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N. 2
SÉRIE “TUTELA PENAL DOS DIREITOS HUMANOS”
ISBN 978-85-7983-249-9
A HIPÓTESE DO FIM DA VIOLÊNCIA NO DISCURSO
DA MODERNIDADE PENAL
Salo de Carvalho*
127
Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, p. 29.
128
Giacóia Jr., Nietzsche, p. 56.
Leituras de um realismo jurídico-penal marginal. Homenagem a Alessandro Baratta 167
irá identificar aquela minoria de pessoas que não ultrapassou as necessárias
etapas de evolução. Sem transpor definitivamente a primeira natureza, estão
condicionadas a romper, a qualquer momento, as regras do convívio
pacífico, pois são estrangeiros e não fazem parte da cultura.
Na criminologia de Garófalo, seja do ponto de vista ético – “há
indivíduos moralmente inferiores, assim como os há e houve sempre
superiores (...)”129 – ou desde perspectiva estética – “se é certo que o senso
moral é um produto da evolução, natural admitir que ele seja menos
aperfeiçoado nas classes que representam um grau inferior de
desenvolvimento físico” 130 –, o homo criminalis, perdido no abismo do
atraso antropopsicológico e incabível na civilização, estará eternamente
vinculado às noções de anomalia moral, fisiológica e sexual.
Nas palavras de Ferri
129
Garófalo, Criminologia, p. 14.
130
Garófalo, Criminologia, p. 16.
131
Ferri, Os Criminosos na Arte e na Literatura, p. 32/35.
168 Leituras de um realismo jurídico-penal marginal. Homenagem a Alessandro Baratta.
evolutivo, a criminologia crítica, no campo das ciências criminais, apontará
uma das maiores e das mais radicais feridas da cultura ocidental.
O pensamento crítico de ruptura com as idealizações da dogmática
penal, sobretudo das teorias do delito e da pena, produz efeitos terroríficos
profundamente importantes para a análise dos discursos sobre o processo
civilizatório e sobre a formação da cultura como adestramento da natureza
humana ao colocar em cena o homem da cultura como sujeito dos atos de
barbárie.
Se Sade evoca em sua literatura libertina o homo naturalis
adormecido no cortês homem da Modernidade; Sutherland imputa ao
industrial capitalista a responsabilidade pelos crimes da grande política
(ilícitos da esfera pública); e a criminologia feminista desnudará a
violência privada presente no lar, último reduto de segurança e de
civilidade.
6. DESENCANTO E FRAGMENTAÇÃO
132
Timm de Souza, Em Torno à Diferença, p. 129.
133
Morin, Breve Historia de la Barbarie en Occidente, p. 19.
170 Leituras de um realismo jurídico-penal marginal. Homenagem a Alessandro Baratta.
poder, incontrolado em seu estado bruto, circula, fascinando e apaixonando
todos aqueles que corporificam as instituições.
Calligaris, ao comentar a obra de Sade, “peça chave do quebra-
cabeça moderno”, é preciso: “o poder assombra a fantasia erótica moderna
(...). O exercício do poder é contaminado por modalidades de prazer e de
gozo aprendidas na cama, ou seja, por um erotismo violento, sombrio e, em
geral, envergonhado.”134
As conclusões possíveis sobre o ideal do fim da violência no
discurso penal são indigestas, pois não apenas é desfeito o sistema
maniqueísta ético e estético que sustentou desde o nascimento da
modernidade os processos de criminalização e punição, como é desnudada a
erótica do poder.
O intuito deste discurso, portanto, para além de apresentar
descritivamente o diagnóstico das violências produzidas pela configuração
inquisitiva das ciências criminais–, é provocar aberturas, cisões, ranhuras na
lógica do pensamento autoritário e genocida que rege o agir dos sistemas
punitivos.
REFERÊNCIAS
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134
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Leituras de um realismo jurídico-penal marginal. Homenagem a Alessandro Baratta 171
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