foi enfá- te que ficou sério”, afirmou a irmã. Já a segunda
tica e quase conjunta: “Ele se reconhecia negro. não costumava frequentar a casa dos seus pais,
Ele era negro”. e a relação com a família – definida pelos rela-
Os relatos e as lembranças da sua vida foram tos como um “pouco conflituosa” – pode estar
contados por diversas fontes da família: pais, relacionada a um dos motivos que levaram ao
irmã e primas, com quem mantinha uma relação seu assassinato.
muito próxima e amigável. Os familiares contam que ela era mais velha
Descrito como disciplinado e responsável, o que ele, já havia sido casada e tinha filho de ou-
adolescente morava com a sua família em uma tro relacionamento. Segundo o pai do adoles-
rua de difícil acesso, na divisa entre os bairros cente, algum tempo antes do crime, ele recebeu
José Walter e Planalto Ayrton Senna, em Forta- um telefonema do ex-marido da namorada de
leza. Era o segundo de três filhos. Carlos ameaçando seu filho. O homem dizia que
Muito próximo da família, Carlos gostava de ele estava “vacilando” e que tomasse cuidado
organizar festas, reunir os primos e brincava para não “rodar”.
com todo mundo. Não era de brigar na rua ou Poucos meses antes de morrer, o adolescen-
em qualquer outra situação, nem bebia. Tomou te também começou a trabalhar com o padri-
um ou dois copos de cerveja pela primeira vez nho em consertos de ar-refrigerado. Já estava
alguns meses antes de ser assassinado. Aos do- ganhando o seu dinheiro e dizia que iria ajudar
mingos, costumava frequentar a lagoa da Mara- o pai a reformar a casa. Tinha planos de alugar
ponga para “curtir uns sons”, segundo as primas. uma casa de praia para levar toda a família e os
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
amigos para comemorar seu aniversário de 18 Outra das hipóteses levantadas pela família
anos, como o pai havia feito nos seus 15 anos. para o assassinato é o fato de ter sido um engano.
Morreu um dia antes de seu padrinho assinar Carlos se parecia muito com um primo, envolvido
sua carteira de trabalho. em roubo de cargas, que estava sendo ameaçado
Por volta das 21 horas, Carlos estava sentado de morte. Embora desejem justiça, os familiares
na calçada de casa conversando com um primo, aparentam ter muito medo de mexer no processo.
como fazia todas as noites, quando foi assassi- Emocionado, o pai relatou que algumas ve-
nado. Seus pais, Lucimar e Claudio, assistiam zes fica imaginando o filho chegando em casa,
televisão, deitados na cama, quando ouviram depois do trabalho. Para perpetuar essas lem-
o barulho. “Escutei o tiro que matou meu filho”, branças, a família fez um vídeo com fotos do ado-
contou a mãe. Os dois levantaram assustados e lescente com amigos, primos, tios e os pais em
viram Carlos caído no chão. diversas situações, como festas e atividades no
A marca daquela noite ainda está na porta, judô, seu esporte preferido. A música de fundo é
em um buraco de bala. O inquérito do caso, no uma canção evangélica, a preferida de Carlos.
da casa da vítima
entanto, não foi aberto. De acordo com os pais, VIDA COMUNITÁRIA CONFLITUOSA
não houve interesse por parte da delegada. A história de Carlos foge de qualquer estereó-
Segundo os vizinhos, os atiradores, que esta- tipo apresentado pela sociedade e pela mídia que
vam em uma moto e de capacete, haviam pas- insiste em criminalizar e colocar na “vala comum”
sado em frente à casa, olhando o movimento, todos os jovens negros e pobres vítimas de vio-
antes de efetuar os disparos. Carlos ainda tentou lência na periferia. Ao mesmo tempo, reúne ca-
entrar em casa, mas não conseguiu. racterísticas de um conjunto significativo de casos
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
de adolescentes que foram mortos por armas de A maioria dos adolescentes assassinados
fogo em Fortaleza e nos outros seis municípios do morreu próximo ao lugar onde morava. Em
Ceará estudados pelo Comitê (Caucaia, Eusébio, Caucaia, por exemplo, 87% dos adolescentes
Horizonte e Maracanaú, na Região Metropolitana, foram assassinados no bairro onde viviam. Com
Sobral e Juazeiro do Norte, no interior do Estado). infraestrutura e serviços precários, estes bairros
Neste trágico enredo, uma diversidade de variá- fazem da segregação urbana um fator que con-
veis se complementa e se entrelaça, repetindo um tribui para a vulnerabilidade à violência letal.
padrão semelhante em muitos cantos do Brasil. De forma geral, os conflitos que acontecem
em âmbito comunitário acabam resultando em
Neste cenário, dois pontos se sobressaem: muitas mortes, sendo citados por praticamente
♦♦ O contexto de conflitos e violência armada. metade dos entrevistados em Horizonte (44,4%)
♦♦ E o baixo esclarecimento e responsabi- e Sobral (43,7%).
lização dos assassinatos em territórios Segundo a pesquisa, estes conflitos estão re-
vulneráveis. lacionados a quatro motivações principais: con-
Segundo a narrativa dos 146 familiares flitos com traficantes e outros criminosos, vin-
dos adolescentes assassinados em Fortaleza, ganças, crimes passionais e desentendimentos.
em 2015, 59 adolescentes (40,41%) tinham Em Fortaleza, estas causas de morte, somadas,
algum conflito no bairro. Nos demais muni- representam mais da metade dos casos de ho-
cípios pesquisados, esta realidade não foi tão micídios (54,10%).
diferente, com exceção de Caucaia (20%) e Em um cenário de violência tão difusa, em
Maracanaú (14%). que a força aparece como um elemento consti-
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TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
tuinte e determinante para a resolução dos mais De acordo com o levantamento, 36,98% das
diferentes conflitos, professar uma fé e não pos- famílias entrevistadas em Fortaleza relataram
suir vínculos com o mundo do crime não torna que os adolescentes eram impedidos de fre-
o adolescente menos sujeito à violência, como quentar algum espaço, rua ou território por cau-
mostrou a história de Carlos. sa de conflitos diversos, como os relacionados
Em Fortaleza, o percentual das chamadas a tráfico de drogas (13,01%), rixas entre grupos
“mortes por engano” chegou a 14,38%. Já em rivais (26,71%) ou conflitos individuais (4,11%).
Sobral representaram 43,75% das causas. No in- Mais de 50% dos adolescentes vítimas de
tuito de eliminar um “inimigo”, gangues ou ou- homicídio haviam sido ameaçados antes de
tros grupos acabam matando quem encontram ser mortos, apenas na capital. No geral, qua-
pelo caminho6. se metade das vítimas consideradas pela pes-
Em alguns casos, os conflitos estavam re- quisa tinha conhecimento do risco que corria,
lacionados à mobilidade dos adolescentes abrindo-se aí a possibilidade de que algo pu-
no seu próprio território. Transitar em um desse ser feito.
território proibido – ainda que para poder vi- Gilson, por exemplo, sofria ameaças dos
sitar a mãe – como foi o caso de Gilson, de 15 “amigos” que moravam na mesma favela em
anos, foi apontado como causa para muitos que residia a mãe. Atingido por dois tiros nas
dos assassinatos. costas e quatro na cabeça, ele morreu no pró-
FOTO: LUCAS MOREIRA
6 O quadro de acerto de contas entre grupos rivais vem, no entanto, sendo modificado com a presença de organizações crimi-
nosas de outros estados, que têm reconfigurado a territorialidade do espaço em que moram.
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prio local. Segundo o pai, o crime foi praticado de fogo são os principais meios utilizados nas
por um grupo que já realizou outros assassina- execuções. Apesar disso, o funcionamento do
tos na região. mercado ilegal e sua interrelação com os ho-
Como no caso de Gilson, a maioria das micídios ainda permanecem um campo aber-
ameaças foi ignorada pelos adolescentes e por to a ser explorado.
suas famílias e 32,88% delas resultaram em Nos depoimentos dos familiares, as dinâmi-
morte em Fortaleza. “Os meninos daqui não cas de obtenção e posse de armamentos são
têm medo de azar não”, relatou a avó de um descritas de forma tangencial, sem muitos de-
dos adolescentes mortos. talhes. Um grupo focal promovido pelo Comitê
Somente quatro dos 146 entrevistados com membros dos órgãos de segurança abor-
(2,74% do total) declararam ter acionado a rede dou, no entanto, a precariedade do controle
de proteção. Em geral, o desconhecimento so- estatal no monitoramento e nos mecanismos
bre estes órgãos ainda é bastante elevado. de circulação das armas de fogo. “A entrada de
VIOLÊNCIA ARMADA
As armas de fogo têm importância funda- arma no Brasil não tem controle efetivo, é fato!
mental no incremento das mortes de adoles- Junta-se a isso a questão do amplo comércio de
centes. Em Horizonte, todos os adolescentes armas em vários níveis sociais, em especial no
vítimas de homicídios em 2015 foram mortos mundo policial”, disse um oficial da PM que par-
por arma de fogo. Em Fortaleza, este percen- ticipou deste grupo.
tual chegou a 95% dos casos analisados na O que se vê, segundo ele, é uma circulação
pesquisa. Segundo o Mapa da Violência 2016, incessante de armas apreendidas e que, por di-
Fortaleza foi a capital que mais matou por versos motivos, acabam retornando ao mundo
arma de fogo em 2014, com taxa de 81,5 mor- do crime, alimentando a espiral de violência le-
tes por 100 mil habitantes. No Ceará, as armas tal que vitima nossos adolescentes.
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7 http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2016/09/02/noticiasjornalcotidiano,3655732/chacina-da-messejana-pms-fizeram-
cerco-para-matar-diz-investigacao.shtml.
8 Todos os nomes foram trocados para preservar a identidade das vítimas e de seus familiares.
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CAPÍTULO 5
FOTO:FILIPE ABUD
Mais da metade dos
adolescentes vítimas
de homicídio não havia
participado de projetos
sociais diversos, como
os que levam esporte às
comunidades
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salvo se estas consentirem e estiverem acompa- envolvidos. Além disso, é necessário desenvol-
nhadas de advogado ou defensor público. ver programas de monitoramento das violações
As empresas de comunicação devem ade- de direitos humanos da mídia, instaurar inquéri-
quar a exibição de programas policiais ao horá- tos civis públicos para analisar casos de desres-
rio protegido, conforme o artigo 76 do Estatuto peito à legislação em vigor; adotar providências
da Criança e do Adolescente, promovendo no- legais pertinentes à responsabilização das emis-
vas formas de abordagem do tema da violência soras e à reparação de danos morais coletivos,
e assegurando os direitos constitucionais dos eventualmente ocorridos.
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CAPÍTULO 6
A METODOLOGIA
A trajetória da pesquisa que deu voz aos familiares de adolescentes assassinados
para compreender a vida desses jovens e o contexto em que viviam
A pesquisa foi realizada em sete municípios de observação dos lugares, as relações entre as
cearenses: Fortaleza, Caucaia, Eusébio, Horizonte pessoas e os modos de vida em que se encon-
e Maracanaú (na Região Metropolitana), Sobral e travam os adolescentes.
Juazeiro do Norte (no interior do estado). O critério No gráfico a seguir, é possível verificar o total
de escolha destas cidades foi o número absoluto de casos de homicídios registrados em cada ci-
de homicídios de adolescentes, com base nos da- dade estudada e a quantidade de questionários
dos disponibilizados pela Secretaria de Segurança aplicados. Em Fortaleza, Caucaia, Maracanaú,
Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) e na rele- Horizonte, Eusébio, Sobral e Juazeiro do Norte
vância socioeconômica para o estado do Ceará. foram pesquisados casos referentes a 2015. Um
Compreender a trajetória de vida de vítimas total de 224 questionários foram aplicados nas
de homicídios exige um esforço em conhecer o sete cidades, relativos a casos de adolescentes
contexto de moradia, convivência e interação assassinados na faixa etária de 12 a 18 anos.
dos adolescentes com amigos e familiares. Por
isso, foi um trabalho de construção de histórias Números de casos de homicídio por
narradas por aqueles com quem os adolescen- município e questionários aplicados
tes possuíam laços de afetividade.
Uma vez que o luto vivenciado pelos familiares e
o medo de falar sobre o assunto poderiam prejudi- 146
Fortaleza 293
car o trabalho de campo, foi utilizado um questioná-
rio com 139 questões fechadas que compreendes- Sobral 16
20
sem a vida dos adolescentes em quatro dimensões: Juazeiro 16
individual, familiar, institucional e comunitária. do Norte 24
A construção do questionário passou por Caucaia 15
27
um amplo debate entre os integrantes do Co- 14
mitê. Para validá-lo, foi feito um pré-teste com Maracanaú 32
11 famílias que tiveram os filhos assassinados Horizonte 9
13
no bairro do Bom Jardim, em Fortaleza. Além do
Eusébio 8
questionário, foram utilizados diários de campo 9
para que os pesquisadores relatassem o cotidia- TOTAL 224
418
no da pesquisa em três aspectos: os cenários
0 100 200 300 400 500
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Fortaleza somava 312 casos de adolescen- Para aplicação dos questionários, optou-se
tes vítimas de homicídio em 2015. Como o por dialogar com os familiares, tendo em vista
número de casos era muito superior aos das o objetivo de compreender a trajetória de vida
demais cidades, foi selecionada aleatoriamen- dos adolescentes vítimas de homicídio, mesmo
te uma amostra de 172 casos11 para a aplica- considerando o viés presente nas respostas de
ção da pesquisa. Entretanto, no decorrer das quem perdeu um ente querido recentemente.
atividades, observou-se que era relativamen- Como os arranjos familiares são diversos,
te comum não encontrar os endereços que os interlocutores seriam aqueles que tivessem
constavam nos bancos de dados cedidos ao maior proximidade com os jovens, possibilitan-
Comitê. Por isso, optou-se por buscar todos os do a construção de uma narrativa sobre sua vida,
casos de homicídios de adolescentes contidos da infância até a morte. Entre esses estavam
na base de dados. principalmente as mães (57%), as avós (12%), as
Assim, da listagem com 312 casos, foram tias (9%) as irmãs (9%) e os pais (7%). Os demais
buscados 293 endereços em Fortaleza; 20 entrevistados – irmãos, primos, padrastos, sogras
casos não foram encontrados devido à insu- e tios – somaram 6%.
ficiência de informações para se chegar ao A abordagem de coleta de dados envolveu
endereço, ou o jovem, apesar de ter morrido métodos qualitativos (observação de campo,
em Fortaleza, residia em outro município. Em diários, entrevistas e grupos focais) e métodos
Caucaia, Maracanaú, Horizonte, Eusébio, Jua- quantitativos (aplicação de questionários). Foi
zeiro e Sobral, o recorte foi o ano de 2015. No uma estratégia ampla para dar conta da vasti-
entanto, não foi feita amostra, porque o nú- dão de interpretações, versões e significados
mero de casos era reduzido. que são dados aos casos de homicídios na ado-
Em Fortaleza, de um total de 293 questioná- lescência pelos envolvidos neste cenário.
rios, foram aplicados 146, o que corresponde a A equipe de coordenação da pesquisa rea-
50%. Em 40% dos casos, as famílias mudaram lizou ainda quatro grupos focais com profis-
de endereço ou não foram encontradas; e 10% sionais que atuam em Fortaleza nas áreas da
das famílias se recusaram a responder. Já de um Assistência Social, Saúde, Educação, Segurança
total de 418 casos buscados nas sete cidades, fo- Pública e Sistema de Justiça, com o objetivo de
ram aplicados 54% dos questionários, 37% dos analisar as demandas por serviços nessas áreas
casos não foram encontrados e 9% das famílias com base nas narrativas apresentadas pelos
se recusaram a ser entrevistadas. operadores da política.
11 Número calculado para se obter uma confiança de 95% com margem de erro de 5%.
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Realização
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF)
Representante do UNICEF no Brasil: Gary Stahl
Representante Adjunta do UNICEF no Brasil: Esperanza Vives
Chefe da Unidade de Proteção: Casimira Benge
Chefe do Território do Semiárido: Robert Gass
Chefe de Comunicação e Parcerias: Pedro Ivo Alcantara
A FOTO DA CAPA
A foto da capa retrata a tristeza de um adolescente
perante uma situação de homicídio. “O crime não é só
a morte em si. Eu me interesso pelo que acontece fora
da fita amarela, como essa banalização e espetacula-
rização da violência”, diz Claudio Marques, o autor da
foto da capa. “Como é crescer acreditando que isso
seja ‘normal’, que aconteça todos os dias?”, questiona
o fotógrafo, que é formado em Filosofia e trabalha
na Divisão de Homicídios da Polícia Civil. Como os
meninos que fotografa, Claudio também morou na
periferia, em Aerolândia, na Zona Leste de Fortaleza,
com o pai, e perdeu a maioria dos seus amigos de
infância para a violência.
TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS
reconstrói a história de vida e morte dos
adolescentes assassinados em sete
municípios do Ceará por meio de depoimentos
de seus familiares
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