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A∴ R∴ L∴ M∴ Bandeirantes 103

Trabalho Espontâneo
“O Mito da Caverna e os cegos que não querem ver”

Irm.’. Octaviano du Pin Galvão Neto, M∴ M∴


C.I.M. 52.103
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Todos conhecemos, ou deveríamos conhecer, o ‘Mito da Caverna’,


texto escrito por Platão encontrado no livro VII da obra A República do séc. IV A. C.
Nele, o filósofo descreve a vida de alguns homens que, desde a infância, se encontram
aprisionados, acorrentados, numa caverna, de modo a não conseguirem se mover.

De costas para uma parede postada à entrada da caverna, desta só


veem suas paredes, nas quais se refletem imagens projetadas por uma fogueira que
atrás da parede permanece acesa. Por ali movimentam-se homens transportando
objetos, mas como a parede oculta o corpo desses homens, apenas os objetos que
transportam são projetados em sombras e vistos pelos prisioneiros.
Certo dia, um dos homens acorrentados consegue escapar e é
surpreendido por uma nova realidade. No entanto, tanto a luz da fogueira, quanto a
do sol no exterior da caverna agridem os seus olhos, já que nunca havia contemplado
a luz diretamente. Ele tem a opção de retornar para a caverna e manter-se ali como de
costume ou, por outro lado, pode se esforçar para se habituar à nova realidade.

Por outro lado, desejando permanecer fora, ainda tem por opção a de
retornar apenas para libertar seus companheiros, reportando a eles o que havia
descoberto fora da caverna. Entretanto, muito provavelmente, talvez eles não viessem
a acreditar em seu testemunho, já que para eles verdade e realidade se manifestam
apenas através de sua frágil percepção e limitada vivência na caverna.
Resumidamente, com o ‘Mito da Caverna’, Platão almejou revelar a
importância da educação e da contínua aquisição do conhecimento, sendo esses os
únicos instrumentos que permitem aos homens ficarem a par da realidade da vida que
se encontra sob as aparências, chegando mais próximo da verdade, servindo-se da
reflexão e do pensamento crítico.

O senso comum, que dispensa estudo e investigação, e muitas vezes


se baseia em superficialidades e “em ouvir dizer” é representado pelas impressões
aparentes vistas pelos homens através das sombras, ao passo que o conhecimento
científico, por sua vez, baseado em experimentações e comprovações, é representado
pela luz, que sendo muito forte, por vezes nos cega, desnorteia e nos amedronta.
Assim, tal como o prisioneiro liberto, nós também devemos tentar nos
libertar, através do estudo e da aquisição de conhecimento, mas lembrando que
poderemos ser confrontados pelas novas ideias apreendidas, diferentes perspectivas
encontradas e pelas experiências que nos possibilitem maior discernimento.

O fato de passarmos a entender o que antes sequer percebíamos


mesmo que com mínima clareza, no entanto, poderá ser chocante, inibidor de que
continuemos a perseverar sempre, e cada vez mais, na busca de novos conhecimentos,
pelo simples receio de que aquilo com o que possamos nos deparar venha a abalar as
colunas que sustentam a nossa vida anterior.
É altamente relevante notar-se que as forças que controlam e
manipulam a sociedade tendem a nos moldar para aquilo que elas desejam de nós,
que se resume em somente aceitarmos como verdade factual, ideias, fatos e conceitos
que nos são oferecidos prontos, ‘mastigados e de bandeja’; sempre de modo difuso,
fácil de ser absorvido e diluído por muitos filtros. Isto é, somente aquilo que nos é
transmitido, de forma explícita e/ou implícita, pelos meios de comunicação, e agora
também pelas redes sociais. Tudo, sem maior questionamento, reflexão e investigação.

Por certo, já há milênios, Platão desejava mostrar a importância da


investigação e da profunda reflexão para que sejam encontrados meios de combate ao
sistema, que limita, como pode, ações progressistas e transcendentes de mudança.
Há, entretanto, na natureza humana, alguns aspectos perversos, que
nos mantém na zona de conforto e impedem de ver, não somente com os olhos, mas
principalmente com o nosso ser, por inteiro, consequentemente, nos impedindo de
evoluir enquanto espécie. Esta questão foi retratada com maestria por José Saramago
em seu ‘Ensaio sobre a cegueira’, publicado em 1995, no qual ele nos revela através de
uma imagem aterradora e ao mesmo tempo comovente de tempos sombrios, à beira
deste novo milênio, ‘a necessidade de termos olhos, quando os outros os perderam’,
nos incitando a parar, a fecharmos os olhos e então enxergarmos; recuperando a
lucidez, o afeto e a compaixão.

Saramago defende uma tese que ‘diante da pressão dos tempos, algo
se perdeu, algo que não tem nome; e essa coisa é a nossa essência, é o que somos’.

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”, diz ele de forma sucinta,
mas precisa e esclarecedora, pois a espécie humana vem, paulatinamente, se tornando
cega, aparentemente de forma inexplicável e em progressão geométrica. E esse
crescimento segue acumulando, cada vez mais, pessoas oprimidas intelectualmente,
que precisam se adaptar a uma vida em que nada mais é visível, é real, ou seja, se
constituindo na pior espécie de cegos que possa existir, que é a dos que não querem
ver, ou o ‘Homem Medíocre’ como bem descreveu José Inginieros em sua excepcional
obra de 1948, na qual, resumindo seu pensamento, ele diz: “No verdadeiro homem
medíocre, a cabeça é um simples adorno”.

Essa nova espécie, mais do que nunca, para não perecer, escravizada,
carece de líderes que os orientem e os libertem de seus grilhões existenciais.

E esses líderes quem seriam? Tais líderes são todos aqueles que,
tendo a oportunidade de escapar de sua caverna simbólica, o fazem. Com esforço e
perseverança o fazem; aprendem, refletem, crescem e, mais do simplesmente isso,
estendem suas mãos aos que necessitam de auxílio para enxergar, para que deixem de
se constituir numa espécie de escravos e aleijados modernos.

Assim, entendo que seja esse o nosso dever, pois a nós nos é dada a
possibilidade de aprender e de transcender, libertando-nos de nossa ignorância e
preconceitos e, desta forma, não podemos continuar a fugir de nossa responsabilidade
de retribuição, pela oportunidade que recebemos e pelos juramentos que fizemos.
Nossa ação deve se dar, por primeiro, internamente, trabalhando para
que nossa Ordem reencontre o seu caminho de verdadeiro espírito transformador e
progressista, para que volte a preparar, hoje também, e adequadamente, os
construtores sociais de que tanto se orgulha ter tido no passado.
Ao contrário do que disse Niccoló Machiavelli n’O Príncipe, temos que
mudar, não para que a Ordem continue como está, mas para que volte a ser o que era.

E a seguir, atuar novamente na sociedade profana, de forma decisiva


e concreta, utilizando seu pequeno exército de homens bem preparados que, em
uníssono, atuem não somente através de benemerência e filantropia, pois mesmo
necessária não é suficiente, nem somente como exemplo e referência, mas como
instrumento efetivo de progresso e de evolução.

Entretanto, frente à ausência de vínculos e da cultura do efêmero e do


vazio que graça nos tempos de hoje, esta ação não poderá deixar de reforçar a solidez
de um pensamento humanista e o compromisso com os ideais. Será necessário superar
o pensamento débil com argumentos e sonhos suficientemente afetivos para que o
novo homem que se apresenta diante de nós eleve a sua dignidade e suas pretensões.
Assim nós os conduziremos para atravessar o itinerário que vai da inutilidade da
existência à busca de um sentido por meio da coerência e do compromisso com o outro,
para escaparmos da grave sentença de Thomas Hobbes "O homem é o lobo do Homem",
e assim, e somente assim termos alguma chance de fazermos feliz a humanidade.

Pesquisa Bibliográfica:

 PLATÃO – “A República” – Editora Nova Fronteira, Brasil, 2016


 SARAMAGO, José – “Ensaio sobre a cegueira” – Companhia das Letras, Brasil, 1995
 INGINIEROS, José – “O Homem Medíocre” – Editora Chain, Brasil, 2015
 ROJAS, Enrique – “O Homem Moderno” – Editora Chain, 2013

Oriente de São Paulo, 16 de março de 2.016

Octaviano du Pin GalvãoNeto - M‫ ؞‬M∴

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