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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Estado do Paraná

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1725723-9, DA 2ª VARA CÍVEL E DA


FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CIANORTE.

Apelante: Alessandro Pisani e outro.


Apelado: Estado do Paraná.
Relator: Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Osvaldo Nallim
Duarte (em substituição ao Des. José Laurindo de Souza Netto).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COM PEDIDO DE REPARAÇÃO DE


DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXCESSO EM ABORDAGEM
POLICIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS
AUTORES. POLICIAIS CIVIS QUE, EM CARRO
DESCARACTERIZADO E DE VIDROS ESCUROS, PERSEGUEM
VEÍCULO DAS VÍTIMAS, DE MADRUGADA, EM RODOVIA.
PERSEGUIÇÃO REALIZADA POR EQUÍVOCO, IMAGINANDO
TRATAR-SE DE TRAFICANTES. DISPARO COM ARMA DE FOGO
QUE ATINGE O AUTOMÓVEL, CAUSANDO RISCO À VIDA OU À
INTEGRIDADE CORPORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
ESTADO PELA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO.
ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM R$
10.000,00 PARA CADA AUTOR. DANO MATERIAL
CORRESPONDENTE AO REPARO DO VEÍCULO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos e examinados,

I. RELATÓRIO.
Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face da
sentença proferida nos autos nº 0001543-82.2015.8.16.0069, que julgou
improcedentes os pedidos formulados na inicial, condenando os autores ao
pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários
advocatícios, estes fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Inconformados, os autores alegam, em suas razões recursais,
em síntese, que sofreram a abordagem policial quando seguiam sentido
Cianorte-Maringá, por policiais que não agiram com o procedimento
adequado, causando danos ao veículo e risco aos autores em decorrência da
falta de cautela.

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O magistrado singular julgou improcedentes os pedidos, sob o
fundamento de que os autores não lograram êxito em comprovar as
alegações presentes na exordial, “sendo a versão da defesa muito mais crível
em cotejo com tudo o que se apurou pelas provas produzidas, não havendo
portanto, como se concluir que a atuação dos policiais civis tenha desbordado
dos limites da normalidade para a situação que se apresentou, o que enseja,
consequentemente, a conclusão de que inexistiu qualquer espécie de abuso a
justificar a indenização pretendida”.
Desta decisão insurgem-se os autores, requerendo, em
resumo, a reforma da sentença de primeiro grau, reconhecendo do excesso
na abordagem policial, com a consequente condenação do Estado ao
pagamento de danos morais; e a minoração dos honorários advocatícios, os
quais requerem sejam fixados entre 10% e 20% do valor da causa, nos
termos do art. 85, §2º, do NCPC e da Lei 10.406/2002.
A parte agravada apresentou contrarrazões em evento 157.1.
Inicialmente a apelação não foi conhecida, em vista de não
haver preparo do recurso. Realizado juízo de retratação (fls. 75/76) referente
a decisão do relator em não conhecer do recurso interposto, possibilitou-se o
recolhimento das custas recursais de acordo com o artigo 99, § 7º, do CPC.
Juntado comprovante das custas pelo autor em fls. 78 a 93.
Vieram conclusos.
É o breve relatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso
merece conhecimento.
Passo à análise do mérito.
O art. 37, §6º, da Constituição Federal define a
responsabilidade do ente público como objetiva.
Veja-se o conteúdo do referido artigo:

Art. 37. (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de


direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
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Nesta toada, a responsabilidade civil dos entes federados é um


conteúdo que sofreu evoluções doutrinárias, passando-se desde a
responsabilidade subjetiva à possibilidade de responsabilização objetiva,
atribuída pela Teoria do Risco Administrativo.
O entendimento jurisprudencial deste Tribunal está
consolidado no sentido de que os atos comissivos da Administração Pública
que geram dano devem ser julgados sob a perspectiva da responsabilidade
objetiva. Veja-se:

EMENTA AÇÃO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MO-


RAIS. PRISÃO ILEGAL. RÉU ABSOLVIDO. DETENÇÃO IN- DEVIDA.
INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. INVIABILIDADE
DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE REVISÃO CRIMINAL, CUJO
PRESSUPOSTO DE CABI- MENTO É A EXISTÊNCIA DE
CONDENAÇÃO. EX VI DO ART. 621 CPP. FALTA DE DILIGÊNCIA
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
APLICABILIDADE DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. DANO
MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE.
QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM R$ 25.000,00.
MONTANTE QUE ATENDE AO OBJETIVO PROPOSTO NA
DEMANDA, BEM COMO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE. CITA PRECEDENTES. (...) (TJPR - 3ª C. Cível -
AC - 1513081-1 - Guaíra - Rel.: José Sebastião Fagundes Cunha
- Unânime - - J. 26.07.2016).

Adotando esta modalidade de responsabilização, basta que


exista fato jurídico, dano e nexo de causalidade entre fato e dano. A culpa da
Administração Pública será presumida e será seu ônus comprovar que não há
culpa da Administração.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que


incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou
ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente
protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera
relação causal entre o comportamento e o dano" (MELLO,
Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª
edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.989/990) ”.

Assim, percebe-se que a teoria do risco administrativo


dispensa a discussão da prova de culpa da administração, pois objetiva,
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cabendo a mera demonstração por parte da vítima comprovar que a conduta
do servidor lhe gerou dano.
O vínculo de causalidade está comprovado.
Discute-se a responsabilidade dos agentes policiais referente à
abordagem empregada de maneira errônea e consequentemente causadora
de riscos à vida e ao patrimônio dos apelantes.
Como é incontroverso, os apelantes estavam em veículo
Montana, na rodovia entre Cianorte e Maringá, em cujo aeroporto a mulher do
motorista e coautora embarcaria em voo.
O digno sentenciante concluiu não ter havido abuso de
autoridade e que a abordagem policial foi realizada com as cautelas devidas.
Entretanto, o apelo merece provimento.
Os depoimentos dos policiais responsáveis pela diligência, ao
contrário de evidenciar o cumprimento do protocolo na abordagem de
veículos em via pública, demonstram que a operação causou danos aos
autores.
Quando ouvidos em inquérito administrativo, os agentes do
Denarc disseram que estavam em operação de interceptação de suspeitos de
tráfico que estavam vindo desde Naviraí-MS e tinham um veículo menor como
batedor.
O condutor do veículo Montana, ora autor, não teria outra
atitude defensiva a tomar senão procurar se proteger de uma abordagem que
mais parecia ação de assaltantes.
Os policiais utilizavam viatura descaracterizada e com vidros
escuros, de madrugada, e vieram ao encalço das vítimas, inicialmente dando
sinais de luz e depois ultrapassaram a Montana pelo lado direito, fechando-a
mais adiante em quebra-molas.
Seria perfeitamente normal que qualquer motorista,
perseguido nessas circunstâncias, ficasse imediatamente apavorado e
procurasse adotar atitudes defensivas e tentar fugir.
Ninguém pararia em rodovia, de madrugada, obedecendo a
sinais de luz de veículo desconhecido e em alta velocidade.
O automóvel Audi A3 utilizado pelos policiais civis não tinha
nenhuma identificação que permitisse a um homem médio perceber que se

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tratava de operação realizada por agentes da lei.
Certamente se o equipamento de alerta da presença policial
estivesse instalado no lugar adequado (em cima do veículo), haveria alguma
indicação de que se tratava de policiais. Porém, como se destacou nos
depoimentos, tal equipamento não foi acoplado ao teto do automóvel (parte
externa), sob a justificativa de que o objeto cairia em alta velocidade, o que
também revela falha do serviço. Disseram os policiais, então, que o Giroflex
foi colocado no painel do Audi, mas há sérias dúvidas de que poderia haver
correta visualização, porque os vidros estavam revestidos de insulfilm escuro.
Todos os elementos probatórios, portanto, levam à
responsabilização do Estado, pela teoria da responsabilidade objetiva (risco
administrativo), não obstante tenham sido os agentes absolvidos no processo
administrativo disciplinar.
Trata-se de caso emblemático em que a ação do estado,
mesmo não presente o dolo dos seus agentes, acaba por causar prejuízo a
terceiros.
Que as vítimas tenham tentado fugir da perseguição é uma
atitude normal para o cidadão médio e sua esposa, tomados de pavor com o
que imaginavam ser uma ação de bandidos. E a circunstância de o policial ter
descido do veículo com a arma em punho nem por isso atenuaria esse temor.
Primeiro, toda a ação se desenvolveu muito rapidamente, sendo possível que
os autores não tivessem percebido que se tratava de policiais. Segundo,
ainda que fosse visível a identificação, não é incomum que meliantes forjem
batidas policiais para realizar roubos.
Merecem destaque o ambiente de escuridão e manobras
arriscadas do veículo descaracterizado, fazendo com que o condutor
procurasse escapar do que imaginava ser uma emboscada, preparatória de
roubo ou de sequestro, parando somente depois de ouvir tiros que acertaram
a carroceria da Montana.
À vista disso, não restam dúvidas de que a Administração
Pública tem o dever de indenizar os danos materiais e morais sofridos pelos
apelantes.

Dano moral

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No tocante ao quantum indenizatório, diante da notória
dificuldade em arbitrar o valor para indenizações por dano moral e também
da ausência de critérios legais objetivos, a doutrina tem lançado mão de
certos parâmetros.
Devem ser considerados: as circunstâncias do caso concreto, o
alcance da ofensa e a capacidade econômica do ofensor e do ofendido.
Além disso, a indenização deve ser suficiente para compensar
a vítima pelo dano sofrido e, ao mesmo tempo, sancionar o causador do
prejuízo de modo a evitar futuros desvios.
O valor indenizatório nestes casos deve assegurar à parte
ofendida justa reparação sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
Veja-se julgado deste Tribunal:

O dano moral, diferentemente do material, prescinde de


comprovação em juízo, posto que sua ocorrência é presumida
diretamente do ato que represente potencial de dano a gerar
perturbações na esfera psicológica da vítima. 3. No
arbitramento do 'quantum' indenizatório, inexistindo
parâmetros legais, consideram-se as circunstâncias
particulares do caso, as posses do causador do dano, a
situação pessoal da vítima, a intensidade da culpa e a
gravidade da lesão, segundo critérios de proporcionalidade e
razoabilidade, a representar coibição na prática reiterada de
atos ilícitos semelhantes e a evitar que a indenização se
converta em fonte de enriquecimento ilícito, ou se torne
inexpressiva. (TJPR, 13ª Câm. Cív., Ac. 8719, Rel. Juiz Conv.
Luis Espíndola, julg.: 16/04/2008).

No caso em tela, a ação policial resultou de equívoco dos


policiais quanto à percepção da realidade, decorrendo daí intenso sofrimento
psíquico dos autores, que se viram em situação na qual temeram pela própria
vida.
Analisando a extensão e gravidade do dano moral, a condição
econômica das partes envolvidas, a finalidade sancionatória e reparadora da
indenização, fixo a indenização por dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil
reais) para cada autor.
Tal montante será corrigido monetariamente pelo IPCA, a partir
da data deste julgamento (súmula 362/STJ) e juros de mora equivalentes aos
juros de caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9494/97), estes a contar do
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evento danoso.

Dano material
A parte autora comprovou os danos patrimoniais sofridos,
como se verifica pelo orçamento da chapearia (mov 1.10) demonstrando que
o apelante teve que despender para o conserto o valor de 818,58 (oitocentos
e dezoito reais e cinquenta e oito centavos).
O orçamento apresenta valor não objetivamente impugnado na
contestação, refletindo, de modo adequado, o vulto do prejuízo
experimentado.
O termo inicial da correção monetária (também com base no
IPCA), e dos juros de mora (poupança) corresponderá à data do orçamento.

Sucumbência
Tendo em vista a inversão da sucumbência, condeno o Estado
do paraná ao pagamento das custas processuais e honorários ao procurador
dos autores que, por apreciação equitativa, levando em conta o tempo
dedicado à causa e qualidade do trabalho apresentado, arbitro em 15% sobre
o valor das condenações atualizadas.

III. DECISÃO
Acordam os Magistrados integrantes da 3ª Câmara Cível, por
unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso de apelação, nos
termos do voto do Relator.

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Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores JOSE LAURINDO DE SOUZA
NETTO, Presidente sem voto, EDUARDO CASAGRANDE SARRÃO, MARCOS SERGIO
GALLIANO DAROS.

Curitiba, 17 de Julho de 2018

Juíz Substituto em 2o Grau OSVALDO NALLIM DUARTE

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