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DIREITO CIVIL 2 – TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES –

UNICAMP

Fonte: www.rafaeldemenezes.adv.br

Contato: rafael@rafaeldemenezes.adv.br

Aula 1

Neste semestre começa a ser estudada a parte


especial do Direito Civil, esta que é a mais extensa
disciplina do curso de Direito, com sete períodos, um da
parte geral, já visto, e seis da parte especial. Além de
disciplina mais extensa, peço licença aos colegas
professores para afirmar que o Direito Civil é também a
matéria mais importante do curso jurídico por duas
grandes razões:

Primeiro porque o Direito em si, como ciência, passou


a ser estudado através do Direito Civil. Foi a evolução do
Direito Civil que levou à Teoria Geral do Direito e à
Introdução ao Estudo do Direito.

Segundo porque o Direito Civil é o direito de nós


todos, de João, José, de Maria e de cada cidadão. Explico:
o Direito Tributário e Administrativo é o direito do governo,
o Direito Penal é o direito do bandido, o Direito Comercial
é o direito do empresário, o Direito Processual é mais
processo do que direito, o Direito do Trabalho é o direito
do trabalhador, e de qualquer modo, o Direito do Trabalho
é filho do Direito Civil. Igualmente o Direito do
Consumidor, é filho também do Direito Civil. O próprio
Direito Comercial teve muitas de suas normas
incorporadas pelo Código Civil de 2002. Finalmente, o
Direito Constitucional tem mais princípios gerais do que
normas de aplicação direta.
Já as atividades do nosso cotidiano são todas
reguladas pelo Direito Civil. Nós todos hoje, para
estarmos aqui agora, já celebramos alguma relação civil,
até porque nós todos temos nome, família e domicílio. E
usamos um transporte para chegar de casa até a
universidade. E somos proprietários de nossas roupas e
objetos pessoais. E falamos no telefone e compramos um
chiclete antes de entrar na sala de aula. Quer dizer,
alguém pode viver décadas e nunca se enquadrar no
Código Penal, Processual ou na CLT, mas com certeza
nossas vidas passam pelo Código Civil. O que vocês
acham? Reflitam!

Tudo isso aumenta a responsabilidade do professor


de Direito Civil, que deve ser capaz de estimular os alunos
a conhecer e gostar da disciplina, sempre fazendo-
os refletir sobre as controvérsias jurídicas, o subjetivismo
do Direito e a razoabilidade na aplicação da lei (exs: arts.
402; § 1º do 1.210; 1.229; pú do 944).

Além de disciplina mais extensa e mais importante do


curso, o Direito Civil hoje predomina sozinho no Direito
Privado. Vocês sabem que as normas jurídicas têm duas
grandes divisões conforme estudado na Teoria Geral do
Direito: o Direito Público e o Direito Privado. É Direito
Público o Direito Constitucional, Administrativo,
Processual, Penal e Tributário. Já o Direito Civil,
Comercial e do Trabalho integram o Direito Privado, mas
só o Direito Civil é privado por excelência. Isto porque o
Direito Comercial tem se aproximado do Direito Público
neste séc. XXI de mundo globalizado e mercados
internacionais como a União Européia, o Mercosul –
Mercado Comum do Sul, a Nafta da América do Norte, a
Alca – Área de Livre Comércio das Américas, etc. Cada
vez mais as nações participam e se integram em blocos
econômicos, aproximando o Direito Comercial do Direito
Público. Igualmente o Direito do Trabalho, um filho do
Direito Civil, aproxima-se do Direito Público na medida em
que o Estado interfere nas relações empregatícias para
proteger e tornar indisponíveis direitos dos trabalhadores.
Tenho um artigo no meu site chamado “A importância do
Direito Privado apesar da publicização do Direito” onde
afirmo inclusive que o Direito do Trabalho é Direito
Público, confiram! A publicização é justamente este
avanço do Direito Público sobre o Direito Privado, com o
Estado sufocando nossas atividades, atrofiando a
economia, controlando nossa rotina, cobrando multas e
impostos, porém fornecendo pouco em troca... O que
vocês acham?

Bem, voltando ao cível, hoje vocês começam o estudo


da parte especial do Direito Civil, e durante seis
semestres serão estudados os quatro grandes temas
cíveis: obrigações, reais, família e sucessões. No Direito
das Obrigações vocês vão conhecer as normas que tratam
das relações das pessoas entre si, é por isso que o Direito
das Obrigações é também conhecido como Direito
Pessoal. As obrigações entre as pessoas se originam de
vários modos, especialmente do contrato.

Já no Direito Real serão estudadas as normas que


tratam das relações das pessoas com os bens, sendo
também chamado de Direito das Coisas. Existem vários
direitos reais (art. 1.225) e o principal deles é
a propriedade.

Então ao longo da nossa vida, eu, vocês, João, José e


Maria nos relacionamos com várias pessoas, através
dos contratos, e nos apropriamos de vários bens,
adquirindo propriedade, para a formação de um
patrimônio. Este é o sentido da vida: estudar e trabalhar
para ficar rico! O Direito Civil é o direito dos ricos!
Perdoem-me os espiritualistas, mas dinheiro é muito
importante na nossa vida, especialmente na nossa velhice
quando estamos mais vulneráveis. Pois bem, todo esse
patrimônio que nós juntamos na nossa vida será
transferido a nossos herdeiros após nossa morte. Desta
transmissão de bens cuida o Direito das Sucessões.

O Direito das Obrigações, o Direito das Coisas e o


Direito das Sucessões integram a chamada autonomia
privada, ou seja, é o campo do Direito Civil onde os
particulares se relacionam entre si, com grande
liberdade, na celebração de contratos e na apropriação
de bens que lhes interessam, para a formação de um
patrimônio que será transferido aos familiares após a
morte. Se no Direito Público só se pode fazer o que a lei
permite, no Direito Civil pode-se fazer tudo o que a lei não
proíbe, ou seja, a liberdade aqui é bem maior.

Dos quatro ramos do Direito Civil, só o Direito de


Família sobra deste raciocínio. Sem dúvida o Direito de
Família pertence ao Direito Civil, afinal trata das relações
entre familiares, e nada é tão íntimo e privado quanto a
família de cada um de nós. Além disso, tais familiares, via
de regra, são os herdeiros do patrimônio adquirido na
nossa vida. Mas no Direito de Família as questões
econômicas não predominam tanto quanto no resto do
Direito Civil, afinal o que alimenta a família é o amor, é a
sensibilidade, é a amizade e não o dinheiro. Em suma, o
Direito de Família integra o Direito Civil, mas não integra a
autonomia privada.

Concentrando-nos no Direito das Obrigações, objeto


dos próximos dois semestres, podemos conceituá-lo como
a disciplina que trata das relações harmônicas entre as
pessoas para a satisfação dos seus interesses individuais.
Digo “relações harmônicas” porque a sociedade exige
harmonia, sob pena de conflito e caos social. Digo
“satisfação de interesses” porque uma pessoa não
consegue produzir sozinha tudo que precisa para viver, e
por impulso precisa se relacionar com outra para obter
bens de seu interesse. As relações obrigacionais
acontecem a todo instante e são o suporte econômico da
sociedade moderna de consumo, especialmente através
do contrato de compra e venda.

Quanto mais a gente compra, aluga, troca, empresta,


etc., mais dinheiro circula na economia, mais as lojas
vendem, mais as fábricas produzem, mais os empresários
lucram, mais empregos são gerados e mais impostos são
arrecadados.Todos ganham! Mas para gastar é preciso ter
dinheiro, e para isso é preciso trabalhar, e para isso é
preciso estudar. Estudem pois!

Aula 2 – Civil 2 – Unicap

OBRIGAÇÃO

Na primeira aula conceituamos o Direito das


Obrigações e o situamos dentro do Direito Civil, bem como
situamos o Direito Civil dentro do ordenamento jurídico.
Vamos hoje tratar da obrigação.

Conceito:

Todos temos obrigações na nossa vida, seja para com


o país (ex: serviço militar, votar nas eleições, pagar
impostos) seja para com a família (1.566). Mas a obrigação
que nos interessa neste curso é a obrigação civil. Num
conceito mais simples, a obrigação é o direito do credor
contra o devedor. Num conceito mais completo, a
obrigação é um vínculo jurídico transitório em virtude do
qual uma pessoa fica sujeita a satisfazer
uma prestação econômica em proveito de outra.
Expliquemos:

- vínculo jurídico: o vínculo é o motor da obrigação


e precisa interessar ao Direito; um vínculo apenas moral
(ex: ser educado, ser gentil, dar “bom dia”) ou religioso
(ex: ir a missa todo Domingo) não tem relevância jurídica;

- transitório: a obrigação é efêmera, tem vida curta


(ex: uma compra e venda de balcão dura segundos),
podendo até ser duradoura (ex: alugar uma casa por um
ano), mas não dura para sempre. Inclusive um direito de
crédito se extingue quando é exercido (ex: José bate no
carro de Maria, quando Maria cobra o prejuízo e José
paga, a obrigação se extingue). Já os Direitos Reais
são permanentes, e quanto mais exercidos mais se
fortalecem (ex: a propriedade sobre uma fazenda passa
por gerações de pai para filho, e quanto mais a fazenda for
usada mais cumprirá sua função social, ficando livre de
invasões e desapropriação). Há outras diferenças dos
Direitos Reais para os Direitos Obrigacionais que serão
abordadas em Civil 4.

- prestação: é o objeto da obrigação e se trata de


uma conduta ou omissão humana, ou seja, sempre é dar
uma coisa, fazer um serviço ou se abster de alguma
conduta. Dar, fazer e não-fazer, estas três são as espécies
de obrigação, voltaremos a elas abaixo.

- econômica: toda obrigação precisa ter um valor


econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial
do inadimplente se não for espontaneamente cumprida.
Em outras palavras, se uma dívida não for paga no
vencimento o credor mune-se de uma pretensão e a dívida
se transforma em responsabilidade patrimonial. Que
pretensão é esta de que se arma, de que se mune o
credor? É a pretensão a executar o devedor para
atacar/tomar seus bens através do Juiz (391, 942). E se o
devedor/inadimplente não tiver bens? Então não há nada a
fazer pois, como dito, a responsabilidade é patrimonial e
não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o chamado
na brincadeira “jus sperniandi”. Realmente já se foi o
tempo em que o devedor poderia ser preso, escravizado,
esquartejado e morto por dívidas, pois isto hoje atenta
contra a dignidade humana. Os únicos casos atuais de
prisão por dívida são no contrato de depósito, que
veremos em Civil 3 (652), e na pensão alimentícia, assunto
de Direito de Família.

Elementos da obrigação: são três:

a) duplo sujeito: o Direito das Obrigações trata das


relações entre pessoas, então toda obrigação tem dois
sujeitos, um ativo, chamado credor, e um passivo,
chamado devedor. Não existe relação obrigacional com
apenas um sujeito (381). Pode haver num dos pólos mais
de um credor e mais de um devedor (257). Numa relação
simples, sabe-se exatamente qual das partes é a credora e
qual é a devedora (ex: José bate no carro de Maria, então
José é devedor e Maria é credora), mas numa relação
complexa, ambos os sujeitos são simultaneamente
credores e devedores (ex: contrato de compra e venda,
onde o comprador deve o dinheiro e é credor da coisa, e o
vendedor deve a coisa e é credor do dinheiro). Tais
obrigações complexas são também chamadas
de sinalagmáticas. Os sujeitos precisam ser bem
identificados para que o devedor saiba a quem prestar, e o
credor saiba de quem receber. Excepcionalmente o
devedor pode ser desconhecido (ex: qualquer pessoa que
adquira imóvel hipotecado responde pela dívida, apesar de
não ter originariamente assumido a obrigação; 303, mais
detalhes em Civil 5) e o credor também pode ser
desconhecido (ex: o credor faleceu ou desapareceu, deve
então o devedor pagar na Justiça para se livrar da
obrigação, 334; outro ex: 855).

b) vínculo jurídico: o vínculo liga os sujeitos ao objeto


da obrigação. O vínculo é a força motriz da relação
obrigacional. O vínculo seria qualquer acontecimento
relevante para o direito capaz de fazer nascer uma
obrigação (ex: um acidente de trânsito gera um ato ilícito,
um acordo de vontades produz um contrato, etc).

c) objeto: atenção com o objeto! O objeto da


obrigação não é uma coisa, mas um fato humano/uma
conduta ou omissão do devedor chamada prestação. A
prestação possui três espécies: dar, fazer, ou não-fazer.
Na obrigação de dar o objeto da prestação é uma coisa
(ex: dar dinheiro, dar uma TV), mas o objeto da obrigação
é a ação de entregar a coisa, não a coisa em si. Na
obrigação de fazer o objeto da prestação é um serviço (ex:
o cantor realiza um show, o advogado redige uma petição,
o professor ministra uma aula). Finalmente, na obrigação
de não-fazer, o objeto da prestação é uma
omissão/abstenção (ex: o químico da fábrica de perfume é
demitido e se obriga a não revelar a fórmula do perfume).

Como o objeto da obrigação é a prestação, mesmo na


obrigação de dar o credor não tem poder sobre a coisa,
mas sim sobre a prestação (ex: compro uma geladeira e a
loja promete me entregar em casa, mas a loja não cumpre,
não posso por isso invadir a loja e pegar a geladeira à
força, devo sim exigir perdas e danos, 389 – trata-se da
responsabilidade patrimonial do devedor, como dito
acima).

As obrigações de dar e de fazer são positivas, e a de


não - fazer é a chamada obrigação negativa.
O objeto da obrigação para ser válido precisa
ser lícito (ex: comprar drogas, contratar o serviço de um
“pistoleiro”, etc), possível (ex: viagem no tempo, procurar
um anel no mar, encontrar um dinossauro
vivo), determinável (a coisa devida precisa ser
identificada, 243) e ter valor econômico para viabilizar o
ataque ao patrimônio do devedor em caso de
inadimplemento (947). Acrescentem “valor econômico” ao
art. 104, II, do CC.

Aula 3 – Civil 2 – Unicap

FONTES DAS OBRIGAÇÕES

O Direito se origina dos fatos = ex facto iur oritur.


As fontes do Direito são a lei, a jurisprudência, a doutrina
e os costumes, conforme estudado em Introdução ao
Direito. No caso das obrigações, quais suas fontes? De
onde se originam as obrigações? Ressalto que há muitas
obrigações que interessam a outras áreas jurídicas e que
têm por fonte a lei, ex: obrigação de alimentar os parentes
necessitados, assunto de Direito de Família (1.696);
obrigação de votar, assunto de Direito Eleitoral; obrigação
de pagar impostos, assunto de Direito Tributário;
obrigação dos homens de prestar serviço militar, etc.

Mas e as obrigações patrimoniais privadas? Como


surgem as relações concretas entre particulares tendo por
objeto determinada prestação? São três as fontes segundo
o Código Civil, vejamos:

1 – Contratos: esta é a principal e maior fonte de


obrigação. Através dos contratos as partes assumem
obrigações (ex: compra e venda, onde o comprador se
obriga a pagar o preço e o vendedor se obriga a entregar a
coisa). No próximo semestre serão estudados com
detalhes os inúmeros contratos (ex: locação, doação,
empréstimo, seguro, transporte, mandato, fiança, etc).

2 – Atos unilaterais: segundo nosso Código, são os


quatro capítulos entre os arts. 854 e 886, com destaque
para a promessa de recompensa (ex: perdi meu cachorro e
pago cem a quem encontrá-lo, obrigando-me perante
qualquer pessoa que cumpra a tarefa). Não temos aqui um
contrato, mas um ato unilateral gerador de obrigação,
como será visto no próximo semestre.

3 – Atos ilícitos: já estudados no semestre passado,


revisem o art. 186 (ex: João bate no carro de Maria e se
obriga a reparar os prejuízos). O estudo dos atos ilícitos
deve ser aprofundado na importante
disciplina Responsabilidade Civil (927).

ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO

São três, duas positivas (dar e fazer) e uma


negativa (obrigação de não-fazer).

1 – obrigação de dar: conduta humana que tem por


objeto uma coisa, subdividindo-se em três: obrigação de
dar coisa certa, obrigação de restituir e obrigação de dar
coisa incerta.

1.1 – obrigação de dar coisa certa: vínculo jurídico


pelo qual o devedor se compromete a entregar ao credor
determinado bem móvel ou imóvel, perfeitamente
individualizado.

Tal obrigação é regulada pelo Código Civil a partir do


art. 233, salvo acordo entre as partes, ou seja, se as
partes não ajustarem de modo diferente, vão prevalecer as
disposições legais. Na autonomia privada, como dito na
aula 1, a liberdade das partes é grande, e o Código Civil
serve mais para completar a vontade das partes caso haja
omissão no ajuste entre elas. Diz-se por isso que a
maioria das normas de direito privado são supletivas,
enquanto a maioria das normas de direito público
são imperativas = obrigatórias.

O que vai caracterizar a obrigação de dar coisa


certa é porque o objeto da prestação é coisa única e
preciosa, ex: a raquete de Guga, o capacete de Ayrton
Senna, a camisa dez de Pelé, etc. (235). O devedor
obrigado a dar coisa certa não pode dar coisa diferente,
ainda que mais valiosa, salvo acordo com o credor (313 –
mais uma norma supletiva).

Se o devedor recebe o preço e se recusa a entregar


a coisa, o credor não pode tomá-la, resolvendo-se o litígio
em perdas e danos (389). A obrigação não gera direito real
( = sobre a coisa), mas apenas direito pessoal ( = sobre a
conduta). Excepcionalmente, admite-se efeito real caso a
coisa continue na posse do devedor (ex: A combina vender
a B o capacete de Ayrton Senna, B paga, mas depois A
recebe uma oferta melhor e termina vendendo o capacete
a C; B não pode tomar o capacete de C, mas caso
estivesse ainda com A, poderia fazê-lo através do Juiz;
esta é a interpretação do art. 475 do CC que vocês
estudarão em Civil 3). Então o 389 é a regra e o 475
(execução forçada do contrato) é a exceção.
E se a obrigação não gera direito real, o que vai
gerar? Resposta: a tradição para as coisas móveis e
o registro para as coisas imóveis. Tradição e registro são
assuntos de Direitos Reais, mas que já devo adiantar.
Tradição é a entrega efetiva da coisa móvel (1226 e 1267),
então quando compro uma geladeira, pago a vista e
aguardo em casa sua chegada, só serei dono da coisa
quando recebê-la. Ao contrário, se compro um celular a
prazo e saio com ele da loja, o aparelho já será meu
embora não tenha pago o preço (237). Eventual
perda/roubo da geladeira/celular trará prejuízo para o
dono, seja ele a loja ou o consumidor, a depender do
momento da tradição. É a confirmação do brocardo
romano res perit domino (= a coisa perece para o dono),
seja o comprador ou o vendedor, até a tradição (492). Se
o devedor danificar a coisa antes da tradição, terá que
indenizar o comprador por perdas e danos (239).

Por sua vez, o registro é a inscrição da propriedade


imobiliária no Cartório de Imóveis, de modo que o dono do
apartamento não é quem mora nele, não é quem pagou o
preço ou quem tem as chaves. O dono da coisa imóvel é
aquele cujo nome está registrado no Cartório de Imóveis
(1245 e § 1º). Mais detalhes sobre tradição e registro em
Civil 4.

1.2 – obrigação de restituir: é também chamada de


obrigação de devolver. Difere da obrigação de dar, pois
nesta a coisa pertence ao devedor até a tradição,
enquanto na obrigação de restituir a coisa pertence ao
credor, apenas sua posse é que foi transferida ao devedor.
Posse e propriedade são conceitos que serão estudados
em Direitos Reais, mas dá para entender que quando se
aluga um filme, a locadora continua sendo proprietária do
filme é apenas a posse que se transfere ao cliente. Então
na locação o cliente/devedor tem a obrigação de restituir
o bem ao locador após o prazo acertado (569, IV). Como se
vê, na obrigação de restituir a prestação consiste em
devolver uma coisa cuja propriedade já era do credor
antes do surgimento da obrigação. Igualmente se eu
empresto um carro a meu vizinho, eu continuo
dono/proprietário do carro, apenas a posse é que é
transferida, ficando o vizinho com a obrigação de devolver
o veículo após o uso. Locação e empréstimo são exemplos
de obrigação de restituir, ficando a coisa em poder do
devedor, mas mantendo o credor direito real de
propriedade sobre ela. Como a coisa é do credor, seu
extravio antes da devolução trará prejuízo ao próprio
credor (240), enquanto na obrigação de dar o extravio
antes da tradição traz prejuízo ao devedor. Em ambos os
casos, sempre prevalece a máximares perit domino. Mas é
preciso cuidado para evitar fraudes (238, ex: alugo um
carro que depois é furtado, o prejuízo será da loja, por isso
é prudente a locadora sempre fazer seguro). Outro
exemplo de obrigação de restituir está no art. 1.233, então
se “achado não é roubado”, também não pode ser
apropriado, devendo quem encontrar agir conforme o p.ú.
do mesmo artigo.

Próxima aula: 1.3 - obrigação de dar coisa incerta.

ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação)

1 – obrigação de dar

1.1 – obrigação de dar coisa certa

1.2 – obrigação de restituir (já vistas na aula passada)

1.3 – obrigação de dar coisa incerta: nesta espécie de


obrigação a coisa não é única, singular, exclusiva e
preciosa como na obrigação de dar coisa certa, mas sim é
uma coisa genérica determinável pelo gênero e pela
quantidade (243). Ao invés de uma coisa
determinada/certa, temos aqui uma coisa
determinável/incerta (ex: cem sacos de café; dez cabeças
de gado, um carro popular, etc). Tal coisa incerta,
indicada apenas pelo gênero e pela quantidade no início
da relação obrigacional, vem a se tornar determinada por
escolha no momento do pagamento. Ressalto que coisa
“incerta” não é “qualquer coisa”, mas coisa sujeita a
determinação futura. Então se João deve cem laranjas a
José, estas frutas precisam ser escolhidas no momento do
pagamento para serem entregues ao credor.

Esta escolha chama-se juridicamente


de concentração. Conceito: processo de escolha da coisa
devida, de média qualidade, feita via de regra pelo devedor
(244). A concentração implica também em separação,
pesagem, medição, contagem e expedição da coisa,
conforme o caso. As partes podem combinar que a
escolha será feita pelo credor, ou por um terceiro,
tratando-se este artigo 244 de uma norma supletiva, que
apenas completa a vontade das partes em caso de
omissão no contrato entre elas.

Após a concentração a coisa incerta se torna certa


(245). Antes da concentração a coisa devida não se perde
pois genus nunquam perit (o gênero nunca perece). Se
João deve cem laranjas a José não pode deixar de cumprir
a obrigação alegando que as laranjas se estragaram, pois
cem laranjas são cem laranjas, e se a plantação de João
se perdeu ele pode comprar as frutas em outra fazenda
(246).

Todavia, após a concentração, caso as laranjas se


percam (ex: incêndio no armazém) a obrigação se
extingue, voltando as partes ao estado anterior,
devolvendo-se eventual preço pago, sem se exigir perdas
e danos (234, 389, 402). Pela importância da
concentração, o credor deve ser cientificado quando o
devedor for realizá-la, até para que o credor fiscalize a
qualidade média da coisa a ser escolhida.

2 – obrigação de fazer: conduta humana que tem por


objeto um serviço. Conceito: espécie de obrigação
positiva pela qual o devedor se compromete a praticar
algum serviço lícito em benefício do credor. Enquanto na
obrigação de dar o objeto da prestação é uma coisa, na
obrigação de fazer o objeto da prestação é um serviço (ex:
professor ministrar uma aula, advogado redigir uma
petição, cantor fazer um show, pedreiro construir um
muro, médico realizar uma consulta, etc.). E se eu quero
comprar um quadro e encomendo a um artista, a
obrigação será de fazer ou de dar? Se o quadro já estiver
pronto a obrigação será de dar, se ainda for confeccionar
o quadro a obrigação será de fazer.

A obrigação de fazer tem duas espécies:

2.1 – fungível: quando o serviço puder ser prestado


por uma terceira pessoa, diferente do devedor, ou seja,
quando o devedor for facilmente substituível, sem prejuízo
para o credor, a obrigação é fungível (ex: pedreiro,
eletricista, mecânico, caso não possam fazer o serviço e
mandem um substituto, a princípio para o credor não há
problema). As obrigações de dar são sempre fungíveis
pois visam a uma coisa, não importa quem seja o devedor
(304).

2.2 – infungível: ao credor só interessa que o


devedor, pelas suas qualidades pessoais, faça o serviço
(ex: médico e advogado são profissionais de estrita
confiança dos pacientes e clientes). Chama-se esta
espécie de obrigação de personalíssima ou intuitu
personae ( = em razão da pessoa). São as circunstâncias
do caso e a vontade do credor que tornarão a obrigação de
fazer fungível ou não.

Em caso de inexecução da obrigação de fazer o


credor só pode exigir perdas e danos (247). Viola a
dignidade humana constranger o devedor a fazer o serviço
por ordem judicial, de modo que na obrigação de fazer não
se pode exigir a execução forçada como na obrigação de
dar coisa certa (art. 475 – sublinhemexigir-lhe o
cumprimento). Imaginem um cantor se recusar a subir no
palco, não é razoável o Juiz mandar a polícia para forçá-lo
a trabalhar “manu militari”, o coerente é o credor do show
exigir perdas e danos (389). Ninguém pode ser
diretamente coagido a praticar o ato a que se obrigara.
Assim, a execução “in natura” do art. 475 do CC deve ser
substituída por perdas e danos quando for impossível (ex:
a coisa devida não está mais com o devedor) ou quando
causar constrangimento físico ao devedor (ex: obrigação
de fazer).

Se ocorrer recusa do devedor de executar


obrigação fungível, o credor pode pedir a um terceiro para
fazer o serviço, às custas do devedor (249). Havendo
urgência, o credor pode agir sem ordem judicial, num
autêntico caso de realização de Justiça pelas próprias
mãos (pú do 249, ex: consertar o telhado de casa
ameaçando cair).

Mas se tal recusa decorre de um caso fortuito (ex:


o cantor gripou e perdeu a voz), extingue-se a obrigação
(248).

Aula 5 – Civil 2 – Unicap


ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação)

1 – Obrigação de dar

2 – Obrigação de fazer (já vistas)

3 – Obrigação de não-fazer: trata-se de uma obrigação


negativa cujo objeto da prestação é uma omissão ou
abstenção. Os romanos chamavam de obrigação ad non
faciendum. Conceito: vínculo jurídico pelo qual o devedor
se compromete a se abster de fazer certo ato, que poderia
livremente praticar, se não tivesse se obrigado em
benefício do credor. O devedor vai ter que sofrer, tolerar
ou se abster de algum ato em benefício do credor.
Exemplos: o engenheiro químico que se obriga a não
revelar a fórmula do perfume da fábrica onde trabalha; o
condômino que se obriga a não criar cachorro no
apartamento onde reside; o professor que se obriga a não
dar aula em outra faculdade; o comerciante que se obriga
a não fazer concorrência a outro, etc. Pode haver limite
temporal para a obrigação (1.147).

Como na autonomia privada a liberdade é grande,


as obrigações negativas podem ser bem variadas, mas
obrigações imorais e anti-sociais, ou que sacrifiquem a
liberdade das pessoas, são proibidas, ex: obrigação de não
se casar, de não trabalhar, de não ter religião, etc. Tudo é
uma questão de bom senso, ou de razoabilidade. Gosto
muito da expressão “razoável”, é uma expressão muito
ligada ao Direito, inclusive tem um artigo no site sobre a
razoabilidade na aplicação da lei, confiram!

A violação da obrigação negativa se resolve em


perdas e danos, então se o engenheiro divulgar a fórmula
do perfume terá que indenizar a fábrica. Mas se for viável,
o credor poderá exigir o desfazimento pelo devedor (ex:
José se obriga a não subir o muro para não tirar a
ventilação do seu vizinho João, caso José aumente o
muro, João poderá exigir a demolição, 251). No caso do
perfume não há como desfazer a revelação do segredo,
então uma indenização por perdas e danos é a solução
(389).

Neste exemplo do muro, se José se mudar, o novo


morador terá que respeitar a obrigação? Não, pois quem
celebrou o contrato não foi ele. Mas se João, ao invés de
um simples contrato de obrigação negativa, fizer com
José uma servidão predial, todos os futuros proprietários
da casa não poderão aumentar o muro (1.378). Servidão
predial é assunto de Civil 5, e por se tratar de um direito
real, já se percebe sua maior força em relação a um
direito obrigacional. Enquanto uma obrigação vincula
pessoas (João a José), uma servidão predial vincula uma
pessoa a uma coisa, então a segurança para o credor é
bem maior. Mais detalhes em Civil 5 (vide no site aulas 8 e
9 de Direitos Reais na Coisa Alheia).

Ainda tratando do exemplo do muro, e se a


Prefeitura obrigar José a aumentar o muro por uma
questão de estética ou urbanismo? José terá que
obedecer e João nada poderá fazer, pois o Direito Público
predomina sobre o Direito Privado (250 – é o chamado
“Fato do Príncipe”, em alusão aos monarcas que
governavam os países na Europa medieval).

CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE
OBRIGAÇÕES
Vistas as espécies, vamos passar as próximas
aulas tratando das modalidades de obrigações. São várias
modalidades, mas que sempre irão corresponder a uma
das três espécies de dar, fazer ou não-fazer. A primeira
modalidade é:

1 – Obrigação Natural: a obrigação civil produz todos


os efeitos jurídicos, mas a obrigação natural não, pois
corresponde a uma obrigação moral. Há autores que a
chamam de obrigação degenerada. São exemplos:
obrigação de dar gorjeta, obrigação de pagar dívida
prescrita (205), obrigação de pagar dívida de jogo (814),
etc.

A obrigação natural não pode ser exigida pelo


credor, e o devedor só vai pagar se quiser, bem diferente
da obrigação civil. Vocês sabem que se uma dívida não for
paga no vencimento o direito do credor mune-se de uma
pretensão, e a dívida se transforma em responsabilidade
patrimonial. Mas tratando-se de obrigação natural, o
credor não terá a pretensão para executar o devedor e
tomar seus bens (189). A dívida natural existe, mas não
pode ser judicialmente cobrada, não podendo o credor
recorrer à Justiça.

Conceito: obrigação natural é aquela a cuja


execução não pode o devedor ser constrangido, mas cujo
cumprimento voluntário é pagamento verdadeiro.

Por que a obrigação natural interessa ao Direito se


corresponde a uma obrigação moral? Porque a obrigação
natural, mesmo sendo moral, possui um efeito
jurídico: soluti retentio ou retenção do pagamento.
Mesmo tratando-se de uma obrigação moral, o
pagamento de obrigação natural é pagamento verdadeiro
e o credor pode retê-lo. Então se João paga dívida
prescrita e depois se arrepende não pode pedir o dinheiro
de volta, pois o credor tem direito à retenção do
pagamento (882). Como diz a doutrina, “a obrigação
natural não se afirma senão quando morre”, ou seja, é com
o pagamento e sua extinção que a obrigação natural vai
existir para o direito, ensejando ao credor a soluti
retentio.

Mas não se confunda obrigação natural com


obrigação inexistente: se João paga dívida inexistente o
credor não pode ficar com o dinheiro, e João terá direito
à repetitio indebiti ( = devolução do indébito; em direito
“repetir” significa “devolver”, e “indébito” é o que não é
devido). Então quem efetua pagamento indevido pode
exigir a devolução do dinheiro ( = repetitio indebiti) para
que outrem não enriqueça sem motivo. O credor de
obrigação natural tem direito à soluti retentio, mas quem
recebe dívida inexistente não (ex: pago a meu credor
João da Silva, mas por engano faço o depósito na conta de
outro João da Silva, que terá que devolver o dinheiro, 876).
Na obrigação natural não cabe a repetitio indebiti, pois o
credor dispõe da soluti retentio. Falaremos mais de
enriquecimento sem causa e pagamento indevido na aula
12.

Em suma, a obrigação natural não se cumpre por


bondade ou liberalidade ou doação, mas por um dever
moral, e a moral influencia o Direito, tanto que a lei lhe
atribui o efeito jurídico da soluti retentio.

Falando de doação, vocês verão em Civil 3 que o


donatário deve ser grato ao doador, então se João doa um
carro a Maria, Maria lhe deve gratidão pelo resto da vida,
não podendo agredi-lo ou ofendê-lo sob pena de perder a
doação (557). Mas se por trás dessa doação existe uma
obrigação natural, tal doação não se revoga por ingratidão
(564, III; ex: João deve dinheiro a Maria mas a dívida
prescreveu, porém mesmo assim João resolveu pagar e
doou uma jóia a Maria; pois bem, caso Maria venha no
futuro a agredir João, tal doação não se extinguirá já que
não foi feita por liberalidade, mas sim em cumprimento de
obrigação natural).

Finalizando, gostaria de transcrever a valiosa


opinião de Washington de Barros Monteiro sobre a
raridade da obrigação natural e a absurda proteção que a
lei dá ao devedor no nosso ordenamento:

- numa época em que a noção do prazo tende a


desaparecer, substituída pelo espírito de moratória e pela
esperança da revisão; em que o devedor conhece a arte
de não pagar as dívidas e em que aquele que paga com
exatidão no dia devido não passa de um ingênuo, que não
tem direito a nada; em que as leis se enchem de piedade
pelos devedores e em que as vias judiciárias se mostram
imprescindíveis como imposição ao devedor civil, aparece
como verdadeiro anacronismo a obrigação natural,
suscetível de pagamento voluntário, apesar de desprovida
de ação (vide Direito das Obrigações, 1ª parte, Ed. Saraiva,
32ª edição, pág. 215).

CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

1 – Obrigação Natural (já vista)

2 – Obrigação Alternativa
A obrigação simples só possui um objeto, mas a
obrigação alternativa tem por objeto duas ou mais
prestações, mas apenas uma será cumprida como
pagamento. É muito comum na prática, até para facilitar e
estimular os negócios (ex: vendo esta casa por vinte mil
ou troco por terreno na praia; outro ex: um artista bate no
seu carro e se compromete a fazer um show na sua casa
ou a pagar o conserto; mais um ex: o comerciante que se
obriga com outro a não lhe fazer concorrência, ou então a
lhe pagar certa quantia; exemplo da lei: art. 1701, outro
exemplo da lei, art 442).

Características da obrigação alternativa:

a) nasce com objeto composto, ou seja, duas ou


mais possibilidades de prestação;

b) o adimplemento de qualquer das prestações


resulta no cumprimento da obrigação, o que
aumenta a chance de satisfação do credor, sem ter
que se partir para as perdas e danos, caso qualquer
das prestações venha a perecer. Como o credor
aceitou mais de uma prestação como pagamento,
qualquer delas vai satisfazer o credor (253 e 256); a
exoneração do devedor se dá mediante a realização
de uma única prestação.

c) o devedor pode optar por qualquer das


prestações, cabendo o direito de escolha, de regra,
ao próprio devedor (252); mas o contrato pode
prever que a escolha será feita pelo credor, por um
terceiro, ou por sorteio (817); essa escolha chama-
se de concentração, semelhante a da obrigação de
dar coisa incerta; ressalto todavia que não se
confunde a obrigação alternativa com a de dar
coisa incerta; nesta o objeto é único, embora
indeterminado até a concentração; já na obrigação
alternativa há pelo menos dois objetos;

d) se o devedor, ignorando que a obrigação era


alternativa, fizer o pagamento, pode repeti-lo para
exercer a opção. É um caso raro de retratação da
concentração, e cabe ao devedor a prova de que
não sabia da possibilidade de escolha (877).

e) nas obrigações periódicas admite-se o jus


variandi, ou seja, pode-se mudar a opção a cada
período (§ 2o do art. 252). A doutrina critica essa
mudança de prestação porque gera instabilidade
para o credor.

3 - Obrigação Facultativa

É parecida, é uma prima pobre, mas não se


confunde com a obrigação alternativa. É também muito
rara, tanto que nosso Código não reservou para ela um
capítulo próprio. Sua fonte está mais na lei do que no
contrato, conforme exemplos que veremos abaixo. Ou
seja, há casos específicos na lei que contemplam
obrigações facultativas, porque as partes dificilmente
contratam prevendo uma obrigação facultativa.

Conceito: é aquela cujo objeto da prestação é


único, mas confere ao devedor o direito excepcional de
substituí-lo por outro.
Exemplo: art. 1234, assunto de Civil 4, então quem
encontra coisa perdida deve restituí-la ao dono, e o dono
fica obrigado a recompensar quem encontrou; mas o dono
pode, ao invés de pagar a recompensa, abandonar a coisa,
e aí quem encontrou poderá ficar com ela; pagar a
recompensa é a prestação principal do devedor, já
abandonar a coisa é prestação acessória do seu dono. O
abandono da coisa não é obrigação, mas faculdade do seu
dono. Ao invés de pagar a recompensa, tem o devedor a
faculdade de dar a coisa ao credor.

Outro exemplo: art. 1382, assunto de Civil 5, então


imaginem que da Fazenda A sai um aqueduto para a
Fazenda B, levando água, com a obrigação, ajustada em
contrato, de que o dono da Fazenda A deverá conservar a
obra. Pois bem, ao invés de manter o aqueduto, tem o
dono da Fazenda A a obrigação facultativa de abandonar
suas terras para o dono da Fazenda B. Ao invés de
conservar o aqueduto, o devedor tem a faculdade de
abandonar suas terras, dando-as ao vizinho.

Ao nascer a obrigação o objeto é único, mas para


facilitar o pagamento, o devedor tem a excepcional
faculdade de se liberar mediante prestação diferente. É
vantajosa assim para o devedor.

Na obrigação facultativa, ao contrário da alternativa,


o credor nunca tem a opção e só pode exigir a prestação
principal, pois a prestação devida é única e só o devedor
pode optar pela prestação facultativa.

Ressalto que a impossibilidade de cumprimento da


prestação principal extingue a obrigação, resolvendo-se
em perdas e danos, não se aplicando o art. 253, pois,
como já dito, a prestação acessória não é obrigação, mas
faculdade do devedor. Então quem encontrar coisa perdida
e não receber a recompensa, não poderá exigir o
abandono da coisa, mas sim deverá processar o devedor
pelo valor da recompensa.

Aula 7 – Civil 2 – Unicap

Classificação ou modalidades de obrigações (continuação)

4 – Obrigação divisível e indivisível

Em geral, numa obrigação existe apenas um credor e


um devedor. Mas caso existam na mesma relação vários
devedores ou vários credores, o razoável é que cada
devedor pague apenas parte da dívida, e que cada credor
tenha direito apenas a parte da prestação. Essa regra
sofre exceção nos casos de indivisibilidade, que veremos
hoje, e de solidariedade, na próxima aula. Tanto na
indivisibilidade como na solidariedade, embora concorram
várias pessoas, cada credor pode reclamar a prestação
por inteiro, e cada devedor responde também pelo todo
(259 e 264). Comecemos pela divisibilidade e
indivisibilidade:

Obrigação divisível é aquela cuja prestação pode


ser parcialmente cumprida sem prejuízo de sua qualidade
e de seu valor (ex: uma dívida de cem reais pode ser paga
em duas metades; um curso de Direito Civil pode ser
ministrado em várias aulas). Mas a depender do acordo
entre as partes, o devedor deve pagar de uma vez só,
mesmo que a prestação seja divisível (314).
Já na obrigação indivisível a prestação só pode ser
cumprida por inteiro (ex: quem deve um cavalo não pode
dar o animal em partes, 258; mas se tal cavalo perecer e a
dívida se converter em pecúnia, deixa de ser indivisível,
263).

Como dito, a indivisibilidade vai despertar


interesse prático quando houver mais de um credor ou
mais de um devedor.

- pluralidade de devedores: imaginem que um pai


morre e deixa dívidas, seus filhos irão pagar estas dívidas
dentro dos limites da herança recebida do pai (1792,
1997). Então o credor do pai terá mais de um filho para
cobrar esta dívida. Se a prestação for divisível, cada filho
responde pela parte correspondente a sua herança, e a
insolvência de um deles não aumentará a quota dos
demais (257). Mas se a prestação for indivisível, cada filho
responde pela dívida toda, e aquele que pagar ao credor,
cobrará o quinhão correspondente de cada irmão (259 e pú
– veremos sub-rogação em breve). A relação obrigacional
antes era do credor com os filhos do pai morto, agora é do
irmão pagador contra os outros irmãos.

- e se a pluralidade for de credores? Sendo


divisível a prestação, cada credor só pode exigir sua parte
(257). Mas sendo indivisível aplica-se o 260, pelo que o
devedor deverá pagar a todos os credores juntos, para que
um não engane os outros. Ou então o devedor deverá
pagar àquele credor que prestar uma garantia ( = caução)
de que repassará o pagamento aos outros (ex: João deve
um carro a três pessoas, mas não encontra os três para
pagar, assim, para se livrar logo daquela obrigação, paga
ao credor que ofereceu uma fiança; se este credor não
repassar o carro aos demais credores, o fiador poderá ser
processado pelos prejudicados; fiança é assunto de Civil
3). Se o devedor pagar sem as cautelas do art. 260, terá
que pagar de novo àquele credor que, eventualmente,
venha a ser lesado pelo credor que recebeu todo o
pagamento, afinal quem paga mal paga duas
vezes, concordam? Diz-se por isso que o pagamento
integral da dívida a um só dos vários credores pode não
desobrigar o devedor com relação aos demais
concredores. Mas pagando o devedor corretamente,
caberá aos credores buscar sua parte com o credor que
recebeu tudo (261). Tratando-se de coisa indivisível (ex:
carro, barco, casa), poderão os credores usar a coisa em
condomínio, ou então vendê-la e dividir o dinheiro (1320).

Espécies de indivisibilidade: a) física: a prestação é


indivisível pela sua própria natureza, pois sua divisão
alteraria sua substância ou prejudicaria seu uso (ex:
obrigação de dar um cavalo, obrigação de restituir o
imóvel locado, etc); b) econômica: o objeto da prestação
fisicamente poderia ser dividido, mas perderia valor (ex:
obrigação de dar um diamante, art. 87); c) legal: é a lei que
proíbe a divisão (ex: a lei 6.766/79, que dispõe sobre o
parcelamento do solo urbano, determina no art. 4º, II, que
os lotes nos loteamentos terão no mínimo 125 metros
quadrados, então um lote deste tamanho não pode ser
dividido em dois); d) convencional: é o acordo entre as
partes que torna a prestação indivisível (art. 88, ex: dois
devedores se obrigam a pagar juntos certa quantia em
dinheiro, o que vai favorecer o credor que poderá exigir
tudo de qualquer deles, 258 in fine, e 259).

Percebe-se que qualquer das três espécies de


obrigação (dar, fazer e não-fazer) pode ser divisível ou
indivisível (ex: dar dinheiro é divisível, mas dar um cavalo
é indivisível; pintar um quadro é obrigação de fazer
indivisível, mas plantar cem árvores é divisível; não
revelar segredo é indivisível, mas não pescar e não caçar
na fazenda do vizinho é divisível).

Aula 8 – Civil 2 – Unicap

Classificação ou modalidades de obrigações


(continuação)

5 – Obrigações solidárias

Como visto na aula passada, quando numa


obrigação indivisível concorrem vários devedores, todos
estão obrigados pela dívida toda, como se existisse uma
solidariedade entre eles (259). Assim, se várias pessoas
devem coisa indivisível, a obrigação é também solidária.
Mas pode haver obrigação solidária mesmo de coisa
divisível devida por várias pessoas.

Conceito legal: há solidariedade quando na mesma


obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um
devedor, cada um com direito ou com responsabilidade
pela dívida toda, como se fosse o único (264).

As obrigações solidárias e indivisíveis têm


conseqüências práticas semelhantes, mas são obrigações
diferentes, vejamos:

- a obrigação indivisível é impossível pagar por


partes, pois resulta da natureza da prestação (ex: cavalo,
lote urbano, diamante, barco, fazer um quadro, etc). Já a
obrigação solidária até poderia ser paga por partes, mas
por força de contrato não pode, tratando-se de
uma garantia para favorecer o credor. Na solidariedade
cada devedor deve tudo, na indivisibilidade cada devedor
só deve uma parte, mas tem que pagar tudo diante da
natureza da prestação. Pelas suas características a
solidariedade não se presume, decorre de contrato ou da
lei (265). Exemplo de solidariedade decorrente de lei é a
patroa que responde pelos danos causados a terceiros por
sua empregada doméstica (932, III, 942 e pú).

- pode haver obrigação solidária de coisa divisível


(ex: dinheiro), de modo que todos os devedores vão
responder integralmente pela dívida, mesmo sendo coisa
divisível. Tal solidariedade nas coisas divisíveis serve
para reforçar o vínculo e facilitar a cobrança pelo credor.

- o devedor a vários credores de coisa indivisível


precisa pagar a todos os credores juntos (260, I), mas o
devedor a vários credores solidários se desobriga pagando
a qualquer deles (269).

- se a coisa devida em obrigação solidária perece,


converte-se em perdas e danos, torna-se divisível, mas
permanece a solidariedade (271 e 279). Se a coisa devida
em obrigação indivisível perece, converte-se em perdas e
danos e os co-devedores deixam de ser responsáveis pelo
todo (263).

- o devedor de obrigação solidária que paga sozinho


a dívida ao credor, vai cobrar dos demais co-devedores a
quota de cada um, sem solidariedade que não se presume
(265 e 283). Então A, B e C devem solidariamente dinheiro
a D. Se A pagar a dívida toda ao credor, A vai cobrar a
quota de B e C sem solidariedade entre B e C.

Elementos da obrigação solidária: a) multiplicidade


de credores ou de devedores, ou ainda, de uns e de outros;
b) unidade de prestação; c) co-responsabilidade dos
interessados.

5.1 - Solidariedade ativa

Configura-se pela presença de vários credores,


chamados concredores, todos com o mesmo direito de
exigir integralmente a dívida ao devedor comum (267).

A solidariedade ativa é rara porque na sua principal


característica está sua principal inconveniência (269).
Assim, o devedor não precisa pagar a todos os
concredores juntos, como na obrigação indivisível (260, I).
Pagando apenas a um dos credores solidários, mesmo sem
autorização dos demais, o devedor se desobriga, e se este
credor for desonesto ou incompetente, e reter ou perder a
quota dos demais, os concredores nada poderão reclamar
do devedor, terão sim que reclamar daquele que embolsou
o pagamento.

Mas caso algum dos concredores já esteja


executando judicialmente o devedor, o pagamento deverá
ser feito ao mesmo (268), o que se chama de prevenção,
ficando tal credor prevento para receber o pagamento com
prioridade em nome de todos os concredores.

Outro inconveniente é que se um dos credores


perdoar a dívida, o devedor fica liberado, e os demais
concredores terão que exigir sua parte daquele que
perdoou (272).

Como se vê, na solidariedade ativa cada credor fica


sujeito à honestidade dos outros concredores. Por estes
inconvenientes a solidariedade ativa é rara, afinal não
interessa ao credor.
5.2 – Solidariedade passsiva

Esta é comum e importante, devendo ser estimulada


já que protege o crédito, reforça o vínculo, facilita a
cobrança e aumenta a chance de pagamento, pois o
credor terá várias pessoas para cobrar a dívida toda.

E quanto mais se protege o credor, mais as pessoas


emprestam dinheiro, e com mais dinheiro os consumidores
se equipam, as lojas vendem, as fábricas produzem, os
patrões lucram, geram empregos e o governo arrecada
tributos. Como se sabe: proteger o crédito é estimular o
desenvolvimento sócio-econômico. Entendo até que, por
isso mesmo, para proteger o crédito, a solidariedade
passiva, não a ativa, deveria ser presumida. Violando o
art. 265, o art. 829 acertadamente faz presumir a
solidariedade passiva conforme será visto em fiança.

Conceito: ocorre a solidariedade passiva quando mais


de um devedor, chamado coobrigado, com seu patrimônio
(391), se obriga ao pagamento da dívida toda (275).

Assim, havendo três devedores solidários, o credor


terá três pessoas para processar e exigir pagamento
integral, mesmo que a obrigação seja divisível. O credor
escolhe se quer processar um ou todos os devedores (pú
do 275). Aquele devedor que pagar integralmente a dívida,
terá direito de regresso contra os demais coobrigados
(283).

Na solidariedade passiva não se aplica o benefício de


divisão e nem o benefício de ordem. O que é isso?

Pelo benefício de divisão o devedor pode exigir a


citação de todos os coobrigados no processo para juntos
se defenderem. Isto é ruim para o credor porque atrasa o
processo, por isso a solidariedade passiva não concede tal
benefício aos co-devedores.

Pelo benefício de ordem, o coobrigado tem o direito


de ver executado primeiro os bens do devedor principal
(ex: fiança, 827). Mas o fiador pode renunciar ao benefício
de ordem e se equiparar ao devedor solidário (828, II). O
avalista nunca tem benefício de ordem, sempre é devedor
solidário, por isso se algum amigo lhe pedir para ser
avalista não aceite, mas se ele insistir seja seu fiador com
benefício de ordem, mas jamais fiador-solidário ou
avalista.

Fiança e aval são exemplos de solidariedade


passiva decorrente de acordo de vontades. Então a
Universidade quando financia o curso de um estudante,
geralmente exige um fiador ou um avalista (897), de modo
que se o devedor não pagar a dívida no vencimento, o
credor irá processar o devedor, o fiador ou o avalista.
Fiança será estudada em Civil 3 e aval em Direito
Empresarial.

Exemplos de solidariedade passiva decorrente da


lei estão na responsabilidade civil (932), no comodato
(585) e na gestão de negócios (pú do 867).

Aula 9 – Civil 2 – Unicap

Modalidades de obrigações (continuação)

6 - Obrigações líquidas e ilíquidas


Líquida é a obrigação certa e determinada, ou seja,
certa quanto à sua existência e determinada quanto à sua
qualidade, quantidade, natureza e objeto. Em outras
palavras, obrigação líquida é aquele cuja existência é
certa e cujo valor é conhecido.

Vocês sabem que se uma dívida não for paga no


vencimento o credor mune-se de uma pretensão e a dívida
se transforma em responsabilidade patrimonial. Esta
pretensão consiste no poder de executar o devedor para
tomar seus bens através do Juiz e satisfazer o credor. Pois
bem, a ação de execução só é possível quando a
obrigação é líquida.

Sendo a obrigação ilíquida e não havendo acordo


entre as partes, precisa ser apurada pelo Juiz em
processo de liquidação para poder ser executada, afinal
não se pode executar obrigação ilíquida (947).

Inclusive entendo que o Juiz deve sempre proferir


sentenças líquidas para evitar mais demoras ao credor.
Exemplo: o Juiz condena João a indenizar Maria porque
João matou o pai dela, devendo o Juiz dizer logo o valor da
indenização, e não deixar isso para uma fase posterior do
processo, 946. E de quanto é essa indenização por morte?
A lei responde no art. 948. Assim, um crime interessa ao
Direito Penal para a punição com a prisão do infrator, e
também interessa ao Direito Civil para a punição ao bolso
do infrator. A punição civil é mais rápida e não depende
de Delegado e nem de Promotor, dispensando parte do
burocrático aparelho estatal. Mas se o infrator não tiver
bens, só haverá punição penal, pois liberdade todos têm
para perder. Mais detalhes na importante disciplina
Responsabilidade Civil.
7 – Obrigação principal e acessória

Principal é a obrigação autônoma, ou seja, tem vida


própria, já a obrigação acessória depende da principal,
agregando-se a ela. Então uma compra e venda, um
empréstimo e uma locação são contratos que geram
obrigações autônomas. Por outro lado, a fiança, a hipoteca
e o penhor produzem obrigações acessórias que vão se
agregar a uma obrigação principal, por exemplo, como a
locação.

Então quem aluga uma casa celebra um contrato


principal de locação e pode exigir um contrato acessório
de fiança para garantir o pagamento do aluguel na
hipótese de inadimplência do inquilino. A locação existe
sem a fiança, mas o contrário não. Inclusive, sendo nula a
locação, nula será a fiança, mas o inverso não (art. 184, 2ª
parte).

8 – Obrigação cumulativa ou conjuntiva

Caracteriza-se pela pluralidade de prestações (ex:


troco uma casa por um carro e uma lancha). Não se trata
de obrigação alternativa (carro OU lancha), mas obrigação
cumulativa (carro E lancha). Na obrigação cumulativa
todas as prestações interessam ao credor, na alternativa
apenas uma delas. Na cumulativa, muitas prestações
estão na obrigação e muitas no pagamento. Já na
alternativa, muitas prestações estão na obrigação e
apenas uma no pagamento. Exemplo legal de obrigação
cumulativa é o contrato de empreitada onde o engenheiro
pode fazer o serviço E dar os materiais para a construção
de uma casa (610).

9 – Obrigação pura

É a obrigação simples, ou seja, é toda aquela cuja


eficácia não está subordinada a qualquer das três
modalidades dos negócios jurídicos: a condição, o termo
(ou prazo) e o encargo (ou modo, ou ônus). Estas
modalidades vocês conhecem de Civil 1, vamos
exemplificar:

- obrigação condicional: subordina a obrigação a


evento futuro e incerto (ex: o alfaiate compra tecido da
fábrica e combina só pagar o preço se vender as roupas;
vender as roupas não é uma certeza, pode ou não
acontecer, 121, 876) Condições absurdas são proibidas
(ex: alugo minha casa a você, mas você não pode entrar
nela, isso é o que a lei chama de “privar de todo efeito o
negócio jurídico”, no art. 122).

- obrigação a termo: subordina a obrigação a evento


futuro e certo (ex: pagarei o tecido em trinta dias; trinta
dias são o prazo e o prazo é um evento certo, só depende
do inexorável passar do tempo, 132).

- obrigação modal: o modo (ou encargo, ou ônus) é


imposto ao beneficiário de uma liberalidade como uma
doação ou herança. Então pode-se doar uma fazenda com
o ônus de construir uma escola para as crianças carentes
da região (553, 136). Ou pode-se deixar uma herança para
um sobrinho com o ônus de mandar rezar mensalmente
uma missa para o falecido. O encargo precisa ser pequeno
para não caracterizar uma contraprestação (ex: dou um
carro a meu vizinho com o ônus de levar meus filhos e eu
para a escola e o trabalho diariamente; ora, isso não é
doação, mas contratação de um motorista). Se o encargo
for de interesse público (ex: construir uma escola), o
Promotor de Justiça fiscalizará sua execução (pú do 553,
este é um dos poucos casos de participação do Ministério
Público no direito patrimonial, afinal o Ministério é público
e o Direito Civil é privado. Se o encargo for absurdo (ex:
mandar rezar missa todo dia para o falecido) o Juiz pode
interferir na obrigação privada para modificá-la.

Então obrigação simples é aquela que não for


condicional, a termo ou modal.

Aula 10 – Civil 2 – Unicap

10ª e última modalidade de obrigação: Obrigação


Real

Trata-se de uma obrigação propter rem ( = em


razão da coisa). Não decorre de um contrato, mas da
propriedade sobre um bem. Quem adquire certo bem,
adquire automaticamente essa obrigação real, decorrente
da coisa (real = res = coisa). O adquirente do bem vai se
tornar devedor, mesmo sem querer, em decorrência de sua
condição de dono desse bem.

Exemplo: 1.345, a lei determina que quem compra


um apartamento com dívida de condomínio assume esta
obrigação, embora tenha sido o dono anterior que não
pagou a taxa. A obrigação está vinculada à coisa, por isso
chama-se obrigação real (res = coisa). Esta vinculação da
obrigação à coisa, qualquer que seja seu dono, deriva
da sequela, que é uma característica dos Direitos
Reais. Sequela é uma palavra que se origina do
verbo seguir, então a obrigação segue a coisa, não
importa quem seja seu dono. O proprietário da coisa
assume a obrigação automaticamente, apenas pelo fato
de ter sucedido o dono-devedor anterior na propriedade da
coisa.

É também chamada de obrigação mista porque


apresenta características de Direito das Coisas ( = Direito
Real) e de Direito das Obrigações ( = Direito Pessoal). O
Direito Real e o Direito das Obrigações formam o Direito
Patrimonial Privado (vide aula 1), sendo natural que
algumas vezes eles se interpenetrem.

Conceito: obrigação real corresponde ao vínculo


jurídico que se origina da lei com característica dos
Direitos Reais e transmissão automática ao novo
proprietário da coisa.

Observação sobre o conceito: a OR se origina


apenas da lei, e não do contrato. Os contratos podem ser
inventados pelas partes, são numerus apertus (425), mas
os direitos reais não, só a lei pode criá-los, sendo numerus
clausus (1225), por isso as obrigações reais originam-se
sempre da lei. Originando-se da lei, a OR é irrecusável, não
podendo o devedor deixar de assumi-la.

Outra observação: o devedor da obrigação real


varia caso a coisa mude de dono, então se a coisa é
vendida, o novo dono se tornará o devedor. Quem se torna
titular do direito real ( = propriedade), torna-se devedor de
eventual obrigação real sobre o bem apropriado.
Mais exemplos de OR: art. 1297 (quem compra uma
fazenda tem a obrigação de fazer a cerca, embora a cerca
tenha caído na época do dono anterior), art. 1383 (quem
compra imóvel com servidão predial tem a obrigação de
manter a servidão, por isso observem sempre o registro do
imóvel antes de fazer a compra, para não comprar barato
um terreno e depois, por exemplo, descobrir que nele não
se pode construir para não tirar a vista do edifício de trás;
este exemplo corresponde a uma servidão predial de vista,
assunto de Civil 5).

Em suma, a obrigação propriamente dita vincula


uma pessoa (credor) a outra pessoa (devedor), já a
obrigação real está vinculada a uma coisa, e quem for
proprietário dessa coisa será o devedor.

CLÁUSULA PENAL

Concluído o estudo das dez modalidades de


obrigações, vamos encerrar a primeira unidade deste
semestre tratando da cláusula penal (CP).

Conceito: CP é a cláusula acessória a um contrato


pelo qual as partes fixam previamente o valor das perdas
e danos que por acaso se verifiquem em conseqüência da
inexecução culposa da obrigação (408, ex: um promotor
de eventos contrata um cantor para fazer um show, e já
fixa no contrato que, se o artista desistir, terá que pagar
uma indenização de cem mil).

A cláusula penal é acessória, não é obrigatória,


então se a dívida não for paga no vencimento ( = se o
cantor não fizer o show), e não existir cláusula penal no
contrato, é o Juiz quem irá fixar a indenização devida pelo
cantor, tornando a obrigação líquida (vide aula 9), para só
depois possibilitar o ataque pelo credor (o promotor de
eventos) ao patrimônio do cantor.

Essa é a grande vantagem da cláusula penal: pré-


fixar as perdas e danos, economizando tempo, eliminando
recursos processuais ao dispensar o Juiz de calcular o
valor previsto no art. 402 do CC.

Outra vantagem da CP é a de intimidar o devedor, ou


seja, ele já fica sabendo que terá uma pena se não cumprir
a obrigação. É verdade que a lei prevê automaticamente
uma punição ao devedor (389), mas a CP reitera essa
sanção.

Quando uso no conceito a expressão inexecução


“culposa”, refiro-me à culpa em sentido amplo (lato
sensu), que corresponde ao dolo (inexecução voluntária) e
à culpa stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e
negligência). Então se o cantor não fez o show porque não
quis (dolo) ou porque bebeu demais e perdeu a voz
(imprudência), terá que pagar a CP. Mas se o cantor não
fez o show porque pegou uma gripe, trata-se de um caso
fortuito que isenta de responsabilidade (393 e pú).

Se a obrigação for cumprida pelo devedor, a


cláusula penal se extingue; se a obrigação principal for
nula, a cláusula penal também o será, afinal, como
cláusula acessória, segue o destino da principal (184, in
fine).

A CP geralmente reverte em favor do credor, mas o


contrato pode prever que será paga a terceiros (ex: se o
cantor não fizer o show, pagará cem mil ao Hospital do
Câncer). A CP geralmente é pactuada em dinheiro, mas
pode corresponder a obrigação de dar outra coisa, ou a
fazer, ou não-fazer algum serviço, com ampla liberdade
para as partes.

Espécies: a) CP compensatória: aplica-se em caso


de inexecução (= inadimplemento) da obrigação pelo
devedor (410, então o credor poderá optar pela obrigação
principal ou pela cláusula penal, semelhante a uma
obrigação alternativa); b) CP moratória: aplica-se em caso
de atraso (= retardo, mora) do devedor no cumprimento da
obrigação, pelo que o devedor pagará a multa pelo atraso
e cumprirá a obrigação, 411 (ex: multa de 10% em caso de
atraso no pagamento de aluguel, 416). Ambas as espécies
estão previstas no art. 409.

Se a cláusula penal compensatória tiver um valor


muito alto, o Juiz deverá reduzi-la (412, 413). Mas é justo o
Estado-Juiz se imiscuir nos contratos privados, alterando
aquilo que foi estabelecido livremente pelos particulares?
Reflitam! O velho CC, no art. 924, que corresponde a esse
413, usava o verbo “poderá”, enquanto o novo CC usa o
verbo “deverá”, como consequência da publicização do
Direito e a proteção maior que o Estado dá hoje aos
devedores. Critico a publicização num artigo no site sobre
a importância do Direito Privado e os riscos da
intervenção estatal na autonomia dos cidadãos, atrofiando
a economia e trazendo insegurança jurídica. Confiram!

Fim da 1ª parte do curso de Direito das Obrigações.

Direito das Obrigações - Aula 11


Direito Civil 2 – Unicap - Teoria Geral das Obrigações

2ª Unidade – aula disponível em www.hotmail.com.br endereço de


e-mail prof_rm@hotmail.com
senha: unicap

Tragam sempre a aula e o Código para a classe; não sou


exigente com freqüência

Aula 11 - EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Prof. Rafael de Menezes

Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre


a todo momento, que nasce e se extingue a todo instante.
Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras
obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo
realizados/ocorrendo lá fora na rua. Vocês hoje, por
exemplo, celebraram algum contrato, assumiram alguma
obrigação, compraram alguma coisa, tomaram algo
emprestado, usaram o telefone? Acredito que sim, então
vocês hoje fizeram acontecer uma obrigação jurídica.

Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil


2 os vários modos pelos quais as obrigações se
extinguem, e o primeiro e principal desses modos é o
pagamento.

1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das


obrigações. O pagamento é muito comum e ocorre com
grande freqüência na sociedade, pois toda obrigação
nasce para ser satisfeita. A imensa maioria das
obrigações são cumpridas/pagas, de modo que o devedor
fica liberado. Só uma minoria das obrigações é que não
são satisfeitas, pelo que o devedor poderá ser
judicialmente processado pelo credor.

Conceito: num conceito mais simples, pagamento é


a morte natural da obrigação, ou a realização real da
obrigação, mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga a B
para pintar um quadro, de modo que a obrigação de B será
fazer o quadro, o pagamento de B será realizar o serviço).
O leigo tende a achar que todo pagamento é em dinheiro,
mas nem sempre, pois em linguagem jurídica pagar é
executar a obrigação, seja essa obrigação de dar uma
coisa, de fazer um serviço ou de se abster de alguma
conduta (não-fazer).

Num conceito mais completo, pagamento é o ato


jurídico formal, unilateral, que corresponde à
execução voluntária e exata por parte do devedor
da prestação devida ao credor, no tempo, modo e
lugarprevistos no título constitutivo. Vamos comentar este
conceito:

- formal: o pagamento é formal pois a prova do


pagamento é o recibo; tal recibo em direito é chamado de
quitação, e deve atender às formalidade do art. 320.
Muitas vezes, em pequenos contratos, nós não pedimos
recibo pra não perder tempo, é um hábito que nós temos e
vocês sabem que o costume é também uma fonte do
direito. Falaremos mais da quitação adiante.

- unilateral: pois é de iniciativa do devedor, que é o


sujeito passivo da obrigação.

- voluntário e exato: lembrem-se sempre disso,


pagamento é voluntário e exato; se o devedor só paga
após ser judicialmente executado, tecnicamente isto não
é pagamento pois foi feito sob intervenção judicial, ao
penhorar/tomar bens do devedor; além de voluntário, o
pagamento deve ser exato, então se A deve cinquenta a B
e paga com um livro, tecnicamente isto não foi
pagamento. De qualquer modo, em ambos os casos,
mesmo pagando sob força judicial, ou pagando coisa
diferente da devida, se o credor aceitou e se satisfez, isto
é o que importa. Mas tecnicamente, em linguagem
jurídica, pagamento é aquele voluntário e exato.

- prestação: é o objeto da obrigação, e vocês já


sabem que tal prestação é uma conduta humana, pode ser
um dar, um fazer ou um omitir-se (não-fazer). Pagar é
cumprir esta prestação.

- tempo, modo e lugar: o pagamento precisa


atender a estas regras previstas no contrato na lei ou na
sentença que fez nascer a obrigação, respeitando a data,
o lugar e a maneira de pagar.

Regras do pagamento: 1) satisfação voluntária e


rigorosa da prestação (dar uma coisa, fazer um serviço, ou
abster-se de uma conduta) porque o pagamento é exato; 2)
o credor não pode ser obrigado a receber prestação
diferente, ainda que mais valiosa (art. 313); o credor pode
aceitar receber prestação diferente, mas não pode ser
forçado a aceitar (356); 3) o credor não pode ser obrigado
a receber por partes uma dívida que deve ser paga por
inteiro (314); esta regra tem duas exceções, no art. 962,
que dispõe sobre o concurso de credores, assunto do final
do semestre, e no art. 1.997, que dispõe sobre pagamento
pelos herdeiros de dívida do falecido, assunto de Civil 7.

Quem deve pagar? O devedor, mas nada impede


que um terceiro pague, afinal o credor quer receber. Se o
devedor quer impedir que um terceiro pague sua dívida
deve se antecipar e pagar logo ao credor. Em geral para o
credor não importa quem seja o solvens, quem esteja
pagando. Solvens é o pagador, seja ele o devedor ou não,
e o accipiens é quem recebe o pagamento, seja ele o
credor ou não. Se a obrigação for personalíssima (ex: A
contrata o cantor B para fazer um show), o solvens só
pode ser o devedor. Mas se a obrigação não for
personalíssima, o credor vai aceitar o pagamento de
qualquer pessoa. Para evitar especulações ou
constrangimentos, a lei trata diferente o terceiro que paga
por interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse
jurídico, apenas por pena ou para humilhar. Assim, o
terceiro que paga com interesse jurídico (ex: fiador,
avalista, herdeiro) vai se sub-rogar nos direitos do credor
(349, veremos sub-rogação em breve). O terceiro que paga
sem interesse jurídico (ex: o pai, o inimigo, etc) vai poder
cobrar do devedor original, mas sem eventuais privilégios
ou vantagens (ex: hipoteca, penhor, 305). Em suma, o
terceiro interessado tem reembolso e sub-rogação nos
eventuais privilégios, já o terceiro juridicamente
desinteressado só tem direito ao reembolso.

A quem se deve pagar? Ao credor, ou a seu


representante, sob pena do pagamento ser feito outra vez,
pois quem paga mal paga duas vezes (308). Se o credor é
menor ou louco, pague a seu pai ou curador, sob pena de
anulabilidade (310). Credor putativo: é aquele que parece
o credor mas não o é (ex: A deve a B, mas B morre e deixa
um testamento nomeando C seu herdeiro, então A paga a
C, mas depois o Juiz anula o testamento, A não vai
precisar pagar novamente pois pagou a um credor
putativo; C é que vai ter que devolver o dinheiro ao
verdadeiro herdeiro de B, 309). Idem no caso do 311, pois
se considera um representante do credor aquele que está
com o recibo, embora depois se prove que tal accipiens
furtou o recibo do credor; neste caso o devedor não vai
pagar outra vez, o credor deverá buscar o pagamento do
accipiens falso.

Como se prova o pagamento? Já dissemos, com o


recibo/quitação. Quitação vem do latim “quietare”, que
significa aquietar, acalmar, tranqüilizar. Quitação é o
documento escrito em que o credor reconhece ter
recebido o pagamento e exonera o devedor da obrigação.
A quitação tem vários requisitos no art. 320, mas em
muitos casos da vida prática a quitação é informal/verbal
e decorre dos costumes (ex: compra e venda em banca de
revista/bombom). Se o credor não quiser fazer a quitação,
o devedor poderá não pagar (319). Mas pagar não é só uma
obrigação do devedor, pagar é também um direito, pois o
devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é
até um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim,
o devedor pode consignar/depositar o pagamento se o
credor não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a quitação
no lugar do credor. Veremos em breve pagamento em
consignação. Espécies de quitação: 1) pela entrega do
recibo, é a mais comum; 2) pela devolução do título de
crédito (324), assunto que vocês vão estudar em Direito
Empresarial/Comercial.

Ônus da prova: quem deve provar que houve


pagamento? Se a obrigação é positiva, ou seja, de dar e de
fazer, o ônus da prova é do devedor, assim se você é
devedor, guarde bem seu recibo. Se a obrigação é
negativa o ônus da prova é do credor, cabe ao credor
provar que o devedor descumpriu o dever de abstenção,
pois não é razoável exigir que o devedor prove que se
omitiu, e mais fácil exigir que o credor prove que o
devedor deixou de se omitir, fazendo o que não podia,
descumprindo aquela obrigação negativa.

Próxima aula: lugar e tempo do pagamento.


Enriquecimento sem causa e pagamento indevido.

Direito das Obrigações - Aula 12


Aula 12 – Civil 2 – Unicap

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES


1 – PAGAMENTO (continuação)

Lugar: onde o pagamento deve ser feito? No local de


livre escolha das partes, afinal no Direito Civil predomina a
autonomia da vontade (art. 78). Se o contrato/sentença for
omisso, o lugar do pagamento será no domicílio do
devedor (327 e pú). Tratando-se de imóvel, o local da coisa
determina o lugar do pagamento (328). A doutrina
classifica as dívidas em quesível (querable) e portável
(portable): nesta, cabe ao devedor ir pagar no domicílio do
credor, sob pena de juros e multa ( = mora, assunto do
final do semestre, 395). Já na dívida querable cabe ao
credor ir exigir o pagamento no domicílio do devedor, a
iniciativa é do credor, sob pena de mora do credor (394,
400, bom, veremos mora mais adiante).

Tempo: quando deve ser feito o pagamento? No


vencimento previsto no título, e se não houver vencimento
é porque o credor pode exigir o pagamento
imediatamente. É a chamada satisfação imediata do art.
331. Mas deve-se sempre tolerar um prazo moral, que é
aquele prazo razoável, do bom-senso, para dar ao devedor
um tempo mínimo de se organizar, sacar o dinheiro no
banco, esperar a mercadoria chegar do exterior, etc. O
vencimento é uma data que favorece o devedor, então o
devedor pode pagar antes do vencimento, mas o credor só
pode exigir a partir do vencimento, sob as penas do 939. A
lei todavia permite, excepcionalmente, cobrança antes do
vencimento caso o devedor esteja em dificuldade
financeira, nos casos do art. 333.

Enriquecimento sem causa e pagamento indevido:

Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente


sem motivo justo, sem trabalhar, sem herdar. Uma das
hipóteses de enriquecimento sem causa é através do
pagamento indevido, por isso estes dois assuntos devem
ser estudados em conjunto.

Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a


alguém que não é o credor, ou seja, oaccipiens não é o
credor, e o devedor agiu por engano. Quem recebe
pagamento indevido enriquece sem causa (ex: A deve a
José da Silva, mas paga a outro José da Silva, homônimo
do verdadeiro credor; A efetuou pagamento indevido e vai
ter que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem
paga mal paga duas vezes; A obviamente vai exigir o
dinheiro de volta do outro José da Silva que enriqueceu
sem causa, mas o verdadeiro credor não precisa esperar,
ele não tem nada a ver com isso).

Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém


aufere um aumento patrimonial, em prejuízo de outrém,
sem justa causa. Há outros casos de enriquecimento sem
causa além das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578,
1255, pú do 1817, etc. Estudaremos esses exemplos
oportunamente, ao longo do extenso curso de Direito Civil.

Dois efeitos do pagamento indevido:

1 – aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a


devolver o indevidamente auferido, não só por uma
questão moral (= direito natural), mas também por uma
questão de ordem civil (876, 884) e tributária, afinal como
explicar à Receita Federal um súbito aumento de
patrimônio? O objetivo dessa devolução é reequilibrar os
patrimônios do devedor e do falso credor, alterados sem
fundamento jurídico, sem causa justa.

2 – se o falso credor não quiser voluntariamente


devolver o pagamento, surge o segundo efeito que é o
direito do devedor de propor ação de repetição do indébito
(repetitio indebiti) contra tal accipiens. Esta ação tem
este nome pois, em linguagem jurídica, “repetir” significa
“devolver” e “indébito” é aquilo que não é devido. Então a
ação é para o falso credor devolver aquilo que não lhe era
devido. Tal ação prescreve em três anos (206, § 3º, IV).

Também se aplicam as regras do pagamento


indevido quando se paga mais do que se deve. Porém não
cabe a repetição quando o “solvens” agiu por liberalidade
(ex: doação, 877) ou em cumprimento de obrigação natural
(ex: gorjeta, dívida de jogo, dívida prescrita, 882, 814) ou
quando o “solvens” deu alguma coisa para obter fim ilícito,
afinal ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (ex:
pagou ao pistoleiro errado para cometer um homicídio,
não cabe devolução, 883).

E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido


alienado pelo falso credor a um terceiro? Bem, se tal
objeto era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão
de segurança das relações jurídicas e porque em geral os
móveis são menos valiosos do que os imóveis. De qualquer
modo o falso credor vai responder pelo equivalente em
dinheiro.

Mas se o objeto do pagamento indevido for um


imóvel que o falso credor já tenha alienado a um terceiro,
tal alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim,
doação não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário
o solvens poderá perseguir o imóvel e recuperá-lo do
terceiro (879).

Civil 2 Aula 13 Unicap

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 – Pagamento (já visto)


2 - IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO: o normal é entre duas
pessoas haver apenas uma obrigação, mas pode
acontecer de alguém ter mais de uma dívida com o mesmo
credor. Assim, se A deve a B cem reais decorrentes de um
empréstimo e outros cem reais decorrentes de um ato
ilícito (ex: A bateu no carro de B), quando A vai pagar
apenas uma destas dívidas precisa dizer a B qual está
quitando. Imputar o pagamento é determinar em qual
dívida o pagamento está incidindo. Num conceito mais
técnico, imputação de pagamento é a operação pela qual
o devedor de mais de uma dívida vencida da
mesma natureza a um só credor, indica qual das dívidas
está pagando por ser tal pagamento inferior ao total das
dívidas (352). É preciso que haja mais de uma dívida,
todas vencidas, da mesma natureza (ex: obrigação de dar
dinheiro) e o pagamento ser menor do que a soma das
dívidas. Cabe ao devedor fazer a imputação, dizer qual
dívida está quitando, e o devedor deve ser orientado por
seu advogado para quitar logo a dívida de juro maior e a
dívida com garantia (ex: hipoteca, penhor, fiança, porque
aí o devedor libera a coisa dada em garantia/odevedor
libera o fiador). Se o devedor não imputar, o credor poderá
fazê-lo (353), devendo o credor ser orientado por seu
advogado para pedir a quitação na dívida de juro menor e
na dívida quirografária ( =dívida sem garantia). Lembrem-
se que pelo art. 314 o credor não está obrigado a receber
pagamento parcial, mas na prática pode ser melhor o
credor aceitar alguma coisa e depois brigar pelo restante.
Se o devedor e o credor não fizerem a imputação, a lei
fará na dívida de maior valor, conforme art.
355 ( =imputação legal).

3 – PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO

Este é o terceiro dos modos de extinção das


obrigações que nós estamos estudando. É através da
consignação que o devedor vai exercer o seu direito de
pagar, afinal já dissemos que pagar não é só um dever, é
um direito também, concordam? Imaginem que o locador
morreu e o inquilino desconhece seu herdeiro, deve então
consignar o aluguel para evitar a mora e o despejo.
Consignar onde? Em Juízo, e o Juiz vai procurar o
sucessor do credor. A parte operacional da consignação
em pagamento vocês vão estudar em processo civil, mas
conhecendo o direito, o processo fica fácil de aprender
(335, III – credor desconhecido). Outro exemplo,
imaginem que alguém morre e deixa a mulher como
beneficiária do seguro de vida, só que o falecido tinha uma
esposa e uma companheira, então a seguradora vai pagar
a qual das duas? Paga em Juízo, numa conta a disposição
do Juiz, o Juiz dá uma sentença à seguradora, que servirá
de quitação, enquanto as duas mulheres seguem no
processo disputando o dinheiro (793, 335, IV). É prudente
a seguradora fazer isso até para não correr risco de pagar
à mulher errada e efetuar pagamento indevido.

Conceito: pagamento por consignação consiste no


depósito judicial da coisa devida, realizada pelo devedor
nas hipóteses do art. 335 do CC. Este artigo é taxativo (=
exaustivo), não é exemplificativo, de modo que não há
outras possibilidades de consignação. Outro detalhe
importante: só existe consignação nas obrigações de dar,
pois não se pode depositar um serviço (obrigação de fazer)
ou uma omissão (obrigação de não-fazer), mas apenas
coisas, em geral dinheiro. Admite-se também depósito de
imóveis, gado, colheita, etc (341), e o Juiz vai ter que
arranjar um depositário para cuidar dessas coisas até o
credor aparecer (343). Quando o depósito é de pecúnia
(dinheiro) coloca-se em banco oficial: Banco do Brasil ou
Caixa Econômica Federal, em conta à disposição do Juiz.
Percebam que na ação de consignação o autor é o
devedor, o credor é o réu e a quitação vem com a
sentença. A sentença dirá se a consignação equivale ao
pagamento, se o devedor teve razão ao consignar e se a
obrigação está extinta. Excepcionalmente admite-se o
credor como autor da ação quando mais de uma pessoa se
diz credor, então qualquer deles pede ao devedor que
consigne o pagamento, enquanto os credores discutem em
Juízo (345).

Em algumas consignações o credor está certo de não


querer receber pois o devedor quer pagar menos do que
deve, e vocês sabem que o credor não está obrigado a
receber por partes. Então o devedor consigna com base no
inc. I do 335, alegando que o credor se recusa a receber,
mas existe uma “justa causa” para isso no 314. Isso
acontece na prática quando o devedor usa o cheque
especial, atrasa o cartão de crédito, etc. e depois quer
pagar sem incluir os juros contratados. Ora, quando o
devedor precisou de crédito o banco emprestou, então na
hora de pagar é preciso cumprir o contrato, concordam?

No Código de Processo existe uma


consignação extra-judicial, para dívidas em dinheiro, que
podem ser feitas diretamente no banco, sem precisar de
advogado ou Juiz. Vocês verão isso lá em Processo Civil.

Efeitos do pagamento por consignação: 1)


liberatório: libera/exonera o devedor da obrigação; 2)
extintivo: a consignação extingue a obrigação (334).

Direito das Obrigações - Aula 14

Aula 14 Civil 2 Unicap

4 – Pagamento por sub-rogação


Sub-rogar é substituir o credor, de modo que o
pagamento por sub-rogação assemelha-se à cessão de
crédito por se tratar da substituição da pessoa do credor
(348; veremos cessão de crédito mais adiante).

Conceito: ocorre a sub-rogação quando a dívida de


alguém é paga por um terceiro que adquire o crédito e
satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem libera o
devedor, que passa a dever a esse terceiro. Ex: A deve
cem a B, mas C resolve pagar essa dívida, então B vai se
satisfazer e A vai passar a dever a C. Via de regra não há
prejuízo para o devedor que passa a dever a outrem.

Como vocês já sabem, a lei permite que qualquer


pessoa pague a dívida dos outros, então se o devedor quer
evitar isso, deve se antecipar e cumprir logo suas
obrigações. O terceiro que paga essa dívida pode ou não
ter interesse jurídico, vimos isso algumas aulas atrás,
lembram?

Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se


sub-rogar nos direitos do credor primitivo, ou seja, vai
adquirir todas as eventuais vantagens, privilégios,
garantias e preferências do credor primitivo, além de,é
óbvio, exigir o reembolso. Ex: A deve cem a B com uma
garantia de fiança ou hipoteca; se C pagar essa dívida
terá direito a cobrar os cem de A, mas só terá direito à
garantia da fiança ou da hipoteca caso C possua interesse
jurídico (346, III). Veremos fiança e hipoteca,
respectivamente, em Civil 3 e Civil 5. Caso C não possua
interesse jurídico só terá direito ao reembolso (305). A lei
trata diferente para evitar especulações e
constrangimentos, depois revisem a aula 11.

Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao


credor primitivo. O credor primitivo vai se satisfazer com o
pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação
permanece para o devedor; a sub-rogação não extingue a
dívida; 2) translativo: o novo credor vai receber todas as
vantagens e direitos do credor primitivo, desde que o
pagamento tenha sido feito por sub-rogação (349).

Espécies de sub-rogação: 1) legal: decorrente da lei,


nas hipóteses do art. 346; a lei determina independente da
vontade das partes; 2) convencional: depende de
acordo escrito entre as partes, quando o
terceiro solvens faz acordo com o credor primitivo e fica
com o direito de sub-rogação mesmo sem interesse
jurídico e mesmo sem a anuência do devedor. Através de
acordo escrito se transferem todas as vantagens do
credor primitivo para o solvens, igual a uma cessão de
crédito (347 e 348).

5 – Dação em pagamento

É dar alguma coisa em pagamento, diferente da coisa


devida. Os romanos chamavam de datio insolutum. Dação
vem assim do verbo dar. Por favor, não é “da ação” em
pagamento, mas “dação” mesmo, do verbo dar.

Conceito: é o acordo liberatório em que o credor


concorda em receber do devedor prestação diversa da
ajustada (356). Não pode haver imposição do devedor em
pagar algo diferente do devido (313), afinal quem deve
dinheiro só paga com um objeto se o credor aceitar. Ex:
devo dinheiro e pago com uma TV, um livro, uma casa, etc.

Requisitos da dação: 1) consentimento, concordância,


anuência do credor; 2) prestação diversa da ajustada,
então não se trata de obrigação alternativa, pois nesta a
obrigação nasce com duas opções de pagamento; na
dação é só depois que as partes trocam o objeto do
pagamento.

Efeitos da dação: 1) satisfatório em relação ao credor,


mesmo recebendo outra coisa, pois o credor pode preferir
receber coisa diversa do que receber com atraso ou nada
receber; 2) liberatório em relação ao devedor, pois a dívida
se extingue e o devedor se exonera da obrigação. Estes
dois efeitos são os mesmos do pagamento natural.

Evicção: imaginem que A deve 100 e paga com um


objeto furtado, que não era dele, então o verdadeiro dono
vai exigir a devolução da coisa e a obrigação vai renascer
(359). Ser “evicto” é ser afastado da coisa recebida em
pagamento. Ocorre a evicção quando alguém perde a
propriedade da coisa em virtude de decisão judicial que
reconhece a outrem direito anterior sobre essa coisa.
Veremos evicção em Civil 3.

6 – Novação: está em desuso e é rara, por isso não


vamos estudá-la. Saibam apenas que se trata da extinção
de uma obrigação por outra diferente, destinada a
substituí-la. Com a novação se extingue uma dívida e se
cria uma nova dívida entre as mesmas partes, enfim não
se muda muita coisa, continua a existir uma obrigação
entre as mesmas partes. É mais prático fazer uma dação
em pagamento ou uma cessão de crédito.

Direito das Obrigações - Aula 15

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (continuação)

7 – COMPENSAÇÃO: é um modo de extinção das


obrigações que deve ser estimulado pois representa a lei
do menor esforço, por uma questão de lógica e de
simplicidade.
Conceito: a compensação extingue as obrigações do
mesmo gênero das pessoas que são, reciprocamente,
credoras e devedoras entre si, até onde as dívidas se
compensem. Ex: A deve cem a B decorrente de um
empréstimo e B deve cem a A porque bateu no carro de A,
então um não vai cobrar do outro, a compensação vai
extinguir as duas obrigações mediante um pagamento
fictício (art. 368). A compensação exige pluralidade de
obrigações, não existindo compensação numa obrigação
única, como uma compra e venda, onde o comprador deve
o preço e o vendedor deve a coisa. A compensação pode
ser parcial caso a outra dívida seja inferior, o que vai
representar mais uma exceção ao art. 314, afinal a
compensação deve ser estimulada.

Espécies: a) compensação legal: ocorre por força da


lei, mesmo que uma das partes se oponha, sempre que as
dívidas forem líquidas ( = valor certo), vencidas e
homogêneas (= mesma espécie e qualidade, 369); b)
compensação judicial: determinada pelo Juiz no caso
concreto, ao entender que deve haver compensação por
uma questão de economia processual, por uma questão de
praticidade, dando o Juiz seus motivos/fundamentos na
sentença; c) compensação convencional: decorre do
acordo de vontades, decorre da transação entre as partes,
e no direito civil a liberdade das partes é grande, as partes
podem dispor de seus bens com ampla liberdade, é a
chamada autonomia privada. Dívidas de qualquer tipo
podem ser compensadas, sejam ilíquidas, heterogenias ou
não vencidas, ninguém tem nada a ver com isso, nem
Promotor, nem Juiz, nem Delegado, afinal cada um sabe o
que faz com seu patrimônio. Mas, repito, depende de
acordo, não pode haver imposição de uma parte sobre
outra.
Vedações: algumas obrigações, pela sua natureza,
não podem ser compensadas, pois elas fogem ao direito
patrimonial privado. São aquelas obrigações de caráter
alimentar e tributário. Então se meu filho bate com meu
carro eu não posso deixar de sustentá-lo (ex: deixar de
pagar a faculdade alguns meses) para compensar o
prejuízo, afinal os alimentos são indispensáveis por uma
questão de sobrevivência. Idem se meu carro cai num
buraco na rua, eu não posso deixar de pagar imposto de
renda para compensar com o governo o prejuízo pela não
conservação das ruas, afinal o interesse público do
governo em receber tributos é maior do que o interesse
particular do cidadão que teve seu carro avariado. Por isso
já foi revogado o art. 374 do novo CC.

Efeitos da compensação: os mesmos do pagamento:


extingue a obrigação, satisfaz o credor e libera o devedor.

8 – CONFUSÃO: esta confusão aqui, do direito das


obrigações, é diferente da confusão dos direitos reais, do
art. 1272, que corresponde à mistura de líquidos, e que
estudaremos em Civil 4. A confusão que nos interessa hoje
é mais um modo de extinção das obrigações semelhante
ao pagamento por impossibilidade lógica de permanecer o
vínculo. Art 381, ex: A é inquilino de seu pai B, mas o pai
morre e A herda o apartamento, extinguindo a obrigação
de pagar aluguel face à confusão, pois B vai reunir as
qualidades de credor e devedor, afinal ninguém pode ser
devedor ou credor de si mesmo. A confusão exige
identidade de pessoas e de patrimônios, de modo que o
dono de uma pessoa jurídica pode dever a sua empresa, e
vice-versa.

9 – REMISSÃO: escreve-se com dois “s”, ao contrário de


remição, instituto da execução contra devedor que vocês
vão estudar em processo civil. A remissão (com dois “s”) é
o popular perdão da dívida. Conceito: remissão é a
liberação do devedor pela autoridade do credor que,
voluntariamente, dispensa o crédito, perdoa o débito e
extingue a obrigação (385). Mas como pagar é um direito
do devedor, se ele não aceitar a remissão deve consignar
o pagamento. Mas em geral a remissão é aceita e se
assemelha a uma doação.

Espécies de remissão: pode ser total ou parcial (parte da


dívida ou dispensa dos juros); pode ser expressa (por
escrito) ou tácita (ex: devolução do título de crédito); pode
ser gratuita (mais comum) ou onerosa (nesta remissão o
credor perdoa a dívida mas pede algo em troca, o que se
assemelha a uma transação, veremos transação em
breve).

Ressalto que remissão é gesto nobre de pessoas


solventes, ou seja, quem está em dificuldades financeiras
não pode perdoar seus devedores, afinal estará
prejudicando seus próprios credores (385, in fine). Assim
se A é insolvente (tem muitos credores) não pode perdoar
seus devedores para não caracterizar uma fraude contra
seus credores, como prevê o art. 158. Trata-se inclusive
de uma presunção absoluta de fraude a remissão de dívida
feita pelo insolvente, como vocês estudaram no semestre
passado.

Direito das Obrigações - Aula 16


Aula 16 Civil 2 Unicap

10 – TRANSAÇÃO

Trata-se na verdade de um contrato, o Código Civil


trata como contrato, mas para alguns autores a transação
é modo de extinção das obrigações. Eu entendo que é um
contrato, mas no próximo semestre vocês terão muito
assunto para estudar, pois Civil 3 é a cadeira mais
extensa do curso de Direito Civil. Assim, vamos logo
conhecer aqui a transação que corresponde a um acordo,
a uma conciliação para extinguir a obrigação. O Juiz
inclusive deve incentivar a transação entre as partes,
conforme art. 125, IV, do Código de Processo. Conforme
ditado popular, “é melhor acordo ruim do que briga boa”.
Vocês conhecem a expressão “intransigente”? Pois
intransigente é aquele que não faz transação, que não faz
concessões.

Conceito da doutrina: transação é a solução


contratual da lide; conceito da lei: transação é o contrato
pelo qual as partes terminam ou previnem um litígio
mediante concessões mútuas, art. 840. É essencial que na
transação existam concessões mútuas, ou seja, cada uma
das partes perde e ganha um pouco. As concessões
podem ser desproporcionais, ou seja, uma parte pode se
quiser perder mais do que a outra, mas as concessões têm
que ser mútuas. Se uma das partes perde tudo e esta
parte é o credor existe remissão da dívida (vide item 9),
mas não transação. Igualmente, se o devedor perde tudo
existe pagamento, mas não transação.

É curioso que se uma das cláusulas do contrato de


transação for nula, o contrato todo será anulado, pois a
nulidade de uma cláusula quebra esse equilíbrio das
concessões que as partes buscaram (848). Diz-se que a
transação é por isso indivisível.
Aplicação: a transação não se aplica a todas as
obrigações, mas apenas às obrigações de caráter
patrimonial privado (841), que são justamente estas
obrigações que nós encontramos aqui no Direito Civil.
Todavia, tolera-se transação em outras áreas, como no
Direito de Família, quando as partes transacionam sobre
pensão alimentícia; ou no Direito do Trabalho quando as
partes transacionam sobre salários atrasados; ou no
Direito Penal quando o Ministério Público transaciona com
o réu, e o réu reconhece a culpa em troca de uma pena
menor; ou no Direito Administrativo quando o Governo
transaciona com o contribuinte para receber impostos.
Enfim, a transação é típica do Direito Civil, mas pelas suas
vantagens admite-se cada vez mais em outras áreas.

Falando de Direito Penal, devo dizer que a transação


civil sobre fato que constitui crime não extingue a ação
penal. Ex: se A agride B e quebra seu braço, vai responder
penalmente por lesão corporal e civilmente pelos danos
causados a B com tratamento médico, tempo que ficou
sem trabalhar, danos morais se for o caso, etc. Se A e B
fazem uma transação civil, não impede o Promotor de
continuar processando A criminalmente para receber uma
pena de prisão (846). Vocês verão em responsabilidade
civil a relação entre a Justiça Penal e a Civil quando um
mesmo fato interessa a ambas (935).

Espécies: a) preventiva: visa evitar uma ação judicial,


ou seja, as partes fazem um acordo antes de submeter a
lide ao Judiciário; pode ser feita por instrumento
particular, ou seja, por contrato escrito e assinado pelas
partes, testemunhas e advogados, se houver; b)
terminativa ou judicial: é a transação feita na Justiça,
após iniciado o processo, quando o acordo é homologado
pelo Juiz. Vamos encontrar estas duas espécies no art.
842.

A vantagem da transação judicial é que ela não pode


ser mais discutida, pois foi feita perante o Juiz, tornando-
se coisa julgada. Já a transação preventiva, embora
também segura, sempre pode ser questionada em Juízo,
alegando uma das partes que foi coagida, que se enganou,
etc. (849) Eu repudio a banalização destes argumentos
pois já disse a vocês que a transação é um contrato,
e contrato é para ser cumprido por uma questão de
segurança na sociedade. País nenhum se desenvolveu
sem respeitar dois institutos de Direito Civil: contratos e
propriedade.

Efeito: a transação extingue a obrigação decorrente


daquela controvérsia entre as partes.

11 – ARBITRAGEM

Nosso CC chama a arbitragem de compromisso e


existe uma lei específica sobre arbitragem de nº
9.307/96, conhecida como Lei Marco Maciel, pela
influência deste político pernambucano na sua
aprovação. Trata-se de um tema moderno e maravilhoso
para uma monografia de final de curso.

Conceito: arbitragem é o acordo pela qual as


partes, por não chegarem à transação, concordam em
ter sua lide submetida à decisão de um árbitro, de um
“juiz particular”, afastando tal lide da Justiça Estatal.
Através da arbitragem as partes pedem a um terceiro
que aprecie a lide, e tal decisão deverá ser cumprida
pelas partes, como se fosse uma sentença judicial.
Ressalto que na transação, através de mediação, as
partes escolhem a solução da lide, enquanto na
arbitragem as partes escolhem o árbitro, mas não
escolhem a decisão.

Esta lei 9.307 foi alvo de muitas controvérsias,


até que o Supremo, em 2002, julgou sua
constitucionalidade, e desde então a arbitragem vem
crescendo em todo o país e contribuindo para desafogar
a Justiça.

Vantagens da arbitragem:

a) celeridade: maior rapidez na solução da lide, tendo em


vista a conhecida sobrecarga do Judiciário e os entraves
da legislação processual;

b) custo menor: quando se ganha tempo também se


ganha dinheiro;

c) sigilo: o processo arbitral não é público como o


processo judicial, onde as decisões são divulgadas na
internet e no Diário Oficial, provocando desgaste
emocional;

d) escolha do árbitro: não se pode escolher o Juiz, pois


depende sempre das regras de competência e da
distribuição no Fórum, porém se pode escolher o árbitro,
que deve ser uma pessoa idônea, preparada, conhecida
das partes, especialista na área do litígio (ex:
engenheiro, médico, contador); isto é uma questão
crucial pois o Juiz não entende de medicina, engenharia,
contabilidade, etc, e precisa sempre nomear um perito
para lhe ajudar a julgar processos nestas áreas;

e) impossibilidade de recurso: a decisão do árbitro é


irrecorrível, e se a parte sucumbente não cumpri-la, a
parte vencedora vai executá-la perante o Juiz; só aqui é
que o Juiz entra, para executar a decisão arbitral com a
força do Estado, caso o sucumbente voluntariamente
não acate; já na Justiça Estatal existem inúmeros
recursos (cerca de trinta), graus de jurisdição (cerca de
oito), entraves burocráticos e formalidades
desnecessárias previstas no arcaico Código de Processo
Civil; f) paz social: a solução rápida da arbitragem traz
paz social e elimina as incertezas entre particulares que
atrapalhem a realização de negócios e a circulação de
dinheiro na sociedade;

g) alivia a Justiça: a utilização da arbitragem deixa o


Judiciário com mais tempo para agir nas questões onde
a presença do Estado é indispensável, como nas
questões penais, administrativas e tributárias.

Desvantagens da arbitragem: ela só faz sentido


para casos sofisticados e de valor elevado; é preciso
pagar os honorários do árbitro e as despesas do
Tribunal; tem que ser conduzida por árbitros com
conhecimento e tribunais com estrutura para fazer
perícias e produzir provas; caso contrário a solução será
injusta com o agravante que não cabe apelação.

Aplicação da arbitragem: no Direito


Internacional, na solução de divergências obrigacionais
entre empresas multinacionais, ou na solução de
disputas entre países soberanos (ex: dúvidas sobre a
fronteira entre dois países); no Direito Civil em matéria
patrimonial (852, ex: direito de vizinhança, contratos,
direito da informática, direito autoral, responsabilidade
civil, etc). Na Espanha inclusive, conforme publicado no
Jornal do Magistrado da AMB, edição de outubro de
2003, funciona uma corte arbitral com mais de mil anos,
na cidade de Valencia. É um tribunal privado que julga
problemas com o uso de água entre os agricultores
numa região árida, e os árbitros são os próprios
agricultores.

Espécies: a) cláusula compromissória (853): as


partes celebram um contrato e dispõem numa cláusula
que, se houver algum litígio futuro entre elas, a lide será
submetida à arbitragem e não à Justiça; esta cláusula é
mera precaução; b) compromisso arbitral (851): já existe
litígio entre as partes e elas resolvem submeter a
questão a um árbitro e não a um Juiz para solucionar a
controvérsia.

Atualmente já há vários escritórios de advocacia


especialistas em arbitragem. Alguns Juízes são contra a
arbitragem por achar que vão perder poder, mas eu
discordo, acho que é pura vaidade destes colegas, e nós
devemos aceitar tudo que venha para desafogar a Justiça
e beneficiar a população, estimulando mais negócios e
comércio. Depois acessem www.iccwbo.org
e www.ccbc.org.br e leiam a lei 9.307/96.

Aula 17 Civil 2 Unicap

DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES


Concluímos os modos de extinção das obrigações,
vamos agora avançar para a mora e o inadimplemento das
obrigações. A regra é toda obrigação ser cumprida, é todo
contrato ser cumprido, afinal o contrato faz lei entre as
partes, e como diziam os romanos “pacta sunt servanda”.

Porém, excepcionalmente, as obrigações podem


não ser cumpridas por culpa do devedor ou por culpa do
credor ou por algum acidente ( = caso fortuito ou de força
maior).

A culpa do devedor pode ensejar a mora ou o


inadimplemento. A mora é o atraso no pagamento
enquanto o inadimplemento é a falta de pagamento.
Curioso é que a mora pode também ser do credor, ou seja,
o credor pode se negar a aceitar o pagamento (ex: A deve
milho a B, mas B se recusa a aceitar alegando que os
grãos estão estragados). Vejamos primeiro a mora e seus
efeitos, e na próxima aula inadimplemento:

MORA: é o atraso no pagamento ou no recebimento, tanto


por culpa do devedor (mora solvendi) como por culpa do
credor (mora accipiendi). Se ambos tiverem culpa não
haverá mora, pois as moras recíprocas se anulam.
Conceito: mora é a impontualidade culposa do devedor no
pagamento ou do credor no recebimento (394). Se o
devedor atrasa sem culpa (ex: por causa de um acidente,
uma greve, uma cheia, um caso fortuito ou de força maior)
não haverá mora (396). Mas a mora do credor independe
de culpa e o devedor nesse caso deve consignar o
pagamento. Assim não importam os motivos da mora do
credor, o devedor precisa exercer seu dever e seu direito
de pagar através da consignação (335 , I – observem que
tal inciso usa a expressão “se o credor não puder”, não
importando assim os motivos pelos quais o credor não
pôde ir buscar o pagamento, mesmo que sejam
decorrentes de um caso fortuito). A mora do credor é mais
rara.

Efeitos da mora do credor: o credor que não quiser ou


não for receber o pagamento conforme acertado sujeita-se
a quatro efeitos: 1) o credor em mora libera o devedor da
responsabilidade pela conservação da coisa (ex: A deve
um cavalo a B que ficou de ir buscá-lo na fazenda de A; a
mora de B não responsabiliza A caso o cavalo venha a
morrer mordido por uma cobra após o vencimento; § 2º do
492); 2) o credor em mora deve ressarcir o devedor com as
despesas pela conservação da coisa (no exemplo do
cavalo, B deve pagar as despesas de A com ração e
medicamento desde o vencimento); 3) obriga o credor a
pagar um preço mais alto pela coisa se a cotação subir;
este efeito se aplica a coisas que têm preço na bolsa de
valores, como ações, açúcar, café, soja, etc. No art. 400
do CC vamos encontrar estes três efeitos; 4) último efeito:
o credor em mora não pode cobrar juros do devedor desse
período, afinal foi do credor a culpa pela atraso no
pagamento.

Mora do devedor: a mora solvendi pode se equiparar


ao inadimplemento e o credor exigir então perdas e danos
(389). Ex: A compra docinhos para o casamento da filha,
mas a comida atrasa e chega depois da festa, é evidente
que esta mora corresponde a um inadimplemento (pú do
395). Se o atraso foi por culpa da doceira, além de
devolver o dinheiro, vai ter que pagar as perdas e danos do
389. Mas se o atraso foi por causa de uma enchente que
derrubou a ponte, a doceira só terá que devolver o
dinheiro, sem os acréscimos das perdas e danos. Se eu
atraso o pagamento do condomínio eu estou em mora e
vou pagar a multa, mas é evidente que esta mora não
corresponde a um inadimplemento pois interessa ao
condomínio receber o pagamento atrasado. (veremos mais
perdas e danos em breve)

Pressupostos da mora do devedor: 1) crédito vencido


(397); 2) culpa do devedor: esta é a culpa lato sensu (= em
sentido amplo) que corresponde ao dolo e à culpa stricto
sensu (= em sentido restrito), que se divide em
imprudência e negligência, como vocês estudaram em ato
ilícito no semestre passado; se não há qualquer culpa,
mas caso fortuito ou de força maior não existe mora do
devedor (393, 396); 3) possibilidade de cumprimento tardio
da obrigação com utilidade para o credor, caso contrário
teremos inadimplemento e não mora (pú do 395).

Efeitos da mora do devedor: 1) o devedor responde


pelos prejuízos causados, mais multa, juros, etc (395); 2) o
devedor em mora responde pelo caso fortuito ou de força
maior ocorridos durante o atraso (399, ex: A deve um
cavalo campeão a B, mas A entrou em mora para levar o
cavalo para B, então vem uma cheia e mata o cavalo, A irá
responder por perdas e danos, salvo se conseguir provar
que a cheia também atingiu a fazenda de B e que o cavalo
morreria do mesmo jeito se estivesse lá; se a cheia
chegasse antes do vencimento A também não iria
responder perante B pela morte do cavalo pois se tratou
de um caso fortuito ou de força maior).

Purgação da mora: purgar significa emendar, reparar,


remediar; purgar a mora é consertar/sanar as
consequências da mora, tanto para o devedor como para o
credor, conforme art. 401. Em caso de inadimplemento do
devedor não se purga mais a mora, resolvendo-se em
perdas e danos. A mora do devedor pode também ser
purgada se o credor perdoar/remir/dispensar as perdas e
danos do 395.
JUROS LEGAIS: um dos efeitos da mora do devedor é o
pagamento de juros ao credor (395), principalmente nas
obrigações de dar dinheiro ( = pecuniárias). Conceito de
juro: é a remuneração que o credor exige por emprestar
dinheiro ao devedor. Juro é igual a rendimento, é igual a
fruto civil.

Os frutos em direito podem ser civis, naturais ou


industriais. Os frutos civis são os juros e os rendimentos;
os frutos naturais são as frutas das árvores e as crias dos
animais; os frutos industriais são, por exemplo, os carros
produzidos por uma fábrica de automóveis. Não
confundam frutos com produtos, pois estes se esgotam
(ex: uma pedreira, uma mina de ouro, um poço de
petróleo), enquanto os frutos se renovam. Bom, vocês já
estudaram frutos e produtos lá em Civil 1 (art. 95).

Voltando aos juros, estes são livres, conforme art.


406, sendo fixados pelas partes no contrato ou pelo
mercado financeiro. Depois de assinado o contrato, não
adianta dizer que os juros são altos, pois contrato é para
ser cumprido. Se as partes não fixarem os juros, estes
serão de um por cento ao mês, conforme art. 406 do CC
combinado com o art. 161, § 1º do Código Tributário
Nacional, pois este é o juro devido no pagamento de
impostos.

Realmente, os juros devem ser livres, fixados pelas


partes ou pelo mercado. Não pode a lei querer limitar os
juros, como acreditam alguns populistas, pois o Direito
não manda na Economia. Caso as leis jurídicas fossem
superiores às leis econômicas, bastaria um decreto/uma
lei acabando com a inflação, acabando com o
desemprego, acabando com a recessão, etc., para
resolver todos nossos problemas. Mas não é assim que o
mundo moderno funciona, precisamos ser realistas e não
demagógicos, por isso é que o art. 192, § 3º da CF, que
limitava os juros em 12% ao ano, foi revogado em maio de
2003 sem nunca ter efetivamente sido aplicado, apesar de
vigorado por quinze anos, desde 1988.

Se quiserem saber mais sobre juros, especialmente


porque eles são tão altos em nosso país, consultem um
texto com este título que está no nosso e-mail.

Aula 18 Civil 2 Unicap

INADIMPLEMENTO

Inadimplemento é o não pagamento/cumprimento


da obrigação, enquanto a mora é o atraso do devedor no
pagamento ou do credor no recebimento; inadimplemento
é só do devedor, mora pode ser de ambas as partes (aula
17).

Efeito do inadimplemento: responsabilizar o


devedor por perdas e danos, se este inadimplemento for
culposo (389). Se o inadimplemento não for culposo o
devedor está isento das perdas e danos, mas é ônus do
devedor provar o caso fortuito ou de força maior.

O caso fortuito ou de força maior está conceituado


no pú do 393; o fato precisa ser superveniente/futuro e
imprevisível para justificá-lo. É um problema (ex: cheia,
seca, greve, doença, roubo) que o devedor não contribuiu
para sua ocorrência e nem poderia evitar. O fato do
príncipe é também um caso fortuito (ex: A deve cigarro a
B, porém vem uma lei proibindo o fumo no país, então a
obrigação se extingue face à ilicitude do objeto; chama-se
fato do príncipe em alusão ao Estado, pois antigamente os
governantes eram monarcas).

Espécies de inadimplemento: culposo e fortuito.


a) culposo: é a culpa lato sensu, em sentido amplo,
que envolve o dolo (intenção), e a culpa em sentido
restrito: negligência e imprudência. É o inadimplemento
culposo que vai gerar responsabilidade patrimonial por
perdas e danos (391), sobre os bens do devedor, afinal não
existe prisão por dívida, salvo no depósito (veremos em
Civil 3) e na pensão alimentícia (veremos em Civil 6).
Assim, se o inadimplente não possui bens, ao credor só
resta lamentar, é o chamado na brincadeira de jus
sperniandi. O inadimplemento culposo vai corresponder ao
não cumprimento da obrigação de forma intencional (dolo)
ou culposa (culpa stricto sensu = negligência e
imprudência). Viola o devedor sua obrigação de cumprir a
prestação e deverá arcar com perdas e danos. Todavia,
em alguns contratos, a depender da prestação, ao invés
de perdas e danos, o devedor poderá ser obrigado pelo
Juiz a cumprir o contrato (art 475 – veremos isso em Civil
3, mas quem estiver curioso pode ver no nosso e-mail um
comentário a esse artigo 475).

PERDAS E DANOS: o que são estas perdas e danos


devidas pelo inadimplente ao credor? Não se trata de um
enriquecimento do credor (403), mas sim de uma
compensação financeira pelos danos sofridos pelo credor,
sejam danos materiais, sejam danos morais.

Os danos materiais correspondem aos lucros


cessantes e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo
que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é
aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar (402).
Ex: A bate seu carro num táxi, terá então que indenizar o
taxista pelo dano emergente (farol quebrado, lataria
amassada, pintura arranhada, etc – damnum emergens) e
pelo lucro cessante (os dias que o taxista ficará sem
trabalhar enquanto o carro é consertado – lucrum
cessans).
O dano emergente é o desfalque sofrido pelo
patrimônio da vítima, é a diferença entre o que a vítima
tinha antes e depois do ato ilícito; lucro cessante é a
perda de um lucro esperado, e não um lucro presumido ou
eventual (403).

Mas o dano pode também ser moral (186), que é o


dano que atinge a honra da pessoa (art. 20), que provoca
sofrimento, abalo psicológico, perda do sono da vítima,
etc. O dano moral ofende os direitos da personalidade da
pessoa, ou seja, os atributos físicos (o corpo, a vida),
psíquicos (sofrimento) e morais (honra, nome, intimidade,
imagem) da pessoa. Enfim, o dano moral é uma coisa
séria, não é qualquer aborrecimento do cotidiano. O dano
moral se desenvolveu muito em nosso Direito na última
década, mas não pode ser banalizado para não ser
desmoralizado, assim eu repudio condutas de cidadãos
que, atrás de lucro fácil, pleiteiam danos morais porque
ficaram presos na porta giratória de um banco, ou porque
o celular deixou de funcionar, ou porque o carro quebrou
na esquina, etc. Repito: dano moral se justifica
especialmente quando atinge o equilíbrio emocional da
vítima, é a dor, angústia, desgosto, aflição espiritual e
humilhação (ex: alguém que perde uma perna ou um filho
num acidente).

O dano é muito importante, é mais importante do


que a culpa, assim não se fala em indenização por
inadimplemento se não houve dano. Veremos logo abaixo,
e vocês verão também em Responsabilidade Civil que
existe até responsabilidade sem culpa, mas desde que
exista dano, material ou moral (pú do 927).

b) inadimplemento fortuito: o devedor não paga


diante de um caso fortuito ou de força maior, ficando
assim, de regra, livre de indenizar o credor (393). A
obrigação vai se extinguir, as partes retornam ao estado
anterior, mas sem indenização do 389. Porém, há casos de
responsabilidade sem culpa que veremos logo aqui em
Civil 2, desde que haja dano:

- se o devedor está em mora, ele responde pelo


caso fortuito (399); vimos isto na aula passada, é um dos
efeitos da mora solvendi, lembram? Só não responde se
provar que a coisa iria perecer também nas mãos do
credor.

- o devedor pode expressamente se responsabilizar


pelo caso fortuito; isto é comum nos contratos
internacionais, então quando se exporta açúcar, carne,
soja, etc., o devedor se obriga a mandar o produto, ou
pagar as perdas e danos, mesmo que haja uma greve, uma
seca, etc. O comprador insere no contrato uma cláusula
onde o devedor assume a obrigação mesmo diante de um
caso fortuito, afinal o comprador está muito distante para
verificar a seriedade destes transtornos. (vide 393, in
fine). Obs: nas relações de consumo a loja/supermercado
não pode se isentar do furto do carro no seu
estacionamento, apesar de ser um caso fortuito e apesar
das placas que eles colocam, diante do art. 51, IV, do
Código do Consumidor; é por isso que os shoppings
cobram pelo estacionamento, porque eles têm seguro
contra furto/roubo do seu carro; a lei dá com uma mão e o
mercado tira com a outra, é o que eu digo a vocês, o
direito não manda na economia.

Não deixem de estudar RESPONSABILIDADE CIVIL


oportunamente, é um assunto próximo de inadimplemento
das obrigações, mas merece um livro próprio. Eu já
escrevi pouca coisa sobre RC no nosso e-mail, depois
dêem uma lida, mas não deixem de cursar esta disciplina
caso seja oferecida como eletiva.
Aula 19 Civil 2 Unicap

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Cessão de Crédito e Assunção de Débito

1 – Cessão de crédito: é a venda de um direito de crédito;


é a transferência ativa da obrigação que o credor faz a
outrem de seus direitos; corresponde à sucessão ativa da
relação obrigacional.

Em direito a sucessão pode ocorrer inter vivos ou


mortis causa. A sucessão mortis causa nós vamos estudar
em Civil 7, que é a herança. A cessão de crédito
corresponde à sucessão entre vivos no direito
obrigacional. A cessão de crédito também não se
confunde com a cessão de contrato que é a cessão de
direitos e deveres daquela relação jurídica, e não apenas
de um crédito.

Quando estudamos pagamento por sub-rogação


vimos que a cessão de crédito é uma de suas espécies
(348), mas na sub-rogação a dívida mantem o valor, já a
cessão de crédito pode envolver valores diversos tendo
em vista a liberdade entre as partes (ex: A deve cem a B
para pagar daqui a seis meses, C então se oferece para
adquirir este crédito contra A por oitenta pagando a B a
vista; C age na esperança de ter um lucro ao receber os
cem de A no futuro; isto acontece no comércio no
desconto de cheques “pré-datados”).

Conceito: cessão de crédito é o negócio jurídico


onde o credor de uma obrigação, chamado cedente,
transfere a um terceiro, chamado cessionário, sua posição
ativa na relação obrigacional, independentemente da
autorização do devedor, que se chama cedido.
Tal transferência pode ser onerosa ou gratuita, ou
seja, o terceiro pode comprar o crédito ou simplesmente
ganhá-lo (= doação) do cedente.

Anuência do devedor: como já disse, a cessão é a


venda do crédito, afinal o cedido continua devendo a
mesma coisa, só muda o seu credor. O cessionário ( =
novo credor) perante o cedido/devedor fica na mesma
posição do cedente ( = credor velho). A cessão dispensa
a anuência do devedor que não pode impedi-la, salvo se o
devedor se antecipar e pagar logo sua dívida ao credor
primitivo. Todavia, o cedido ( = devedor) deve ser
notificado da cessão, não para autorizá-la, mas para pagar
ao cessionário ( = novo credor, 290).

Justificativa: a cessão de crédito se justifica/se


fundamenta para estimular a circulação de riquezas,
através da troca de títulos de crédito (ex: cheques,
duplicatas, notas promissórias, títulos que vocês vão
estudar em Direito Comercial/Empresarial). Além do
exemplo acima do desconto de cheques “pré-datados”, a
cessão de crédito é muito comum entre bancos e até a
nível internacional do Governo Federal, em defesa da
moeda e da disciplina cambial.

Forma da cessão: não exige formalidade entre o


novo e o velho credor, pode até ser verbal, mas para ter
efeito contra terceiros deve ser feita por escrito (288). A
escritura pública é aquela do art. 215, feita em Cartório de
Notas. O contrato particular é feito por qualquer
advogado.

Que créditos podem ser objeto de cessão? Todos,


salvo os créditos alimentícios (ex: pensão, salário), afinal
tais créditos são inalienáveis e personalíssimos, estando
ligados à sobrevivência das pessoas. A lei proíbe também
a cessão de alguns créditos como o crédito penhorado
(298 – vocês vão estudar penhora em processo civil) e o
crédito do órfão pelo tutor (1749, III – tutela é assunto de
Civil 6). O devedor pode também impedir a cessão desde
que esteja expresso no contrato celebrado com o credor
primitivo, caso contrário, como já disse, caso queira
impedir a cessão o devedor terá que se antecipar e pagar
logo. Vide art. 286.

Espécies de cessão: 1) convencional: é a mais


comum, e decorre do acordo de vontades como se fosse
uma venda (onerosa) ou doação (gratuita) de alguma
coisa, só que esta coisa é um crédito; 2) legal: imposta
pela lei (ex: nosso conhecido 346; no 287 também é
imposto pela lei a cessão dos acessórios da dívida como
garantias, multas e juros); 3) judicial: determinada
pelo Juiz no caso concreto, explicando os motivos na
sentença para resolver litígio entre as partes.

A cessão pode também ser “pro soluto” ou “pro


solvendo”; na pro soluto o cedente responde pela
existência e legalidade do crédito, mas não responde pela
solvência do devedor (ex: A cede um crédito a B e precisa
garantir que esta dívida existe, não é ilícita, mas não
garante que o devedor/cedido C vai pagar a dívida, trata-se
de um risco que B assume). Na cessão pro solvendo o
cedente responde também pela solvência do devedor,
então se C não pagar a dívida (ex: o cheque não tinha
fundos), o cessionário poderá executar o cedente. Mas
primeiro deve o cessionário cobrar do cedido para depois
cobrar do cedente.

Quando a cessão é onerosa, o cedente sempre


responde pro soluto, idem se a cessão foi gratuita e o
cedente agiu de má-fé (ex: dar a terceiro um cheque
sabidamente falsificado gera responsabilidade do cedente,
mas se o cedente não sabia da ilegalidade não responde
nem pro soluto, afinal foi doação mesmo - 295); mas o
cedente só responde pro solvendo se estiver expresso no
contrato de cessão (296).

2 – Assunção de dívida: é a transferência passiva da


obrigação, enquanto a cessão é a transferência ativa. A
assunção é rara e só ocorre se o credor expressamente
concordar, afinal para o devedor faz pouca diferença
trocar o credor ( = cessão de crédito), mas para o credor
faz muita diferença trocar o devedor, pois o novo devedor
pode ser insolvente, irresponsável, etc. (299 e 391). E
mesmo que o novo devedor seja mais rico, o credor pode
também se opor, afinal mais dinheiro não significa mais
caráter, e muitos devedores ricos usam os infindáveis
recursos da lei processual para não pagar suas dívidas.
Ressalto que o silêncio do credor na troca do devedor
implica em recusa, afinal em direito nem sempre quem
cala consente (pú do 299). Na assunção o novo devedor
assume a dívida como se fosse própria, ao contrário da
fiança onde o fiador responde por dívida alheia (veremos
fiança em Civil 3).

Conceito: contrato onde um terceiro assume a


posição do devedor, responsabilizando-se pela dívida e
pela obrigação que permanece íntegra, com autorização
expressa do credor.

Observação: ao contrário do pú do 299, nós


percebemos que “quem cala consente” no art. 303; trata-
se de uma aceitação tácita do credor para a troca do
devedor, afinal na hipoteca a garantia é a coisa (assunto
de Civil 5).

Aula 20 - Civil 2 - Católica


Liquidação das Obrigações

Obrigação líquida é aquela certa quanto a sua


existência e determinada quando a seu objeto. Ou seja, a
obrigação líquida existe e tem valor preciso. A obrigação
ilíquida é o contrário, é aquela que não pode ser expressa
por uma cifra e que necessita de prévia apuração. Já
falamos disso na aula 9, mas vamos aprofundar hoje.
Qual a importância desta distinção entre obrigação
líquida e ilíquida? Ora, se uma dívida não for paga no
vencimento o direito do credor mune-se (arma-se) de uma
pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade
patrimonial. Vocês já devem ter memorizado esta frase
repetida desde o começo do semestre. Pois bem, se o
devedor não pagar ele não será preso, mas ele terá seus
bens tomados pelo juiz e vendidos para satisfazer o
credor. Para tomar os bens do devedor, o juiz precisa
saber quanto é devido, ou seja, a obrigação precisa ser
líquida.
Igualmente o art 407 do CC: só com a liquidação =
fixação do valor pecuniário, é que se podem cobrar juros
do devedor. Na compensação, já estudada, só se extingue
a obrigação entre dívidas líquidas (369). A imputação de
pagamento, também já estudada, exige obrigações
líquidas (352).
Outra observação importante: o ideal para o credor é
exigir o cumprimento forçado do contrato como autoriza o
art 475 do CC, artigo que será explicado no próximo
semestre (vide aula 7 de Contratos). Mas se esta
execução “in natura” não for possível, o jeito é converter a
obrigação em perdas e danos substituindo-se a prestação
por dinheiro, com a liquidação da dívida (947).
Dito tudo isso, como fazer a liquidação da obrigação,
fixando-se o valor pecuniário da prestação?
Espécies de liquidação:
1 – convencional: decorre da transação (aula 16 deste
semestre), ou seja, as partes chegam a um acordo quanto
ao valor pecuniário da obrigação que será executada.
2 – legal: a lei traz os parâmetros/limites para a
liquidação da obrigação. Então se A mata B, quanto a
família de B vai pedir de indenização a A? Resposta no art.
948. Vocês verão em responsabilidade civil que os crimes
têm repercussão no cível, então enquanto o Promotor
processa o réu na Vara Criminal para que o Juiz lhe
aplique uma pena de prisão, o advogado da vítima (ou seus
familiares) também processa o réu na Vara Cível para que
o Juiz tome seus bens como indenização. Depois leiam os
arts. 949 a 954 que trazem casos de liquidação legal no
cível para condutas criminosas.
3 – judicial: esta liquidação é feita pelo Juiz sempre
que as partes não chegam a um acordo e sempre que a lei
não traz parâmetros. Para a liquidação judicial o juiz pode
pedir a ajuda de peritos técnicos na área do litígio (ex:
engenharia, medicina, contabilidade, química, etc.) O Juiz
só não pode é deixar de julgar alegando omissão da lei,
então em vários casos de indenização o Juiz fixa o valor
da dívida, dando seus motivos e quem achar ruim que
recorra. É por isso que encontramos sentenças muito
variadas pois o Juiz tem muito poder e cada cabeça é um
mundo.

Preferências e Privilégios Creditórios

É o "concurso de credores" do antigo Código Civil.


Bom, vocês já sabem que salvo os casos do
depósito (assunto de Contratos) e dos alimentos (assunto
de Dir. de Família), não existe prisão por dívida, de modo
que o credor precisa atacar o patrimônio do devedor para
se satisfazer. E mesmo que a lei autorize a prisão, não
haverá satisfação do credor, pois a dívida permanecerá
sem pagamento. Então o que o credor deseja/precisa é de
receber o dinheiro, sob pena de execução. E se o devedor
não tem bens? Ao credor só resta ter raiva, na brincadeira
é o “jus sperniandi” (391, 942).
E se o devedor tem bens, porém possui mais
dívidas do que bens, o que fazer? Resposta: aplicar as
regras do concurso de credores. Se o devedor tem muitos
bens, pode pagar suas dívidas, ou não tem bem nenhum
não se aplica o concurso de credores. Mas sempre que o
passivo do devedor for superior a seu ativo, é preciso
dividir seu bens com os credores.
Esta é a chamada falência da pessoa física, ou
insolvência. Prefiram o termo insolvência, pois falência é
indicado para as empresas, conforme vocês verão em
Direito Comercial/Empresarial.
Então insolvente é a pessoa física que possui mais
dívidas do que bens para satisfazer todas elas, pelo que
deverá ser instaurado o concurso de credores com a
declaração de insolvência, para a correta divisão dos bens
entre os credores (955).
Efeito do concurso de credores: rateio dos bens do
devedor entre os credores. Como se dá esse rateio? Se
todos os credores forem iguais, ou seja, sem nenhuma
vantagem/privilégio/preferência entre eles, o rateio é
proporcional ao crédito de cada um (957, 962).
Mas se existem créditos quirografários ( = crédito
simples, sem qualquer vantagem) ao lado de créditos
preferenciais, os preferenciais receberão primeiro. De
regra, todo crédito é quirografário, então se A me
empresta cem reais, este crédito de regra é quirografário.
Se B bate no meu carro, este crédito também será
quirografário.
Que créditos são preferenciais? São aqueles com
vantagem concedida pela lei a certos credores para terem
prioridade sobre os concorrentes no recebimento do
crédito. A ordem de preferência estabelecida pela lei é a
seguinte:
1 – créditos alimentícios: salários, créditos
trabalhistas, pensão alimentícia, etc. Os empregados e
dependentes do devedor insolvente recebem em
primeiríssimo lugar.
2 – créditos tributários: satisfeitos os créditos
alimentícios, devem ser pagas as dívidas tributárias do
insolvente, ou seja, os impostos e taxas devidos pelo
insolvente; satisfeito o poder público, sobrando dinheiro,
pagam-se os credores do terceiro grupo:
3 – créditos com garantia real, são aqueles créditos
com hipoteca, penhor, anticrese e alienação fiduciária.
Veremos tais direitos reais de garantia em Civil 5 (958).
Observem que os primeiros credores de direito privado
estão aqui, em terceiro lugar, pois os credores supra são
de direito público.
4 – créditos com privilégio especial: são aqueles
credores do art. 964.
5 – créditos com privilégio geral: são aqueles
credores do art. 965.
6 – finalmente, os créditos quirografários (961 – o
crédito “simples” a que se refere este artigo é o crédito
quirografário).
Observações importantes: a) os créditos
preferenciais com prioridade recebem integralmente antes
de outros créditos preferenciais, então só se passa para o
grupo seguinte após satisfação integral do anterior; b) só
após satisfação integral dos créditos preferenciais (1 a 5)
é que se faz o rateio proporcional entre os quirografários.
Digo rateio proporcional porque se os quirografários
também receberem na íntegra não haveria necessidade de
ter sido instaurado o concurso de credores. Assim os
quirografários sempre recebem parcialmente; c) a Lei de
Falências no. 11.101/05, alterou esta ordem para as
empresas, então agora os credores com garantia real
recebem com prioridade sobre os créditos tributários em
caso de falência de uma empresa. Mais detalhes vocês
terão em Direito Comercial.
Final do curso, obrigado pela companhia, boas
provas!

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