Você está na página 1de 108

17

cadernos temáticos CRP SP


Psicologia na Assistência
Social e o enfrentamento
da desigualdade social

São Paulo · 2016 · 1ª Edição


Conselho Regional de Psicologia SP - CRP 06
Caderno Temático nº17 - Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social

XIV Plenário (2013-2016)

Diretoria
Presidente | Elisa Zaneratto Rosa
Vice-presidente | Adriana Eiko Matsumoto
Secretário | José Agnaldo Gomes
Tesoureiro | Guilherme Luz Fenerich

Conselheiros
Alacir Villa Valle Cruces; Aristeu Bertelli da Silva; Bruno
Simões Gonçalves; Camila Teodoro Godinho; Dario
Henrique Teófilo Schezzi; Gabriela Gramkow; Graça Maria
de Carvalho Camara; Gustavo de Lima Bernardes Sales;
Ilana Mountian; Janaína Leslão Garcia; Joari Aparecido
Soares de Carvalho; Livia Gonsalves Toledo; Luis Fernando
de Oliveira Saraiva; Luiz Eduardo Valiengo Berni; Maria das
Graças Mazarin de Araujo; Maria Ermínia Ciliberti; Marília
Capponi; Mirnamar Pinto da Fonseca Pagliuso; Moacyr
Miniussi Bertolino Neto; Regiane Aparecida Piva; Sandra
Elena Spósito; Sergio Augusto Garcia Junior; Silvio Yasui

Organização do caderno
Odette Godoy Pinheiro

Revisão ortográfica
Ricardo Ondir

Projeto gráfico e editoração


Paulo Mota | Comunicação do CRP SP

___________________________________________________________________________
C755c Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade
social. Conselho Regional dePsicologia de São Paulo. - São Paulo:
CRP SP, 2016. 106p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP)

ISBN: 978-85-60405-43-5

1. Psicologia –Assistência Social. 2. Desigualdade Social. 3. Atuação da Psicóloga


(o). 4. Sistema Único de Assistência Social (SUAS)I. Título

CDD 150.195
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo – CRB-8/8396.
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo in-
clui, entre as ações permanentes da gestão, a publicação da série Ca-
dernos Temáticos do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates
realizados no Conselho em diversos campos de atuação da Psicologia.
Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é
concretizar um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de
produzir referências para o exercício profissional de psicólogas(os);
o segundo é o de identificar áreas que mereçam atenção prioritária,
em função de seu reconhecimento social ou da necessidade de sua
consolidação; o terceiro é o de, efetivamente, garantir voz à catego-
ria, para que apresente suas posições e questionamentos acerca da
atuação profissional, garantindo, assim, a construção coletiva de um
projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como ciên-
cia e como profissão.
Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de
maneira a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas
pelo CRP SP, que contaram com a experiência de pesquisadoras(es)
e especialistas da Psicologia, para debater sobre assuntos ou te-
máticas variados na área. Reafirmamos o debate permanente como
princípio fundamental do processo de democratização, seja para con-
solidar diretrizes, seja para delinear ainda mais os caminhos a serem
trilhados no enfrentamento dos inúmeros desafios presentes em nos-
sa realidade, sempre compreendendo a constituição da singularidade
humana como fenômeno complexo, multideterminado e historicamen-
te produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse sentido,
um convite à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida a
psicólogas(os), bem como aos diretamente envolvidos com cada te-
mática, criando uma oportunidade para a profícua discussão, em di-
ferentes lugares e de diversas maneiras, sobre a prática profissional
da Psicologia.
Este é o 17º Caderno da série. O seu tema é “Psicologia na As-
sistência Social e o enfrentamento da desigualdade social”.
Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, tra-
zendo para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições so-
bre temas relevantes para a Psicologia e para a sociedade.
A divulgação deste material nas versões impressa e digital pos-
sibilita a ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão
sobre o compromisso social de nossa profissão, reflexão para a qual
convidamos a todas(os).

XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Os Cadernos já publicados podem ser consultados em www.crpsp.org.br:
1 – Psicologia e preconceito racial
2 – Profissionais frente a situações de tortura
3 – A Psicologia promovendo o ECA
4 – A inserção da Psicologia na saúde suplementar
5 – Cidadania ativa na prática
5 – Ciudadanía activa en la práctica
6 – Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 – Nasf – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 – Dislexia: Subsídios para Políticas Públicas
9 – Ensino da Psicologia no Nível Médio: impasses e alternativas
10 – Psicólogo Judiciário nas Questões de Família
11 – Psicologia e Diversidade Sexual
12 – Políticas de Saúde Mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
13 – Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade
14 – Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
15 – Centros de Convivência e Cooperativa
16 – Psicologia e Segurança Pública
Sumário

07 ApresentAção
AberturA – Órgãos e movimentos sociais convidados
08 Joari Aparecido Soares de Carvalho

09 Elisa Zaneratto Rosa


11 Maria Aparecida Neri da Silva
12 Telma Sandro Augusto de Souza
13 Naiara Carneiro Teixeira
14 Wanderley Aparecido Turine
15 Magali Pereira Gonçalves Costado Basili
17 Valéria Cristina Lopes Princz
18 Ghislaine Gliossi da Silva
19 Marina Amadeu Batista Bragante
20 Joari Aparecido Soares de Carvalho

ConferênCiA de AberturA
21 Vinícius Cesca de Lima

22 Bader Burihan Sawaia

28 Sílvio José Benelli

35 debates

37 respostas dos conferencistas e considerações finais


pAinel - desAfios e perspeCtivAs pArA vAlorizAr o
trAbAlho soCiAl, quAlifiCAr os serviços ofertAdos e
efetivAr o suAs Como polítiCA públiCA de gArAntiA de
direitos.
42 Joari Aparecido Soares de Carvalho

44 Maria Izabel Cunha Soares

47 Stela da Silva Ferreira

53 Gervison Marcos Melão Monteiro

56 Anderson Lopes

60 debates
Oficinas – Sínteses sobre os temas desenvolvidos

69 1. A psicologia e práticas de acompanhamento familiar e individual


na Assistência Social
71 2. Contribuições da psicologia nos setores de planejamento e na
gestão da Política de Assistência Social

72 3. Controle social, a importância da participação social dos


trabalhadores

74 4. Desenvolvimento humano e psicologia na garantia de direitos a


benefícios eventuais e a programas de transferência de renda

75 5. O serviço de proteção em situações de calamidades públicas e


emergências: o que é preciso saber sobre o papel da Assistência
Social para atuar, garantir direitos e superar improvisos

77 6. Práticas alternativas à institucionalização no SUAS e a


promoção da convivência familiar e comunitária

78 7. Produção de documentos escritos por psicólogas(os) na


Assistência Social

79 8. A inserção e o papel do prontuário SUAS nas unidades de CRAS


e CREAS: consolidando o SUAS

81 9. Inserção e atuação dos psicólogos no SUAS: possibilidades e


impasses

83 10. A psicologia nas medidas socioeducativas em meio aberto

85 11. Psicologia em serviços de acolhimento para pessoas idosas


87 12. Acolhimento e atendimento socioassistencial a pessoas e a
famílias com demandas sobre álcool e outras drogas

89 13. Contribuições da psicologia em serviços de acolhimento para


crianças e adolescentes

90 14. Enfrentamento da violência e da desigualdade de gênero,


proteção social e defesa de direitos no SUAS

91 15. Enfrentamento do racismo, proteção social e defesa dos


direitos no SUAS

92 16. O direito de pessoas com deficiência: o atendimento e o


acolhimento na rede socioassistencial
94 17. Trabalho em equipe multiprofissional e a concepção de
interdisciplinaridade
96 18. Trabalho em rede e intersetorialidade na Assistência Social
98 Levantamento sobre Psicólogas(os) que atuam na
Assistência Social no Estado de São Paulo

105 ANEXO – Propostas para a X Conferência Nacional de


Assistência Social e suas etapas preparatórias
Apresentação 7

Núcleo sobre Assistência Social do

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP SP

Os primeiros 10 anos (2005-2015) de imple- pesquisadoras(es) e movimentos sociais, como


mentação do Sistema Único de Assistência o protagonismo e a participação das pessoas
Social – SUAS como modelo de organização usuárias; a gestão colegiada do trabalho; a
da Política Nacional de Assistência Social são qualidade dos serviços a serem prestados e as
um marco reconhecido para as políticas so- condições de trabalho para tanto; a educação
ciais para o enfrentamento da desigualdade e permanente; o controle social participativo e
a garantia de direitos. Esse marco requer uma efetivo; a resolutividade dos atendimentos e
avaliação crítica e coletiva por parte das cate- dos acompanhamentos; a superação de as-
gorias profissionais que materializam o SUAS sistencialismos, trocas de favores, primeiro-
cotidianamente. Trata-se de refletir sobre con- damismos e outros desvios do caráter público
tribuições e desafios concretos da Psicologia da Política de Assistência Social; a fragilidade
como ciência e profissão, em contextos de dos instrumentos legais e das fontes de finan-
equipes multiprofissionais sob a perspectiva ciamento insuficientes; bem como, sobretudo,
interdisciplinar, para a efetivação com qualida- a visão hegemonicamente moralista sobre as
de das ofertas socioassistenciais de serviços, desigualdades sociais.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


programas, projetos, benefícios e transferên-
cias de renda, bem como da defesa de direi- O 3º Seminário Estadual sobre Psicolo-
tos e da vigilância sobre riscos de proteção e gia e Assistência Social em São Paulo reuniu
cobertura de atendimento, na construção de diversos(as) personagens da Política da As-
uma sociedade mais democrática e igualitá- sistência Social, em oficinas sobre questões
ria, em Cras, Creas, Centros POP, nos diversos presentes na prática cotidiana do trabalho,
Serviços de Convivência e Fortalecimentos de um painel sobre grandes desafios estruturan-
Vínculos, nos diversos Serviços de Acolhimento tes para a efetivação da política e conferência
institucional, nos Serviços de Abordagem So- acadêmica para aprofundar em conjunto com o
cial, nos Serviços de Atendimento em Domicílio, campo da pesquisa as bases conceituais que
nos Serviços de Proteção em Situações de Ca- sustentam a ação e a reflexão da Psicologia
lamidade, em funções de Vigilância Socioassis- na Assistência Social para o enfrentamento da
tencial, Planejamento e Controle Social e entre desigualdade social.
outras unidades socioassistenciais.
O propósito principal do seminário foi rea-
As contribuições políticas, éticas e técni- lizar em conjunto uma avaliação qualificada so-
cas da Psicologia para a Política de Assistên- bre a trajetória percorrida, promover intercâm-
cia Social tiveram de se ampliar, diversificar e bios, diálogos e debates para instrumentalizar
atualizar simultaneamente com a maior co- a categoria sobre problemas práticos e coti-
bertura de populações e as novas exigências dianos nos serviços e para construir propostas
e formas do trabalho social a serem organiza- visando reafirmar, redirecionar ou mesmo re-
das e ofertadas. Restam antigos e emergiram criar objetivos e caminhos da Política de Assis-
novos desafios a serem enfrentados e supe- tência Social, não só tratando da Psicologia na
rados por trabalhadoras(es), pessoas usuárias Política de Assistência Social, mas também da
dos serviços, conselheiras(os), gestoras(es), Política de Assistência Social na Psicologia.
8
Abertura
Órgãos e movimentos sociais convidados

Joari Aparecido Soares de Carvalho

O 3º Seminário Estadual Sobre Psicologia


e Assistência Social em São Paulo reunirá
diversos atores da Política de Assistência
Social em oficinas, um painel e uma con-
ferência acadêmica, para realizarmos em
conjunto uma avaliação qualificada sobre
a trajetória percorrida, promovemos inter-
câmbios e debates para o enfrentamen-
to de problemas práticos e cotidianos nos
serviços, bem como para a construção de
propostas para a reafirmação, o redirecio-
namento, ou renovação dos objetivos e
dos caminhos da Assistência Social e da
presença da psicologia nesta política. Dez
anos do Sistema Único de Assistência Social,
contribuições e desafios da psicologia para
o enfrentamento da desigualdade social é o
tema do nosso seminário. Agradeço a todas
e a todos pela presença e passo a palavra à
conselheira Elisa Zaneratto Rosa.
Elisa Zaneratto Rosa 9
Presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Gostaria de cumprimentar todos que co- na luta por direitos, por direitos sociais,
migo dividem esta mesa, gostaria de cum- por direitos humanos. Na medida em que
primentar as psicólogas que aqui estão, fomos ganhando reconhecimento nessa
estudantes de psicologia, gestores da trajetória, fomos cada vez mais inseridos
Política de Assistência Social, outros tra- nessas políticas públicas. E a inserção do
balhadores, usuários desse sistema. São cotidiano do trabalho nessas políticas pro-
muitos que devem estar dividindo conos- duz também uma transformação cotidiana
co esse espaço e aceitando o convite para do nosso fazer profissional, das nossas
este seminário. Em nome do CRP São Pau- referências de atuação, das nossas tecno-
lo, estamos abrindo este seminário com logias de intervenção enquanto categoria
muita satisfação. É muito bom ter este profissional. Penso que quando comemo-
auditório cheio, é muito positivo o acolhi- ramos 10 anos de Sistema Único de As-
mento que teve este seminário por parte sistência Social no Brasil, temos a alegria

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


da categoria de psicólogas e psicólogos, de ser esta a segunda política pública que
e ele indica para nós algo fundamental. A mais emprega psicólogas e psicólogos em
nossa satisfação, na verdade, é ver a psi- todo o Brasil e temos a satisfação, portan-
cologia comprometida com a questão da to, de ter um reconhecimento e uma legiti-
desigualdade social. isso representa um midade nessa política, mas sobretudo uma
redirecionamento, isso marca uma trans- satisfação de a partir disso, a partir desse
formação da psicologia na sua trajetória lugar conquistado, podermos nos debruçar
histórica e apresenta, portanto, à nossa sobre as questões que estão postas para
categoria a questão da desigualdade so- que avance esse Sistema Único de Assis-
cial, que é talvez a questão social central tência Social. Nós queremos olhar para os
que o Brasil enfrenta hoje. Então, temos aí desafios, que estão colocados, que ainda
um conjunto de psicólogas e de psicólogos, existem, para que essa política pública se
trabalhadores do SUAS ou estudantes, ou efetive, e entendemos que enquanto pro-
trabalhadores de outras políticas públicas, fissionais implicados com essa política,
que querem acompanhar este debate, o trabalhadores dessa política pública, nós
que representa para nós uma conquista temos que discutir essas questões a partir
do ponto de vista da trajetória histórica da da nossa atuação profissional, a partir dos
psicologia. Reconhecemos que, na medida espaços de controle social das políticas
em que a sociedade brasileira avançou na públicas, a partir do diálogo e do reconhe-
construção e na efetivação de políticas pú- cimento do protagonismo com os usuários
blicas de garantia de direitos, a própria psi- dos serviços, com a sociedade com a qual
cologia se transformou. Somos uma cate- trabalhamos, e a partir desse debate, en-
goria profissional que aceitou o desafio de tão, apontar direções, apontar caminhos,
contribuir para a formulação dessas políti- fazer avançar essa política pública. Espe-
cas, na medida em que nos posicionamos ramos que esses dois dias de encontro, se-
10 jam dias em que reunidos como trabalha- a cada movimento, a cada passo que pre-
dores, reunidos como pessoas, cidadãos cisamos dar em diálogo com outros traba-
implicados com a construção dessa polí- lhadores, com os movimentos sociais, com
tica pública, possamos colocar em análise o campo do controle social. Gostaria de fa-
as nossas práticas e, portanto, construir zer esse reconhecimento aqui publicamen-
diretrizes comprometidas com o avanço do te, e gostaria também, desde já, agradecer
SUAS que todos nós queremos e que a so- a UNiP pela parceria e pela possibilidade
ciedade brasileira precisa neste momento. de podermos ter esse espaço mais amplia-
E gostaria de marcar nosso agradecimen- do do que a nossa casa, e ter essa como
to, nosso reconhecimento ao coletivo, que uma casa também para a qual o CRP São
no CRP São Paulo, tem trabalhado com a Paulo pode trazer, convidar as psicólogas e
questão da psicologia na sua relação com os psicólogos, para construção de mais um
as políticas públicas de Assistência Social, grande seminário. Espero que tenhamos
de agradecer ao núcleo de assistencial so- um bom debate nestes dois dias, e que ele
cial do CRP São Paulo, na pessoa do Joa- contribua para fazer avançar essa política
ri, seu coordenador que aqui está, não só pública tão cara para o enfrentamento da
pela organização deste seminário, mas por questão da desigualdade social no nosso
todo trabalho militante e atento que tem país. Gostaria de passar a palavra aos co-
feito em relação às necessidades do SUAS, legas que compõem a mesa.
Maria Aparecida Neri da Silva 11
Conselheira do segmento de trabalhadores do Conselho
Municipal de Assistência Social do Estado de São Paulo.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Bom dia a todos e a todas. Em primeiro dores) que vamos conseguir avançar. isso
lugar, gostaria de agradecer o CRP pelo é extremamente importante para que pos-
convite, e colocar que são muito importan- samos realmente efetivar, para que possa-
tes essas discussões para que possamos mos discutir talvez nos próximos 10 anos
avançar para um SUAS que atenda efetiva- com mais unidade. Estamos abertos para
mente os nossos usuários. Nós avançamos conversar, para estar participando sempre.
muito nestes 10 anos, e a participação da O conselho está disposto a estar sempre
psicologia no SUAS é, sem dúvida, muito junto, e as demandas que saírem daqui, vou
importante, é essencial, pois é um olhar di- levar para lá, para que sejam discutidas,
ferente, e a nossa sociedade, nossos usu- para que possamos pensar juntos numa
ários, precisam disso. Só que ainda preci- ampliação, para que possamos atender me-
samos avançar muito. Avançar nos direitos lhor os nossos usuários e garantir um local
desses usuários, avançar nos direitos dos de trabalho e possamos efetivar o que es-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


nossos trabalhadores que ainda vivem, ain- ses trabalhadores, o que esses psicólogos
da enfrentam dificuldades. Este espaço é propõem. Tivemos muitos avanços, mas é
ideal para que possamos conversar, dialo- necessário avançar ainda mais. Para que
gar e ampliar as nossas discussões, trazer esses trabalhadores consigam dar o seu
as nossas angústias, pensar melhoras, para melhor, precisamos de uma política melhor,
que possamos avançar. O Conselho Munici- ou seja, ela é muito bonita, ela é muito linda,
pal de Assistência Social está aberto para mas ela precisa realmente ser efetivada na
estar junto, discutindo. Porque é só junto sua essência. Muito obrigada e que tenha-
(conselho, secretaria, usuários, trabalha- mos um bom trabalho no dia de hoje.
12 Telma Sandro Augusto de Souza
Coordenadora da frente parlamentar estadual
em defesa do (SUAS) em São Paulo.

Meu bom dia a todos, a todas, meus cumprimen- que eu não me tornasse deputada nesta última
tos à mesa. Queria falar que dificilmente estou eleição. Faltaram dois mil votos. Como eu tenho
numa mesa onde nós mulheres somos majori- 35 anos de vida pública, e tenho uma experiên-
tárias, e eu queria uma salva de palmas, porque cia, a maior foi quando fui prefeita de Santos,
nós estamos no mês da mulher, e o meu compa- quero informar para vocês que eu sou bruxa, e
nheiro aqui vai ter que fazer das tripas coração, logo, logo, vou estar de volta lá antes de com-
para poder resistir no meio de nós todas. Em pri- pletar este mandato. Quero terminar a minha
meiro lugar, muito obrigada pelo convite. E a mi- fala dizendo o seguinte. Nós conseguimos fazer
nha saudação é no seguinte sentido, no Estado a votação em primeiro turno, da PEC1. A PEC é
de São Paulo, nós temos uma lacuna imperdoá- uma proposta de emenda constitucional, e nós
vel que precisa ser corrigida, muito rapidamente, já passamos em primeiro turno, falta mais uma
na nossa constituição. A Constituição do Estado votação. O fato de eu não ter o mandato não
de São Paulo define a Assistência Social usando significa que vocês não tenham me dado auto-
o critério de promoção social e de assistência ridade para continuar fazendo essa luta. Esta-
pura, exclusivamente. E nós, assistentes sociais, mos para fazer a segunda votação, e mais ainda,
psicólogas professoras, enfermeiras, que traba- estamos pedindo uma sugestão dos trabalha-
lhamos com todas as atividades correlatas, com dores do setor, para fazermos uma reunião com
a franja mais deserdada da sociedade, precisa- o secretário atual, para mostrarmos as razões
mos definitivamente ter na nossa carta magna de querer a votação dessa lei o quanto antes.
a informação de que Assistência Social é direito Fizemos, em dois anos e meio de discussão, o
do ser humano e dever do Estado. isso precisa máximo que pudemos. Entendemos que à medi-
estar colocado com clareza na nossa lei, senão da que cada um, cada uma vem para essa luta,
vamos ficar presos ao assistencialismo, ao pri- é mais um usuário que está protegido, é mais
meiro-damismo, por mais gentil que seja a primei- um direito que é respeitado, e é principalmente
ra-dama de um lugar. Assistência social é muito mais uma possibilidade de construir uma so-
mais do que isso. Assistência social é o exercício ciedade mais justa, mais igualitária. Nós somos
pleno da cidadania, e os CRAS e os CREAS não essenciais, as nossas profissões são essenciais
conseguem dar conta de tudo que têm que fazer, nessa caminhada. Peço a vocês que entrem no
à medida que não temos até agora uma lei maior site do FETSUAS, onde está a íntegra da nos-
que possa estabelecer essa multifuncionalidade sa legislação, da PEC que foi construída basica-
que tem que existir para podermos fazer cumprir mente com as nossas ideias e com a redação
o direito ao cuidado, ao aconchego, a tudo aquilo da Aldaíza Sposati, conhecida por todos nós. E
que nos foi mostrado no início da nossa sessão. termino dizendo da necessidade de as pessoas
Por isso, há dois anos e meio, temos um grupo contarem com um Estado de direito transparen-
de trabalho na assembleia, para fazer com que te, tranquilo, sem protecionismos antiquados,
a lei seja mudada. Ela precisa ser mudada. É o para que possamos efetivamente construir um
único Estado no Brasil que não tem essa com- futuro melhor para nós, para os nossos filhos e,
preensão do significado de Assistência Social, no meu caso, para os nossos netos.
mesmo com 10 anos de SUAS e mesmo com as
leis federais. isso significa que o Estado não terá
acesso a todos os envolvimentos e à capilarida- 1 Proposta de Emenda à Constituição n° 4, de 2014 (PEC 04/14 ),
Dá nova redação à Seção iii do Capítulo ii do Título Vii da Cons-
de para transferência de recursos. Quis a vida tituição do Estado, que dispõe sobre a Assistência Social.
Naiara Carneiro Teixeira 13
Coordenadora do Fórum Estadual de Trabalhadores e Trabalhadoras
do Sistema Único de Assistência Social em São Paulo (FETSUAS-SP)

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Bom dia a todos e a todas. Quero primei- bem difíceis, e precisamos da mobilização
ro parabenizar o CRP, pelo evento que ce- desses trabalhadores, pois tem que partir
lebra os 10 anos do SUAS, os 10 anos da também desses trabalhadores a defesa e
política nacional, e queria, como coordena- a concretização desse sistema. Acho que
dora do Fórum Estadual de Trabalhadores, só a mobilização é que vai trazer frutos
parabenizar especialmente o trabalhador para consolidar e concretizar essa política
Joari Aparecido Soares de Carvalho, que é que traz um caminho talvez mais seguro
um dos fundadores do Fórum Estadual de para combatermos a desigualdade social.
Trabalhadoras e Trabalhadores do SUAS Fórum estadual é uma instância estadual,
em São Paulo, e tem uma dedicação incrível mas trabalhamos para que existam fóruns
e especial. Deixo aqui meu agradecimen- municipais, e queremos que os trabalhado-
to e parabéns pelo evento. O Fórum é um res locais se mobilizem. Estamos sempre à
movimento social dos trabalhadores des- disposição para auxiliar, para apoiar essa
sa política, existe desde 2011, e através mobilização e acho que esse é o papel do
desse espaço queremos mobilizar os tra- Fórum. Quero agradecer ao CRP e às de-
balhadores e os usuários, enfim, todos os mais entidades que fazem parte da coor-
envolvidos com essa política, para tentar denação deste Fórum, eu acho que sem

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


intervir, ter uma atuação mais participativa, isso não seria possível avançar o tanto que
na construção e consolidação de um SUAS avançamos, as mobilizações que fizemos.
mais democrático, que ouça as pessoas, E o CRP tem uma contribuição importante.
que ouça os usuários, e especialmente No Estado de São Paulo são quase seis mil
ouça e respeite e valorize os seus traba- psicólogos trabalhadores do SUAS e o CRP
lhadores. Afinal de contas são esses traba- tem dado um apoio técnico, crítico e político
lhadores a força motriz do sistema. E esses fundamental para esse sistema. Parabéns
trabalhadores precisam ser reconhecidos pelos 10 anos do SUAS e que a gente tenha
e valorizados. Sabemos que as coisas são muitos 10 anos pela frente. Obrigada.
14 Wanderley Aparecido Turine
Coordenador do Fórum da Assistência Social da cidade de São Paulo

Bom dia. O vídeo que nós vimos há pou- acabam chegando à central para debater-
co nos diz que mais do qualquer análise mos. Toda essa introdução me reporta a
de conjuntura, em qualquer situação com 10, quase 11 anos atrás. Alguém que faz
que nos deparamos na nossa vida, se não parte aqui dessa plenária esteve em Bra-
formos iluminados pela teoria, indo direto sília, em setembro de 2004. Nessa ocasião
para a prática, pouco vamos fazer nessa eu fazia parte do Conselho Municipal de
missão que temos neste mundo. O Fórum Assistência Social e, como representante
de Assistência Social é um dos segmen- desse conselho, participei da implantação
tos que tenta fazer alguma coisa para que do SUAS. Em 2005, víamos aquela crian-
essa ação efetiva na área social aconteça. ça nascer e hoje ela está com 10 anos, e
O Fórum existe há 22 anos. Nós temos um merece todos os cuidados, porque ela já
encontro mensal, e esse encontro articu- andou, já falou, mas tem muito que de-
la as organizações sociais, trabalhadores senvolver. Vocês da área da psicologia,
e usuários. A finalidade é justamente a como conhecem o desenvolvimento hu-
luta pelas políticas públicas, com a visão mano, entendem o quanto já se conquis-
da Assistência Social. E muito temos que tou. Mas muito tem que ser conquistado
fazer, são muitos desafios. No momento e superado. O papel dos psicólogos é um
atual temos o chamado marco regulató- papel fundamental para que isso aconteça,
rio, que vai definir muitas regras a partir para que a gente tenha mais vida. O SUAS
do dia 1º de agosto. Qual é o papel que é para aqueles que mais precisam, e nós,
as organizações sociais têm diante desse enquanto trabalhadores, enquanto usuá-
marco regulatório? Será que o Estado vai rios, temos que gerar vida, porque sem isso
continuar usando a chibatada, em relação nós vamos passar por este mundo e essa
à sociedade civil? Ou nós vamos começar a brecha vai ficar. E olhando aqui, deparando
ser ouvidos? Os trabalhadores que têm um com as cabeças, com os corações de cada
papel fundamental nessa vida, na missão um de vocês, penso o quanto já fizeram e
das organizações e, sobretudo, no atender, ainda estão por fazer, na sua missão pes-
no entender esse ser humano com que nós soal, na sua missão coletiva. Nós acredita-
nos deparamos do 0 até os 90, 100 anos, mos que este seminário vai proporcionar,
seja da baixa, seja da alta vulnerabilidade vai provocar algumas questões que devem
social. São questões com as quais o Fórum ser repensadas, e pedimos a Deus que isso
de Assistência Social tem se defrontado. aconteça. Parabéns a CRP pelo seminário e
Toda segunda-feira nos encontramos na parabéns pela acolhida aqui da universida-
câmara dos vereadores, mas nós também de, e dois dias bastante felizes e de bas-
temos os polos regionais, cujas questões tante produção. Muito obrigado.
Magali Pereira Gonçalves Costado Basili 15
Sexecutiva da Frente Paulista dos Dirigentes Públicos
Municipais de Assistência Social.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Bom dia a todos, bom dia a todas, é uma política, para que viemos. É necessário nós
alegria imensa ver este auditório repleto conhecermos realmente essa política. É ne-
de pessoas interessadas nessa política cessário que a academia esteja presente,
pública tão importante. Quero aqui agrade- A academia deve estar conversando cons-
cer ao conselho pelo convite e parabenizar tantemente com a gestão, para que a gente
pela iniciativa. Quero aqui também cumpri- possa fazer uma troca de conhecimentos,
mentar os meus colegas de mesa, e cum- uma troca de saberes, pois sentimos uma
primento Marina que está representando dificuldade muito grande na organização
o secretário estadual Floriano Pesaro. Nós das prefeituras. Mas não adianta nós só
da Assistência Social estamos vivendo mo- tratarmos dessa questão no banco de es-
mentos de muita alegria, com relação ao cola. Nós fazemos a discussão da política
Estado, porque o Estado de São Paulo pas- dentro da porta fechada, dentro do CRAS,
sou por momento difíceis, e hoje nós temos dentro do CREAS, nós fazemos a discussão

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


a frente como operador do SUAS uma pes- lá nas mesas de negociação da CiB, da CiT,
soa que realmente vivencia a nossa política. das quais participamos enquanto represen-
Essa é uma política muito nova, pois como tantes dos municípios, mas não temos a
disse o meu antecessor, o SUAS só tem 10 percepção de chegar lá na ponta, e termos
anos, ou seja, nasceu há 10 anos, porém ele a afinidade de tratar com aquela população
vem sendo pensado há mais tempo. Nes- tão deserdada, que precisa do nosso tra-
ses 10 anos a gente percebe que ele já está balho. Fazemos parte do COEGEMAS, que
robusto, nós já temos legislação, ele já se é o Colegiado Estadual de Gestores Muni-
transformou num sistema, e nós já temos cipais da Assistência Social, e fizemos um
profissionais reconhecidos pela lei. O psi- acompanhamento dos 645 municípios do
cólogo é um profissional do SUAS reconhe- Estado. E fazemos parte também do CON-
cido pela lei, o advogado é um profissional GEMAS, que é o colegiado nacional. Neste
do (SUAS) reconhecido pela lei, o pedagogo Brasil imenso, nós temos as mais variadas
e tantos outros estão na resolução. Agora, demandas territoriais, as mais diversas po-
que se passaram 10 anos, que nós estamos pulações, as mais diversas culturas, e nós
conferindo tudo aquilo que foi construído temos um único sistema, e esse sistema
por todos nós, nós temos que planejar, e tem que ser implantando desde lá de cima
planejar com o pé no chão. E esse plane- no município do Acre, até lá embaixo no Sul.
jamento não pode ser feito de forma indi- No próprio Estado de São Paulo nós temos
vidual. Ele não pode ser feito por um único diferenças enormes. Mas nós temos que
profissional, ele tem que ser feito por mui- implantar esse sistema. E para isso nós te-
tas profissões. E para que ele seja feito por mos que dialogar muito, temos que conver-
muitas profissões, é necessário que haja o sar muito. Tivemos nesta semana o encon-
reconhecimento de cada um de nós, e cada tro de gestores do Sudeste, onde o tema
um de nós saiba por que estamos nessa foi a implementação do SUAS, na prática
16 cotidiana da gestão pública, porque aí está curso público para psicólogo nos municí-
a nossa grande dificuldade. E eu gostaria pios em geral. E aí o psicólogo faz a prova,
de deixar esse desafio, de pensarmos mui- com foco na psicanálise, normalmente é
to nisso. Nós temos diversos problemas assim, e vai trabalhar no CRAS e no CREAS,
na gestão como um todo, nós temos um ou vai trabalhar em Educação. Então são
pacto federativo que ainda não é cumpri- muitos desafios que nós temos que pensar,
do. E isso acaba criando muitas vezes um eu não vou me estender, porque é muito di-
clientelismo, não só na área da assistência, fícil falar do (SUAS) e falar pouco. Porque é
mas em todas as áreas em que os recursos uma política que vibra no nosso coração.
municipais são levados para a esfera fede- Mas eu desejo então a todos vocês um dia
ral, e aí o município é obrigado a pedir pelo de muito trabalho, de muita reflexão, e que
amor de Deus para que esse recurso volte ao saírem daqui amanhã, vocês possam ter
para ele. Como é que nós implantamos uma propostas efetivas para levar para a Con-
política pública se nós não temos recurso ferência Nacional de Assistência Social,
financeiro? Nós temos hoje a NOB-RH, que que acontecerá em dezembro, para brigar
nos facilita, nos direciona, mas temos que e que a gente possa colaborar na constru-
pensar nas estruturas dos municípios, na ção dessa política. Agradeço a todos e um
legislação municipal. Nós abrimos um con- bom dia.
Valéria Cristina Lopes Princz 17
Secretária geral do Sindicato dos Psicólogos
do Estado de São Paulo

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Bom dia a todos e a todas. É com muito a moradia. isso tem feito com que o psicó-
prazer que participo desta mesa. O Sindi- logo cada vez mais se aprimore, cada vez
cato dos Psicólogos vem a cada dia pro- mais busque informação, e cada vez mais
curando estar nos espaços onde a gente saia dos seus redutos. Temos tido traba-
se depara com trabalhadores e com muitos lhos muito interessantes, e que, e o próprio
de seus problemas. Temos observado que CRP tem cada vez mais valorizado. Perce-
o trabalhador da Assistência Social ainda bemos isso na Mostra de Psicologia, a pro-
tem dificuldade de se identificar enquanto posta dos vídeos, e o quanto que tudo isso
trabalhador do SUAS, mas que, a gente per- nos estimula enquanto profissional para
cebe que espaços como esse fazem com cada vez mais desenvolver práticas dife-
que a gente acabe se identificando cada renciadas e que de fato valorizem o tra-
vez mais com o sistema. Eu acho que esses balhador, valorize o usuário, e que a gente
espaços fazem com que, de fato, a gente consiga de fato dar protagonismo ao usu-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


reflita sobre qual é o papel do psicólogo ário. Temos participado das instâncias de
na Assistência Social. Ainda tem algumas controle social, estamos nas conferências,
questões que precisam ser trabalhadas, a nos fóruns, e acho que isso faz com que
gente percebe que nos equipamentos ain- a gente comece a agregar mais profissio-
da tem aquela coisa do assistente social nais. O sindicato tem como cerne a defesa
estar no primeiro plano, embora eu avalie, dos trabalhadores. E uma das coisas pe-
até falo por mim, que sou trabalhadora do las quais temos batalhado é pela instala-
SUAS e trabalho com as assistentes so- ção das mesas de negociação do SUAS.
ciais, que o SUAS é uma política que faz Tem isso e é efetivo no SUS, mas ainda no
com que de fato a gente tenha que traba- SUAS, estamos caminhando. E por último
lhar com outras categorias. Nós psicólogos quero informar que o Sindicato dos Psicó-
conseguimos fazer um bom trabalho com logos está produzindo um vídeo, o quinto
outros profissionais dentro da Assistên- de série A Nau dos Insensatos, sobre As-
cia Social. Porque de fato nós temos que sistência Social e Economia Solidária, que
trabalhar com assistência, trabalhar com vale a pena conhecer. Agradeço a oportuni-
a previdência, trabalhar com a Saúde, não dade e que nós tenhamos dois dias de mui-
esquecer jamais a Educação, trabalhar com ta discussão e aproveitamento.
18 Ghislaine Gliossi da Silva
Coordenadora geral de psicologia da Universidade Paulista

Obrigada Elisa, obrigada plateia, obrigada a to- estatuto da ABEP (Associação Brasileira de En-
dos aqui presentes. A Universidade Paulista se sino em Psicologia), e acredito que com o CRP,
sente muito satisfeita de ter sido procurada pelo ABEP e os bancos universitários, nós podemos
CRP para que este evento fosse realizado aqui. ter o SUAS ou políticas públicas. E faço questão
Eu diria para vocês, como coordenadora geral de de ler aqui um trecho da dissertação de mestra-
26 cursos de psicologia da Universidade Paulis- do da vice-reitora de graduação da UNiP, a dou-
ta, mais ou menos 26 mil alunos, por todo Estado tora Marília Ancona-Lopez, que fez um estudo
de São Paulo e fora do Estado de São Paulo, em sobre as clínicas psicológicas. E vou ler um tre-
Brasília, Goiânia e Manaus, eu diria a vocês que chinho da conclusão dessa tese que é de 1981.
tudo começa, na carteira, na sala de aula. Tanto “Conclui-se que as clínicas não preenchem suas
para o psicólogo quanto para o assistente so- funções sociais. Atender às necessidades da
cial. Também sou diretora do instituto de Ciên- população que as procura e atuar como agentes
cias Humanas da Universidade Paulista. E tenho de modificação social. São utilizadas para aten-
sob a minha responsabilidade, com os coorde- der às necessidades do sistema que individuali-
nadores de curso, os professores e os alunos, za problemas sociais. Os conflitos decorrentes
da formação de psicólogos, de assistentes so- dessa utilização são agravados por problemas
ciais e de pedagogos. E juntos, temos feito esse técnicos, teóricos, de identidade profissional e
trabalho, que tem que começar na sala de aula, estabelecimento do campo de competência do
para que possa existir o SUAS, porque, senão, a psicólogo. Diante desses conflitos, as institui-
guerra pelo saber, pelo fazer, continuará dentro ções e profissionais adotam posturas defensi-
do SUAS. Como o psicólogo fala de psicanálise, vas que se refletem em problemas de organi-
o assistente social só fala de Marx. Se isso não zação e isolamento.” Nessa época, a doutora
começar na semente, naquele primeiro ano dos Marília Ancona-Lopez ocupava o cargo que eu
bancos escolares do universitário, isso vai con- ocupo hoje. Hoje ela é a vice-reitora de gradua-
tinuar e não haverá política pública. Porque o ção da Universidade Paulista. Recentemente, no
egocentrismo de cada profissional impedirá que campus da Universidade Paulista de Araçatuba,
isso aconteça. Nós hoje, dentro da Universidade nós tivemos um problema sério com o SUAS. A
Paulista, em cada instituto, e eu represento aqui procuradoria do Estado nos procurou em razão
o instituto de Ciências Humanas, nós fazemos do não atendimento pelo SUAS de 350 crianças
junções de disciplinas afins. Então alunos de e jovens que estavam sem atendimento há 1, 2,
primeiro ano de psicologia, de serviço social, de 3 anos e tinham sido encaminhados por diver-
pedagogia, de secretariado executivo, de turis- sas outras instituições, outros profissionais ou
mo, de hotelaria, todos sentam juntos pelo me- até escolas. E a UNiP foi procurada e fizemos um
nos em uma disciplina em cada semestre letivo. plantão psicológico de agosto a dezembro de
Nós chamamos aqui na Universidade Paulista, 2014 e atendemos as 350 pendências do CRAS
de disciplinas de junção. E nesse seminário, que ou do SUAS, por nós todos, psicologia e serviço
é mais do que uma aula, onde estamos ora com social, alunos estudantes do oitavo semestre,
estudantes de psicologia, estudantes de serviço nono semestre, décimo semestre de psicologia
social, estudante de pedagogia, de secretariado e de serviço social. Bom, espero que este semi-
ou de turismo, debatemos o homem, a pessoa, a nário seja frutífero para aquelas pessoas que
comunidade, o grupo. E faço questão aqui, neste nos procuram, para que a psicologia pela qual
momento, para ser breve, de me posicionar. An- eu luto há 40 anos... Luto pelos grupos e comuni-
tes e durante a década de 1970, fui conselheira dades da nossa sociedade por um atendimento
do CRP. Trabalhei com a Ana Bock, para criar o coerente e não individualizante.
Marina Amadeu Batista Bragante 19
Coordenadora de gestão estratégica da Secretaria de Desenvolvimento
Social do Estado de São Paulo, representante do secretário de
Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo Floriano Pesaro.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Obrigada. Bom dia a todas e a todos, bom çar objetivos comuns e conhecimentos com
dia aos colegas da mesa. O secretário Floria- olhares distintos. A psicologia compreende o
no pediu que eu viesse representá-lo neste homem como um ser social por natureza, que
evento e para mim foi um pedido bem espe- aprende a ser nas relações com outros indi-
cial, porque foi sobre a batuta dele na Se- víduos e ao se apropriar da realidade em que
cretaria Municipal de Assistência que eu co- vive. Sendo assim, a gente entende a contri-
mecei o meu trabalho no SUAS há 10 anos. buição da psicologia para o (SUAS), que ela
Fui trabalhar na Secretaria de Assistência, também reside na possibilidade de encontrar
fruto de um trabalho que fiz no CRP no Ban- novos caminhos e novas formas de interação.
co Social de Serviços em Psicologia, que foi O trabalho do psicólogo é peça chave no em-
o início do CREPOP. Então, acho que temos poderamento e na superação da vulnerabili-
um caminho pessoal e um caminho também dade e da violência. Aproveito também para
no SUAS e vamos trabalhar bastante nesses provocar, assim como a professora, a acade-
próximos dias. Na última semana, sentamos mia, porque acho que fica aqui uma reflexão
na secretaria com as psicólogas e com o se- de como formamos os nossos alunos no es-
cretário, para pensar a fala dele aqui. Como paço clínico, mas não só nesse. Temos aí tam-
homem público que ele é, esteve em Brasília bém um bom tema para discussão nos próxi-
há uns 20 dias como deputado federal, votan- mos dias. Finalmente, tenho clareza que são
do naquela ocasião o PL que propunha as 30 eventos como este que nos ajudam a refletir

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


horas para os psicólogos, votando contra o sobre as experiências que já foram realizadas
adiamento da proposta. E acho que cabe aqui e também fazer propostas para o futuro que
pensarmos que talvez seja essa uma luta que podem contribuir para o desenvolvimento da
pode nos aproximar das assistentes sociais, política pública do SUAS e também sensibili-
para aprender como se conquista esse direi- zar os gestores públicos. Desejo um bom se-
to. Agora temos o desafio de conseguir tra- minário para vocês e bom trabalho.
20 Joari Aparecido Soares de Carvalho
Conselheiro do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.

Para concluir a abertura, agradeço pela re- guntas, os desafios, as dificuldades que en-
ferência feita aqui a mim, mas gostaria de frentamos. Então, é importante destacar que
repartir com todos e todas, porque sou um é um trabalho coletivo. Nós fazemos parte
profissional como vocês nesse desafio de de projetos coletivos: um projeto da nossa
levar adiante a Política de Assistência So- profissão de psicologia, um projeto coletivo
cial. Também queria destacar o trabalho que de trabalhadores da Assistência Social, um
cada uma e cada um dos colegas do Núcleo projeto coletivo das políticas públicas! Pas-
de Assistência Social e pessoas, como Rita, so a palavra para o colega Vinícius Cesca de
Rosário, Paula, Joaldo, Ariel, Luzia, igor, Giseli, Lima, psicólogo que recentemente defendeu
Fernando, Bruno e Vinicius, que assumiram uma dissertação de mestrado muito perti-
o compromisso dentro da atual gestão do nente para o que estamos discutindo (Psico-
Conselho de levar e tocar o debate, e não só logia da pobreza e pobreza da psicologia: um
aqui no evento, mas todos os dias quando estudo sobre o trabalho de psicólogas(os)
pintam as orientações nas subsedes, as per- na política pública de Assistência Social).
Conferência de abertura 21

Vinícius Cesca de Lima

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Psicólogo, membro do Núcleo de Assistência Social do CRP SP, representante do CRP SP no
Conselho Estadual de Assistência Social de São Paulo em vaga de trabalhadoras(es) do SUAS.

Prosseguindo os trabalhos, vamos dar iní-


cio à conferência de abertura, com o tema:
A subcidadania e o sofrimento psíquico,
e para contextualizar, a conferência tem
como finalidade introduzir uma reflexão
mais específica em relação a um elemen-
to que está no tema do seminário, que é
o enfrentamento da desigualdade social. A
conferência tem a finalidade de dizer que
desigualdade é essa, para começarmos
uma reflexão aqui no seminário, que depois
vai reverberar nas demais atividades. Em
relação a essa realidade social brasileira,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


como se configura historicamente esse pa-
drão que estamos chamando de subcida-
dania, como se dá o acesso precário e nulo
em muitas ocasiões. Como se configura no
País o acesso a bens, serviços, produção
de riqueza, dimensões subjetivas, elemen-
tos psicossociais que estão envolvidos
neste processo. Ao tratar dessas ques-
tões, a conferência tem a finalidade de di-
zer desses elementos que estão presentes
no processo cotidiano de trabalho das psi-
cólogas e dos demais trabalhadores e tra-
balhadoras do SUAS. Para nos brindar com
as suas reflexões sobre esse tema, quere-
mos convidar a professora Doutora Bader
Burihan Sawaia da PUCSP, e o Professor
Doutor Sílvio José Benelli da Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP de Assis.
22 Bader Burihan Sawaia
Socióloga. Profa. Titular do Programa de Psicologia Social da PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa: A
Dimensão Psicossocial da Dialética Exclusão/inclusão, da PUCSP (NEXIN). Membro do GT/ANPEPP. A Psicologia
Sócio Histórica e o Contexto Brasileiro de Desigualdade Social. Líder do grupo de pesquisa do CNPq sobre o afeto
na análise e intervenção em questões sociais. Organizadora, dentre outros, do livro As Artimanhas da Exclusão e
autora do texto O Sofrimento Ético-Político como Categoria de Análise da Dialética Exclusão/Inclusão. Desenvolve
pesquisas sobre a dimensão política das emoções e sobre a ação da(o) psicóloga(o) no SUAS.

Quero agradecer muito a honra e a oportuni- ao CREAS, onde o psicólogo se sente mais
dade de participar deste importante evento, e confortável, pois prevê um atendimento mais
a felicidade com o tema, dessa nossa mesa especializado. O CRAS obriga a psicologia a
sobre cidadania e sofrimento. O CRP tem tido transformar os pressupostos que já vinha de-
uma ação muito importante na direção de co- fendendo, para superar críticas feitas desde
locar a psicologia na superação da desigual- os anos 70, sendo Sílvia Lane, vanguarda no
dade, e é um pouco disso que vou tratar. Vou Brasil, críticas à naturalização do fenômeno
iniciar lembrando o que já foi dito. O impacto psicológico, e atrelado a ela o psicologismo, a
na sociologia desse momento importante co- patologização das questões sociais. Quero
meçou há 10 anos, quando nos ingressou ressaltar aqui uma dimensão importante para
profissionalmente na política pública de As- efetivação dessas mudanças pelas quais ba-
sistência Social. Uma ciência que até então talhamos. Não só temos problemas de ges-
tinha lugar nas políticas públicas exclusiva- tão, de lutas políticas, de relações de poder,
mente na Saúde, agora se depara com a As- lutas de classe, mas quero centrar aqui numa
sistência Social. Não vou entrar nos fatores questão que sintetiza todas elas, a questão
que favoreceram tal ingresso, são inúmeros, epistemológica, ética e política. Tanto que
vários já apontados aqui, desde as críticas in- nós estamos aqui, num evento promovido
ternas à psicologia, endossadas e operacio- pelo CRP que discute desigualdade. E coloca
nalizadas pelo CPF, até pela ação dos assis- como tema, não só doença mental, mas a
tentes sociais, que por sua vez, representam subcidadania. O que isso significa para a psi-
movimentos sociais, políticos, Diretas Já, inú- cologia? Trabalhar na assistência obriga o
meras questões sociais. Quero ressaltar aqui psicólogo a abandonar os seus conhecimen-
o impacto dessa entrada no campo da prote- tos sobre subjetividade, psiquismo, pois es-
ção social, a pressão que ela exerce, levando- sas dimensões do humano são classicamen-
nos a pensar e exigir uma mudança imediata te consideradas antagônicas aos fenômenos
do que vinha se delineando vagarosamente, sociais ou ainda como supérfluas e irrelevan-
quero transformar o foco de pesquisa e de tes quando se trata de enfrentar a pobreza.
atuação na psicologia de distúrbios emocio- Daí o chavão reducionista de que é preciso
nais, psíquicos, para pobreza e para desigual- distribuir a renda para depois pensar em
dade. A psicologia passa a ter como centro de questões psicológicas como liberdade e feli-
intervenção os problemas sociais, se me per- cidade. O ingresso no SUAS representa o re-
mite uma liberdade semântica, a doença so- conhecimento da subjetividade como dimen-
cial. O SUAS, além de nos colocar essa mis- são importante das questões sociais. Está
são, nos oferece um espaço privilegiado, para comprovado na legislação, que coloca como
atuar no Brasil todo, em um sistema único, um dos objetivos o fortalecimento da subjeti-
universal, e pensar questões de universalida- vidade, participação comunitária, convivência
de, singularidade. Temos que aproveitar essa familiar, também está na definição do usuário,
oportunidade. Vou me ater aqui ao CRAS, não que confere destaque à família e indivíduos
com perda de fragilidade, de vínculos de afe- distúrbios psíquicos que prejudiquem a or- 23
tividade, pertencimento, convivência, identi- dem social, um papel de higienização da so-
dade estigmatizada, etc. Por outro lado, é ciedade por meio de internações e processos
preciso ressaltar que esse reconhecimento de readaptação, fruto da concepção de que o
também não significa o triunfo da subjetivi- social afeta a subjetividade. Esse posiciona-

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


dade, não significa que a subjetividade seja o mento ajudou a construir cientificamente e a
centro e a gênese dos problemas sociais e da fixar em nossas teorias a ideia de que a desi-
superação da desigualdade, ou o principal gualdade é natural e outros conceitos decor-
obstáculo e bloqueio à transformação social, rentes, como o de que a família pobre é de-
alimentando um pouco o ideologismo da sub- sestruturada, negligente, a infância pobre e a
jetividade. Hoje, todos os problemas são de adolescência, a essência patológica, se dei-
ordem subjetiva. Essas duas dúvidas, uma xada livre, irá realizar os seus desígnios doen-
tendendo ao sociologismo, e outra ao psico- tios e terá desordem. Foi nesse bojo teórico
logismo, revelam um falso posicionamento que se construiu uma proposta chamada de
epistemológico, que marca a história não só medidas socioeducativas, curativas dos de-
da psicologia, mas das ciências humanas e terminismos, para evitar que fossem degene-
sociais em geral. A falsa cisão entre objetivi- rados como os pais. Enfim, o que estou que-
dade e subjetividade, como se houvesse de rendo destacar é que não basta o
um lado a matéria pura, e de outro a alma, reconhecimento que a subjetividade afeta o
duas substâncias diferentes em que ocasio- social e é afetada pelo social. É preciso consi-
nalmente uma afeta à outra. Demerval Savia- derar o psicológico como questão social,
ni (2015) retrata com muito humor essa ten- como o serviço social conseguiu fazer com o
são entre a psicologia e a sociologia, ao fato da assistência. A Assistência Social não
hipotetizar o posicionamento deles. Segundo é caridade, é uma questão social. O que exige
ele afirma, “os homens fazem a história, mas que se discuta a concepção de subjetividade
a fazem em circunstâncias dadas, e são es- e da relação que existe entre subjetividade e
sas circunstâncias que importam”, enquanto objetividade, que pressupõe um subtexto éti-
o psicólogo fala, “o homem faz a história em co e político, que as fundamenta. Essa foi a
circunstância dada, mas é o homem que faz a questão que eu escolhi tratar hoje. Transfor-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


história”, e se perpetua esse debate como se mar o fenômeno psíquico em questão social
fossem questões incongruentes. Ao longo esbarra em questões epistemológicas e vai
desses 10 anos ou mais, tivemos a preocupa- além dos egocentrismos, das relações de po-
ção de evitar a cilada da tese de que é a cons- der entre os profissionais, ela está nos nos-
ciência que determina a existência, pois isso sos conceitos científicos. O objetivo é desta-
produziu ocultamento da problemática psí- car os danos da epistemologia separatista. E
quica nas questões sociais, e vice-versa. Do consequentemente da falta de reflexão políti-
lado do serviço social, de tanto circunscrever ca, ou de considerar que nós temos que ter
o terreno para evitar o psicologismo, o psico- uma teoria social que fundamenta a nossa
lógico permaneceu intacto. E do nosso lado, teoria psicológica. Quem já fez uma discus-
de tanto circunscrever o terreno da psicolo- são foi Maria Helena Patto, no livro de 2012,
gia, o social permaneceu intacto. Agora, para Formação de Psicólogos e Relação de Poder:
iniciar meu tema, preciso lembrar que não é sobre a miséria da psicologia. Ela é uma fonte
novidade o fato de a psicologia ser convidada inspiradora para isso. Considera que os da-
a tratar de questões sociais. Todos sabemos, nos do separatismo estão por trás de muitas
e foi muito bem denunciado, que ela tem uma das nossas reclamações e angústias, e até
longa e triste história nessa direção: a de mesmo de falsas expectativas. Está na difi-
exercer uma ação crucial no governo das sub- culdade do trabalhado interdisciplinar, da or-
jetividades. Considerar que a pobreza afeta a ganização de redes e na manutenção de al-
subjetividade como uma variável indepen- guns conceitos que nesse livro ela chama de
dente, que não pode ser alterada, mas ape- conceitos criminosos. Faz-nos pensar se es-
nas nos efeitos, caracteriza a política euge- ses conceitos não estão fossilizando, apesar
nista do início do século XX, uma concepção de todo nosso avanço, nosso empenho, as re-
que naturaliza o social e recorre à psicologia lações de poder, ali dentro deles. E mais, o se-
para intervir e para evitar que a pobreza gere paratismo fundamentalista transforma em
24 dilema imobilizador questões que são teori- com outro é um parceiro perpétuo do psiquis-
camente unidas e devem ser refletidas assim, mo singular. Estamos num momento impor-
Como exemplo, ela pergunta se é válido etica- tante de reflexão. São 10 anos de ações vito-
mente preocupar-se com o sofrimento psíqui- riosas. Vitoriosa da psicologia na Saúde,
co quando a queixa é fome. Essa pergunta vitoriosa do serviço social na Assistência So-
apresenta como dilema duas questões, como cial, a primeira lutando contra a desospitali-
se fossem antagônicas, quando na verdade, zação, a segunda lutando contra o assisten-
elas são da mesma substância, do mesmo cialismo, tirando-lhe o caráter de caridade ou
posicionamento político/ético. Perguntar se o criminalidade. Universalizando os direitos, po-
escutar da psicologia é válido quando a quei- rém essas conquistas, mesmo registradas
xa é fome, separa e hierarquiza necessidades em leis, não alcançaram a efetivação, e então
como se a necessidade do corpo, resolvida nós temos dificuldade de trabalhar em rede,
materialmente, não fosse um fenômeno polí- fazer a interdisciplinaridade. Mas em uma
tico e subjetivo. Quem apontou as mazelas banca da qual participei, ouvi algo muito inte-
do separatismo epistemológico no início do ressante, que me fez pensar muito. A autora
século foi Vygotsky, o pai da psicologia sócio- da tese fala que nós não conseguimos traba-
histórica de base marxista e deu indicações lhar juntos em algumas coisas, mas nós nun-
para superá-la. Ele falava: “Não podemos jo- ca paramos para refletir que nós trabalhamos
gar fora nada que a psicologia fez, precisa- juntos em outras. Nós nos aliamos na função
mos transformá-la, numa integralidade dialé- do controle, e nessa função a rede e a inter-
tica.” Segundo ele, “sem a psicologia a disciplinaridade funcionam. Acho que dentro
perspectiva do marxismo e da história da ci- dessa questão de interdisciplinaridade, de
ência seria incompleta, pois ficaria reduzida epistemologia disjuntiva, temos que ter muito
ao objetivismo”. E para destacar a transmu- claro como que ela está afetando a nossa re-
tação entre psiquismo e fenômenos sociais flexão sobre as repercussões sociais, porque
faz uma interessante pergunta: “É possível a nos criticam e constatam que estamos man-
mercadoria = uma coisa super-sensual (Marx) tendo esse caráter de disciplina e de controle.
sem o psiquismo?”. Por outro lado, afirma Essa análise motivou então a escolha que eu
Vygotsky, não se pode fazer psicologia sem tenho feito. Então, isso me leva a pensar que
uma teoria da sociedade, porque sem o co- a academia tem que contribuir, mudando con-
nhecimento da sociedade, não há compreen- ceitos, mudando referenciais teóricos. Como
são desse psiquismo. Vygotsky lutou contra o Boaventura fala, nós precisamos buscar
essas cisões entre universal e singular, mente conceitos desestabilizadores, olhar se eles
e corpo, e também lutou contra a busca por não estão fossilizados, trazendo ainda deter-
primazia, que na época ele julgava que era o minados conhecimentos que nos levam a fa-
que as ciências estavam fazendo. O grande zer aquilo que nós criticamos. Afinal, nossa
problema entre psicanálise, behaviorismo e ciência pode ser arrebatada e corrompida pe-
cognitivismo é que estudavam uma dimensão las determinações sócio-históricas, todos sa-
do homem importante, mas brigavam e dispu- bemos disso. Então, precisamos desenvolver
tavam pela primazia dessa categoria como nos nossos alunos, em nós mesmos, nos pro-
explicativa do homem. É só psicanálise, o ho- fissionais, a capacidade de refletir critica-
mem é só comportamento, o homem é só mente em conjunto na interdisciplinaridade.
cognição. A partir daí ele vai trazer um méto- Orientada por esses pressupostos, comecei
do dialético para podermos trabalhar com há algum tempo a buscar, a tentar seguir um
essa totalidade. Daí a sua proposta de subs- brado de Vygotsky que fala: “A psicologia tem
tituir o conceito de subjetividade por inter- que encontrar a sua mercadoria, ela não tem
subjetividade. Nos manuscritos, ele apresen- ainda conceitos semelhantes à de mercado-
ta a lei genética geral do desenvolvimento, ria como a de unidade pequena de análise,
afirmando que qualquer função psicológica capaz de abarcar a totalidade do fenômeno
aparece duas vezes, primeiro no social, de- psíquico social, capaz de conter o sofrimento
pois no psicológico, e nesse mesmo texto, ele individual, a exploração capitalista, a mais-
usa a expressão homo duplex, para indicar valia, em forma de pensamento, sentimento e
que o homem implica em dois em uma unida- ação.” E o Vygotsky fala: “Se queremos saber
de, pois o socius na forma de relações sociais por que a água apaga o fogo, não adianta de-
compor a água em seus elementos. O conhe- de passagem para essa clientela que é a po- 25
cimento está na unidade indivisível entre in- breza, especificamente? Então, dessa forma,
telecto e afeto.” Comecei então a me debruçar a palavra subcidadania, para referir-se aos
sobre a pesquisa dos meus orientandos, de que são alvos de políticas públicas, revela a
outros da área do serviço social, para rever contradição que caracteriza as políticas pú-

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


conceitos. E vou apresentar aqui três deles, blicas, dilacerada pela atenção entre ser lugar
vou usá-los para discutir os dois conceitos de compensação de baixos salários, e volta-
que estão na minha palestra, subcidadania e da à manutenção da ordem, e ser espaço de
sofrimento. São eles a dialética inclusão e autonomia conforme todos nós queremos e
exclusão, e sofrimento ético-político. E vou viemos trabalhando. Sofrimento ético-políti-
terminar apresentando um último que estou co também é outro conceito bastante divul-
elaborando, potência de ação, que tenho gado, que resulta da busca de um conceito
considerado que é mais amplo para substituir capaz de ser trabalhado por assistentes so-
uma categoria que é muito rica para nós: a de ciais, por sociólogos, por psicólogos, uma de-
consciência e de conscientização. Esse con- limitação de campo interdisciplinar sobre
ceito coloca a consciência para dentro do duas teorias, indicando uma subcidadania vi-
corpo e das emoções. O conceito de dialética venciada. Um conceito psicológico, mas que
exclusão e inclusão foi uma tentativa de criar desmascara a obscenidade presente na de-
uma unidade que sintetizasse uma visão de formação do indivíduo pelas condições so-
sociedade, para trazer para a psicologia so- ciais. Significa introduzir a contradição e do-
cial. Uma concepção para vetar a ideia de que minação no que há de mais singular e íntimo
marginalidade e exclusão são as categorias do sujeito (seus afetos), mas sem reduzir a
que devem orientar a nossa análise, porque mero reflexo passivo do real. Buscava um
elas colocam o excluído e o marginal para conceito que sintetizasse a relação homem/
fora, e não na sociedade. É um conceito para sociedade sem separatismo, como uma pala-
indicar que a lógica da ordem social na desi- vra linda, sentipensador, usada por Galeano,
gualdade é a inclusão perversa. É a inclusão se apropriando de um conceito de pescado-
pela exclusão sob a ideologia de que há justi- res da costa colombiana. Sentipensador não
ça na desigualdade. Não há exclusão de um separa sentimento de pensamento e qualifi-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


lado, e exclusão de outro, mas uma identida- ca aquilo que diz a verdade. A nossa língua
de. E essa concepção, essa unidade de análi- não permite tal construção, recorri ao concei-
se, aponta a subcidadania como norma, e não to de sentimento ético-político para delimitar
como exceção. A subcidadania é uma norma esse sofrimento que é exclusivo de uma situ-
para manter a ordem social. Nessa perspecti- ação de desigualdade social de inclusão-ex-
va, usar subcidadania para designar a popu- cludente ou de subcidadania. Essa demarca-
lação atendida pelo SUAS se situa no conflito ção não nega o sofrimento psíquico, mas
de interesses que caracteriza a nossa socie- indica um sofrimento que é da competência
dade, substituindo a visão de sociedade har- dos profissionais do SUAS. Esse sofrimento
mônica, a qual a psicologia busca adaptar os que é vivido como perda do futuro, desampa-
desviantes. Será que temos que contrapor ro, sem voz, sem valor, sem reconhecimento,
subcidadania à cidadania? Existe um ponto fatalismo. E que nos impede a reatividade
agressiva, vingativa, apressada no presente.
Portanto, um sofrimento desprivatizado e
despsicologizado, que é da competência de
usar subcidadania para designar todos os profissionais do SUAS. Por exemplo,
a população atendida pelo há pouco fui banca também de uma tese so-
bre o luto. E como que a Assistência Social
SUAS se situa no conflito de impede agora com as novas decisões de não
interesses que caracteriza a financiar compra de caixão, etc., sofrer pela
nossa sociedade, substituindo a morte de um ente querido é próprio da huma-
nidade. Mas não sofrer por não conseguir ter
visão de sociedade harmônica, a um tempo de luto? É ético-político. Daquela
qual a psicologia busca adaptar mãe que o filho é assassinado, e a polícia en-
os desviantes cobre, ela fica envergonhada, de ser um crimi-
26 essência, e não na contingência história. Mas
Essa demarcação não nega o é a contingência histórica que torna essa ne-
sofrimento psíquico, mas indica um cessidade negada. E é por isso que é na so-
ciedade que nós temos que lutar por ela. Mas
sofrimento que é da competência
ele muda o foco, e essa mudança de foco faz
dos profissionais do SUAS. Esse com que a gente consiga compreender que
sofrimento que é vivido como perda muitos dos direitos que definimos como es-
do futuro, desamparo, sem voz, sem senciais são naturais, é a sociedade que os
valor, sem reconhecimento, fatalismo. coloca e os nega. Portanto, muda o nosso
E que nos impede a reatividade foco de análise e atuação. O conceito de po-
tência, o conceito de sofrimento ético-políti-
agressiva, vingativa, apressada no
co, ele para ser trabalhado, devemos ficar
presente. Portanto, um sofrimento alertas, pois tenho visto vários artigos, e al-
desprivatizado e despsicologizado, guns deles me preocupam porque eu já vi ser
que é da competência de todos os considerado como a depressão do pobre. É
profissionais do SUAS. preciso cuidado, senão nós estamos nova-
mente separando o objetivo do subjetivo. Ele
é um sofrimento decorrente da condição so-
noso, etc., são dois tipos de sofrimentos dife- cial, que nos obriga a uma ação interdiscipli-
rentes. Esse sofrimento, eu não vou entrar nar, para não transigir nem com as condições
nisso, ele geralmente é indizível. indizível não sociais que o geraram, nem com o indivíduo
por ser inconsciente, mas porque ele não en- que sofre, o sentimento do eu. Portanto, ele
contra um espaço de narração do CRAS ou tem que ser olhado como dispositivo biopolí-
porque ele se naturalizou como fatalismo, de- tico de manutenção da opressão, mas tam-
samparo, é esse sofrimento que nós temos bém, como de superação. Por isso, ao ouvir-
que procurar ouvir. Será que a fome é sofri-
mento ético-político? Sim. Olhar a fome como
um sofrimento ético-político me leva a escu- O conceito de potência, o conceito
tar para além. Essa escuta psicológica para de sofrimento ético-político, ele
além do sofrimento físico. Para a ideia do des- para ser trabalhado, devemos
valor, das relações de poder, da mercantiliza-
ficar alertas, pois tenho visto
ção, e dependendo da forma como se atende
a essa queixa, mantém-se a pessoa na servi- vários artigos, e alguns deles me
dão ética. Por exemplo, um mendigo que recu- preocupam porque eu já vi ser
sava quentinha porque queria escolher o que considerado como a depressão do
comer, era considerado insano. Uma pessoa pobre. É preciso cuidado, senão nós
com fome querendo escolher o seu alimento. estamos novamente separando o
Quando ele estava indicando que para supe-
objetivo do subjetivo
rar a fome, esse sofrimento ético-político
pressupõe o direito de escolha. Bom, aqui eu
entrava um pouco nos subsídios desse con-
ceito, tanto em Vygotsky, como em Espinoza. mos, aos escutarmos as reclamações de
Eu fui buscar nesse filósofo de profunda origi- sofrimento, nós temos que ouvir também a
nalidade subversiva, como conciliar o pensa- potência. Não é só entender que a pessoa so-
mento marxista, com questões de ordem de fre porque falta. Para Espinoza, nós não agi-
análise do psiquismo, e de trabalhar o singu- mos buscando a vida porque nos falta algu-
lar sem perder a sua inserção no universal. Na ma coisa. O que nos motiva é a busca da vida,
concepção de Espinoza, que orientou a minha e não a falta. Não é só entender que eu sofro
concepção de sofrimento ético-político, direi- porque falta comida, porque sou explorado,
tos humanos são importantíssimos. Mas ele porque sou tratado como bicho, que é verda-
vai mostrar é um direito natural. Não depende de. Mas é considerar que ele deseja a potên-
de um dever ser, não depende da ação do Es- cia de vida, ele sofre porque essa potência
tado. Ele é um direito natural porque é da es- está obstruída pelas relações de servidão. E o
sência humana. Ele coloca a necessidade na que seria essa potência de vida? Eu acho que
é um conceito que pode nos ajudar a superar nuo para considerar que estávamos todos 27
cisões, muitas vezes mantidas no conceito de aqui lutando pela nossa vida. Vivemos em
consciência e conscientização. Para Espino- condições sociais de maus encontros, de ser-
za, nós somos seres de potência, e é isso que vidão, e nós estamos vivendo na ilusão de lu-
nos move, mais nada. Ele considera que não tar pela servidão, julgando lutar pela liberda-

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


existe o bom, o ruim, mas tudo que aumenta a de. É isso que eu queria que pensássemos um
minha potência. Essa potência, segundo ele, pouco, ou seja, o quanto que os nossos con-
está no corpo e na alma. Porque ele supera a ceitos não fazem isso: lutar pela liberdade
epistemologia separatista. Ela é da ordem quando estamos lutando pela servidão. Vou
das emoções e do pensamento. Para o meu dar alguns exemplos nesse sentido. Vamos
pensamento e para as minhas ideias serem pensar nas medidas socioeducativas. Ela po-
potentes, meu corpo também tem que ser po- tencializa? O que ela contém dentro dela? Eu
tente. E aí ele nos obriga a pensar o corpo na sei que temos várias experiências muito ricas
psicologia social principalmente, onde é qua- na operacionalização dela, mas o nome, me-
se negado. Ele apresenta, portanto, um con- didas socioeducativas, o que é, o que visa?
ceito mais abrangente. Que une o sentir, o Uma convivência familiar na sociedade, será
agir e o pensar, a criação, ação, e insere todas que ela não tem um conteúdo moral, de bio-
essas funções psicológicas na história. Pois a poder, de disciplinarização? Será que a gente
potência não é um estado, apesar de ser pró- não poderia substituir por encontros poten-
prio do homem que o motiva a viver, ela não é cializadores de vida, espaço com calor? Assim
uma essência inata e que vai orientar meu nós não estaríamos rompendo a cisão entre
desenvolvimento. Ela é processo que não tem público e privado? Talvez a gente pudesse até
um happy end, não é ser crítico que é ser po- pensar se todo esse nosso esforço contra a
tente. E ela só acontece nas relações sociais. internação não está gerando um circuito ma-
Não basta conhecer e refletir criticamente nicomial institucionalizado. Por que a gente
sobre as condições políticas. Conhecer é im- não oferece outra coisa, tem que ser só a fa-
portante para a autonomia, mas não o sufi- mília? Será que nós não podemos pensar em
ciente. Em minha tese de doutorado, há muito criar esses espaços de potencialização no
tempo, ouvi uma frase que ainda me alimenta público, no território, nos centros de interna-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


na busca desse conceito. Uma pessoa falou ção? isso tudo são discussões que vocês vêm
“você vem aqui falar, falar, nos levar a refletir, fazendo. Lugares de afeto, de acolhimento,
saber, a gente sabe que passa fome, que é pode ser, e ele tem que ser outra coisa que
explorado, nós não temos potência de ação”. essa cisão promove. Nós separamos, en-
O que seria essa potência de ação? Como ga- quanto na família temos convivência, amiza-
rantir essa potência de ação que não está só de, afeto, no território, temos a política. Ora, a
no pensamento? Espinoza fala: “Não se muda família tem que ser lugar de discussão políti-
uma paixão de fatalismo, de humilhação de ca. Direito de convivência na família é direito
desamparo, por ideias.” Nós sabemos disso. de pensar o povo como legislador. Fui trazen-
Tanto é que psicologia e serviço social, advo- do assim milhões de exemplos, para mostrar
gados, estão no SUAS trabalhando conjunta- como a nossa responsabilidade não é de-
mente. Também, esse conceito ajuda a en- monstrar a importância da subjetividade, mas
tender porque as pessoas continuam a não permitir que essa subjetividade continue
buscar a vida mesmo na opressão. Em tenta- a ser a dimensão fundamental da manuten-
tivas desesperadas de promover encontros ção da ordem social.
que componham seus corpos e mentes. Ago-
ra, vivemos na ilusão. Espinoza não era ingê-
a nossa responsabilidade não
é demonstrar a importância da
o quanto que os nossos subjetividade, mas não permitir
conceitos não fazem isso: que essa subjetividade continue
lutar pela liberdade quando a ser a dimensão fundamental
estamos lutando pela servidão da manutenção da ordem social.
28 Sílvio José Benelli
Psicologia pela FCL/UNESP, Assis, SP. Graduado em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia Ciências
e Letras, Lorena, SP. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase na docência (Psicologia Social e
Psicologia Clínica) e na produção de pesquisas a partir da Análise Institucional abordando os seguintes
temas: psicanálise do campo de Freud e Lacan, produção de subjetividade contemporânea, análise de
instituições totais e disciplinares, internato, seminário católico e formação do clero, políticas públicas para
crianças e adolescentes, políticas públicas sociais, conselhos municipais e entidades socioeducativas da área
de Assistência Social. Membro do Grupo de Pesquisa “Saúde Mental e Saúde Coletiva”, inscrito no diretório
de grupos do CNPq, linha de pesquisa “Subjetividade, Psicanálise e Saúde Coletiva”

Bom dia a todos que estão aqui presentes, diversos. Publiquei já diversos artigos e
as colegas psicólogas, os colegas psicólo- também publiquei um livro (Entidades As-
gos. Sou muito grato ao convite do CRP sistenciais Socioeducativas: a trama ins-
para participar da conferência de abertura titucional), que tem uma parte dessa pes-
deste evento que é tão importante. O meu quisa que desenvolvi de 2008 a 2010, que
muito obrigado, em particular, aos meus foi o tempo no qual eu ingressei na política
colegas do Núcleo de Assistência Social, da criança, e fui conhecer o SUAS e os con-
do Conselho Regional de Psicologia, por selhos, a Prefeitura Municipal e as entida-
esse convite. Vou falar aqui, a partir do des municipais públicas e privadas, esse
meu lugar de psicólogo, tanto como profis- universo da política da criança e da Assis-
sional, e também como docente, como tência Social. E esse livro contém uma par-
pesquisador, como supervisor de estágios te da minha contribuição para esse debate
profissionalizantes, porque os meus esta- sobre subcidadania e o sofrimento psíqui-
giários estão trabalhando na área da As- co. Fui pesquisar sobre as duas locuções, o
sistência Social, os meus projetos de ex- termo subcidadania e sofrimento psíquico.
tensão estão todos localizados nesse A primeira delas, subcidadania, nas minhas
campo, e me interessa também, de um pesquisas, me remeteu aos instigantes
modo particular, a política pública para trabalhos de Jessé Souza, sociólogo e pes-
crianças e adolescentes que, em boa medi- quisador que aborda o assunto em diver-
da, é executada também nos estabeleci- sos livros. inclusive, um dos seus trabalhos
mentos institucionais do SUAS. Eu traba- se chama justamente A construção social
lho na UNESP de Assis, no interior de São da subcidadania: para uma sociologia po-
Paulo. Lá eu também oriento pesquisas de lítica da modernidade periférica. O autor,
iniciação científica e de mestrado nessa em seus trabalhos, produz análises muito
área, investigando diferentes problemas.
Venho me ocupando da questão da Assis-
tência Social desde 2008, e também da po-
lítica da criança. Fui membro do Conselho
Os estudos de Souza são muito
Municipal de Direito da criança e do ado- pertinentes para instrumentalizar,
lescente, e representei esse conselho no teórica e tecnicamente, os
de Assistência Social, de 2008 a 2010, num psicólogos que atuam na Assistência
município de médio porte no interior do es- Social. Porque ele permite que nós
tado de São Paulo. Nesse período, desen- possamos compreender alguns
volvi uma ampla pesquisa de pós-doutora-
do, sobre entidades assistenciais que
processos psicossociais importantes
atendiam crianças e adolescentes que não e profundamente relacionados com
tinham cometido ato infracional. Desde en- o trabalho que desenvolvemos com
tão, eu trabalho na área, dos modos mais os usuários dessa política pública
interessantes, pois entendo que ele pre- questão do sofrimento psíquico, numa 29
tende explicar alguns processos de produ- acepção que me parece bastante precisa,
ção de subjetividade que não são eviden- e que poderia ser bastante própria do pro-
tes por si mesmos. Ele pretende explicar fissional psicólogo, nos mais diversos âm-
como é que se dá a construção social e bitos de atuação. O convite para tratar

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


subjetiva da subcidadania que, segundo desse tema me pareceu uma boa oportuni-
ele, é a condição de vida da ralé brasileira, dade para apresentar algumas de minhas
que é um nome de outro livro dele. Os es- análises, na intenção de contribuir para
tudos de Souza são muito pertinentes para este debate. A primeira questão que fui
instrumentalizar, teórica e tecnicamente, pesquisar é como essa locução, sofrimento
os psicólogos que atuam na Assistência psíquico, aparece no discurso oficial da As-
Social. Porque ele permite que nós possa- sistência Social. Fiz um levantamento da
mos compreender alguns processos psi- ocorrência dos termos sofrimento psíquico
cossociais importantes e profundamente em alguns documentos oficiais, disponí-
relacionados com o trabalho que desenvol- veis na internet, publicados pelo Ministério
vemos com os usuários dessa política pú- do Desenvolvimento Social (MDS) pelo
blica. Já a segunda locução, sofrimento psí- Conselho Federal de Psicologia, pelo Con-
quico, já me é muito mais familiar, sendo selho Federal do Serviço Social, e pelo CRP
São Paulo. Vou apontar muito rapidamente
o que encontrei em alguns desses docu-
não me parece muito comum mentos e manifestar um pouco a minha
surpresa e estranheza, pelo fato de o ter-
tratar do tema do sofrimento mo não ser muito comum. Na política na-
psíquico no campo da cional de 2004, o termo sofrimento não
aparece nenhuma vez. Na NOBSUAS de
Assistência Social 2005, o termo sofrimento também não
ocorre, nem a expressão sofrimento psí-
quico. No documento Parâmetros para atu-
mais comum no campo da psicologia. Con- ação de assistentes sociais e psicólogos

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


fesso que o tema que me foi proposto para na Política da Assistência Social, o termo
discutir com vocês, por um lado, me surpre- sofrimento aparece quatro vezes, duas ve-
endeu. Conhecendo a literatura da política zes nas páginas 21 e 36, e duas vezes na
da criança e a literatura do SUAS e os do- 37. Sofrimento aparece apenas uma vez no
cumento oficiais, inclusive os do Conselho documento Referências Técnicas para atu-
Federal de Psicologia e do Conselho Regio- ação dos psicólogos no CRAS/SUAS, um
nal de Psicologia, surpreendeu-me porque, documento de 2008. Nas orientações téc-
de um modo geral, não me parece muito nicas para o CRAS, publicadas pelo Minis-
comum tratar do tema do sofrimento psí- tério de Desenvolvimento Social em 2009,
quico no campo da Assistência Social. Pelo o termo sofrimento psíquico não aparece
menos para mim, nesses anos de trabalho, nenhuma vez. No documento do CREAS de
é a primeira vez que isso é colocado de 2011, publicado pelo MDS, o termo sofri-
modo explícito. Na área da Assistência So- mentos vem no plural, sem mais definições,
cial parece que teremos que lidar com os e aparece uma vez. No documento da tipi-
usuários, considerados enquanto indivídu- ficação nacional, aparece apenas uma vez
os dotados de razão, de vontade, até de a expressão, em uma frase: sofrimento físi-
sentimentos, mas sempre na ordem da po- co, sexual, psicológico ou dano moral, rela-
lítica, do plano social e político do Estado. cionado com a violência sofrida por mulhe-
E isso não é apenas uma impressão minha, res. A locução sofrimento mental ocorre
pois muitos documentos oficiais de orien- apenas uma vez na revista Diálogos núme-
tação para os trabalhadores afirmam que o ro 7, do Conselho Federal de Psicologia,
assunto sofrimento psíquico seria mais mas se refere particularmente ao sofri-
próprio da área da Saúde, da Saúde Men- mento mental dos policiais militares. No
tal, de um modo específico. Em minhas documento sobre A escuta de crianças e
pesquisas atuais, venho abordando a adolescentes envolvidos com situações
30 de violência e a rede de proteção (docu- sentidos. O sofrimento psíquico pode tra-
mento do CREPOP de 2010), sofrimento fí- duzir o termo pathos, pois esse vocábulo
sico e psíquico aparece na página 19, sofri- vem do grego e tem o significado de sofri-
mento mental aparece na página 44, mento intenso, de paixão, de excesso, de
sofrimento aparece 11 vezes, sofrimento catástrofe e também de doença. O amplo
psíquico duas vezes. No documento do campo psi, no qual esse termo costuma ser
CRP Vale cidadania, a psicologia e sua in- usado de muitas maneiras pode incluir a
terface com Assistência Social, a locução psiquiatria, a psicanálise e também a pró-
sofrimento psíquico não ocorre nenhuma pria psicologia. Para começar, a medicina e
vez. O termo sofrimento aparece apenas a psiquiatria usam a expressão sofrimento
uma vez no documento intitulado Como os psíquico, e geralmente o sentido remete a
psicólogos e as psicólogas podem contri- uma patologia, é a doença mental, é a lou-
buir para avançar o Sistema Único de As- cura, e que teria como causa possível le-
sistência Social, informações para gesto- sões orgânicas ou localizáveis no organis-
res e gestoras. No documento Referências mo, sobretudo, no cérebro, nos seus
técnicas para atuação dos psicólogos no neurotransmissores, ou nos genes, no indi-
CREAS de 2012, há pelo menos cinco ocor- víduo. E esse sofrimento psíquico na psi-
rências do termo, com algumas variações: quiatria é visto como loucura, como doen-
sofrimento mental, sofrimentos de sujei- ça, e a priori seria passível de tratamento
tos, sofrimento psíquico, sofrimento huma- medicamentoso e praticamente exclusivo.
no ético e político, e sofrimento e proces- Aí estaríamos na perspectiva da medicali-
sos de sofrimento. Pelo resultado dessa zação da vida. Na contramão dessa ten-
pequena amostra, podemos considerar a dência médica e medicalizadora, ainda na
ocorrência da locução sofrimento como área da Saúde Mental, nós temos as diver-
sendo ocasional em muitos documentos e sas experiências históricas da reforma psi-
inexpressiva em muitos deles, ausente em quiátrica, que ocorreram em diversas par-
alguns textos muito importantes, e ela vem tes do mundo, e que abordam de um modo
aparecendo já em outros. Então isso é para diferente o tema do sofrimento psíquico.
falar da minha surpresa e felicidade, pois Para ficar apenas em dois exemplos, a an-
se não estão tratando muito, vamos nós tipsiquiatria inglesa e a psiquiatria demo-
começar a discutir, porque isso implica no crática italiana, cada uma, a seu modo, fi-
modo como estamos atuando. Levar em zeram uma crítica do princípio doença/cura
conta essa categoria, sofrimento psíquico, e a sua transposição direta da Saúde para
também é uma questão para os psicólogos o campo da Saúde Mental. Tais movimen-
implementarem a sua própria atuação. tos negaram a noção de doença como en-
Passemos agora às ressonâncias do termo tidade separada do indivíduo, recolocaram
sofrimento psíquico na psicologia. Sofri- o indivíduo como protagonista do que eles
mento psíquico, para os meus ouvidos de chamam de uma existência sofrimento, a
psicólogo, é uma locução que tem muitos ser vivida em suas diversas implicações
com o corpo social a que pertence esse in-
divíduo. E colocaram a própria doença, a
própria ideia ou categoria de doença entre
podemos considerar a ocorrência parênteses. Num outro plano ainda, estão
da locução sofrimento como sendo os possíveis casos de sofrimento psíquico
ocasional em muitos documentos e que seriam da alçada da psicologia, quan-
inexpressiva em muitos deles, ausente do não se encontrassem causas orgânicas
em alguns textos muito importantes, específicas, nas situações em que a medi-
e ela vem aparecendo já em outros. cina costuma considerar que o paciente
não apresenta nada digno de nota. E eles
Então isso é para falar da minha registram um NDN (nada digno de nota), e
surpresa e felicidade, pois se não aí você pode encaminhar aquela pessoa
estão tratando muito, vamos nós para o psicólogo, porque ele não tem nada
começar a discutir, porque isso implica digno de nota do ponto de vista orgânico,
no modo como estamos atuando ou neurológico, ou neuroquímico, por exem-
plo. Então, no plano da psicologia, o sofri- da realidade psíquica, coisa que não ocorre 31
mento psíquico poderia ser traduzido como no processo dos sujeitos, que se subjeti-
problemas cognitivos, problemas afetivos, vam pelo recalcamento. Então, nós pode-
emocionais, problemas de relacionamento, mos encontrar ali as possibilidades da es-
que seriam passíveis de tratamento por quizofrenia, da paranoia e da melancolia

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


meio de psicoterapia, em que se utiliza a mania. E no caso dos sujeitos que se sub-
palavra como meio de ação. Ainda temos jetivam pela modalidade da renegação, nós
outro campo, no qual a locução sofrimento vamos ter ali diversas versões do gozo, e
psíquico é bastante familiar para nós, que nós podemos incluir aí as questões da to-
seria o campo da psicanálise de Freud e xicomania. Essas sobremodalizações di-
Lacan, que trabalha com essa ideia de so- zem respeito, portanto, a essa modaliza-
frimento psíquico, embora nem sempre ção e a cada uma das modalidades do
chamando desse modo. Essa psicanálise, processo de constituição do sujeito. Embo-
para ficar apenas com a perspectiva que ra apareça assim, no campo da psicanálise
me interessa mais de perto, pois é preciso
dizer que há várias psicanálises, e também
não é incomum que os psicólogos não dis- A localização dessa modalidade
tingam alhos de bugalhos. Nós podemos estrutural de constituição do
dizer que a psicanálise é a de Freud e se-
guidores, a de Melanie Klein e seus segui-
sujeito, que é sempre estruturada
dores, e a psicologia psicanalítica do ego e estruturante, é realizada na
americana, que é aquela que infelizmente, transferência e na escuta do
do meu ponto de vista pelo menos, é a que discurso, pois o sujeito pertence,
deixa um lastro maior na própria psicolo- eminentemente, ao campo da
gia. Essa perspectiva da psicanálise do linguagem. E serve, sobretudo,
campo de Freud e Lacan não se confunde
com essas outras. Então, essa vertente da
de parâmetro para orientação do
psicanálise, ao trabalhar com as hipóteses próprio trabalhador na sua oferta de
do plano do inconsciente, e com o que se atenção e de escuta

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


chama de dimensão psíquica da realidade,
permite compreender que há um processo
de constituição dessa realidade psíquica de Freud e de Lacan, não se trata de clas-
humana. Ninguém nasce propriamente hu- sificação diagnóstica, porque não se trata
mano, é preciso ingressar no campo huma- de uma nosografia como na psiquiatria.
no, por meio de um processo de constitui- Não se trata de fenômenos observáveis
ção, daquilo que Freud chama de realidade que decidem o curso da ação médica e me-
psíquica, e nós chamamos hoje de subjeti- dicamentosa. A localização dessa modali-
vidade. E a psicanálise entende que esse dade estrutural de constituição do sujeito,
processo de constituição da realidade psí- que é sempre estruturada e estruturante, é
quica possui basicamente três modalida- realizada na transferência e na escuta do
des: a modalidade do recalcamento, da fo- discurso, pois o sujeito pertence, eminen-
raclusão e a modalidade da renegação. No temente, ao campo da linguagem. E serve,
campo do recalcamento, as pessoas se sobretudo, de parâmetro para orientação
subjetivam ao ingressar no campo huma- do próprio trabalhador na sua oferta de
no, e se elas vêm a ter possíveis impasses atenção e de escuta. Nós estamos atuan-
nesse processo de subjetivação, o que não do no CRAS, na entidade assistencial, es-
está na categoria da doença, elas podem tamos atuando na ONG, estamos atuando
apresentar aquilo que a psicanálise ma- no CREAS, e as pessoas com sofrimento
peou como modalizações da histeria, da psíquico de um tipo ou de outro não vão
neurose obsessiva e também da fobia. bater apenas na Saúde Mental, não vão
Quando o sujeito se subjetiva no seu pro- bater apenas no CAPS, elas chegam lá para
cesso de construção da sua realidade psí- o atendimento. Então essa contribuição da
quica, na modalidade da foraclusão, os psicanálise, vamos dizer, me parece uma
seus impasses incluem o desmoronamento ferramenta, entre outras, bastante impor-
32 tante para essa possível escuta acolhida que operar com ele não exige necessaria-
desse sujeito em sofrimento que chega até mente o consultório ou o setting clássico.
nós. Ou seja, essas hipóteses teórico-con- Uma atuação pode ser clínica e não preci-
ceituais e clínicas da psicanálise permitem sa do enquadre tradicional de consultório,
ao profissional situar-se no manejo, posi- não sendo restrita propriamente à psicote-
cionar-se em uma escuta que permita o rapia. A psicanálise do campo de Freud e
sujeito falar das suas questões. Então, é Lacan permite pensar numa clínica singular
importante saber diferenciar entre o que também enquanto clinamen, que pode ser
resulta no processo de subjetivação por traduzido como inclinar-se, mas também
foraclusão, por recalcamento e também como curvar e bifurcar o sentido. Nessa
por renegação. Já que cada estrutura sub- perspectiva também fica claro que a trans-
jetiva, bem como também cada modalida- ferência opera, e nós podemos operar com
de de tipo clínico, demanda posicionamen- ela, independentemente do setting clássi-
tos específicos, para a direção, tanto dos co. Então, essa era uma contribuição que
possíveis encaminhamentos quanto do eu queria apresentar para vocês com rela-
tratamento, quando for o caso. O sofrimen- ção, nas ressonâncias, ao termo sofrimen-
to psíquico nessa vertente é tomado então to psíquico. E passo agora a fazer algumas
como incluindo diferentes tipos de impas- considerações, sobre diferentes possibili-
ses subjetivos. Temos o retorno do recal- dades do que eu estou chamando de pro-
cado, a alucinação, por exemplo, o objeto dução social, no próprio campo da Assis-
fetiche. Dessas três possibilidades estru- tência Social. Há um conjunto de leituras e
turais, que incluem os momentos e formas de análises que venho fazendo, não do ser-
paroxísticas, que por estratégica política viço social, porque eu não confundo o cam-
do campo de Freud e Lacan, ainda são gra- po do serviço social com o campo da As-
fados com os significantes oriundos da sistência Social. Há um conjunto de
psiquiatria clássica, mas devidamente cri- trabalhadores nesse campo. Já escrevi um
ticados, subvertidos e redefinidos. Os im- trabalho, pensando a Assistência Social e
passes subjetivos não são entendidos o SUAS como instituição social. Ela é uma
como sendo doença psíquica, nem sequer instituição social como a Educação, como
são distúrbios ou degradação, mas eles a Saúde. Nós podemos pensar a Assistên-
são crises que podem incluir muito sofri- cia Social assim, também. Então, uma das
mento psíquico e social, e são encaradas perguntas que venho me fazendo nos
como motor e possibilidade de transforma- meus trabalhos, tanto de inserção, de lei-
ção. Representando, essencialmente, pos- tura, de trabalho, de pesquisa no campo da
sibilidades para emergência da diferença assistência é a seguinte: a Assistência So-
como singularidade. As crises podem ser cial como política pública, quando a gente
acolhidas e escutadas como oportunidade lê os documentos oficiais, pretenderia pro-
para a elaboração desses impasses subje- duzir que tipo de incidência na realidade
tivos do sujeito, tanto no contexto social social? Porque a Assistência Social diz: o
quanto cultural, na sua especificidade psí- objetivo da Assistência Social é eliminar a
quica, enquanto objeções aos laços sociais pobreza. Eu sempre faço um trocadilho,
hegemônicos. Nessa acepção psicanalítica não confundir o objeto, não é eliminar os
não se separa o plano subjetivo do plano pobres; é eliminar a pobreza. Eliminar a po-
social. Nem se separa o sujeito do cidadão, breza, e não os pobres. Então, a questão é
não se separa a subjetividade, nem ética a seguinte, a Assistência Social, como polí-
nem política. O homem é considerado no
seu contexto social, no qual é atravessado
por impasses de ordem social e subjetiva,
e também é agente atravessador desses a Assistência Social como política
impasses. Então, eu penso que não é ade- pública, quando a gente lê os
quado reduzir a clínica apenas à psicotera-
pia, desconhecendo que a clínica também é
documentos oficiais, pretenderia
constituída por certo posicionamento téc- produzir que tipo de incidência na
nico, ético e também político, específico, e realidade social?
tica pública, pretende fazer uma incidência de acrítica gostaria que acontecesse. Não 33
na realidade que seja política e transfor- existe também técnica sem teoria e sem
madora, ou ela é correcional e terapêutica? ética. Essa me parece uma questão impor-
O que é predominante nos textos, no dis- tante, e a professora Bader (referindo-se à
curso oficial da Assistência Social? Qual palestra anterior) já chamava a nossa

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


vertente é predominante? Essa política pú- atenção para isso, falando dessa dimen-
blica visa mais desenvolver práticas disci- são epistemológica, ética e política, que é
plinares e de controle, ou práticas emanci- um pano de fundo da nossa conversa aqui.
padoras e singularizantes, junto aos Nem sempre a dimensão ética e política
segmentos populacionais atendidos, junto estão explícitas nesses documentos. En-
aos subcidadãos? Então, eu noto uma au- tão, muitas vezes alguém inventa, eu vejo
sência de significação conceitual, teórica e muito isso na área de Saúde, alguém in-
ética nos documentos oficiais da Assistên- ventou uma história no município chamada
cia Social como política pública. Manejando humanização do SUS, e os políticos que
esses documentos, observo que eles cons- precisam sempre nas campanhas, de mar-
tituem um conjunto de orientações técni- keting eleitoral, se apropriam disso e vira
cas, burocráticas, muito mais focadas no política nacional. Então, esse é um desafio
como fazer as coisas, do que propriamente que nós temos, a invenção desses termos,
no sentido ético das ações ali empreendi- dessas campanhas, e os objetivos finais
das. E nós psicólogos temos que nos per- que nos interessam não são alcançados.
guntar essas coisas também. Esses docu-
mentos se revelam, em minha opinião, um
conjunto de propostas de ação, indicam Nem sempre a dimensão ética
procedimentos, apresentam normas, regu-
lamentos, resoluções, portarias, são leis, e política estão explícitas
são manuais técnicos. Podemos pensar nesses documentos.
que eles se apresentam dessa forma por-
que os trabalhadores das agências esta-
tais talvez nos níveis federal e estadual Existem, claro, exceções à regra; mas, elas

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


sejam técnicos, e como eu escuto muito di- sempre estão aí confirmando a regra. En-
zer: “O serviço tem que andar, Benellii. O ser- tão, quais são esses pressupostos teóri-
viço tem que andar e funcionar.” Então, há cos, técnicos, e éticos que fundamentam
um nível pragmático nesses documentos os documentos da Política de Assistência
elaborados por esses técnicos. isso talvez Social? Nós precisamos de uma grade ana-
explique um pouco o teor desses textos. lítica que nos permita pensar essas ques-
Certamente, aqui todos nós queremos que tões e ver para onde elas nos apontam. A
haja eficácia, resolutividade, eficiência dos minha tendência é dizer que falta ao SUAS
estabelecimentos da Assistência Social vi- fazer, muitas vezes, o que se chama a críti-
sando alcançar os seus objetivos. Sem ca da economia política. O SUAS, quando
descuidar disso também há uma preocupa- lemos o documento original de 2004, 2005,
ção com as finalidades visadas pelos pro- escamoteia muito rapidamente as ques-
cedimentos e técnicas empregadas. Por- tões da luta de classes, a relação capital
que entendo que não são quaisquer meios trabalho, as próprias práticas de exclusão
que vão nos levar aos fins que desejamos. e inclusão produzidas pelo modo intrínseco
de funcionamento do mercado. A pobreza é
um efeito direto do modo de produção ca-
Não existe também técnica pitalista. Eu entendo que o Estado tem di-
ficuldades de dizer isso, mas é importante
sem teoria e sem ética. que tenhamos isso claro. Não podemos
deixar de notar que a Política de Assistên-
cia Social, da forma como se apresenta na
Para o bem e para o mal, as coisas produ- atualidade, e no seu discurso oficial, é
zem o que elas podem, e não necessaria- composta por discursos e por práticas la-
mente o que a boa vontade e a ingenuida- cunares, em minha opinião, mais ou menos
34 prefeito, tem secretários municipais com
Ao mesmo tempo em que esses bons salários e, não se esqueçam disso,
documentos enunciam direitos e tem políticas públicas básicas que garan-
tem os direitos dos cidadãos. Aquele bairro
cidadanias para os pobres, noto
em situação de vulnerabilidade, que eu
que, quando passam a instituir os acho um eufemismo horroroso, mas, o
instrumentos para promover esses SUAS também o trouxe, as pessoas estão
direitos e cidadanias, a política se em risco e vulnerabilidade, isso as culpabi-
apresenta como uma pedagogia liza por conta própria também. Então, há
social bastante tradicional e um conjunto de questões aí a serem pen-
sadas. Ao mesmo tempo em que esses do-
psicologizante.
cumentos enunciam direitos e cidadanias
para os pobres, noto que quando passam a
contraditórias. Vamos erradicar a pobreza. instituir os instrumentos para promover
Muito bem, passemos para as mediações. esses direitos e cidadanias, a política se
Vamos fazer oficinas, dinâmicas de grupo, apresenta como uma pedagogia social
vamos trabalhar habilidades, aquisições, bastante tradicional e psicologizante. Po-
vamos fortalecer vínculos familiares. En- deríamos arriscar dizer que a Assistência
tão, parece que o SUAS pede uma perfu- Social, no seu discurso oficial, poderia ser
maria psicológica para erradicar a pobreza. considerada como uma pedagogia que tal-
Será possível fazer isso? Os municípios, vez visasse produzir muito mais efeitos te-
muitas vezes, tem 80, 200, 400 anos, al- rapêuticos do que políticos e transforma-
guns são muito velhos. E vamos supor, tem dores. E que a socioeducação, na realidade,
um bairro de muita vulnerabilidade social, consistirá em vigiar e punir, educar e tratar,
num município que existe há 90 anos, abre assistir e também proteger, na realidade.
um CRAS, põe um psicólogo, um assistente Aos psicólogos, e não apenas a nós, cabe o
social, um serviços gerais, que passam a trabalho de subverter os discursos e práti-
ser responsáveis por 80 mil famílias na po- cas eminentemente disciplinares que per-
breza e na miséria, e eles têm que resolver meiam essa área das políticas públicas,
isso. Aquela cidade tem 90 anos, tem um nas quais estamos atuando.
Debates 35

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


(Pessoa da plateia): Boa tarde, eu sou psicó- passando fome, muitas vezes eles não têm nem
loga do Rio de Janeiro, e durante o ano passa- um pão de manhã, então como que eu vou con-
do, trabalhei num abrigo e ouvindo as falas da seguir trabalhar a questão do emocional dessa
mesa, fiquei pensando numa questão. Quan- pessoa, se ela não tem comida? Ela não tem co-
do a gente trabalha num abrigo, a gente é um mida, ela não tem casa, ela está lá me pedindo
técnico de referência, então supõe-se que um socorro, e eu fico muito confusa, como atuar
ali é um lugar de produção de vínculo com o nesse momento. Se como psicóloga que sou há
sujeito que você está assistindo. Como con- 19 anos, ou como assistente social? Porque fica
jugar essa ideia de vínculo institucional e bem difícil o nosso papel dentro desse contexto.
vínculo com o técnico com a lógica do emer-
gencial e temporário da Assistência? (Pessoa da plateia): A minha pergunta vai
para a Bader. Gostaria de saber se dá para
falar um pouco mais sobre a potência de vida.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Como promover esses espaços de potenciali-
Como que o psicólogo vai zação sem reproduzir essa lógica de controle,
atuar se ele não tem definição de manutenção da ordem? Potencializar para
quê, potencializar nesse sentido o quê? Po-
desse sofrimento psíquico, tencializar para eles entrarem nesse mercado
dentro da Assistência Social? de trabalho? Como funciona para não repro-
duzir o que a gente vem criticando?

(Pessoa da plateia): A minha pergunta seria (Pessoa da plateia): Quando uma política colo-
para o Doutor Sílvio. No discurso, na fala dele, ca, por exemplo, uma equipe de referência, e es-
parece que eu percebi que ele está fazendo pecialmente agora com a Resolução 17, quando
uma reflexão sobre o papel do psicólogo e do pensa uma equipe multidisciplinar, e tem como
assistente social, que não estão definidos, e a orientação que essa equipe deve realizar um
questão do sofrimento psíquico, o papel do as- trabalho interdisciplinar, em um espaço, em uma
sistente social ou do psicólogo dentro desse unidade, no CREAS ou no CRAS, numa unidade
contexto fica meio dúbio. Como que o psicólogo
vai atuar se ele não tem definição desse sofri-
mento psíquico, dentro da Assistência Social? de um conjunto de demandas que estão
Eu trabalho em uma comunidade, há mais de
10 anos, e tem uma dificuldade extremamente
ali, que é a escuta não só do sofrimento,
grande de conseguir trabalhar com a questão do e da potência, e que ao propor isso, faz
sofrimento psíquico, do sofrimento emocional. uma quebra de paradigma, porque pensa
Porque a pessoa está com tanta fome, a pes- uma outra psicologia que não a psicologia
soa está com tanta necessidade, a pessoa está clínica tradicional, ou comportamental
sem casa, o barraco está caindo, os filhos estão conservadora.
de acolhimento, essa equipe tem um papel supe- (Pessoa da plateia): Trabalho em um município
rimportante de fazer um trabalho interdisciplinar da Grande São Paulo e estou atualmente tra-
em que o processo de trabalho deve ser inter- balhando com população em situação de rua.
disciplinar, e essa atuação interdisciplinar deve E no começo, eu disse assim: “Ah, que bom que
ser registrada em um prontuário, quebrando eu vim!” Porque lá no trabalho, no dia-a-dia, eu
essa visão unidisciplinar, pensando a perspec- me sinto louca às vezes. Quando a Bader fala na
tiva interdisciplinar. Gostaria que falasse mais questão que estamos junto no controle, nossa,
sobre isso. Esse espaço de escuta dessa narra- como isso é presente, principalmente com a po-
tiva, desses sujeitos e dessa potência, que para pulação em situação de rua. Então, quem acaba
mim também na política está apontada. Quando atendendo a população, a gente é tido como a
você fala do conjunto de demandas de usuários gente estando ao lado dos que não se compor-
e usuárias, inclusive que a política coloca que tam. A minha pergunta que está misturada com
tem que ter uma participação ativa, protagonis- uma coisa que traz um sofrimento profissional
ta nessa relação, nesse diálogo com o trabalha- cotidiano, porque quando a gente tenta lá na
dor e com a trabalhadora. Então, de um conjunto prática garantir algumas coisas que estão es-
de demandas que estão ali, que é a escuta não critas na política, como o empoderamento, con-
só do sofrimento, e da potência, e que ao pro- trole social, a participação, o retorno que se tem
por isso, faz uma quebra de paradigma, porque da instituição é: “Aqui não tem espaço para isso;
pensa uma outra psicologia que não a psicologia faça isso nos movimentos sociais. Dentro da po-
clínica tradicional, ou comportamental conserva- lítica, isso não é possível.” Porque temos todas
dora. Aponta para uma possibilidade de um tra- as forças políticas em volta, e quando se tenta,
balho que vai nessa direção. Então não é o pa- na prática ali, de qualquer forma, atendimentos
pel, não é qual o documento do psicólogo, qual individuais, oficinas, grupos, quando a temática
o procedimento do psicólogo, mas é quando eu é dar voz e vez às pessoas, considerar a realida-
estou manuseando um prontuário ou fazendo de, a gente tem o retorno de que devemos fazer
uma escuta, é o meu olhar a partir dessa psico- em outro lugar; dentro da política não é possível;
logia que você colocou aí, de olhar esse sujeito faça isso depois do expediente. Então, como que
dentro de um contexto, de um território, e a partir a gente avança neste 10 anos? Acho que é a crí-
daí promover o que a política inclusive coloca que tica do outro professor (Benelli) também, como a
é de atender às requisições que estão ali, o que o gente mexe nessa maquiagem, sem reverberar
usuário está demandando. Como nesse trabalho tanto nas opressões que os profissionais sen-
interdisciplinar numa equipe multidisciplinar, eu tem quando tentam trazer o sujeito, tirá-lo do lu-
posso dar conta, porque você falou muito bem gar de submisso da política, do técnico que sabe
que, essa visão do sujeito, da objetividade, da sobre as verdades todas.
subjetividade, é do conjunto de profissionais.
Então, eu acho que a política te apontou para (Pessoa da plateia): Eu não sou psicóloga,
um processo que pode ser revolucionário nes- sou assistente social. Eu trabalho no SUS e no
se sentido, de sair da unidisciplinaridade para a SUAS. Tenho trabalhado muito também com
multidisciplinaridade. E esse é o nosso desafio, população de rua, e agora no CREAS mais com
eu queria que você falasse mais sobre isso. família e idosos. Somos responsáveis por 80 mil
famílias pobres. E a minha pergunta vai para o
(Pessoa da plateia): Uma questão que vem me doutor Sílvio. Gostaria que você aprofundas-
perturbando um pouco é pensar que quando se um pouquinho esse conceito partindo dos
a gente estuda, tem uma formação, ganha um princípios e conceitos de territórios e das di-
conteúdo para basear a nossa prática, mas, ferenças regionais do País.
de repente, a gente cai num ambiente em uma
realidade que a gente não viveu. Como é que
a gente faz, para integrar e conseguir pensar quando a gente tenta lá na prática garantir
num manejo para unir muitas vezes o que a algumas coisas que estão escritas na
gente aprende com a realidade que a gente
política, como o empoderamento, controle
não conhece? Como é que a gente consegue
de fato propor um trabalho fidedigno e res- social, a participação, o retorno que se tem
peitoso, se a gente não conhece a realidade da instituição é: “Aqui não tem espaço para
onde a gente vive e trabalha? isso; faça isso nos movimentos sociais.
Dentro da política, isso não é possível.”
Respostas dos conferencistas e considerações finais 37

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Bader Burihan Sawaia: Bom, eu queria fa-
zer uma síntese aqui. Primeiro, temos que a oportunidade que o SUAS traz
parar com isso de considerar que o psicó- não é só fazer com que a gente
logo vai fazer a revolução. Eu vou ler uma
olhe para uma população que a
frase de Martín-Baró: “A psicologia não é
uma ciência, nem profissão capaz de pro- gente não olhava, mas transformar
vocar revoluções estruturais na sociedade, o fenômeno psicológico em questão
mas deve ter esse objetivo em sua prática social. Mas precisamos pensar por
e pesquisa para não reproduzir e perpetuar que ele é uma questão social.
os elementos ideológicos da sociedade ca-
pitalista.” E do apelo de Lane, para poten-
cializar para tanto o comum. Eu vou tocar cisamos começar na formação do psicólo-
um pouco nessa questão do que é o co- go, mas não só na formação. Queria

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


mum nas diferentes esferas da vida. A mostrar que nós estamos cristalizando
questão que vocês estão trazendo é múlti- conceitos, conceitos que estão divergindo
pla. Ela tem a questão de que estamos no como agora. Nós estamos concordando
capitalismo, como já foi dito, e é incon- em muita coisa, mas discordamos quando
gruente pensar que o Estado vai financiar se fala em sofrimento psíquico e social.
políticas que vão derrubá-lo, que vão Esse é um debate entre a gente. Eu estou
transformá-lo. E agora, com tudo isso, há dizendo que não há essa diferença. Acho
sempre aquela preocupação, a de que es- que é uma questão para continuarmos de-
tamos lá, precisamos aprender, essa é uma batendo. Outra coisa, nós não podemos
oportunidade rara, precisamos descobrir o pensar em transformar essas questões em
que fazer. Primeira coisa é considerar que a técnicas. As técnicas inibem a reflexão. in-
nossa ação não é maquiagem. Para Espi- felizmente, nós não temos respostas téc-
noza, ninguém muda, ninguém cresce, não nicas, e talvez não teremos. O principal é
há criação no sofrimento. Ele muda um atiçar a nossa capacidade de reflexão críti-
pouco essa concepção, essa concepção ca com os companheiros. Como vocês dis-
que há muito tempo está na nossa peda- seram, a oportunidade que o SUAS traz
gogia que é com o sofrimento que a pes- não é só fazer com que a gente olhe para
soa cresce. Ao contrário, com sofrimento a uma população que a gente não olhava,
pessoa se enreda cada vez mais na servi- mas transformar o fenômeno psicológico
dão. E ela cada vez mais tem a ilusão de em questão social. Mas precisamos pensar
que está lutando pela sua liberdade, quan- por que ele é uma questão social. Se eu
do está lutando pela sua servidão. Então, consigo definir dessa forma, vou estar tra-
eu delimitei aqui o campo de ação, onde balhando com o assistente social, sem fi-
podemos provocar algumas transforma- car preocupado com fronteiras ou separa-
ções. Até a própria mesa já tinha dito, pre- ções. Agora mesmo, estamos com um
38 grupo de promotores, que foram até a PUC, mos duas palavras de ordem, transitorie-
insatisfeitos com o que eles vêm fazendo. dade e involuntário. As pessoas perguntam
E as inspeções que eles fazem nos abrigos, como criar vínculos nessa transitoriedade.
as internações compulsórias, eles estão Além disso, eu acho que ela está gerando,
sentindo que, por trás do que eles fazem, o que já foi denunciado por vários autores,
que muitas vezes é horrível, tem concep- uma lógica manicomial em movimento, ela
ções de psicologia, concepção de criança, é um circuito, a criança sai de um lugar, vai
tais como a criança é incapaz de dizer as para o outro, vai para o outro, até os 18
suas necessidades, a adolescência é sem- anos, quando não tem mais para onde ir,
pre perturbadora, transitória etc.. Foi nes- vai para a rua, porque nossa mentalidade é
sa direção que eu estou dizendo, num cam- só a família que é o lugar. Então, são inicia-
po mais cômodo. Eu não estou no campo, tivas muito boas, mas que, na verdade,
eu me alimento do que vocês me trazem no quando são implantadas, elas são corrom-
campo, e tento ver na minha especificidade pidas por todas as forças na instituição. O
o que foi possível. Então, estou pensando que é vínculo? O que é escutar? Precisa-
em algum espaço de escuta. Em relação à mos tirar a tecnicização disso. Por que vín-
ação do psicólogo, quais são as três pala- culo e não relações afetivas? Quando se
vras mais citadas? Escuta, vínculo, medi- fala em vínculo, não aparece quase a pala-
das socioeducativas. Nós sabemos que vra emoção e afeto; vínculo parece um
não é possível fazer terapia. O que isso contrato entre o psicólogo e o usuário.
significa então nesses aspectos? Eu esta- Como eu posso criar vínculo com adoles-
va tentando quebrar fronteiras na escuta. cente, se eu não posso demonstrar afeto,
Acho que o psicólogo tem mesmo ouvido se eu não posso gostar dele? Tem até ca-
aguçado para escutar coisas que o serviço sos como o de uma psicóloga que tentou
social não escuta, e o serviço social tem romper com isso, e abraçava os jovens, e
ouvidos aguçados para escutar coisas que foi expulsa da instituição. Tem perigo de
o psicólogo não escuta. Mas, se eu conce- um lado, e tem perigo do outro, mas o que
bo que esse sofrimento psíquico é também é esse vínculo? A psicologia tem meio afe-
ético-político, por exemplo, no caso de uma to. Ela considera o afeto ainda da ordem do
menina que esses promotores trouxeram. distúrbio, da perturbação, e não como fala
Começou a ser atendida com 2 anos de o Espinoza, que o afeto é a base da ética, a
idade, hoje ela é taxada de esquizofrênica. base dos vínculos sociais. Ele vai falar que
Ela está nesse circuito desde os dois anos o principal princípio político é o sentimento
e essa é um de nossas grandes questões: comum. Não é esse coletivo, não é uma so-
o que é criar vínculo dentro da lógica da lidariedade de dever ser não. É sentir que o
transitoriedade. Muitas das iniciativas do outro é o maior bem para mim, e isso tudo
serviço social: transformar assistência em nós estamos diluindo em uma sociedade
direito, são cooptadas, porque nós esta- capitalista, individualista. Esse sentimento
mos numa sociedade capitalista, nós não do comum é o primeiro sentimento que
podemos perder essa dimensão. Então, se toda forma tirânica quer quebrar, para po-
a gente perder a dimensão crítica ou refle- der dominar, para impor o medo. Porque o
xiva, a instituição coopta também. Por sentimento do comum leva as pessoas a
exemplo, a batalha para a não internação, construir multitudo, não multidão. Multitu-
para substituir a internação, então nós te- do para defenderem no coletivo. Eu acho
que tem um pouco de semelhança com
consciência de classe, classe para si do
Quando se fala em vínculo, não Marx. Então, as empreiteiras sabem muito
bem, mas nós não sabemos como alimen-
aparece quase a palavra emoção e
tar isso. As empreiteiras, a primeira coisa
afeto; vínculo parece um contrato quando elas vão remover a população, co-
entre o psicólogo e o usuário. Como eu meçam com a população junta, fazendo um
posso criar vínculo com adolescente, bloqueio, depois chamam o líder, oferecem
se eu não posso demonstrar afeto, se para ele churrasco, distribuem favores.
eu não posso gostar dele? Quebrou o comum, e então fica muito fácil
balhar no território de forma a quebrar as 39
Não é só como uma ideia reguladora, distinções entre público e privado que é
não é só trabalhar a família, não outra distinção ideológica. Esse público
privado foi uma construção. A família é o
é só trabalhar meu vínculo, mas
lugar do amor, e é no público que eu discu-
é trabalhar o território de uma

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


to política. Não, eu tenho que discutir polí-
forma que a gente construa esse tica na família, eu tenho que ser cidadã de
sentimento de comum, não é só uma direito na família, tenho que diluir essas
participação instrumental. fronteiras, e uma forma de fazer isso é tra-
balhar no território, temos experiências
muitas que a gente acabou esquecendo. A
fazerem a remoção da população. Quando economia solidária foi uma experiência dos
você me perguntou o que é essa potência anos 80, em que tínhamos muita esperan-
de vida para ele, essa potência de vida é ça, o Teatro do Oprimido, que algumas alu-
isso. Não é só uma sobrevivência física. Ele nas agora tentam recuperar, rebatendo um
rebate isso, tem até um texto aí que eu es- pouco os que consideram o seu criador
crevi, que não é a forma, é de outras coi- Boal excessivamente racional, e nós esta-
sas, vocês vão ficar um pouco horroriza- mos tentando agora ver que o Teatro do
dos, mas para ele é essência, nós somos Oprimido trabalha com emoções. Espinoza
todos humanos, pedra, animal, somos to- fala uma coisa muito verdadeira, que não
dos da mesma substância, queremos viver, se muda uma paixão por uma ideia. Todos
perseverar na nossa existência, que é me nós sabemos, todo psicólogo sabe, não
manter vivo, não só livre, mas com potên- adianta ficar dando conteúdos e falando, a
cia de expansão. Para ele, então, o sofri- pessoa tem consciência, mas ela não con-
mento maior é a servidão. Ele trabalha com segue mudar as suas paixões.
servidão, emancipação e autonomia. E os
homens comuns não podem garantir a sal-
vação dessa servidão sozinhos. Nós preci- temos muita pressa em ir a
samos do outro, e esse precisar do outro é
técnicas, como converter as

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


o que toda a sociedade tenta impedir. Fa-
zendo uma pesquisa com refugiadas, um teorias em técnicas
fato me alertou para uma questão, que ain-
da nós precisamos trabalhar melhor. Nós
estávamos lá com o pessoal, a gente fa-
zendo pesquisa, e o outro pessoal estava Sílvio José Benelli: As questões são im-
lá para ver se ela merecia ser considerada portantes, mas, em função do horário, eu
refugiada ou não. O filho dela pequeno sai vou tentar ser breve. Acho que a Professo-
correndo e vai para a rua, nós estávamos ra Bader foi muito feliz nas respostas que
na porta. A mulher não se mexe. Eles fala- deu, e eu acho que uma vida é muito cur-
ram, ainda não tem responsabilidade de ta para estudar tudo que a gente precisa
mãe. Depois conversando com ela, ela diz: e gosta (Nietsche, Freud, Marx, Foucault,
“Mas, gente, eu venho de um lugar em que Vygotsky, Lacan, Deleuze, Guatari). Um psi-
meu filho não é meu filho, é responsabilida- cólogo ou um trabalhador da Assistência
de da comunidade. Ele saiu, vocês estavam Social precisa saber mais do que sabe cer-
lá, vocês devem gostar dele, ter responsabi- tamente, para se entender como cidadão e
lidade dele como eu. Por isso que eu não saí poder trabalhar com o outro também como
correndo.” É essa concepção de trabalhar cidadão, como mediador de cidadania para
no território que eu estou tentando pensar o outro, e que isso não seja só uma palavra
um pouco. Não é só como uma ideia regula- bonita. A outra coisa é que temos muita
dora, não é só trabalhar a família, não é só
trabalhar meu vínculo, mas é trabalhar o
território de uma forma que a gente cons-
trua esse sentimento de comum, não é só como é que você constrói
uma participação instrumental. Esse tra- vínculos se você não está lá?
40 da Constituição não vigoram. isso traz um
As Prefeituras, às vezes, são conjunto de sofrimentos para os trabalha-
lugares nos quais o Estado de dores: rotatividade, a falta de respeito com
os próprios trabalhadores, isso tudo inci-
Direito da Constituição não
de no vínculo, na mudança, na fragilidade
vigoram. Isso traz um conjunto de dos equipamentos, na falta de recursos,
sofrimentos para os trabalhadores: na pouca orientação que a gente tem, às
rotatividade, a falta de respeito vezes, para se localizar ali. Alguém falava
com os próprios trabalhadores, isso também do sofrimento do profissional que
tudo incide no vínculo, na mudança, vai nessa direção, da militância. Eu cos-
tumo dizer para os meus alunos que é um
na fragilidade dos equipamentos,
trabalho de psicólogo orientar a população
na falta de recursos, na pouca para ir às conferências municipais, para ir
orientação que a gente tem, às às audiências públicas da Prefeitura, por-
vezes, para se localizar ali que as Prefeituras têm que fazer audiên-
cia pública sobre o orçamento do município
pressa em ir a técnicas, como converter as para o ano seguinte. A Prefeitura não quer
teorias em técnicas. Alguém da plateia fa- que você faça política, porque você é pago
lou da dificuldade da inserção institucional pelo prefeito que está governando agora;
desse trabalho de conhecer. Outra coisa mas, quando o prefeito acabar o mandato
que temos que estudar é a análise institu- dele, você continua funcionário da Prefei-
cional, como é que você chega no território, tura. Então, há umas relações muito esqui-
como é que você aborda. As pessoas sem- zofrênicas que enfrentamos no cotidiano
pre comentam que as famílias não querem do trabalho, entre a militância e certo cer-
o trabalho do CRAS. Mas, uma equipe do ceamento da liberdade política do próprio
CRAS tem que ficar cinco anos no território, trabalhador. Essa responsabilidade com
tem que gostar daquela gente. Tem uma o território, a importância das diferenças
rotatividade de psicólogos na Assistência regionais, isso tem a ver com as práticas
Social. As pessoas fazem concurso, as pes- também. A nossa ciência, psicologia, é uma
soas têm direitos, mas mudam o mandato, ciência disciplinar como diz o Foucault, e
muda toda a gestão, a Prefeitura tira os ela quer construir verdades hegemônicas,
profissionais, demonstrando que não res- na pós-graduação, no mestrado, no douto-
peitam a história do CRAS, do bairro. Então, rado, e verdades que possam ser aplicadas
como é que você constrói vínculos se você em todos e quaisquer lugares. Há um con-
não está lá? Então, são vínculos muito cur- junto de questões epistemológicas e pa-
tos, é a realidade, a dinâmica da vida, é um radigmáticas que já questionam isso, uma
sofrimento para o psicólogo também. Não psicologia que produz verdades universais
posso deixar de dizer que a questão do que servem para qualquer lugar do mundo.
vínculo não é só racional, cognitiva, mas a Alguém na mesa anterior falava de muita
nossa capacidade de estabelecer vínculos coisa original, interessante, criativa, que
passa também por um trabalho de análise está sendo inventada nos mais diversos
pessoal, de lidar com os nossos narcisis- lugares. Essa é uma dimensão da própria
mos, com as nossas vaidades, com a con- prática da psicologia, o que não quer dizer
fusão das nossas questões com o outro. cair no senso comum, na improvisação e no
Então, o nosso próprio trabalho pessoal, amadorismo, porque eu costumo ser muito
ele produz um efeito na possibilidade de
a gente estabelecer vínculos com as pes-
soas. Os trabalhadores também sofrem, Há um conjunto de questões
tem muito sofrimento nos trabalhadores. epistemológicas e paradigmáticas
Também costumo dizer que as Prefeitu-
que já questionam isso, uma
ras, infelizmente, não costumam primar
pelo que eu chamo do Estado de Direito, psicologia que produz verdades
não é mesmo? As Prefeituras, às vezes, universais que servem para
são lugares nos quais o Estado de Direito qualquer lugar do mundo
Os psicólogos, não sabemos tudo, temos 41
os psicólogos também precisam muita coisa para inventar e criar. Os assis-
ocupar não só a ponta do serviço, tentes sociais também. Temos que aprender
com eles e eles terão que aprender conosco
mas espaços de gestão na
também muitas coisas. É um trabalho que
administração municipal, para poder

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


realmente exige sair inclusive desse narci-
implementar nos serviços outras sismo, o Freud chamava de narcisismo das
lógicas, um trabalho que tenha uma pequenas diferenças. O que é específico
direção propriamente política, não do psicólogo, específico do assistente so-
apenas terapêutica, para ficar com cial ou do pedagogo? Se a gente estuda um
pouco Michel Foucault, por exemplo, vamos
esse termo, pedagógico-terapeutica
ver que essas três áreas de conhecimento,
psicologia, pedagogia e serviço social são
crítico com isso também, mas essa liberda- irmãs siamesas. Todas elas são pedagógi-
de, essa possibilidade de ousar, criar coisas cas, todas elas são terapêuticas, todas elas
que não existem nessas relações, nesses fazem intervenções. isso nos permite tam-
vínculos. É interessante que essa dicotomia bém, falando do comum, como apontava a
do vínculo (se apega, é mandado embora…, professora Bader, pensar num campo co-
se abraça muito, não, você não pode ser frio, mum e possibilidades de subversão. Claro,
mas o vínculo é curto…) já é uma coisa que o sem nenhum tipo de onipotência, porque, de
irwin Gofman discute num livro famoso dele, fato, é uma questão essa também, os psi-
Manicômios, prisões e conventos. Ele fala cólogos também precisam ocupar não só a
da instituição de internação, mas é interes- ponta do serviço, mas espaços de gestão na
sante como eu venho ouvindo as pessoas administração municipal, para poder imple-
falarem: “Se o psicólogo do Cras se apega mentar nos serviços outras lógicas, um tra-
muito à população, tira ele e põe no Creas, balho que tenha uma direção propriamente
manda ele trabalhar na secretaria… Não, não política, não apenas terapêutica, para ficar
pode ter vínculo.” Tem umas coisas muitos com esse termo, pedagógico-terapeutica.
loucas que a gente faz por aí. Então, essa Para implementar um trabalho psicológi-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


questão do vínculo é importante. Alguém co que tenha um viés político também nas
falava das equipes multidisciplinares. Eu Prefeituras, nos nossos locais de trabalho,
estou longe aqui de dizer para vocês que o é preciso que nós psicólogos também atue-
SUAS é uma paixão inútil. Muito pelo contrá- mos na gestão. Essa é uma dimensão im-
rio, o SUAS nos trouxe... Eu trabalhava com a portante e, às vezes, eu pergunto para os
psicologia comunitária na universidade, não alunos: “Quem quer aqui ser secretário muni-
tínhamos onde trabalhar, os psicólogos da cipal?” Respondem para mim: “Não estamos
psicologia social e comunitária. Hoje, temos pensando nisso.” Não temos isso, às vezes,
os CRAS, os CREAS, temos as entidades de no nosso horizonte, como um espaço im-
atendimento, temos um conjunto de esta- portante. As pessoas, individualmente, não
belecimentos, temos brechas institucionais, resolvem as coisas. Mas, algumas pessoas
como a professora Bader apontava. Nós te- diferentes, em lugares chaves, realmente
mos é que conseguir nos articular, conseguir podem fazer bastante diferença. Eu encer-
nos apropriar de conhecimentos, de informa- ro por aqui a minha fala e agradeço a opor-
ções e construir equipes multidisciplinares. tunidade.
42
Painel
Desafios e perspectivas para valorizar o trabalho
social, qualificar os serviços ofertados e efetivar o
SUAS como política pública de garantia de direitos.

Joari Aparecido Soares de Carvalho


Conselheiro do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.

Boa tarde, novamente, a todas, a todos. de São Paulo, no Brasil e nos municípios
Queria retomar aqui, vou iniciar me reapre- onde todos nós atuamos ou poderemos
sentando, já que algumas pessoas estão vir a atuar. Muito do que a gente discutiu
chegando hoje. Sou Joari Carvalho, sou psi- ontem na conferência, muito do que se
cólogo, sou trabalhador da Assistência So- discutiu nas oficinas, poderá voltar aqui à
cial em Suzano, onde atuo no Departamen- tona, entendendo que boa parte das ques-
to de Vigilância Socioassistencial. Neste tões e de algumas dificuldades podem ser
momento, faço parte do Conselho Regional acolhidas e superadas com esses quatro
de Psicologia como conselheiro, na atual elementos da Política de Assistência Social
gestão, o 14º Plenário e, pelo Conselho, avançando; porque entendemos que dei-
tenho participado da representação no Fó- xam a desejar, e nós todos precisamos ser
rum Estadual de Trabalhadores do SUAS, e protagonistas desses processos de supe-
participava na representação na Frente Es- ração das dificuldades em relação a esses
tadual Parlamentar em Defesa do SUAS em quatro eixos, para o que, inclusive, já con-
São Paulo. Queria entrar, então, na ideia do vocamos todos vocês a continuarem esses
painel, que é a última etapa do seminário. debates nos nossos locais de trabalho, nos
O painel foi construído para que a gente ti- movimentos sociais, nos órgãos onde tra-
vesse alguns aspectos considerados muito balhamos, para que não fiquemos restritos
importantes estrategicamente para avan- somente ao debate de hoje, nessa tarde de
çarmos na Política de Assistência Social. sábado. Vou compor aqui a mesa do painel,
No tema do painel, nós temos os desafios convidando a Stela da Silva Ferreira, gra-
e perspectivas para valorizar o trabalho duada em ciências sociais pela Universida-
social, qualificar os serviços ofertados e de de São Paulo, mestre e doutoranda em
efetivar o (SUAS) como política pública de serviço social pela Pontifícia Universidade
garantia de direitos. Cada pessoa que vai Católica de São Paulo. Ela atuou por 10
compor o painel recebeu um convite pedin- anos como pesquisadora na Universidade
do que trouxesse uma consideração sobre de São Paulo, na área de direitos sociais de
um dos quatro aspectos que, fazendo dis- famílias trabalhadoras. É pesquisadora do
cussões, analisando muitas questões que Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguri-
chegam ao CRP e os debates da própria Po- dade e Assistência Social, o NEPSAS, PUC/
lítica de Assistência Social, foram conside- São Paulo. Participa de coletivas de profis-
rados inadiáveis para a gente aprofundar. sionais voltados à elaboração, sistemati-
E, aí, queríamos aproveitar essa oportuni- zação e realização de processos de edu-
dade para discutir o Plano Estadual de Edu- cação em serviços do SUAS. É consultora
cação Permanente e Capacitação, a gestão em educação permanente na Assistência
do trabalho, a mobilização dos trabalhado- Social, em âmbito federal e municipal, e é
res e das trabalhadoras e a mobilização de docente em cursos de pós-graduação e es-
pessoas usuárias dos serviços no Estado pecialização com foco em políticas sociais,
promover o exercício da cidadania por meio 43
Muito do que a gente discutiu da participação popular e garantir formas
ontem na conferência, muito do alternativas de acesso à Justiça. É profes-
sora colaboradora das ações de educação
que se discutiu nas oficinas, poderá
política da Fundação Konrad Adenauer, a
voltar aqui à tona, entendendo

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


quem nós convidamos para falar sobre a
que boa parte das questões e de Política Estadual de Capacitação e Edu-
algumas dificuldades podem ser cação Permanente. Queria chamar Marcos
acolhidas e superadas com esses Melão, participante do Fórum Estadual de
quatro elementos da Política de Trabalhadoras e Trabalhadores do SUAS
de São Paulo, desde sua criação. Foi coor-
Assistência Social avançando;
denador, por uma gestão, representando
porque entendemos que deixam a o Sindicato dos Sociólogos do Estado de
desejar, e nós todos precisamos ser São Paulo, o SiNDSESP, onde atualmente é
protagonistas desses processos secretário geral. É funcionário público con-
de superação das dificuldades em cursado na Secretaria de Desenvolvimento
relação a esses quatro eixos Social e associado da Associação dos Tra-
balhadores em Desenvolvimento Social do
Estado de São Paulo), a ATDCESP, a quem
a quem nós convidamos para falar sobre a convidamos para falar sobre a mobilização
gestão do trabalho. Quero convidar Maria das trabalhadoras e dos trabalhadores de
izabel Cunha Soares, advogada, formada São Paulo. E, sobretudo, Anderson Lopes,
pela PUC/São Paulo. Ela é diretora execu- do Movimento Nacional da População em
tiva da Escola de Desenvolvimento Social Situação de Rua, que trata do protagonis-
do Estado de São Paulo. É mestre em direi- mo das pessoas usuárias dos serviços da
tos humanos pela Faculdade de Direito da Assistência Social, a quem, evidentemente,
USP, foi coordenadora do Programa Centro fizemos a convocação para nos mobilizar
de integração da Cidadania, CiC, ligado à para a colaboração nesse processo de mo-
Secretaria da Justiça e Defesa da Cidada- bilização das pessoas usuárias dos servi-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


nia do Estado de São Paulo, cuja missão é ços da Assistência Social.
44 Maria Izabel Cunha Soares
advogada, formada pela PUC/São Paulo, diretora executiva da Escola de Desenvolvimento Social do Estado
de São Paulo, mestre em direitos humanos pela Faculdade de Direito da USP, foi coordenadora do Programa
Centro de Integração da Cidadania, ligado à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São
Paulo, professora colaboradora das ações de educação política da Fundação Konrad Adenauer.

Boa tarde a todas e a todos! É com grande aqui, na abertura, e que eu assisti o vídeo o
alegria e bastante nervosismo que aceito “Tecido e o Tear”, eu me senti bem localizada.
esse convite de estar nessa mesa de deba- Eu falei: “Tem tudo a ver com a minha prática,
te. É a primeira vez que eu vou falar para um com a minha história.” Porque foi um vídeo
público eminentemente de psicólogos. Eu basicamente na defesa dos Direitos Huma-
sei que dentro da área do SUAS, a minha ca- nos, e a gente entende os direitos sociais a
tegoria se encaixa; porém, ela é a minoria. forma de efetivar os Direitos Humanos.
Os advogados, apesar de serem também Quando pensamos na história recente do
trabalhadores do SUAS, são uma categoria nosso país, com o advento da Constituição
bem pequenininha e talvez precise ser maior Federal de 1988, temos uma mudança de
e ter uma atuação mais engajada. Acho que paradigma: sair de uma política assistencia-
é importante, antes de falar sobre o Plano lista e partir para uma política garantidora
Estadual de Capacitação, explicar rapida- de direitos. E o SUAS nada mais é que uma
mente como eu vim parar nesta posição. A grande política garantidora de direitos; é a
minha formação e principalmente o caminho forma de a gente ter a política pública que
que eu segui dentro do direito me levou a vai efetivar aqueles direitos que estão pre-
escolher a minha área de especialização, conizados na lei. Com base nessa legislação,
que é educação em Direitos Humanos. Mas e que a gente tem mais recentemente a
eu chego à assistência por um outro cami- questão da educação permanente, é então
nho. A minha área de pesquisa foi a educa- que entra a EDESP, a Escola Estadual de De-
ção popular, como você divulga e dá acesso senvolvimento Social, que é voltada para to-
a direitos para a população para que, em pri- dos os trabalhadores envolvidos no SUAS.
meiro lugar, ela tenha conhecimento de seus Embora ela esteja na Secretaria Estadual de
direitos e depois encontre uma forma de ga- Desenvolvimento Social, ela é voltada para
rantir esses direitos. Foi nessa experiência todas as pessoas do Estado que trabalham
que eu tive na Secretaria da Justiça, coorde- com essa política. Então, é importante eu
nando os Centros de integração da Cidada- estar aqui hoje e ter esse canal aberto com
nia, espaços voltados para a participação vocês, que são pessoas que operam essa
popular que o meu trabalho foi se aproxi- política e que também podem demandar da
mando da assistência e, principalmente, do EDESP projetos de capacitação, entendi-
usuário da assistência, se a gente chamar mento de determinadas situações que ain-
dessa forma o público-alvo, a quem a políti- da não estão claras na construção da políti-
ca se destina, que são principalmente as po- ca. Durante os relatos das oficinas, que eu
pulações em áreas de alta vulnerabilidade ouvi antes dessa mesa começar, duas coi-
social. Por conta disso e também por conta sas me chamaram bastante atenção. Uma
da minha formação, eu não consigo abordar delas foi a necessidade de repensar e refle-
um assunto sem pensar no seu amparo le- tir sobre a nossa prática. A EDESP quer ser
gal. Então, ontem, quando a gente estava um espaço de referência para, justamente,
ção de aniversario da Escola, que completa 45
os espaços de formação três anos, e convidamos para compor uma
mesa de debates uma pessoa do CEFOR,
são voltados para manter os que é o centro de formação da área da Saú-
questionamentos, manter o ponto de, que vai falar como foi o desafio para o

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


crítico, manter as críticas, mas SUS implantar um programa de educação
permanente e formação continuada dos
olhando para somar, e não para profissionais da Saúde. A gente escolheu o
anular aquilo que o outro pensa e SUS porque encontra muita intersecção en-
com que o outro trabalha tre a mudança das leis, a implantação do

essa reflexão, esse repensar sobre a práti- Não posso deixar de falar que,
ca. Claro que as novidades, as coisas que
vão aparecendo, as mudanças que vão
finalmente, esperamos, a escola
ocorrendo, é muito importante que elas che- consiga realizar o CapacitaSUAS,
guem a cada um de vocês, mas também é que ainda não foi realizado aqui
necessário que se possa proporcionar espa-
ços para repensar essa prática. É também
no Estado.
com essa perspectiva que a EDESP quer tra-
balhar. E outra questão colocada foi a da ri-
validade. isso não é uma questão restrita SUS, com o SUAS, e o programa de educa-
apenas à assistência. A gente percebe que ção permanente das duas áreas. Uma outra
profissionais de áreas distintas que estão área que convidou para esse evento foi a
praticando a mesma política pública, muitas Escola de Defensoria Pública do Estado,
vezes, entram em um terreno quase que es- porque ela tem uma vida intermediária entre
túpido de rivalidade, quando na verdade o a implantação do SUS e a do SUAS, também
que precisamos fazer é unir as forças para trabalha com o mesmo público-alvo da as-
poder tocar a política. Então, também acho sistência. A Defensoria tem um núcleo, o

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


que os espaços de formação são voltados CAM, Centro de Atendimento Multidiscipli-
para manter os questionamentos, manter o nar, formado por assistentes sociais e psi-
ponto crítico, manter as críticas, mas olhan- cólogos, que travam um diálogo direto com
do para somar, e não para anular aquilo que a Assistência Social. Então, acho que será
o outro pensa e com que o outro trabalha. um evento bastante produtivo, porque são
Mais uma coisa que acho também importan- formas de engrandecer a gente engrandecer
te colocar em relação à Escola. A secretaria, a política gerando trocas com outros seto-
neste momento, passa por uma mudança de res. Essa é também uma pretensão da Esco-
gestão, estamos sob o comando de um novo la. Não posso deixar de falar que, finalmen-
secretário, que é o Secretário Floriano Pesa- te, esperamos, a escola consiga realizar o
ro, uma pessoa comprometida com a área CapacitaSUAS, que ainda não foi realizado
da assistência já há muitos anos, ele foi se- aqui no Estado. A gente sabe do compro-
cretário municipal da assistência. Então, é misso com o Ministério do Desenvolvimento
importante colocar para vocês como essa Social e Combate à Fome. isso é fundamen-
nova gestão está enxergando a questão da tal. A gente já fez uma interlocução com Bra-
educação permanente, capacitação conti- sília, e, na semana que vem, vamos receber
nuada e a Escola, nessa perspectiva. Então, a pessoa da região Sudeste, do Ministério,
uma das pretensões da Escola – vou usar para nos dar orientações a respeito da im-
essa palavra, mas a gente espera que consi- plantação do primeiro módulo do Capacita-
ga sair do campo da pretensão para o cam- SUAS, que o Estado de São Paulo ainda não
po da realização – é conseguir travar um di- fez. Mas, o objetivo da gestão do secretário
álogo com outras áreas do conhecimento Floriano é estreitar relações com o Ministé-
que possam engrandecer a área da Assis- rio, entendendo que é importante haver uma
tência Social. Por exemplo, no dia 31 de mar- integração não só entre setores, mas tam-
ço, a gente realiza um evento de comemora- bém entre as esferas federal, estadual e
46 municipal. Outra coisa importante, que não vas diretrizes do PPA e vai ser construído
posso deixar de falar é que a gente, na se- também de forma participativa com as áre-
mana que vem, inicia uma parceria mais in- as da secretaria. Então, só para vocês terem
tensa com a Secretaria Estadual de Direitos uma ideia, eu tenho uma lista aqui de algu-
da Pessoa com Deficiência, para trabalhar mas necessidades que foram levantadas na
um programa de enfrentamento à violência área de desenvolvimento pessoal: técnicas
contra a pessoa com deficiência. E que isso de redação, atendimento ao público com
esteja na agenda das famílias, porque mui- questões de atitudes comportamentais, re-
tas vezes percebemos que essas pessoas lação interpessoal, ética no trabalho, comu-
com deficiência sofrem violência, porém sua nicação e expressão, liderança e motivação,
família não tem suporte, e muitas vezes o negociação e gestão de conflitos; na área
trabalhador do CRAS, do CREAS não sabe técnico operacional: operacionalização do
lidar com essa situação. Então, a nossa in- Sistema Pró-social e procedimentos de ca-
tenção é também promover a capacitação dastramento de entidades sociais, procedi-
nessa área. Ainda seguindo o nosso plano, mentos de licitação, pregão eletrônico, ges-
eu não sei se vocês já têm conhecimento, tão patrimonial de materiais de consumo,
mas o programa Recomeço, que é um pro- análises de prestação de contas sobre con-
grama estadual voltado para a população vênios, emendas parlamentares, manuseio e
usuária de álcool e drogas integrou as ações aplicativos contábeis da administração pú-
da Secretaria de Desenvolvimento Social, no blica, capacitações sobre serviços de prote-
início deste ano, e a ideia é também promo- ção social especial de média e alta comple-
ver capacitações nessa área, que é uma xidade. Só um parêntese, quando falamos
área bastante difícil. Lembrando a fala da da prestação de contas, acho que não po-
colega, aqui, a respeito de como agir, se age demos nos esquecer de falar de um ponto
em cima da redução de danos, como se tra- que está deixando muita gente ansiosa, que
balha com a família; então, uma das verten- é a nova lei das organizações sociais. Não
tes da EDESP vai ser trabalhar com capaci- queremos passar por esse processo em
tação nessa área. Além disso, é necessário branco, então a EDESP também quer poder
proporcionar conhecimento na área de ins- discutir e proporcionar capacitações nessa
trumentais de gestão, porque uma coisa é a área, e as pessoas que estão na ponta, que
área técnica, é saber lidar com a política, ou- trabalham com entidades, sabem o quanto
tra coisa é fazer a gestão dessa política de isso está gerando um certo desequilíbrio,
forma que os dados fornecidos e produzi- um nervosismo por parte das entidades. Na
dos pelos profissionais nessa área possam área de gestão pública: fundamentos e
realmente gerar uma avaliação para se re- princípios na administração pública, supervi-
pensar os rumos que a política está toman- são, monitoramento, orientação e avaliação
do. Acho que tem mais uma questão, que lá de políticas e programas e serviços socioas-
na secretaria a gente leva bastante em con- sistenciais, gestão de orçamento e finanças
ta e da muita importância, é que as ações da públicas com descrição das diversas formas
Escola são pactuadas com outros setores de custeio e suas normas operacionais.
da secretaria, que têm acesso ao que acon- Nosso objetivo, além de realizar o módulo 1
tece na ponta, no dia-a-dia do trabalhador do CapacitaSUAS1, porque há três anos já
do SUAS. Então, nós temos um instrumental, existe a política do Ministério, então, é po-
que é o LNC, que é um instrumental de le- der caminhar junto e construir esse progra-
vantamento de necessidades de capacita- ma de educação permanente do Estado
ção, que é passado para as nossas áreas e contando com a participação de todos os
que chega a nós, para que, junto desse ins- trabalhadores. Acho que, por ora, era isso
trumental e dos coordenadores de áreas da que eu tinha para falar. Agradeço mais uma
secretaria, a gente possa criar o plano anual vez a todos que ouviram e agradeço o Con-
de capacitação. O plano do momento, o PEC selho pelo convite.
2004-2005, se encerra e, a partir de agora,
esse ano, desenhamos o novo plano para
cumprir o Plano Plurianual do Governo do 1 Em 27/10/2016, FUNDAP e SEDS firmaram uma parceria para
execução do SUAS no Estado de S.Paulo, oferecendo 2.250
Estado. O nosso plano vai se adequar às no- vagas em cursos em 29 pontos do Estado.
Stela da Silva Ferreira 47
Graduada em ciências sociais pela Universidade de São Paulo, mestre e doutoranda
em serviço social pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social, na PUC/São Paulo,
docente em cursos de pós-graduação e especialização com foco em políticas sociais.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Boa tarde a todos e a todas! Quero agradecer
imensamente a oportunidade de compor esta Vou trazer aqui uma reflexão de
mesa, este painel, e acho que é um privilégio
participar de uma mesa com essa composi-
como não fazemos discussão de
ção; enfim, agradecer de coração. E quero di- gestão do trabalho dissociada da
zer também que a oportunidade de ter parti- diretriz de participação social.
cipado deste grande encontro, desde ontem,
também marca um pouco as intensidades e ticipação. Vou trazer aqui uma reflexão de
as ênfases que eu vou fazer aqui, na minha como não fazemos discussão de gestão do
contribuição a esse debate. Então, eu quero trabalho dissociada da diretriz de participa-
agradecer às pessoas que conviveram comi- ção social. Então, eu vou tratar um pouco
go na oficina, ontem, à tarde, e às pessoas desse ponto de forma bastante rápida e eu
que hoje, pela manhã, também, na oficina com faço essa escolha motivada por duas coisas.
a Rozana1, puderam me alimentar e atiçar um

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Uma delas tem a ver com o meu doutorado
pouco mais para essa conversa. Fui convoca- em que tento buscar um modo para que a
da a trazer uma contribuição de um lugar um gente não esqueça que essa política tem me-
pouco mais amplo do que aquele em que eu mória. Temos enfatizado muito que essa polí-
venho estudando há muito tempo, trabalhan- tica é nova, e de fato ela é, de um certo ponto
do e militando na área do SUAS, que é a dis- de vista, mas ela é também uma construção
cussão da educação permanente. Mas, como política em espaços que podem ser aperfei-
a gestão do trabalho que a gente vem cons- çoados, e seguramente devem ser ampliados,
truindo num processo de debate é mais am- que são as conferências e os conselhos. Por
pla do que a discussão da educação perma- isso, então, eu escolhi trazer a história da
nente, vou trazer algumas contribuições gestão do trabalho no âmbito das Conferên-
parciais, pois não vou dar conta da totalidade cias de Assistência social, e aí também fiz
dessa discussão, porque seguramente eu se- essa escolha política, porque estamos no ano
rei complementada pelas falas do Marcos e de Conferência. Em 2013, nós fizemos um ba-
do Anderson. Vou falar de um percurso que lanço de 8 anos de implantação do SUAS e o
tem três momentos. Então, no primeiro deles mote deste ano é projetar os próximos 10
é uma diretriz muito cara à Política de Assis- anos, o que queremos e para onde queremos
tência Social, desde sua construção, em 88, ir. isso é uma coisa que me convocou para es-
herdeira daquilo que a gente tem de melhor tar aqui com vocês. Eu queria pedir rapida-
da tradição dos movimentos populares, que é mente: Quem daqui da plenária já participou
garantir na Constituição de 88 o direito à par- de conferências municipais de Assistência
Social? Das estaduais? E da nacional? Então,
temos aqui pouquíssimos companheiros que
1 Ver síntese da oficina 17 - Trabalho em equipe multiprofis- conseguem fazer esse caminho. Mas, isso é
sional e a concepção de interdisciplinaridade, realizada por
Rozana Fonseca. normal porque os processos de representa-
48 dade que o maior número de pessoas e sujei-
Confundimos participação com tos políticos pode ter para influenciar deci-
corpo presente, a lista de frequência sões. Então, essa é a participação que a
gente quer, não só o corpo presente, não só a
assinada, que nos informa quantas
lista de presença assinada ou de que as pes-
pessoas participaram de um soas possam manifestar opiniões. Mas que
evento. Isso é um comecinho de essas opiniões, no fundo, recebem uma aco-
participação, mas o que a gente lhida condescendente, que é muitas vezes
quer mesmo é do ponto de vista de como a gente escuta as falas de quem a gen-
redistribuição do poder. E sabemos te entende, reproduzindo uma lógica de su-
balternidade. A gente faz uma escuta con-
que o poder na sociedade em
descendente, acha bonitinho, mas faz outra
que a gente vive é extremamente coisa. A participação é numa perspectiva de
concentrado, infelizmente que a gente possa não só ouvir, valorizar, mas
fazer com que essas forças possam compor
ção vão ascendendo por delegação e por por- um campo de decisão. É deste ponto de vista
te de Município e de Estado. Vocês vejam que que eu vou falar com vocês. O espaço das
a participação é mais ampla em âmbito muni- conferências podem ser aperfeiçoados, mas
cipal; ou seja, eu só quero chamar atenção, eles têm sido um espaço de influência de de-
então, que a construção da pauta política de cisão daqueles que vêm participando dos
Assistência Social começa agora nas confe- processos e das instâncias participativas do
rências municipais. Eu e a Abigail Torres cons- SUAS. Eu achei que era oportuno retomar
truímos como uma forma de simplificar sem essa concepção de poder só para eu explici-
ser simplista o que seriam composições de tar para vocês de que maneira eu estou en-
uma gradação de participação. Nos trabalhos tendendo esse poder. Não é uma definição
que fazemos, temos entendido os processos muito extensa, mas é basicamente uma defi-
de participação como uma mera presença nição que o Foucault usa para discutir o bio-
das pessoas na conferência, no conselho ou poder. Ele vai dizer que o poder não é uma
nas reuniões socioeducativas, nos trabalhos propriedade; portanto, quando estamos dis-
que fazemos. Confundimos participação com cutindo processos de participação como pro-
corpo presente, a lista de frequência assina- cessos de redistribuição de poder, não esta-
da, que nos informa quantas pessoas partici- mos dizendo que o poder é propriedade de
param de um evento. isso é um comecinho de alguém e que, portanto, eu preciso retirar a
participação, mas o que a gente quer mesmo propriedade de alguém para poder ter poder.
é do ponto de vista de redistribuição do po- Não é esta a concepção de poder que estou
der. E sabemos que o poder na sociedade em adotando aqui, não é que enquanto um tem, o
que a gente vive é extremamente concentra- outro não tem. Temos poderes, e o que trata-
do, infelizmente. A gente veio construindo mos é de que modo exercitamos esse poder,
uma perspectiva de gradação de modo que quais são as modalidades de exercício desse
as conferências, o conselho e os planejamen- poder, mas não de quem é esse poder. E um
tos sejam do CRAS, sejam do planejamento, segundo aspecto, que eu acho que também
acho que alguém aqui de manhã falou um pode nos ser útil, porque tem sido muito fre-
pouco do eco das oficinas de controle, de que quente no SUAS uma fala de que o poder está
a participação começa no cotidiano, no servi- na gestão e os trabalhadores estão sem po-
ço, no planejamento do trabalho do CRAS, do
CREAS e na própria construção do PiA2, do
PAF 3 etc.. E o que a gente veio construindo é A gente espera que algum ente
que o processo de participação tem, digamos, superior nos diga o que temos que
como um ponto de maior complexidade e a
direção que a gente deve adotar, é a capaci-
fazer, porque esse poder está em
algum lugar que não está em mim,
está em algum lugar em que eu não
2 Plano individual de Atendimento estou, não é meu como propriedade e
3 Plano de Acompanhamento Familiar também não está aqui onde eu estou
der. Ou então, que o poder está no MDS, mas um baixo acesso à informação para poder to- 49
que os municípios não têm poder. isso é uma mar decisão. As pessoas estão de corpo
fala muito recorrente. A gente espera que al- presente, estão participando de um processo
gum ente superior nos diga o que temos que de discussão, mas com muito pouca informa-
fazer, porque esse poder está em algum lugar ção para incidir nos processos de decisão. E

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


que não está em mim, está em algum lugar outra coisa é uma frágil realização de uma
em que eu não estou, não é meu como pro- atribuição muito importante do processo de
priedade e também não está aqui onde eu conferência, para que a gente não perca nos-
estou. Essa ideia é contraposta pelo Foucault sa memória histórica, que é conferir as delibe-
em seus escritos sobre o poder disciplinar, di- rações anteriores; ou seja, usar o espaço da
zendo que esse poder é exercício em uma tra- conferência para ver se aquilo que foi dito, re-
ma, em uma malha muito mais distribuída, comendado e construído naquele plenário foi
como ele pode demonstrar em alguns livros de fato desdobrado pelo órgão gestor que
dele. Então, o que eu quero chamar atenção é responde por aquela área, no nosso caso pelo
para a ideia de participação em que o poder é órgão gestor de Assistência Social. Conferir
produtivo, não é negativo, porque ele produz se aquilo foi respondido ou não nos planos e
realidade. Os modos de exercício de poder se aquela decisão coletiva foi expressa con-
produzem realidade. Aí que se assenta o meu cretamente em planos de orçamentos. O que
entendimento. É deste lugar que eu vou apre- a gente tem visto é que as conferências têm
sentar qual foi a realidade que a gente pode feito muito pouco esse exercício e, lamenta-
construir, provisória, histórica, produzida, que velmente, eu diria que a gente tem construído
pode ser aprimorada e potencializada ou re- muito pouca memória de qual é o campo de
construída por nós, que é como a gente cons- luta que estamos travando. Há projetos de
truiu essa pauta da gestão do trabalho na Assistência Social muito distintos nesse país
Assistência Social. Fomos construindo essa e também no Estado de São Paulo. Prezar
ideia ou esse lugar da gestão propriamente, a pela memória e saber qual é a direção que es-
gestão do trabalho, no espaço das conferên- tamos dando, quais são as direções possí-
cias municipais, estaduais e nacional e tam- veis, é um exercício político fundamental. Re-
bém nos conselhos. E como ficamos sabendo sumindo: as coisas que estão puxando esse

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


se tivemos alguma capacidade de influência? processo participativo para baixo são a baixa
Aquilo que eu dizia sobre a gradação de po- informação e a pouca capacidade de conferir
der. Ou se aquela participação foi uma perfu- as deliberações anteriores. Por outro lado, se-
maria, um divertimento, uma distração, por- gundo esses autores, o que impulsiona os
que na verdade as decisões que foram processos de participação é de fato a possi-
tomadas foram em outra direção? Alguns au- bilidade de, a partir da pauta da conferência,
tores, e a gente tem a sorte ter uma delas en- influenciar a agenda pública da Assistência
tre nós, a Rosangela Paz, que também vêm Social. E eu vou mostrar para vocês como a
trabalhando muito essa questão da partici- gente já conseguiu muita coisa em torno dis-
pação e particularmente no espaço das con- so. Agora, todo processo normativo e político
ferências, e vou me basear nesses estudos é instável, então podemos ter supostamente
sobre o entendimento do controle social nas alguns avanços normativos, mas também po-
políticas sociais para dizer duas coisas. Em demos ter recuos. Então, o fato de conquis-
primeiro lugar, tem sido recorrente entre as tarmos algumas diretrizes, vou mencionar
pessoas que vão se dedicando a estudar e a quais são, não significa que ganhamos para
militar na perspectiva do controle social da sempre e podemos dormir sossegados. Este
população sobre o Estado de que as confe- ano é um ano de conferência cujo mote é
rências têm mobilizado um grupo muito gran- “Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026”. Es-
de de cidadãos, e de que é um grupo grande tamos desafiados a pensar o que queremos
de pessoas que vem participando dos pro- para o SUAS até 2026. Foi a sociedade civil
cessos deliberativos. No entanto, o que es- quem propôs. O CRP foi muito feliz quando
ses estudos apontam é que as pessoas que trouxe para a construção desse evento a dis-
participam das conferências - vocês podem ir cussão do trabalho do SUAS não só do ponto
fazendo esse balanço de onde vocês estão, de vista dos serviços, mas também da ges-
com os colegas com os quais convivem - têm tão. Neste ano de conferência, os trabalhado-
50 deliberações referentes à construção de
Os trabalhadores que estão na equipes multiprofissionais na Assistência So-
gestão têm essa incumbência cial. Essas deliberações eram reiteradas nas
conferências em uma reivindicação de que
institucional, que é produzir esse
essa política não é exclusiva de assistentes
campo de visibilidade do que foi sociais, embora eles tenham tido um protago-
efetivamente decidido do ponto de nismo na discussão e na aprovação da Lei
vista das conferências anteriores e Orgânica de Assistência Social. Esse entendi-
que ganhou expressão em planos e mento e essa luta persistente ao longo da
no orçamento público década de 1990 não foi acolhida pela gestão
federal, só foi encontrar eco na decisão do ór-
gão gestor federal em 2006, quando tivemos
res estão nesses dois lugares. Os trabalha-
a aprovação da Norma Operacional de Recur-
dores que estão na gestão, e nem sempre
sos Humanos do SUAS (NOB-RH), que apro-
isso é consenso, nos municípios e no estado,
vou e deu a tradução histórica, limitada, mas
menos ainda, têm um lugar de muita respon-
necessária, do que é uma norma que regula
sabilidade no processo de Conferência, que é
quem são os trabalhadores do SUAS e que,
organizar as informações que devem ser sub-
depois, como vocês bem sabem, foi comple-
metidas à apreciação e à avaliação da socie-
mentada pela Resolução de número 9, que
dade. Os trabalhadores que estão na gestão
reconheceu os trabalhadores de nível médio e
têm essa incumbência institucional, que é
a Resolução de número 17, que reconheceu
produzir esse campo de visibilidade do que foi
os trabalhadores de nível superior, para além
efetivamente decidido do ponto de vista das
daqueles que estavam previstos na NOB-RH.
conferências anteriores e que ganhou ex-
Então, um primeiro ganho concreto que tive-
pressão em planos e no orçamento público. E
mos, depois de mais de 10 anos de conferên-
os trabalhadores que estão ocupando espa-
cia, foi que a luta dos trabalhadores por trazer
ço de delegação ou o espaço da conferência
um reconhecimento institucional de várias
municipal na condição de trabalhadores da
profissões foi materializada na NOB-RH. Te-
sociedade civil e movimentos sociais podem
mos críticas, eu própria fiz muitas críticas à
efetivamente fazer o controle dessas infor-
NOB-RH no meu mestrado, vários de vocês
mações, produzir informações alternativas
seguramente tem críticas, mas temos discuti-
como fez o CREPOP, analisando os dados do
do muito que é preciso implementar a NOB-
Censo de 20134. Essa é uma ferramenta e um
RH e ir aperfeiçoando, pois ela não é uma ca-
instrumento importantíssimo do meu ponto
misa de força, é uma norma de orientação e é
de vista para vocês se apropriarem dos da-
evidente que pode ser aprimorada no campo
dos do Censo SUAS, para organizar a vocali-
de força e de luta que são travadas no Muni-
zação política do conjunto dos trabalhadores
cípio e no Estado. Ela não engessa, mas orien-
ou dos psicólogos, isso é uma construção de
ta. Essa é outra discussão que nós precisa-
vocês, mas seguramente usufruir desse dado
mos fazer também, não tomar as normativas
e dessa informação é fundamental Então, os
como um ponto final, mas considerá-las um
trabalhadores que ocupam esses dois luga-
ponto de novo começo. Outro campo de dis-
res, seja na gestão ou como trabalhadores
cussão no âmbito das conferências, isso des-
representando a sociedade civil, nós temos
de 1995, que foi a primeira conferência nacio-
um lugar importante na conferência. E aí eu
nal, era a necessidade de que os Municípios
vou passar para a próxima questão referente
tivessem uma contrapartida em recursos hu-
ao impacto das deliberações de Conferência
manos toda vez que recebessem financia-
nos ganhos institucionais que temos hoje na
mento ou dinheiro do Governo Federal. Então,
gestão do trabalho. Eles são de três ordens.
havia no espaço da conferência uma defesa
Em primeiro lugar, tínhamos um conjunto de
de que os municípios instituíssem equipes
concursadas para poder receber recursos do
4 Refere-se ao “Levantamento sobre psicólogas(os) que atuam
Governo Federal. Não se sabia, não me pare-
na Assistência Social no Estado de São Paulo”, realizado pela ce que os trabalhadores soubessem clara-
unidade de São Paulo do Centro de Referência Técnica em mente que essa requisição demandava ou
Psicologia e Políticas Públicas – Crepop, apresentado neste
seminário e disponibilizado neste Caderno Temático. estava num campo muito difícil nos anos 90.
Muitos de vocês devem lembrar, na socieda- 51
de havia uma questão muito pejorativa o lu- não estamos falando aqui de uma
gar do servidor público. O momento histórico Política de Educação Permanente
que a gente viveu, em que se depreciou muito
pensada por notório saber, por pessoas
esse lugar. Esse lugar foi alvo de chacotas,
que ocupam cátedras e, tampouco, só

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


como um lugar de ineficiência, de incompe-
tência; enfim, de várias atribuições negativas de trabalhadores; estamos falando da
que foram colocadas nesse lugar. E, sobretu- gestão do trabalho em uma perspectiva
do, não colado nisso, mas uma discussão que participativa que inclui trabalhadores,
era feita à época também era a importância usuários, gestores, conselheiros e
da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi
também as universidades e os centros
aprovada em 2000 e também engessou muito
a capacidade dos Municípios no que diz res- de formação, porque tendemos a
peito ao gasto com pessoal. O cumprimento traduzir meramente como demanda
dessas deliberações reiteradas nas confe- de capacitação o que vocalizam os
rências de Assistência Social levou a uma di- trabalhadores para os gestores, que
ficuldade de resolução, porque isso implicava encomendam isso para as universidades
uma alteração na Constituição Federal. A
Constituição Federal impede que o Governo
Federal faça cofinanciamento de profissio- foi revista. E aí, então, essa resposta a essa
nais contratados em âmbito municipal; ou demanda dos trabalhadores, de uma Política
seja, havia uma dificuldade institucional bas- de Educação Permanente se materializou na
tante grande. Então, houve o esforço do Go- aprovação, em 2013, da Política Nacional de
verno Federal no sentido de criar argumentos Educação Permanente do SUAS, e que traz
para alterar o texto constitucional, e aí a nos- mudanças bastante profundas do ponto de
sa conquista foi o envio, por iniciativa do Go- vista da participação. Vou destacar dois pon-
verno Federal, da Secretaria Nacional de As- tos que eu acho que valem para esta conver-
sistência Social, ao Congresso, a lei que sa. Primeiro ponto, procuramos trazer para
aprovamos, que é a “Lei do SUAS”, a 12.435, dentro do texto da Política Nacional de Edu-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


em que temos uma grande conquista para a cação Permanente a radicalidade possível,
gestão do trabalho na Assistência Social, em porque não é a desejável, que era como trazer
seu artigo 6º-E, ao dizer que os Municípios o princípio da descentralização e da partici-
podem receber recursos federais para paga- pação para dentro disso. E estão lá, como vo-
mento, cofinanciamento; ou seja, uma parte cês podem ter conhecimento, os Núcleos de
do dinheiro é do recurso do tesouro municipal Educação Permanente, que são espaços de
e uma parte do federal para poder cofinanciar produção de demandas de capacitação e for-
as equipes de referência, sejam elas dos ser- mação dos trabalhadores, compostos por
viços, sejam elas da gestão. Esse é um se- trabalhadores, universidades e usuários. En-
gundo ganho que é fruto da luta dos trabalha- tão, não estamos falando aqui de uma Políti-
dores, dos usuários e dos militantes dessa ca de Educação Permanente pensada por no-
política. E um terceiro, que me é especialmen- tório saber, por pessoas que ocupam cátedras
te caro, é a demanda, desde sempre, desde e, tampouco, só de trabalhadores; estamos
que o mundo é mundo, de que os trabalhado- falando da gestão do trabalho em uma pers-
res precisam de capacitação continuada. isso pectiva participativa que inclui trabalhadores,
é consenso desde mil novecentos e volts, que usuários, gestores, conselheiros e também as
precisamos de capacitação continuada. Essa universidades e os centros de formação, por-
é uma deliberação que também demorou que tendemos a traduzir meramente como
muito tempo para encontrar uma resposta, demanda de capacitação o que vocalizam os
que foi feita parcialmente em 2011, com a pu- trabalhadores para os gestores, que enco-
blicação de uma versão preliminar de uma Po- mendam isso para as universidades. Acho
lítica Nacional de Capacitação, para a qual que tentamos, na medida do possível, no es-
alguns militantes e pesquisadores foram con- paço que tínhamos, ampliar isso. O esforço
vidados a oferecer contribuições. Eu fui uma todo de mobilização e de participação de tra-
delas. Obviamente, a gente faz crítica, e ela balhadores, usuários e conselheiros foi mate-
52 rializado dessa forma historicamente, é isso trabalhadores, consenso sobre a importância
que conseguimos. Temos ainda muita dificul- dos usuários façam também o controle do
dade, que falar da demanda de Planos de Car- nosso trabalho? Acho que o controle social da
reiras, Cargos e Salários, demanda funda- população sobre o trabalho técnico é algo
mental para valorização dos trabalhadores. que discutimos muito pouco. Então, eu só
isso também é uma vocalização nas confe- queria dizer que, do meu ponto de vista, e as
rências. Mas, o que eu queria dizer, do ponto pessoas que já me ouviram falar em outros
de vista da gestão do trabalho, é que, se es- espaços, como no Fórum dos Trabalhadores,
tamos sendo convocados neste ano de 2015 sabem que esse é um acento que eu venho
a projetar o que queremos politicamente para fazendo, nenhum conhecimento da universi-
os próximos anos, eu diria que aquilo que a dade, nenhum diploma, nenhuma trajetória
gente conquistou como texto normativo ca- profissional substitui o contraditório e a alte-
rece de aprofundamento de discussões, e ridade com usuário. Nós não estamos pron-
muitas delas foram feitas nessas oficinas tos para atuar nessa política antes de encon-
aqui, ontem e hoje. E uma delas é que, embora trarmos concretamente sujeitos à nossa
tenhamos definido no texto legal, na NOB-RH, frente, com quem a gente vai continuar pro-
o que são equipes de referência, mas esta- duzindo conhecimento. Nós não estamos
mos funcionando, como conversávamos pela prontos, preparados de antemão. E o funda-
manhã, na oficia coordenada pela Rozana5, de mental, para isso, é discutir a gestão do tra-
forma multiprofissional, mas não estão fun- balho desta perspectiva. Vou encerrar com
cionando nem em uma perspectiva interdisci- uma última ponderação sobre outro foco de
plinar, ou seja, de colaboração e construção tensão, que é a cisão muito forte entre o que
de novos saberes, a contento, podemos ter entendemos por trabalhadores e o que en-
algumas honrosas exceções, e também não tendemos por gestores. A gente ainda não
temos ainda as equipes efetivamente dos acolheu, do ponto de vista da pauta da ges-
CRAS e dos CREAS como referência de prote- tão do trabalho, um modo mais produtivo de
ção social para a população. Então, acho que poder entender que quem está na gestão
essa, do ponto de vista da gestão do trabalho também é trabalhador do SUAS. Então, isso a
e do instrumento que temos, é uma constru- gente precisa amadurecer um pouco mais o
ção a ser feita, nos próximos 10 anos. Qual é que significa isso. No momento das conferên-
a referência que a população vai ter de nós cias, isso fica particularmente acirrado. Con-
como proteção, e não como controle ou todas cluindo, acho que nos próximos anos, nossa
as questões que foram trabalhadas ontem, tarefa é discutir melhor o controle social do
aqui, de uma mera atitude ou processos de usuário sobre o nosso trabalho, qual é a refe-
trabalho que sejam de coerção, de controle rência de proteção social que estamos cons-
truindo para essa população e o que estamos
entendendo mesmo por trabalhadores, se es-
tamos excluindo ou colocando de lado os tra-
Acho que o controle social da balhadores que estão atuando na gestão,
população sobre o trabalho que me parece estar sendo um debate muito
técnico é algo que discutimos mais de acirramento do que de composição
produtiva politicamente.
muito pouco

etc.? Uma outra perspectiva, que a professo- Nós não estamos prontos para
ra Berenice Rojas trouxe na conferência que atuar nessa política antes de
teve como foco os trabalhadores do SUAS,
em 2011, cuja pergunta cabe, ainda, infeliz- encontrarmos concretamente
mente, que é quanto a gente tem, enquanto sujeitos à nossa frente, com quem
a gente vai continuar produzindo
5 Ver síntese da oficina 17 - Trabalho em equipe multiprofis- conhecimento. Nós não estamos
sional e a concepção de interdisciplinaridade, realizada por
Rozana Fonseca. prontos, preparados de antemão.
Gervison Marcos Melão Monteiro 53
Sociólogo, representante do Fórum Estadual dos Trabalhadores do
Sistema Único de Assistência Social trabalha na Diretoria Regional de
Assistência Social, órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento
Social do Estado de São Paulo, na DRADS Grande São Paulo - ABC.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Boa tarde a todas as pessoas! Estou trazen-
do aqui uma reflexão sobre o movimento de muitos de nós já estávamos
trabalhadores do SUAS, e estou apontando
algumas datas, relacionando-as com alguns
participando da construção de
outros eventos. Nós tivemos, em 1988, o ad- todo esse processo e atuando em
vento da Constituição Nacional, que nos trou- todas essas que nós pudemos
xe uma base sobre a Política da Assistência
Social, mudando aquele seu ar benevolente,
dizer conquistas para o conjunto
generoso e caridoso para uma política de di- da sociedade brasileira
reitos. Depois, nós tivemos mais à frente, em
1993, a aprovação da Lei Orgânica da Assis- 2013, em que foi consolidada a Carta de Prin-
tência Social; em 2004, a Política Nacional de cípios do Fórum Nacional dos Trabalhadores
Assistência Social; em 2006, a conquista da do SUAS, compondo uma coordenação nacio-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


NOB-RH, Norma Operacional Básica de Re- nal. Outro item advindo de todo esse proces-
cursos Humanos; a Tipificação Nacional dos so de articulação dos trabalhadores foi a afir-
Serviços Socioassistenciais, em 2009; Reso- mação, e isso continua sendo algo muitíssimo
lução 17, que definiu os profissionais de nível importante, da identidade dos trabalhadores
superior da assistência em 2011; em 2012, a e das trabalhadoras do SUAS como classe
NOB-SUAS; e agora, em 2014, a conquista trabalhadora e como protagonista na qualifi-
também de uma Resolução, a 9/2014, que cação da Política de Assistência Social. En-
também define os profissionais de nível mé- tão, isso é uma diretriz que está dada nos
dio e fundamental. Estou dizendo tudo isso nossos documentos tanto no âmbito estadu-
para apontar que, mesmo antes de 2009, sem al quanto no âmbito federal, pois o Fórum Es-
estarmos articulados enquanto trabalhado- tadual tem a relação direta com o Fórum Na-
res do SUAS, muitos de nós já estávamos cional, somos um único corpo. Apresento,
participando da construção de todo esse pro- agora, a lógica dos caminhos percorridos por
cesso e atuando em todas essas que nós pu- nós do Fórum Estadual dos Trabalhadores do
demos dizer conquistas para o conjunto da SUAS. Como disse, desde antes de 2009, já
sociedade brasileira. Então, em 2009, 2010, existiam várias mobilizações para a constru-
nós tivemos um amplo processo que vinha, ção do Fórum e, em 2009, 2010, mais especifi-
desde a conferência de 2007, se articulando, camente, conseguimos realizar várias discus-
que era o processo de construção de um fó- sões sobre o papel dos trabalhadores no
rum nacional. Em 2010, houve o encontro de SUAS, contribuindo, na sequência, para a de-
Fortaleza, em que nós tivemos a participação finição dos profissionais de nível superior do
de 13 entidades de caráter nacional para ini- SUAS e, em 2011, a aprovação da nossa Car-
ciar esse processo de articulação, e seguiu ta de Princípios e da nossa primeira coorde-
fazendo suas ingerências políticas nos vários nação estadual, que contou inclusive com o
encontros de 2011, 2012, culminando em nosso colega de mesa membro do CRP, nosso
54 colega Joari. Nós tivemos nessa mesma com-
posição a participação do CRP, do CRESS, da Os trabalhadores que estão na área
ATOESP, do CREFiTO, do Sindicato dos Psicó- terão que compreender, participar
logos, do Sitraemfa, da Apemesp, da CNTSS e
mais, saber que têm que ser
do Sindicato dos Sociólogos, além dessa pri-
meira coordenação ter contado com a partici- protagonistas para de fato fazer
pação, indicação e eleição direta de represen- valer os direitos dos usuários, os
tantes da plenária, foi uma forma de direitos da sociedade e os nossos
contemplarmos aqueles que estavam partici- direitos enquanto profissionais
pando dos processos sem necessariamente
estar representando esta ou aquela entida-
de, o que foi um grande avanço. Já realizamos o Censo SUAS. Nós temos ainda, também
12 encontros estaduais, muitos descentrali- apontado pelo Censo SUAS, a forma pela qual
zados, alguns aqui na Capital, outros em San- esses trabalhadores foram contratados. Dos
tos, Campinas, Presidente Prudente, já roda- que responderam ao Censo SUAS, foram
mos bastante esse Estado e estamos apontados nos municípios do Brasil 245.259
preparando o décimo terceiro, em abril, que trabalhadores no SUAS, sendo 87 mil estatu-
será realizado em Sorocaba. Discutimos e re- tários, concursados; 26 mil celetistas; e desta-
duzimos a realização de três para dois encon- caria que o total de comissionados, represen-
tros anuais, mas compensar realizando ativi- tando 41 mil; e 90 mil com outros vínculos,
dades voltadas para as rodas de conversa, supera em muito os dois primeiros. Vocês já
para reuniões temáticas, como a que vai ser conseguem, inclusive, imaginar que outros vín-
realizada em parceria com o Sitraemfa, em culos existem ainda nos SUAS? Com todos os
que vamos discutir as questões dos trabalha- avanços, com todas as conquistas que a gen-
dores de nível médio e fundamental. Eu trou- te já teve, no Censo 2013, nós temos 90 mil
xe também algumas informações sobre o trabalhadores que apresentam outros víncu-
contexto atual dos trabalhadores do SUAS. los. E aí, vale a pena destacar, que nós não
Essa informação é referente ao Censo SUAS queremos o Sistema Único de Assistência So-
2013 (Brasil), apontando a quantidade de tra- cial como aquele serviço focado para ativida-
balhadores de nível fundamental (40.630), de de experimental, aquele esquema de primeiro
ensino médio (119.567) e de ensino superior emprego, apenas um local de passagem, por-
(85.062), possibilitando a reflexão sobre essa que esse não me oferece nenhuma garantia
composição dos trabalhadores no SUAS. A de carreira, de crescimento nem salarial, nem
seguir, a informação que consta também no outra perspectiva futura. Se não rompermos
Censo SUAS sobre a quantidade de municí- com isso, não vamos conseguir fazer valer de
pios que informam possuir plano de cargos, fato a Assistência Social dentro da política de
carreiras e salários da Assistência Social, dos direitos para que a gente tem se predisposto.
5.442 municípios, nós temos 454 municípios Dos principais desafios, destaquei alguns dos
que informam ter plano de cargos, carreiras e principais desafios, mas nós temos muitos. É
salários. Particularmente, considero muito. A bastante importante e relevante dizer que
maioria entra na grade geral da Prefeitura, continua sendo um grande desafio para nós
não tem essa especificidade, mas é o que diz termos todos os profissionais de nível funda-
mental, médio e superior entendendo que eles
estão na condição de trabalhadores. Essa afir-
nós não queremos o Sistema Único mação de identidade do trabalhador, da traba-
de Assistência Social como aquele lhadora como classe trabalhadora e como pro-
serviço focado para atividade tagonista da qualificação da Política de
experimental, aquele esquema de Assistência Social continua na ordem do dia.
Nós não podemos abdicar disso. Os trabalha-
primeiro emprego, apenas um local dores que estão na área terão que compreen-
de passagem, porque esse não der, participar mais, saber que têm que ser pro-
me oferece nenhuma garantia de tagonistas para de fato fazer valer os direitos
carreira, de crescimento nem salarial, dos usuários, os direitos da sociedade e os
nem outra perspectiva futura nossos direitos enquanto profissionais. Des-
tacar que a conquista de planos de cargos, dual de negociação para estruturação dos pla- 55
carreiras e salários próprios da Assistência nos de cargos, carreiras e salários; jornada de
Social continua na ordem do dia. A nossa luta 30 horas semanais aos profissionais do Siste-
pela construção das mesas municipais de ne- ma Único de Assistência Social; respeito às
gociação, mesas regionais, mesa estadual e normatizações de conselhos de classe e das

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


da própria mesa nacional de negociação é convenções coletivas referentes aos profis-
uma luta, uma bandeira que continua também sionais do SUAS; fim de repasses via subven-
na ordem do dia. Nós estamos destacando ção e/ou emenda parlamentar, que todos os
uma luta que começou no evento em Santos, recursos da Assistência Social devam estar na
que foi abraçada pelo Fórum Estadual dos Tra- função 8, no Fundo Municipal, e sua aplicação
balhadores do SUAS, que contou com a articu- em conformidade com o Plano de Assistência
lação com o Fórum de Assistência Social da e com o acompanhamento dos conselhos; e
Capital de São Paulo, com o Fórum de Trans- cumprimento das deliberações das conferên-
parência e várias outras entidades, que foi cias. Claro que a nossa pauta é muito mais ex-
uma articulação feita para garantir a adequa- tensa, a luta é muito maior, mas estou apon-
ção da Constituição Estadual às premissas da tando apenas alguns desafios. Sei que a gente
legislação federal, da lei maior, porque a nossa vai sair com os ombros pesados, quase se ar-
legislação continua em desacordo com a Polí- rastando no chão, mas é necessário a gente
tica do SUAS. Então, conseguimos, através da saber o que a gente tem pela frente. No entan-
Frente Parlamentar em Defesa do SUAS no to, quero encerrar destacando uma coisa,
Estado de São Paulo, coordenada pela depu- nada, absolutamente nada disso tem um sen-
tada Telma de Souza e composta de forma tido efetivo se a gente não estiver focando no
pluripartidária pelas bancadas da Assembleia nosso público prioritário, se a gente não tiver o
Legislativa, aprová-la em primeira votação e apoio inclusive do conjunto da sociedade. Nós,
temos um grande desafio pela frente, fazê-la que adoramos falar na Assistência Social de
aprovar em segunda votação, para que ela de referenciamento e contrarreferenciamento,
fato possa valer enquanto lei adequada à le- precisamos entender que, para avançar nas
gislação do SUAS. Esse é o primeiro passo, nossas conquistas, nós precisamos, necessi-
pois nós temos outra tarefa, adequar o Conse- tamos, estar referenciados nos usuários e ter

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


lho Estadual de Assistência Social, que está de fato apoio do conjunto da sociedade. En-
completamente fora da lógica, das normas, de tão, a nossa luta é grande. Não adianta a gen-
tudo a gente puder imaginar dos conselhos. te se lastimar, porque a fila é extensa, tem de
Não tem outro jeito. Estamos tentando avan- preencher o CadÚnico, tem de... Nós vamos ter
çar numa garantia legal, mas a gente vai ter que atender a população que depende do ser-
mais problemas, que vai ser avançar na cons- viço da Assistência Social com qualidade, va-
trução da Política de Assistência Social de fato mos ter que brigar muito para garantir isso,
no Estado de São Paulo. A partir da PEC porque é desse referenciamento que nós pre-
04/2014 seria a reforma geral da Política de cisamos para avançar na nossa conquista. So-
Assistência Social no nosso Estado. Temos zinhos nós não chegaremos a lugar nenhum.
uma pauta com a qual a gente vem caminhan- Então, além da aliança que precisamos ter en-
do desde 2012, 2013, e é uma pauta que apre- tre todos os profissionais de nível fundamen-
senta vários itens: destinação de no mínimo tal, médio e superior, se nós não tivermos, e
5% do orçamento para Assistência Social, não contarmos com esse referenciamento dos
dentro da função 8; CRAS e CREAS, enquanto usuários, a nossa política está capenga.
unidades estatais e profissionais concursa-
dos; implantação da gestão colegiada nos
CRAS e CREAS com equipes multiprofissio-
nais, conforme as resoluções do CNAS; capa- precisamos entender que, para
citações e supervisões técnicas enquanto po- avançar nas nossas conquistas, nós
lítica permanente e definida em conjunto com precisamos, necessitamos, estar
os trabalhadores do SUAS; fim dos plantões
sociais, que infelizmente no nosso Estado e referenciados nos usuários e ter de
em muitos cantos do país ainda existem; im- fato apoio do conjunto da sociedade.
plantação da mesa municipal, regional e esta- Então, a nossa luta é grande.
56 Anderson Lopes
Coordenador do movimento nacional da população de rua – MNPR-SP

Eu gostaria de agradecer ao Conselho Regio-


nal de Psicologia pelo convite Eu gostaria muitos de nós já estávamos
muito de dizer a importância, primeiro, do
usuário com o trabalhador. O que seria isso? É
participando da construção de
um elo e não pode ser criminalizador como o todo esse processo e atuando em
sistema manda. A importância, por isso que todas essas que nós pudemos
através do Fórum Nacional, dos fóruns muni-
cipais dos trabalhadores, nós criamos o Fó-
dizer conquistas para o conjunto
rum Nacional dos Usuários da Assistência da sociedade brasileira
Social. Não é que o Fórum dos usuários sabe
tudo... Não sabe nada! Nossa importância transporte, a alimentação, a dignidade, o usu-
está em discutir a criminalização do trabalha- ário não quer nem saber do borogodó de con-
dor. Tem trabalhador trabalhando 24 por 26 ferência. Mas precisa explicar para ele. Quan-
horas, não tem folga e aí vem uma criminali- do a gente cria CRAS, CREAS, Centro POP é
zação. No equipamento onde eu estava aqui para que ele seja empoderado. Recentemen-
em São Paulo, uma assistente morreu com 29 te, eu pedi à secretaria aqui de São Paulo que
anos de idade, de tanto trabalhar, trabalhava ela emprestasse os cadastradores do CAD
sábado, domingo, dia de semana e não Único para o movimento, porque a gente sen-
aguentou a pressão e teve um ataque fulmi- tiu que lá no Centro POP o povo da rua não ia
nante. isso é prejudicial, principalmente para se cadastrar para Bolsa Família. E quando os
nós, usuários, principalmente para a catego- cadastradores do Centro POP foram lá no
ria. Quero dizer que nós estamos discutindo movimento, eles perguntavam para o mora-
no Conselho Nacional de Assistência Social dor de rua: “Onde você mora? Qual é o seu en-
representação e representatividade. O que é dereço?” Um dia eu sentado no meu computa-
representação e representatividade? A im- dor, fiquei pensando assim: “Uai, endereço?
portância do usuário e do trabalhador, e a Ele mora na rua, dona. Que endereço é esse,
gente vê neste país a falta de trabalhadores moço? O endereço dele é aqui, Rua Campos Sa-
na política e a falta de usuários nos conse- les, 86, no Brás.”, como manda o sistema. Ele
lhos municipais, estaduais e nacionais. Então, pode falar qualquer endereço que ele quiser. É
o Conselho nacional está muito preocupado. nesse sentido que a gente precisa mudar a
Eu coordeno, em Brasília, a Comissão de Polí- lógica, não é perguntar onde você mora, qual
tica da Assistência Social. Então, a gente está o seu endereço, mas sim “Onde você partici-
trazendo esse tema para uma discussão pa? Que CRAS? Que CREAS? Em que serviço de
grande, e eu estou vendo muito a necessida- acolhimento você está? Você está na rede de
de disso. Recentemente, ano passado, a gen- Assistência Social ou não?” Ele vai te respon-
te criou CRAS, CREAS, Centro POP, serviço der. Olha, como é muito mais importante a
disso e daquilo. Daí, você fala, “Vai participar gente ouvir, não questioná-lo. É essa a impor-
da conferência.” Mas, se você não garantir o tância. “Você participa da política do serviço de
Assistência Social?”, assim faz a pergunta. Eu 57
acho que a gente precisa mudar a lógica de “O beneficiário do Bolsa Família é
perguntar, a lógica de pensar e o que a gente tudo vagabundo.”, escutamos muito
está falando aqui é muito importante. Eu vivi
essa fala pejorativa. “O beneficiário
22 anos na rua e sempre, quando eu batia na
do benefício de prestação

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


porta, era “Não, não pode, não atende, não
tem.” Aí a gente vai desgostando de partici- continuada não quer mais trabalhar.”,
par. A importância não é ouvir, mas deixar que isso também. É muita criminalização
ele fale. As regras não podem ser construídas em cima da gente. E a gente está na
para o usuário, para o cidadão de direito, de hora de modificar um pouco isso.
cima para baixo, ela tem que ser modificada.
“E aí, tem muito sal na comida? Como está a
comida?”, e ele poder dizer. Eu participava do Porque todo dia era ligação, o educador, “Cha-
equipamento criado pela gestão do Floriano ma a polícia!”, porque um estourava a porta.
Pesaro, primeiro albergue de família em São Nós falamos: “Não, a regra tem que começar a
Paulo, lá no Brás. Todo dia sumia calcinhas ser modificada. É de construção da escuta, da
dos varais. Na reunião, chegavam os educa- participação do usuário ou do cidadão.” Primei-
dores: “Quem roubou a calcinha?” Ninguém ro, que eu não gosto de falar usuário. Usuário,
respondia, ninguém falava nada, porque a cal- hoje, dá uma conotação muito pejorativa, e
cinha sumiu, o Gasparzinho foi lá e pegou. Aí, principalmente quem é da assistência e quem
a gente falou: “Espera aí, está errado esse trabalha com ela. “Você trabalha com usuário
modo de vir aqui e perguntar para nós.” A gen- de crack, com droga, com isso?”, a gente escu-
te começou a modificar. A assembleia é de ta muito isso. E nós temos que mudar. É cida-
quem? É dos usuários. A gente começou a dão de direito da política do Sistema Único de
convidar os trabalhadores a não mais coorde- Assistência Social. É isso! Nós, agora no Fó-
nar a assembleia, nós começamos a coorde- rum Nacional, também vamos tentar modifi-
nar a assembleia com eles fazendo um relato, car isso através da escuta. Vamos participar
relatório, e depois nós encaminhamos. Come- de todas as conferências, municipais, estadu-
çou a modificar. A gente começou a criar a re- ais e âmbito nacional. Na nacional, queremos

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


gra de baixo para cima, “Sumiu calcinha, sumiu levar a maior participação para começarmos
cueca do varal? O que vocês propõem?” Uns a criar nomes. “O beneficiário do Bolsa Família
propuseram, “A gente quer Big Brother, vamos é tudo vagabundo.”, escutamos muito essa
colocar câmeras lá.” Veio a criminalização, a fala pejorativa. “O beneficiário do benefício de
gente começou a modificar: “Não, se colocar prestação continuada não quer mais traba-
câmara...” Aí a gente falou: “Então, vamos mu- lhar.”, isso também. É muita criminalização em
dar os dias de lavar roupa. Quartos A, B, C e D cima da gente. E a gente está na hora de mo-
lavam roupa tais dias.” Nós tínhamos cinco dificar um pouco isso. Acho que essa escuta,
dias na semana em que nós podíamos lavar quem é o cidadão de direito de fato? Como
roupa, sábado e domingo para quem estava ele acessa essa política? A gente sabe, quem
trabalhando. Quem não trabalhava, tinha se- trabalha na Assistência Social sabe que não é
gunda, terça, quarta, quinta e sexta, rotineira- fácil a garantia tanto dele quanto de quem
mente. Na mudança da própria participação trabalha, do benefício, porque você precisa
não sumiu mais meia, calcinha, cueca, mais preencher cadastro. “Não, a empregada da fu-
nada. Nós proibimos polícia de entrar no nos- lana de tal está recebendo...”. Mas será que ela
so equipamento. Mas como a gente proibiu? não tem direito? Se a gente for olhar quanto
Não é que nós proibimos. Homem que bates- ela ganha, onde estão os filhos, como estão,
se em mulher, dentro do acolhimento, com o será que ela não é? E como a gente tem que
filho, não é que a família ia para fora, como se organizar? A partir de agora, a gente está
era; ele ia para fora, porque nós o botávamos mudando a Resolução 24 no Conselho Nacio-
para fora. E aí, ele voltava à assembleia, a as- nal de Assistência Social, que é a resolução
sembleia decidia com ele, se ele continuava que fala dos usuários, nós estamos mudando,
ou se ele não continuava. E a gente dava uma porque usuários são entidades que não pres-
semana para ele, lá com a família dele, rees- tam, que não recebem recurso para serviços
truturar. A polícia parou de ir ao equipamento. de acolhimento, mas a gente está tentando
58
Como a gente discutir, dialogar a A partir do momento que você vai
participação? São nossos serviços, ao equipamento onde tem guardas
nos serviços de acolhimento, no municipais, onde tem segurança
CRAS, no CREAS. O que precisa, privada, você afasta o vínculo
através de vocês trabalhadores, familiar, porque a família da periferia
trabalhadoras, é fomentar a sofre muita violência policial, e a
participação, a democracia da hora que você fala, “Vai lá ao CRAS,
participação, porque não adianta ao CREAS.”, ele não vai.
falar: “Você tem direito.”
mental, como falou a Stela. Eu, até hoje, estou
mudar essa resolução. A partir do momento falando pelo nacional, nós questionamos até
que eu crio uma entidade que vai preparar, hoje por que os usuários não foram chama-
capacitar nós usuários, aí sim ela tem que en- dos ainda para o CapacitaSUAS, para capaci-
trar. Segundo, eu não me autorrepresento, eu tar na questão dos trabalhadores, para dizer
represento um coletivo. Hoje eu represento a importância da questão dos serviços e as
mais de um milhão de pessoas em situação dificuldades que a gente encontra. A partir do
de rua deste Brasil, mas não só pessoas em momento que você vai ao equipamento onde
situação de rua, também crianças, adoles- tem guardas municipais, onde tem segurança
centes, idosos, mulheres vítimas de violên- privada, você afasta o vínculo familiar, porque
cias... hoje, migrantes que estão vindo para o a família da periferia sofre muita violência po-
nosso país, então, a gente representa a maio- licial, e a hora que você fala, “Vai lá ao CRAS,
ria desse povo. Como a gente discutir, dialo- ao CREAS.”, ele não vai. Como a gente modifi-
gar a participação? São nossos serviços, nos ca a política da Assistência Social? É a mes-
serviços de acolhimento, no CRAS, no CREAS. ma coisa no Sistema Único de Saúde. Quando
O que precisa, através de vocês trabalhado- a gente olha para o SUS, ele é bonito no pa-
res, trabalhadoras, é fomentar a participação, pel, mas quando você vai lá na UBS ou na
a democracia da participação, porque não AMA, quem está primeiro na porta para te
adianta falar: “Você tem direito.” Mas, que di- atender? É um trabalhador da segurança, não
reito é esse, que eu não sei qual é o meu direi- é um psicólogo, não é uma assistente social:
to? Aí, um vai falar, “Você tem direito de ficar “Olá, bom dia, como vai? Seja bem-vindo!” Não,
calado, você tem direito de andar, você tem di- é: “Pois não, o que você quer aqui?” É sempre
reito disso, você tem direito de cair fora.” En- assim que você escuta, “O que você quer
tão, a gente vai fomentar a participação no aqui?”, e responde, “Não, eu quero passar... eu
CRAS, no CREAS, no Centro POP, no serviço estou...” Aí você tem que passar por um outro
de acolhimento, é aí que esse cidadão come- sistema e a gente precisa começar a olhar
ça a criar grupos, que ele não se autorrepre- essa modificação. E é importante para nós di-
sente, e vai dizer: “Eu vou brigar pelo meu Bol- zermos: “Ele quer ter só direitos.” Não, a gente
sa Família.” Não, nós vamos brigar quer ter dever também, do que a gente come-
coletivamente: “Quem aqui não recebeu bolsa ce a participar. A partir do momento que você
família ainda? Quem não tem bolsa família?” começa a garantir o direito, a gente tem que
Chamar a coordenação, chamar o trabalhador saber dos nossos deveres, das nossas obri-
e a gente fomentar. Por isso que eu falo, a gações. É importante isso para nós, tanto
consonância do trabalhador com o usuário é quanto é importante a nossa participação de
de fundamental importância. Por isso que os saber, de entender a política, de participar. Os
dois polos têm um momento que vão se unifi- trabalhadores como a entidade não são nos-
car, vão ter temas conjuntos, temas impor-
tantes para isso. É importante o FETSUAS, os
fóruns municipais, os fóruns nacionais, com a gente quer ter dever
representante do usuário. Sem representan-
te, como a gente pode trabalhar, cobrar do também, do que a gente
Estado? O CapacitaSUAS, acho que é funda- comece a participar.
que não tem dinheiro? Como a gente sabe que 59
falar aqui da importância do o Governo Federal não passou para os Esta-
dos e Municípios um valor? A gente sabe da
usuário na política é não chegar dificuldade que está lá. Eu não estou aqui cri-
e falar para ele: “Você tem aqui minalizando o Governo Federal, porque se fal-

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


tou na ponta é porque tem alguma coisa acon-
sua comidinha, sua sopinha.” tecendo lá em cima. E aí a transparência de
tratar com o usuário, com o cidadão e dizer:
sos inimigos. A gestão não pode ser nossa ini- “Olha, hoje você está comendo salsicha porque
miga. A gente tem que ter escuta, olhar, enten- a gente não tem dinheiro.” Para nós, usuários, é
der que os usuários estão mudando, não é de trabalhar olho no olho, você tem direito, mas
mais aquele que ficava ali esperando a sopa, você tem dever. E quais os deveres dessa
esperando a caridade, hoje ele quer um CRAS, construção, dessa política e de trabalhadores?
um CREAS, um Restaurante Popular, um Bom É lealdade. Eu vejo hoje, eu estou falando aqui
Prato, que ele possa chegar, adentrar, comer não mais só como usuário representante na-
dignamente, pagar com aquilo que ele ganha, cional, mas de uma categoria. Se cria um Cen-
opinar no cardápio, conversar com as pessoas, tro POP, mas não dá condições de trabalhado-
com os trabalhadores. Para nós, é horrível sa- res trabalharem no Centro POP. Eu vi fechando
ber que tem um trabalhador, e aqui eu quero um Centro Pop em São Carlos, problema em
dizer enquanto usuário, que ganha R$ 700,00 Ribeirão Preto, em vários lugares, porque você
por mês, em um concurso público. A gente está coloca dois profissionais para atender mil pes-
na luta também dessa organização da catego- soas. Não é isso que nós queremos, mas o que
ria do trabalhador, conjunta com o usuário. En- manda o Sistema Único de Assistência Social,
tão, falar aqui da importância do usuário na assistente social, psicólogo, advogado, tera-
política é não chegar e falar para ele: “Você tem peuta ocupacional, todas as faces da catego-
aqui sua comidinha, sua sopinha.” Não, mas ria. Para nós é importante, por isso que hoje a
como ele pode opinar desde na organização gente discute o valor, o papel. Há muito tempo,
do serviço, conjunto, até nas plenárias com a na época do Maluf, depois do Pitta, nós não
sociedade civil? Eu acho que, para nós é funda- tínhamos a categoria do assistente social
mental isso, para nós é dizer “não à internação

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


dentro do serviço para a população em situa-
compulsória”, “não à redução da maioridade pe- ção de rua, foi uma briga muito grande. E as
nal”, porque a redução da maioridade penal vai pessoas adoecendo, as pessoas doentes, as-
botar jovens, crianças onde? Na cadeia, en- sistentes sociais doentes, nós brigamos muito
quanto a política se torna falha. Fizemos com feio no conselho municipal aqui de São Paulo
usuários, trabalhadores, entidades também do para que entrasse a categoria do profissional
nacional, como o CRP fez, nós construímos assistente social. E ganhamos essa luta. E é
duas cartas, a da “redução da maioridade penal importante para a divisão dos trabalhos. En-
não é a solução”. Como o tratamento de ido- tão, foram os usuários mesmo, a rua falando:
sos, a gente construiu agora um documento “Não, nós queremos psicólogos.” Não é psicólo-
pedindo, construindo com o MDS e com o Mi- go para ir lá, para dar remedinho; é para acom-
nistério da Saúde, que vai para todos os equi- panhamento familiar, entrada e saída da rua.
pamentos de idosos, fiscalizar, ver se recebem. Então, é esse o papel do usuário, é entender
Então, nós acabamos de construir também um pouco a política, participando. Como diz
uma carta conjunta, nós pedimos o levanta- Paulo Freire, a gente é aluno e professor,
mento censitário das instituições de Longa aprende ensinando e ensina aprendendo. É
Permanência para Pessoas idosas, porque a esse o nosso papel aqui de usuário, é de
gente sabe quanto sofrem os idosos e quanto aprender, de ensinar e de ensinar aprendendo.
sofre também o trabalhador que está lá acom- Obrigado por vocês me escutarem.
panhando o idoso. Então, o papel nosso como
usuário não é só pedir direito, a gente quer di-
reito. Não é só: “Eu só como salsicha.” Não. “Por É esse o nosso papel aqui
que está faltando recurso?”, seria isso. É a
transparência também. É a lealdade de alguém de usuário, é de aprender, de
chegar para nós: “Olha, não tem dinheiro.” Por ensinar e de ensinar aprendendo.
60 Debates

(Pessoa da plateia): Eu vou tentar ser mui- isso é muito bom. infelizmente, a deputa-
to breve, eu sou da Frente Parlamentar em da não foi reeleita, mas essa luta vai con-
Defesa do SUAS. Eu me senti provocado a tinuar, a deputada falou aqui ontem que
falar um pouco pela gentileza do Marcos, nós vamos convocar o secretário Floriano
de ter me citado nessa articulação que foi Pesaro. Nós estamos tentando conversar
feita em torno da Frente Parlamentar em com ele, para que ele se coloque publica-
Defesa do SUAS. Eu queria dizer que essa mente diante dessa Proposta de Emenda
articulação foi, vamos dizer assim, gestada Constitucional, que a gente reafirma que
por um encontro de trabalhadores do SUAS não é uma política de partido, não é uma
que aconteceu em Santos, no mês de junho política de governo, é uma política de Es-
de 2012. Mas, o que eu queria compartilhar tado que foi construída, como disse a pro-
com vocês aqui é que eu, no mandato, tive fessora Stela, aqui, com a contribuição de
uma convivência de um ano e meio com o gestores, de trabalhadores, de usuários.
pessoal da Assistência Social, e quando Essa polícia é o resultado desse processo,
a deputada me chamou para trabalhar na quer dizer, nós encaminhamos isso e fica-
Frente, eu falei: “Deputada, eu não conheço mos muito felizes de termos chegado até
o SUAS, a única política pública que eu te- aqui com vocês. Todas as lutas valem a
nho mais proximidade é a do SUS.”, porque pena, mas essa luta da Assistência Social,
eu vinha do movimento sindical e discutia para mim, em especial, foi muito legal, mui-
a saúde do trabalhador e participava do to gratificante. Muito obrigado!
processo da construção do SUS. E aí vi que
tinha uma coisa muito similar ou meio que (Pessoa da plateia): Boa tarde a todos e
convergente às políticas da construção de todas, sou psicóloga também, sou funcio-
sistemas nacionais, mas eu notava uma di- nária do Estado e fico muito feliz de encon-
ferença entre a política de construção do trar aqui pessoas interessantes e pessoas
SUS, que tinha um forte protagonismo dos interessadas. E isso me provoca a ser um
usuários, e na Assistência Social a gente pouco ousada naquilo que eu vou colocar
sentia a falta. Fico muito satisfeito de ver aqui agora. Existe uma necessidade da
o Anderson, hoje assumindo esse prota- contínua implantação do SUAS. O Marcos
gonismo com muita clareza, muita firmeza, colocou um painel maravilhoso no sentido
de deixar claro como está a situação dos
trabalhadores nos municípios, dos quais eu
eu notava uma diferença entre faço monitoramento, em alguns daqui da
a política de construção do SUS, Grande São Paulo, e principalmente dentro
da nossa secretaria. Ano passado teve vá-
que tinha um forte protagonismo rias capacitações. O que aconteceu? Dei-
dos usuários, e na Assistência xamos de lado todo o resto de trabalho.
Social a gente sentia a falta São 26 diretorias regionais, tem diretoria
de atendidos e número de atendimentos. 61
A capacitação que foi feita, Então, assim, a capacitação é continuada,
mas ela sempre continua do zero, começa
por exemplo, para os nossos sempre do zero todo ano. Há uma pergunta
municípios, a respeito da que eu vou deixar, para a izabel, que está

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


diferença entre atendimento e pegando a EDESP agora, para levar em
consideração. Antes tinha a Fundap, que
acompanhamento do PAIF dava maior suporte; agora, não tem mais.
Já contavam com a pouca equipe que as
que na equipe técnica tem 2, 3 técnicos DRADS tem. isso reduzia o nosso trabalho
apenas, eu costumo fazer o relatório anual técnico. Como vai se efetivar agora que
para o Tribunal de Contas e venho notando tem a grande vontade de pôr o Capacita-
o número de monitoramentos que a gente SUAS em prática, com tão pouco funcioná-
vem fazendo, pelo menos da minha regio- rio nas DRADS? Com tão pouco recurso de
nal, eu posso dizer isso, que vem declinan- a gente dar a implantação da política pú-
do. A capacitação que foi feita, por exem- blica, que não se resume em capacitação?
plo, para os nossos municípios, a respeito Precisa de um aporte muito maior para que
da diferença entre atendimento e acom- a gente possa também dar essa assesso-
panhamento do PAiF. Ok! Chamamos os ria para os municípios. Nós mesmos não
CRAS, falamos, a equipe da proteção so- estamos tendo. Eu vou ser mais ousada
cial básica da nossa secretaria falou para aqui, os poucos funcionários que militam
os técnicos municipais a diferença. Quando pela Assistência Social da nossa secre-
chega relatório ou quando a gente conse- taria estavam aqui, um ou outro que não
gue ir a algum CRAS, eles não sabem a di- pode estar, mas a grande maioria que não
ferença, por conta dessa rotatividade dos se interessou, se perguntar para eles, “Para
funcionários municipais, e estaduais tam- quem vocês trabalham?”, e aí vai entrar na
bém, porque há uma rotatividade enorme, fala do Anderson, alguns funcionários não
não só em nível municipal como estadual. sabem para quem nós trabalhamos. “É para
Então gostei muito quando a Stela falou os municípios.”, alguns falam assim, “Nós
da gestão de trabalho. Quando você falou

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


trabalhamos para os municípios.” Não, nós
“capacitação continuada”, a izabel já tinha do Estado não trabalhamos para o municí-
falado, mas me veio uma coisa assim: “Meu pio; nós trabalhamos para os usuários. Ou
deus, que pena que ela não é continuada e melhor, Anderson, para os cidadãos, para
evolutiva, que vai para frente. Ela é conti- os munícipes em vulnerabilidade social. En-
nuada porque tem que começar sempre do tão, falta o básico ainda para uma equipe
zero.” Toda vez tem que começar falando o tão... nem é mínima, é miserável em ter-
básico, a diferença entre atendidos e aten- mos de número. E tem gente boa, mas que
dimentos, toda vez que tem preenchimento está desmotivada. É um grande desafio,
do Plano Municipal de Assistência Social, porque, para a EDESP conseguir efetivar,
que é condição para o cofinanciamento ela vai ter que perpassar por todos esses
estadual, a gente tem que gastar saliva painéis aqui, para poder realmente conse-
com o município para explicar a diferença guir efetivar, porque se jogar um monte de
de um conceito tão básico entre número capacitação para os funcionários da nos-
sa secretaria, para que nós repliquemos
para os municípios, a gente nem vai fazer
Quando chega relatório ou quando direito isso, nem vai conseguir fazer mais
a gente consegue ir a algum nada além disso. É uma reflexão, uma dica,
CRAS, eles não sabem a diferença, é uma ousadia da minha parte, mas que eu
por conta dessa rotatividade precisava falar. Obrigada!
dos funcionários municipais, e (Pessoa da plateia): Boa tarde! Sou psi-
estaduais também, porque há uma cóloga lá no Rio de Janeiro. Atualmente, a
rotatividade enorme, não só em gente está iniciando uma comissão dentro
nível municipal como estadual. do Conselho Regional de Psicologia do Rio
62 de Janeiro, e também ocupamos lá o FET- com mais força e garra para poder enfren-
SUAS do Rio de Janeiro. E eu vim aqui para tar esse desafio lá. Muito obrigada!
compartilhar com vocês uma notícia, por-
que a situação que a gente encontra quan- (Pessoa da plateia): Boa tarde! Eu sou
do a gente vem aqui ao seminário em São psicóloga, trabalho no CREAS Guaianazes
Paulo é uma situação que nos incentiva a pelo serviço do NPJ. Minha pergunta, e tal-
permanecer nesse debate, porque quando vez uma reflexão para a mesa e para to-
a gente pensa o Sistema Único de Assis- dos nós, é compreender que sujeito é esse
tência Social, contribuições e mais na par- que nós atendemos dentro da Assistência
te dos desafios da psicologia, se a gente Social. E também entender os indicadores
for pensar a psicologia no Estado do Rio de cor/raça no atendimento da Assistên-
de Janeiro, o desafio é grande nesse mo- cia Social. Eu posso estar errada, mas eu
mento por vários motivos. Um deles é uma desconheço esse indicador de cor/raça, e
necessidade urgente de a gente pensar a a gente não entende quem a gente está
questão da forma de contratação dos psi- atendendo, os processos de sofrimento
cólogos atualmente pela SMDS do Rio de dessa população que a gente atende. isso
Janeiro. Hoje em dia, o psicólogo no Rio de eu vejo como uma questão muito séria,
Janeiro é contratado como assistente i na muito grave, visto que não é uma questão...
Carteira de Trabalho. isso faz com que o Como a gente não olha para isso e como,
piso salarial dele não seja respeitado. isso ao mesmo tempo, está falando da Assis-
faz com que a carga horária impossibilite o tência Social. Uma reflexão e uma pergun-
profissional de buscar uma formação con- ta, como criar esses indicadores?

Se você faz o seu Eu posso estar errada, mas eu


posicionamento ético-político, desconheço esse indicador de
cor/raça, e a gente não entende
você é demitido. quem a gente está atendendo, os
processos de sofrimento dessa
tinuada, porque o profissional sai exausto população que a gente atende.
dali, com condições de trabalho baseadas
muito na relação autoritária com a ges-
tão. Como você vai se posicionar diante (Pessoa da plateia): Eu queria emendar
de algum protocolo de funcionamento do com a fala da colega que antecedeu, a
serviço? Se você faz o seu posicionamen- questão raça, dos indicadores. Eu também
to ético-político, você é demitido. É uma fiquei provocada com a fala do Anderson
necessidade urgente de a gente pensar o e da Stela com relação à participação de
concurso público no Estado do Rio de Ja- fato dos usuários. Eu trabalho no Centro
neiro, que não acontece ainda. Eu vim aqui Pop (Depois eu quero até pedir umas ideias
para afirmar isso, nós do Rio de Janeiro es- para o Anderson...), e quanto a gente tem
tamos rendidos para as OSs e precisamos de muitas resistências aos usuários de
pensar isso, porque quando a gente vem fato participarem. Principalmente, com re-
aqui a um seminário em São Paulo, e a gen- lação à população em situação de rua, com
te vê nas oficinas o encontro com os cole- quem a gente tenta fazer algumas assem-
gas, a situação aqui nos inspira, nos for- bleias lá, mas são invariavelmente de cima
talece para voltar para o Rio e falar, “Não, para baixo. Se ainda tivessem intenções,
é possível melhorar.” Com todos os proble- mas a gente tem situações lá que nem têm
mas que o SUAS enfrenta, em São Paulo, a essas intenções, o usuário na verdade não
gente vem aqui e volta com gás. Eu peguei participa. E como a gente pode pensar em
o microfone para fazer essa afirmação, de fortalecer a população e como a gente faz
como vai valer a pena ficar seis horas no isso com os profissionais também? Porque
ônibus, voltar e trabalhar na segunda-feira a gente tem tensões, mal-estares com os
mais cansada; mas, como a gente volta profissionais do SUAS. Eu acho que tem
às vezes um posicionamento um pouco bom o CRAS, o CREAS, o Centro Pop, servi- 63
acima, então eu sei de todas as coisas, e ço de acolhimento à criança e adolescente,
não tem isso que vocês mencionaram de adulto, idoso, mulheres, vítimas de violên-
“estamos juntos na luta”, enquanto que só cia, precisa fortalecer. A gente não pode
faz sentido se a gente pensar nos usuá- mais aceitar, e eu digo aqui bem claro: Qual

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


rios. Eu sinto que isso ainda é algo que a é forma que os serviços, o CRAS, o CREAS,
gente precisa avançar, a gente se aproxi- o Centro Pop, estão fazendo para chamar
mar de fato da população e fazer as coisas a participar os usuários? Eu moro hoje, no
com eles, não para eles, que eu acho que CDHU na Cidade Tiradentes. Eu sou sepa-
ainda é uma dificuldade. isso acontece nos rado da minha companheira, eu falo que
CRAS, acontece nos CREAS, e com a popu- ela é minha companheira, a gente é sepa-
lação em situação de rua então... não sei rado de cama, mas não de casa, eu convivo
se o Anderson compartilha disso, mas eu com ela ainda por causa das nossas filhas
vejo lá no Centro Pop, ás vezes, a gente até lá. Mas, toda semana vão os profissionais
parece que está louco assim de eles parti- do CRAS e do CREAS batem à nossa porta,
ciparem: “Não, mas eles têm que estar aqui.” ofertando cursos de fuxico, curso de cozi-
Dizem, então: “Não, mas eles têm que estar nha, para lá. E aí falam da importância de
aqui por quê? Eles não sabem, eles não vão ela ir. Minha companheira não recebe mais
conseguir dizer, eles estão sob efeito, es- hoje o Bolsa Família, porque a minha renda
tão com ´Corote´. Como eles vão falar, como já atingiu dez milhões de reais... É brinca-
eles vão opinar?” Acho que é isso. deira, é só para a gente rir um borogodo-
zinho, um pouco. Mas, ela recebe todo dia
o vínculo do CRAS e do CREAS na porta de
quanto a gente tem de muitas casa. E ela vai lá no serviço, lá na Cidade
Tiradentes. E eu fico olhando com quanto
resistências aos usuários de ela volta de produtos. Ela vai lá, participa,
fato participarem. tem discussões. É essa a importância, o
que nos atrai dentro do Centro Pop. Qual
é a forma? Porque muita gente chama a

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


(Pergunta pela internet, de Alcântara, gente de “boca de rango”, principalmente
MA): E as evoluções dos 10 anos de im- da rua, “Esses bocas de rango!” Mas, quem
plantação do Sistema Único de Assistên- aqui almoçou hoje, levante a mão? Eu ain-
cia Social, o SUAS? Onde estamos e onde da não almocei, mas quem aqui já almoçou
queremos chegar?” hoje? Tudo é boca de rango, ficam só por
causa da comida. Como você faz isso para
Anderson Lopes: Eu vou até ser breve. Eu o cidadão? A partir do momento que você
vou começar pela última pergunta. Eu que-
ro dizer que nós temos muita evolução no
Sistema Único, principalmente na participa-
Se não tiver de fato a participação
ção. O usuário não participava dos conse-
lhos, ele era representativo por entidades do usuário, não é conselho, porque
prestadoras de serviços, que iam lá e fa- usuário tem que estar lá e dizer
lavam em nome dos usuários. Então, es- se o serviço está bom ou não está
ses 10 anos o Sistema Único trazem uma bom o CRAS, o CREAS, o Centro
evolução, que hoje você pode ter fórum Pop, serviço de acolhimento à
de usuários, movimentos, entidades cria-
criança e adolescente, adulto, idoso,
das por usuários, estou falando enquanto
usuário. isso nos reverbera a dizer da im- mulheres, vítimas de violência,
portância da participação. isso é importan- precisa fortalecer.
te. Para nós, usuários, traz uma mudança
muito grande no Sistema Único. Se não ti-
ver de fato a participação do usuário, não é fala, “Vamos discutir política?”, e aí: “Vamos!”
conselho, porque usuário tem que estar lá Se não tiver um lanche, ele não vai. Mas não
e dizer se o serviço está bom ou não está é porque ele é boca de rango, é porque ele
64 está com fome ainda, e discutir de barriga tência e está muito bem claro o público da
vazia, ninguém discute. Nós temos mais de assistência, é o público mais “F” grande que
100 pessoas aqui ainda, porque nós esta- a gente pode encontrar por aí, “ferrado”. E
mos de barriga cheia. Daqui a pouco vem não adianta a gente dizer que não é. É! E
o coffee break. Eu vou estar no coffee bre- vem a criminalização, como a gente sentiu
ak. Mas é essa a importância. Eu faço uma muito agora a criminalização desse públi-
plenária da população de rua que começou co na Assistência Social e, principalmente,
com sete pessoas, com dez pessoas, tinha com quem trabalha com ele, que é chamado
vez que só tinha eu e mais 1 pessoa lá, e de vagabundo, que não sabe. Quem traba-
eu não desisti. Sabe quantas pessoas eu lha com ele também é criminalizado, então
tenho hoje na plenária da População em a gente precisa mudar essa criminalização.
Situação de Rua na Câmara Municipal? Mil Acabei, viu?
pessoas participando, mil. E é olho no olho,
a gente fala com elas, e elas falam conos-
co. E tem uns que chegam lá bêbados: “Eu A gente participa de uma instância
quero falar!”. Eu: “Por favor, o microfone está
estadual, nacional, de fórum dos
à sua disposição.” Não tem linguajar, xingue
o que tiver que xingar, mas vamos respeitar. trabalhadores que são entidades
Mas a gente começa também a trabalhar que atuam nesse âmbito, mas as
com o olhar: “Olha, não pode falar isso.” Não coisas acontecem no serviço, no
é ler uma carta para ele, é como da a mo- território, no local.
dificação no Centro Pop. É como eu disse,
o profissional pode estar lá, mas não pode
coordenar a atividade com eles, é dar con- (Pessoa da plateia): Boa tarde! Sou do FET-
dições para ele poder fazer. É isso um pou- SUAS. Ouvindo a Stela, e a mesa toda, essa
co, a gente vai um pouco isso, é como é. E questão da participação e efetivação da
eu quero responder a questão sobre a raça, participação, a qualidade da participação
já estou terminando. Está bem claro, qual é dos trabalhadores e dos usuários nos es-
a cor? Negros, negras, vítimas da violência, paços de controle social, que não são só as
da periferia. A gente sabe muito bem claro. conferências, fica muito claro que a gente
Eu digo para você, 97% da população em si- precisa se mobilizar nos nossos locais de
tuação de rua é negra. E quem trabalha com trabalho, que isso seja uma atuação con-
ela sabe disso. Ela sofreu alguma violência, tínua e permanente, não seja a cada dois
ela está na rua por alguma coisa. Então, o anos de conferência, a gente participar e,
público da Assistência Social não é o públi- aí, é só corpo presente. Se isso já é difí-
co que mora no Morumbi, não é o público cil entre os trabalhadores, imagina para os
que mora em Higienópolis. O publicito da usuários. Eu não acredito que tenha outra
Assistência Social é o público da periferia, forma. A gente participa de uma instância
é a vulnerabilidade muito grande, e a gen- estadual, nacional, de fórum dos trabalha-
te precisa cobrar do Município, do Estado dores que são entidades que atuam nesse
e do Governo Federal uma pesquisa. De ir âmbito, mas as coisas acontecem no servi-
lá e perguntar para ele, “Qual a tua cor? De ço, no território, no local. Não acredito que
onde você vem? Por que você recebe o Bol- vai haver outra forma de a gente qualificar
sa Família?” Eu concordo muito com você, e de a gente de fato participar dessa cons-
porque muitas vezes o profissional não... E trução e consolidar o sistema, consolidar
aí, a criminalização em cima do profissional. as políticas públicas, se a gente não fizer
O público da Assistência Social é o público isso desde o nosso local de trabalho. Fica
de mulheres vítimas de violência, cara que muito na lamentação de todos os proble-
saiu da cadeia, é esse público, não é o mes- mas que a gente encontra na Assistência,
mo público do SUS. Muitas vezes, o plano muito por parte dos trabalhadores. Eu acho
de saúde do cara acabou, deu uma dor de que isso é meio que uma marca do perfil
barriga nele, ele vai correndo a qualquer desse trabalhador da Assistência, espero
hospital que está aberto. Da Assistência, que não permaneça assim, mas, infeliz-
não, a gente sabe qual é o público da assis- mente, é um pouco isso. Não adianta ficar
só lamentando e acho que a gente não vai e o carinho foram as palavras que saíram 65
conseguir atingir o usuário, se a gente não mais, que os usuários apreendem o psicó-
começar pela gente. É extremamente im- logo dessa maneira. Então acho que isso
portante que essa atitude aconteça entre pode servir de indicador e de ânimo para o
os trabalhadores nos seus locais, partici- nosso trabalho, para a nossa batalha diá-

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


pem dos conselhos, estabeleçam fóruns, ria. Obrigada.
que fóruns são espaços abertos, livres, ho-
rizontais para a gente discutir, porque isso
não existe no espaço de trabalho e a gente enquanto não houver usuário
precisa falar, reclamar, mas agir. É isso.
participando em conferência
municipal, estadual e nacional
A gente tem que começar a refletir ou participando da política,
e pensar em estratégias de como não existe política
mudar isso, mudar esse quadro
e trazer esses gestores para a Anderson Lopes: Semana que vem eu vou
discussão do trabalhador estar no Rio de Janeiro, até porque tem uma
discussão sobre a judicialização dos traba-
lhadores. Eu estou indo como CNAS para
(Pessoa da plateia): Olá! Sou do Rio de um tema muito forte, que é a judicialização
Janeiro também, do Conselho Regional de dos trabalhadores conjunta com os usuá-
Psicologia, da Comissão de Assistência rios, porque quando não atende, quando
Social. Gostaria de falar um pouco provo- não faz, vem um Juiz judicializar e acha que
cada pela fala da Stela em relação a meio tem que ser de uma maneira, e não é. Quero
que à exclusão dos gestores na visão de dizer que eu estou à disposição, esse ano
trabalhador. Acho que os números apre- é ano de conferência municipal, estadual
sentados pelo Marcos falam por si só. A e nacional, a participação do usuário, se
questão de postura também, a gente per- não houver, a política é invisível. Vou falar

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


cebe que, quando um trabalhador está no aqui não enquanto a trabalhador, porque o
cargo de gestão, um trabalhador estatutá- Marcos vai dizer, mas enquanto não houver
rio, concursado, está em um cargo de ges- usuário participando em conferência muni-
tão, a postura dele é diferente de quando cipal, estadual e nacional ou participando
ele é comissionado, quando ele trabalha da política, não existe política. O Fórum Na-
exclusivamente para aquele mandato. A cional dos Usuários está vindo aí para for-
gente tem que começar a refletir e pensar talecer e para dizer que política nós quere-
em estratégias de como mudar isso, mudar mos, o que nós queremos. Tem uma grande
esse quadro e trazer esses gestores para discussão agora com o Conselho Estadual
a discussão do trabalhador. Estou agracia- aqui de São Paulo sobre a participação dos
da também pela fala do Anderson. Eu fico usuários no conselho. A gente quer a parti-
muito contente quando eu o escuto falan- cipação, já foi colocado isso, da representa-
do, ele está empoderado das questões e tividade dos usuários no Conselho Estadual
eu gostaria muito de ver os outros usuá- de Assistência Social. A gente está pedin-
rios, usuários que a gente atende, que a do uma audiência com o secretário Floriano
gente trabalha empoderados também ocu- Pesaro para propor isso, para que faça uma
pando esses espaços, podendo se colocar modificação em resolução, em documento
sobre o que é melhor para eles. E para os para a participação. O único lugar que ain-
psicólogos que estão aqui presentes, eu da não tem participação do usuário é aqui
vou adiantar um pouquinho a prévia da mi- no Conselho Estadual. É uma entidade que
nha pesquisa da dissertação que eu vou recebe recursos e faz prestação de servi-
defender em abril sobre a visão que a re- ços que representa. Eu estou à disposição,
presentação social dos usuários têm dos o movimento está aí, eu estou aí enquanto
psicólogos que atuam no SUAS. Vou falar representante dos usuários nacional. Muito
só três representações, a ajuda, a escuta obrigado!
66 conservadora, e o nosso projeto de futuro,
na verdade nós estamos principalmente para os próximos dois anos
ou rumo a 2016, como estão colocando na
querendo dizer que nós rima da nossa temática, 2026, desculpe, na
precisamos avançar, mas verdade nós estamos querendo dizer que
para avançar tem que ter nós precisamos avançar, mas para avan-
çar tem que ter participação, não tem outro
participação, não tem outro jeito jeito. Dos trabalhadores e também dos ci-
dadãos e cidadãs que utilizam os serviços,
Gervison Marcos Melão Monteiro: Bom, os benefícios, que são foco da política de
primeiro só destacar que estão presentes Assistência Social. Sem isso, a gente não
aqui o Fórum Estadual com algumas repre- avança mais. Então vamos à luta! E mais um
sentações, além da minha presença. O Vi- detalhe, trabalhadores funcionários públi-
nícius, aliás, agora é nosso representante cos do Estado de São Paulo, a Assistência
no Conseas, inclusive nós estamos fazendo Social tem que se entender enquanto traba-
um desagravo, porque na sua primeira visita lhador, não pode continuar aceitando aquela
àquela instituição ele foi muito mal tratado orientação hipócrita do Conselho Estadual,
enquanto representante dos trabalhadores, de que, se é funcionário público, se é concur-
e é importante que vocês saibam disso e sado, essa pessoa é gestora, ele representa
a gente vai fazer esse desagravo, não ca- o órgão gestor, representa o governo. Não!
laremos. Além daquela representação que Quem representa o Governo, mesmo sendo
apontei, também tem representantes de ou- concursado, mesmo sendo funcionário pú-
tros fóruns, fóruns locais, nós temos partici- blico, é aquele que responde por cargo co-
pação dos trabalhadores do SUAS de Mauá, missionado ou se ele aceitar uma indicação
do Taboão, que está meio paradinho, mas para participar de um conselho, para parti-
vez por outra também tem participações. cipar representando o Estado ou o Governo
Estamos reativando o fórum do ABC. Te- naquele órgão. Fora disso, não tem essa de
mos o fórum de Jundiaí, que agora, inclusive, participar de reunião com a secretária para
tem representação no Conselho Municipal definir quem vai pelo órgão gestor, tem que
de Assistência Social. Bom, das questões estar aqui do nosso lado, do lado dos traba-
que foram colocadas aqui, eu quero chamar lhadores, dos profissionais do serviço.
atenção é que eu também desenvolvo pela
DRADS ABC capacitação às pessoas que
desenvolvem o preenchimento do formulá-
rio do Cadastro Único, do Programa Bolsa qualquer processo que seja
Família. As descrições que a gente tem com iniciado de participação tem
referência à cor como é colocado no pró- que ter consequência
prio cadastro estão referenciadas ainda nas
normativas do (iBGE). Assim, toda orienta-
ção é vale a manifestação. Todo o trabalho Stela da Silva Ferreira: Bom, eu acho que a
nosso, e acho que isso serve como referen- resposta que eu ia dar, o Marcos deu muitís-
cial para gente da Assistência Social, o foco simo melhor do que eu à provocação a mim
tem que ser aquilo como a pessoa se enxer- dirigida. Eu acho que era nesse sentido que
ga e se entende. No caso aqui do Estado de eu estava me referindo, essa distância, essa
São Paulo, inclusive com relação à questão tensão de trabalhadores e gestores, era nes-
de sexo, está valendo até o nome social. sa perspectiva aqui, a partir da perspectiva
É só uma das coisas para a gente ir refle- de São Paulo, e não do Rio. Eu queria fazer
tindo também. Para quem nos encaminhou rápidos comentários em relação à colocação
a questão por internet, nós apresentamos sobre a PEC. Tal como o esforço que foi fei-
algumas normativas, e essas normativas to pela frente junto com o fórum pela atua-
tiveram uma forte influência dos movimen- lização e adequação da lei da Constituição
tos sociais, dos trabalhadores da Assistên- Estadual, o mesmo vale de mobilização para
cia Social, são conquistas. Nós temos um os municípios. As Leis Orgânicas Municipais
grave problema, uma sociedade altamente estão absolutamente anacrônicas e absolu-
tamente aderidas, essa talvez seja uma boa de mudança de prática ou de mudança no 67
palavra para isso, aderidas a um princípio planejamento que vocês fizeram a partir de
conservador dessa política. O mesmo esforço uma escuta? isso é fundamental, porque, por
que foi feito na Assembleia Legislativa tem vezes, é onde a gente mata a participação. O
que ser feito nas Câmaras Municipais. Já te- cara opina, no dia seguinte, ele perde a vaga

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


mos aprendizados para isso, temos pessoas no albergue. A gente fez um trabalho muito
com esse conhecimento, com essa capacida- bonito ouvido os usuários dos albergues e
de, a gente precisa usufruir disso. Em relação Centro Pop em uma cidade aqui na região
à questão da educação permanente. Embora metropolitana, e eles relataram exatamente
tenha dirigido para a izabel, eu vou me atrever isso, qual o problema de participar. Se ele faz
a falar. Há duas questões que me afetam da crítica ao serviço, no dia seguinte ele perde a
tua fala. Uma primeira é que a gente está fa- vaga ou, no caso da cidade de São Paulo, ele
zendo também uma distorção, ao meu modo ganha uma marquinha no SisRua, que é para
de ver, de colocar a política de educação per- ele não mais voltar. isso é uma questão, qual-
manente em uma perspectiva descentrali- quer mudança, por menor que seja, conversa,
zada, mas de uma ótica que é que o federal porque isso vai fortalecê-lo e a gente vai ga-
capacita o estadual e, supostamente, o esta- nhando musculatura aos poucos. Por fim, só
dual capacita o municipal. Eu percorri grande conversar a questão dos dados sobre raça/
parte dos Estados brasileiros, ano passado, cor. Há duas cosias, ela fez uma convocação
a convite da equipe do José Crus, lá do MDS, com a gente sobre a ideia de indicadores. Eu
e uma das coisas que a gente vê é que as também diria e faria um convite a todos vocês
equipes estaduais não têm nenhuma capaci- de modo que a gente entenda também que a
tação para entender o que é o processo de questão racial, assim como várias outras for-
supervisão técnica ou de orientação técnica mas de preconceito, mas vamos ficar no pre-
para os municípios. Então, muitas vezes se conceito racial, porque ele tem relevância em
faz um exercício de poder e mando por falas si mesmo, que é além de ser uma discussão,
até desenformadas das equipes estaduais como bem falou o Anderson. A maior parte,
de orientações que são passadas aos muni- do ponto de vista populacional, dos nossos
cípios. A gente também tem uma lacuna de usuários são negros. Há uma outra questão

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


não olhar nem para os trabalhadores do Go- que é, e convido vocês a fazer a leitura da
verno Federal, nem para os trabalhadores do concepção de convivência e fortalecimento
Governo Estadual, a necessidade de proces- de vínculos no SUAS, porque o enfrentamen-
sos continuados de aprendizado. Em relação to das situações de preconceito e de exposi-
a essa questão colocada sobre a participa- ção das pessoas à situações de preconceito
ção, o Anderson já conversou bastante com são também conteúdo de trabalho. A questão
você. Só acho que uma questão fundamen- do racismo não é só uma questão de público,
tal para a gente considerar, quando eu falava porque o racismo se produz em uma relação.
daquele gradiente de participação, vou ver se O branco e o negro têm que fazer essa dis-
eu e a Abigail, a gente se arvora a escrever cussão, isso é conteúdo de trabalho também.
esse texto. Mas, acho que o fundamental que Obrigada, acho que é isso.
a gente observa, é que qualquer processo
que seja iniciado de participação tem que ter Maria Izabel Cunha Soares: Bom, eu vou
consequência. Ainda que seja apenas uma tentar fazer as minhas considerações fi-
consulta, essa consulta precisa ter conse-
quência dentro do serviço. A gente também
tem que ser responsável no sentido de que é Você só estabelece dialogo que
difícil abrir esse espaço. A gente não rompeu avança quando você reconhece
práticas autoritárias com leis e com regras,
que o seu interlocutor é um igual,
é na luta cotidiana que a gente vai atraves-
sando esses limites. Agora, o fundamental é quando você não estabelece relação
a cada processo participativo você tem que hierárquica, quando você reconhece
ter uma gradualidade e uma transparência. O que as demandas desse interlocutor
Anderson falava disso, com a população, por- são legítimas você consegue
que qual a medida, ainda que pequenininha, estabelecer diálogo para avançar.
68 nais respondendo aos questionamentos daí vai resolver uma série de situações que
que foram feitos e já aproveito a oportu- estão em um obscurantismo. Uma outra
nidade para agradecer pelo convite. A pri- questão aqui colocada sobre a população,
meira coisa, isso da minha origem, do meu do reconhecimento da questão de raça
trabalho, da minha militância na área dos e de cor passa também pela lógica do re-
Direitos Humanos, acho que todas as ques- conhecimento do outro, mas eu só queria
tões que foram colocadas aqui passam lembrar de uma experiência. Na Secretaria
pelo reconhecimento do sujeito com quem da Justiça aqui do Estado, levantou-se mui-
você está fazendo a interlocução, seja ele to essa questão em relação aos direitos
usuário, seja ele trabalhador, seja ele ges- da população LGBT, de como a população
tor, seja ele quem for. Você só estabelece LGBT se reconhece, como ela quer ser re-
dialogo que avança quando você reconhece conhecida, se ela vai usar o nome social, se
que o seu interlocutor é um igual, quando ela vai usar o nome do RG. isso tudo passa
você não estabelece relação hierárquica, por um processo de mudança de lógica, e
quando você reconhece que as demandas você só consegue implementar essa mu-
desse interlocutor são legítimas você con- dança quando você está aberto para o di-
segue estabelecer diálogo para avançar. álogo. É a mesma lógica, as capacitações
Então eu acho que isso vai na lógica do têm que ter como foco essa mudança de
operador do sistema com o cidadão sujei- lógica. Eu espero ter contemplado, mais ou
to de direito do sistema, com o profissional menos essas questões e digo a vocês que
que está demandando capacitação, com o a Secretaria de Desenvolvimento Social do
gestor; enfim, eu acho que essa é a lógica Estado está aberta para discussão. A gen-
que une todas essas questões. E nesse ano te quer fazer um trabalho que valorize a
de conferência, essa equipe nova que che- Assistência, entendendo que o foco é esse
gou na secretaria tem uma preocupação, sujeito de direito, que temos lá preconiza-
embora seja a questão de uma gestão, tem da na nossa constituição a garantia desses
uma preocupação de uma Política de Esta- direitos. Muito obrigada.
do porque o nosso secretário milita nessa
área, então a ideia é construir uma Política Joari Aparecido Soares de Carvalho: Agra-
de Estado e discutir nas conferências tam- deço ao Anderson, à Maria izabel, à Stela e
bém o papel do Estado nessa lógica. Na ao Marcos. Era o objetivo também semear os
área da Assistência, o Estado está em uma temas entre os participantes que estão aqui
situação meio sem saber exatamente qual e quem está pela internet, para que a gente
é o seu papel. Embora muita coisa caiba ao registre e acompanhe a evolução, seja nos
Estado, isso muitas vezes não é discutido próximos anos, seja nos próximos 10 anos
e aí fica essa relação do Ministério com os do Sistema Único da Assistência Social. De
Municípios, e o Estado com algumas atri- fato muitas coisas avançaram, por isso es-
buições que acaba não cumprindo. Então, sas aqui são estratégias para avançar daqui
um dos pontos para as conferências é a por diante, já ensejando estes como temas
rediscussão desse papel. E acho que isso importantes para as conferências.
Oficinas - Sínteses sobre 69

os temas desenvolvidos

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


1. A psicologia e práticas de acompanhamento
familiar e individual na Assistência Social

Luís Fernando de Oliveira Saraiva


Conselheiro do Conselho Regional de Psicologia São Paulo

Historicamente ligada a práticas de benes- instituição secular que, historicamente, se


se e filantropia, a Assistência Social bra- define por ligações estreitas e íntimas en-
sileira vem assumindo cada vez mais uma tre pessoas dispostas a conviver e a parti-
condição de política pública de proteção lhar experiências. A família é um espaço do
social. Para isso, suas ações devem ser ne- social que introduz os sujeitos na vida or-
cessariamente pautadas em territórios e ganizada da sociedade, socializando seus
na unidade sociofamiliar – considerada nú- membros. Ela é responsável por transmitir
cleo de apoio primeiro. Esta seria uma for- “programas de verdade”, quer dizer, trans-
ma de se garantir enfrentar vulnerabilida- mite modos de pensar, se relacionar, dese-
des e desenvolver potencialidades de seu jar, de se entender a si mesmo e o mundo,
público-alvo. Mas como fazer isso? Aliás, o modos de valorar; é responsável, enfim, por
porquê disso? Por que famílias? tornar um filhote em um ser humano. Fa-
mília entendida como uma instituição, isto

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Cotidianamente, a família é tomada é, como efeitos de práticas sociais histo-
como uma entidade “natural” e permanen- ricamente produzidas. Assim, famílias são
te, a partir de uma hegemônica concepção formas que produzem e reproduzem as re-
moral-religiosa que a vê sendo composta lações sociais, acionando certos modos de
por um pai, uma mãe e filhos, convivendo subjetivação. A família produz formas de
em uma unidade doméstica independente vida; e talvez seja essa uma das principais
e com papéis bem diferenciados. Uma ideia razões para que ela ganhe tanta centrali-
que conforma um modelo dominante: a fa- dade na Assistência Social.
mília nuclear. Apesar de mais fazer parte
do imaginário do que da realidade, esse é
um modelo que supostamente deveria ser famílias são formas que produzem
seguido por todos e que nega a multiplici- e reproduzem as relações sociais,
dade concreta das famílias com as quais acionando certos modos de
lidamos, colocando-as em um lugar sempre
faltante, visto que dificilmente as famílias
subjetivação. A família produz
concretas atendem a tais requisitos. formas de vida; e talvez seja essa
uma das principais razões para que
Os estudos do campo apontam que ela ganhe tanta centralidade na
família não é definida por sua composi- Assistência Social.
ção; família é um conceito que designa um
grupo de pessoas associadas por relações
de consanguinidade, de aliança ou de afe- Estudos foucaultianos apontam o
tos, que podem ou não viver sob o mesmo quanto a família ocupa um lugar estraté-
teto. Quer dizer, família diz respeito a uma gico para o governo da vida. Não, à toa,
70 assistimos a um número crescente de es- minuciosa, atenta a todos os detalhes (aos
pecialistas orientando como as famílias filhos, vizinhança, dinheiro, alimentação,
devem se relacionar e cuidar. Uma série de casa, costumes, maneiras de pensar, dese-
orientações e conselhos que buscam uma jar, existir); uma vigilância de si para si, de
vida mais útil e produtiva, capaz de produ- forma que se torne cada vez menos neces-
zir sujeitos mais saudáveis e adequados sária a presença de agentes externos.
ao mundo em que vivemos. A família, en-
tão, ocupa um potente lugar na gestão do No acompanhamento de famílias em
presente e do futuro – de seus membros e diferentes serviços socioassistenciais, há,
de toda a população. então, de se romper com práticas de con-
trole e gestão, quase sempre de bases hi-
gienistas. Algo que começa pela desnatu-
o trabalho realizado com famílias ralização da família como o núcleo “natural”
hegemonicamente aposta em e mais importante de cuidado e proteção
estratégias de vigilância constante, das pessoas e que nos leva a pensar as re-
des de pertencimento das pessoas, visto
para que as próprias famílias
que, trabalhar com famílias implica ultra-
instaurem dentro delas uma passar a casa e as relações intrafamiliares,
vigilância constante dela sobre ela. pensando outros espaços sociais, como vi-
zinhança, parentes, espaços de circulação
e os próprios serviços socioassistenciais.
Nesse contexto, podemos dizer que Assim, partindo da ideia de que acompa-
políticas destinadas a famílias, além de nhar famílias é se pôr em sua companhia,
dizerem respeito à garantia de direitos, di- em uma companhia de viagem, conhecen-
zem respeito também a uma modalidade do as paisagens pelas quais passeiam ao
de governar e gerir aleatoriedades, a partir longo da vida, por onde fazem paragens e
de dispositivos de segurança. Assim, o tra- com quem passeiam, cabe perguntar que
balho realizado com famílias hegemonica- companhia temos oferecido nos serviços
mente aposta em estratégias de vigilância socioassistenciais, a serviço de que acom-
constante, para que as próprias famílias panhamos tantas famílias e o que esse
instaurem dentro delas uma vigilância cons- acompanhamento tem produzido nas vidas
tante dela sobre ela. Uma vigilância interna, das pessoas.
2. Contribuições da psicologia nos setores 71
de planejamento e na gestão da Política de
Assistência Social1

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


A gestão da Política de Assistência Social
pressupõe ações interligadas de diagnóstico, Essa nova cultura requer saberes de
planejamento, execução, avaliação e moni- diversas matrizes, como a psicologia,
toramento. Essas ações sustentam e fazem
sobretudo nas instâncias de gestão
sentido para o planejamento, a operação da
política e o controle social. Essa compreen- e planejamento, para se poder
são presente nas normativas do Sistema dialogar com a realidade vivida
Único de Assistência Social – SUAS amplia a de profissionais que atuam nos
concepção da integração entre planejamen- serviços que executam diretamente
to e orçamento, expressa na Constituição o atendimento da população, bem
Federal de 1988, contribuindo, assim, para a
como da população atendida e/
institucionalização de uma cultura de plane-
ou que necessita do serviço e

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


jamento. Essa nova cultura requer saberes
de diversas matrizes, como a psicologia, so- dos equipamentos em que os
bretudo nas instâncias de gestão e plane- atendimentos serão ofertados.
jamento, para se poder dialogar com a reali-
dade vivida de profissionais que atuam nos
serviços que executam diretamente o aten-
dimento da população, bem como da popula-
ção atendida e/ou que necessita do serviço e
dos equipamentos em que os atendimentos
serão ofertados. Partindo dessa premissa,
que compreende o planejamento e a gestão
como processos e instrumentos vitais para o
trabalho social, a presença, o papel e a con-
tribuição do(a) psicólogo(a) nesses processos
apresentam-se como imperativos para con-
sumar a pretensão interdisciplinar do fazer e
multiprofissional da composição dos atores
com a responsabilidade e o compromisso de,
a despeito de dilemas, conflitos e saberes a
serem apropriados, tornar viável a Política de
Assistência Social como direito2.

1 Oficina realizada por Ricardo Rodrigues Dutra - Departamento de Gestão do Trabalho do SUAS/MDS

2 Síntese produzida pelo CRP SP


72 3. Controle social, a importância da participação
social dos trabalhadores

Allan Carvalho
Representante do Fórum de Assistência Social da Cidade São Paulo (FAS)

De maneira a contextualizar as análises no poder, no coronelismo, no patrimonialis-


aqui apresentadas, é necessário um breve mo, e em longos períodos ditatoriais civis
olhar sobre a atual conjuntura política. Vi- e militares.
vemos tempos difíceis, atravessando uma
grave crise política, que abriga em seu âma- Tanto assim que esse período demo-
go uma crônica crise da democracia repre- crático em que vivemos é o mais longo de
sentativa, que se manifesta por sintomas toda história do Brasil.
oriundos de sua própria gênese, agravados
por vieses e descaminhos dela decorrentes. A Constituição de 1988, ela própria ela-
borada por caminhos participativos, cons-
O Brasil, que já padecia de um histó- truídos à luz do movimento de redemocra-
rico de formação de partidos políticos de tização do País, incorporou esse inovador
base popular, contando com uma miríade paradigma, da Democracia Participativa,
de partidos oriundos da elite dominante, abrindo um novo caminho, para o exercício
com o objetivo de atender a interesses do poder diretamente, com novas possibi-
específicos, ideológicos, de classe e/ou lidades de exercícios de cidadania, que po-
corporativos, acabou por adotar o finan- pularizando o exercício de parcelas do po-
ciamento privado de campanhas eleitorais. der, criaram novos espaços de governança
Tal adoção veio por aprofundar ainda mais na construção e implementação de políticas
a tradição elitista da grande maioria das públicas, que foram sucessivamente apri-
agremiações partidárias nacionais, bem morados e ampliados desde então.
como contaminar os partidos, que exce-
ção à regra, tinham, em diferentes graus, Dentre eles, destacamos:
origens e aspirações populares, atraindo,
por decorrência, um grande número de fi- • Consultas Públicas: Espaços formais,
liados, interessados apenas em seu enri- normalmente viabilizados por meio ele-
quecimento pessoal e na ascensão aos trônico, para consulta e formulação de
altos postos de poder, fazendo da política, propostas sobre políticas públicas e
escada para suas aspirações mais egoís- seu Marco legal, com vistas ao seu for-
tas. Além disso, outros fatores que já agra- talecimento e aprimoramento;
vavam esse viés antidemocrático e antipo-
pular estão no DNA da história do Brasil, • Audiências Públicas: Reuniões públicas,
permeada de longos períodos de autorita- de caráter oficial, de debates sobre as
rismo, que começaram no próprio caráter políticas públicas, o marco legal vigen-
da exploração do Brasil, no regime econô- te, e temas de interesse da sociedade,
mico escravocrata, na nossa proclamação convocados para colher subsídios e
da República, antes muito mais um arranjo propostas para sua inovação e aprimo-
das elites, para se readaptarem e seguirem ramento;
• Conselhos Participativos: Espaços for- 73
mais de Controle Social Externo, de com- Consideramos essencial
posição paritária entre governo e socieda-
de civil, para debate, análise e formulação
para a própria democracia
de proposituras, com vistas ao aprimora- o empoderamento e o

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


mento, buscando a melhoria permanente fortalecimento desses espaços,
quanto a eficiência, eficácia e efetividade
das políticas públicas por área ou seg-
diminuindo a distância que
mento. Esses Conselhos podem ainda ser comumente separam o mundo
deliberativos ou consultivos; real das políticas públicas,
• Fóruns de Participação Popular: São por
da real, verdadeira e legítima
excelência os espaços de Controle do vontade popular.
Controle Social Externo. Compostos ma-
joritariamente, mas em alguns casos não
exclusivamente pela Sociedade Civil, são
espaços, permanentes, livres e autôno- Por suas características somadas ao
mos para acompanhamento e formulação atual momento político que atravessamos,
de propostas para aprimoramento das consideramos essencial para a própria de-
políticas públicas, e de acompanhamento mocracia o empoderamento e o fortaleci-
e monitoramento das ações dos Conse- mento desses espaços, diminuindo a dis-
lhos Participativos, também organizados tância que comumente separam o mundo
por área ou segmento; real das políticas públicas, da real, verda-
deira e legítima vontade popular. E é por
• Conferências Públicas: É a mais alta ins- meio da participação qualificada e articu-
tância oficial de participação popular di- lada, principalmente por Trabalhadores e
reta. Realizadas em períodos regulares, Usuários desses espaços, que dando vigor
são espaços para conferir o “estado da e força à democracia participativa, cons-
arte”, das políticas públicas e propor as truiremos políticas públicas cada vez mais

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


diretrizes que devem orientar as ações sintonizadas com os anseios e necessida-
e formulações dessas políticas, nos Con- des daqueles que delas sejam demandatá-
selhos Participativos, bem como, na for- rios, promovendo direitos, maior qualidade
mulação e aprimoramento de seu marco de vida e tornando nosso país menos in-
legal e ainda em sua execução. justo e menos desigual.
74 4. Desenvolvimento humano e psicologia na garantia
de direitos a benefícios eventuais e a programas de
transferência de renda1

Estamos assentando paulatinamente


uma mudança de paradigma no
campo das políticas sociais, em
que esses recursos aos quais às
pessoas tem acesso deixam de
ser instrumentos de controle e
disciplinamento de condutas, sendo
A seguridade social que vem sendo constru- a finalidade do ato funcionalista
ída, mesmo que lentamente, no Brasil, sob
execução da Política de Assistência Social do(a) agente do Estado
em conjunto com outros setores da admi-
nistração pública, tem apresentado a ofer- educação permanente e na pesquisa acadê-
ta de benefícios eventuais e programas de mica sobre as perspectivas dos modelos de
transferência de renda como instrumentos políticas públicas adotados e de organização
para a garantia concreta de direitos a míni- da sociedade. Pode-se dizer que estamos as-
mos sociais de provimentos à própria vida. sentando paulatinamente uma mudança de
A grande desigualdade social e econômica, paradigma no campo das políticas sociais, em
ainda que possa ter sido reduzida um pou- que esses recursos aos quais às pessoas tem
co nos últimos anos, continua exigindo que acesso deixam de ser instrumentos de con-
políticas públicas, como a de Assistência So- trole e disciplinamento de condutas, sendo a
cial, continuem dedicando grande atenção à finalidade do ato funcionalista do(a) agente
concessão de benefícios e à transferência do Estado, como historicamente foram con-
de renda, posto que outros mecanismos de cebidos e implementados, passando a ser
transformação social sistematicamente não direitos exercidos o mais diretamente pos-
alcançam o dia-a-dia das pessoas em situa- sível pelas pessoas que deles necessitarem,
ção de maior vulneratividade, por seus efei- os quais existindo também como meios para
tos serem somente no longo prazo. A presen- a realização do trabalho social com os(as)
ça da psicologia na Assistência Social pode respectivos(as) cidadãos(ãs) requeiram como
proporcionar a contribuição qualificada sobre fins atendimentos e/ou acompanhamentos
aspectos considerados subjetivos das pes- individuais ou familiares que podem assegu-
soas, das famílias, das instituições, mas não ram outras garantias, como acolhida, convi-
menos importantes para compreender mais vência e autonomia. Assim, o desafio do(a)
efetivamente os fenômenos da desigualdade psicólogo(a) enquanto trabalhador(a) social,
e das desproteções, tanto na operacionaliza- em conjunto com os(as) outros(as) trabalha-
ção direta da concessão, uma vez que pode dores agentes desta mudança de paradigma,
haver outras necessidades e situações das muitas vezes em instituições e circunstâncias
famílias e indivíduos a serem atendidas em resistentes a isso e seus efeitos socialmente
acompanhamentos da Assistência Social ou transformadores, é consolidar e materializar
na defesa de direitos em outras áreas, mas ética, técnica, operacional e politicamente
também indiretamente, analisando critica e essas outras possibilidades de direitos como
propositivamente o papel de benefícios even- complementares, e não subsidiárias, antagô-
tuais e a transferência de renda na vigilância nicas ou condicionadas aos benefícios even-
socioassistencial, na gestão do trabalho, na tuais e das transferências de renda2.

1 Oficina realizada por João Victor Reis 2 Síntese produzida pelo CRP SP
5. O serviço de proteção em situações de 75
calamidades públicas e emergências: o que é preciso
saber sobre o papel da Assistência Social para atuar,

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


garantir direitos e superar improvisos

Mariana Siena
Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Sociais em Desastres (NEPED) da UFSCar

O desastre é um acontecimento trágico e


crítico que ultrapassa o cotidiano, invade- seja com a presença da defesa civil,
o, desarruma-o. É um fenômeno tido como seja com a presença da Assistência
inadmissível, ante o qual se surpreendem os
Social, o atendimento público
que se encontram tanto dentro como fora
da cena; preocupações imediatas incitam àqueles grupos sociais afetados no
a mobilização de excepcionais recursos e desastre ou aos que intensificam
providências, pressionando-se autorida- sua vulnerabilidade diante dos
des para agirem rapidamente (VALENCiO, eventos ameaçantes tem se
20121). Diante de tal fenômeno, a Defesa caracterizado pela precariedade.
Civil tem a missão institucional de coorde-
nar todas as ações no contexto, inclusive
Para ultrapassarmos a barreira do “reino
aquelas de Assistência Social . Contudo, a
das necessidades”, o fenômeno do desastre

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


realidade nacional nos indica que, nos mu-
precisa ser encarado como um tipo de crise
nicípios brasileiros, a Assistência Social2
crônica, atrelado a um processo sócio-histó-
tem uma presença institucional significati-
rico longo de vulnerabilização, que não dura
vamente maior em relação à Defesa Civil.
enquanto as chuvas persistem, mas enquan-
Todavia, seja com a presença da defesa ci-
to os grupos vulnerabilizados não têm ga-
vil, seja com a presença da Assistência So-
rantidos seus direitos de cidadania. E, mais
cial, o atendimento público àqueles grupos
precisamente, o desastre já está instaurado
sociais afetados no desastre ou aos que
antes mesmo das chuvas. Dessa forma, pode-
intensificam sua vulnerabilidade diante dos
mos utilizar a metáfora do desastre como um
eventos ameaçantes tem se caracterizado
“fantasma”, na qual sua presença não é facil-
pela precariedade. Ou seja, recorrente tem
mente identificada, mas que “assombra” os
sido um tipo de atendimento que se baliza
grupos empobrecidos, independentemente ou
pelo “reino das necessidades” (e não dos
não das nuvens no céu estarem “carregadas”.
direitos), não ultrapassando o suprimento
das carências, no qual o provimento aos
O desvendar desse desastre como um
grupos sociais afetados em desastres com
“fantasma” constitui-se, a meu ver, no maior
colchões e cestas básicas seja considera-
desafio aos gestores públicos, principal-
do suficiente pelo ente público.
mente aqueles de Defesa Civil e Assistência
Social (na figura do profissional do serviço
social e da psicologia, por exemplo) e aos es-
1 VALENCiO, N. Para Além do ‘Dia do Desastre’: o caso brasilei- tudiosos do tema: desmascarar e articular os
ro. Curitiba: Appris Editora, 2012. elementos sociais que produzem o desastre,
2 A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, Reso- não como um fenômeno que “atinge” nossas
lução CNAS 109/2009, prevê a oferta do Serviço de Proteção sociedades, mas que é produzido no âmbito
em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
76 das relações sociais que se expressam nela, Como cientista social, que observa
no padrão de desenvolvimento que opta- as “nuvens cinzentas”, digo que é preciso,
mos por escolher, nas desigualdades com as sim, suprir as carências (e a atenção social
quais insistimos em conviver. Suas feições é muito importante nessa fase), num pri-
são identificáveis em âmbito macro e micros- meiro momento. Mas, o problema reside em
sociais. Seu teor está nas relações sociais e não conseguir-se ultrapassá-las, compro-
enfaticamente na interação dos empobreci- metendo a busca de direitos de cidadania
dos com o Estado, na face sociopolítica do dos que vivem sob as “nuvens cinzentas”
desastre (SiENA, 20143). da cotidiana proteção social desigual.

3 SiENA, M. A Atenção Social nos Desastres: quando o deslo-


camento compulsório acontece. in: VALENCiO, N; SiENA, M.
(Org.). Sociologia dos Desastres: construção, interfaces e
perspectivas. Vol. iV. São Carlos: RiMa, 2014. p. 151-178.
6. Práticas alternativas à institucionalização no SUAS 77
e a promoção da convivência familiar e comunitária1

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Com os avanços da Política Pública de As-
sistência Social e a consolidação do Siste- a atenção psicossocial enquanto
ma Único de Assistência Social - SUAS, tor- uma ética norteadora das
na-se necessária a ampliação do debate
práticas no SUAS, capaz de
acerca das práticas de institucionalização
que ainda vêm sendo produzidas nos coti- problematizar as consequências
dianos dos serviços, como sendo medidas da institucionalização da vida, de
protetivas, em especial para crianças, ado- fortalecer o trabalho em rede,
lescentes, pessoas idosas e pessoas com contribuindo para o desenvolvimento
sofrimento psíquico intenso, a despeito da de ações desinstitucionalizantes
busca prioritária pelo fortalecimento da
e antimanicomiais emerge como
função protetiva da família e a promoção
da convivência familiar e comunitária. Nes- uma urgência a ser incorporada
nos processos de compreensão,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


se sentido, a atenção psicossocial enquan-
to uma ética norteadora das práticas no formulação e proposição dos
SUAS, capaz de problematizar as conse- atendimentos e acompanhamentos
quências da institucionalização da vida, de
fortalecer o trabalho em rede, contribuindo
para o desenvolvimento de ações desinsti-
tucionalizantes e antimanicomiais emerge
como uma urgência a ser incorporada nos
processos de compreensão, formulação e
proposição dos atendimentos e acompa-
nhamentos, transcendendo tanto práticas
estratigráficas quanto aquelas centradas
no discurso competente, impregnado en-
tre instituições, profissionais e, sobretudo,
sobre as próprias pessoas destituídas da
condição de sujeitos de suas vidas e redu-
zidas objetos desta ou daquela ordem2.

1 Oficina realizada por Maria Julia Azevedo Gouveia e Lucia Helena Nilson

2 Síntese produzida pelo CRP SP


78 7. Produção de documentos escritos por
psicólogas(os) na Assistência Social

Graça Maria de Carvalho Camara


Em virtude da área de atuação
Conselheira do Conselho Regional
de Psicologia São Paulo da(o) psicóloga(o) é que este(a)
pode ser solicitado(a) a demonstrar
os resultados de seu trabalho
por meio de documentos escritos
com maior ou menor frequência, e
essa produção deve ser cuidadosa
e pautar-se principalmente
A produção de documentos escritos tem sido
nas legislações específicas
matéria de frequentes solicitações de esclare- determinadas pelo Conselho Federal
cimento por parte de psicólogas(os), bem como de Psicologia
de número expressivo de representações en-
caminhadas aos Conselhos Regionais de Psi- entrevistas, testes, observações e outras
cologia. Mais importante ainda num espaço tão ferramentas para o qual a(o) psicóloga(o)
novo quanto o da(o) psicóloga(o) na Assistência esteja habilitada(o).
Social. Por isso, a importância desta discussão
neste 3º Seminário Estadual sobre Psicologia e Essas avaliações podem gerar docu-
Assistência Social em São Paulo. mentos que terão destinos bastante diferen-
tes. Alguns podem inclusive ser anexados a
Antes de iniciarmos esta discussão, é im- processos judiciais, como os que envolvem
portante lembrar a importância da avaliação litígio entre as partes, disputa de guarda, mo-
psicológica como o principal produto do tra- dificação de visitas, acusação/suspeita de
balho da(o) psicóloga(o), independentemente abuso sexual, entre outros.
de sua área de atuação, que deve ser feita
pautada na qualidade técnica e no respeito ao Na situação especifica da(o) psicóloga(o)
Código de Ética profissional, nossa Lei maior. que atua na Assistência Social, há a questão
de produção de documentos conjuntos com o
Em virtude da área de atuação da(o) profissional de Assistência Social. Ação esta
psicóloga(o) é que este(a) pode ser solicitado(a) que deve ser bem cuidadosa e que deve res-
a demonstrar os resultados de seu trabalho peitar os cuidados previstos pelos Conselhos
por meio de documentos escritos com maior Federal e Regional de Psicologia.
ou menor frequência, e essa produção deve
ser cuidadosa e pautar-se principalmente nas Legislação em vigor
legislações específicas determinadas pelo
Conselho Federal de Psicologia. Lembrando Código de Ética Profissional, Resolução
que é dever da(o) psicóloga(o) conhecer a le- CFP 07/2003, que traz o Manual de Ela-
gislação e código de ética da profissão e que boração de Documentos Escritos, a Reso-
é dever do Conselho de Psicologia zelar pela lução CFP 08/2010, que trata da atuação
profissão e proteger a sociedade. profissional da(o) psicóloga(o) parecerista,
perita(o), assistente técnica(o) ou psicote-
Produção de Documentos Escritos rapeuta de uma das partes, a Resolução
CFP 012/2011 - Regulamenta a atuação
As avaliações psicológicas realizadas em da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema
consultórios e/ou diversos tipos de institui- prisional (especificamente Art. 4º) e as
ções têm como base a coleta de dados, es- Resoluções CFP 01/2009 e 05/2010 sobre
tudos e interpretações realizados a partir de produção e guarda de prontuários.
8. A inserção e o papel do prontuário SUAS nas 79
unidades de CRAS e CREAS: consolidando o SUAS

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Luís Otávio Pires Farias e
Rita de Cássia Alves de Abreu
CGVIS/DGSUAS/SNAS/MDS

O Prontuário do Sistema Único de Assis- Nessa direção, o Prontuário SUAS se-


tência Social (Prontuário SUAS) representa gue a diretriz da matricialidade sociofamiliar
um marco no amadurecimento e consoli- preconizada pela PNAS, sendo compreendido
dação da Política Nacional de Assistência como um instrumento técnico, de caráter si-
Social (PNAS), colocando-se como um ins- giloso, destinado ao registro do acompanha-
trumento nacional de registros do trabalho mento familiar desenvolvido com famílias ou
social com famílias, considerando que a indivíduo no âmbito do Serviço de Proteção e
uniformização das informações registra- Atendimento integral à Família (PAiF) e do Ser-
das colabora para: organização e sistema- viço de Proteção e Atendimento Especializa-
tização das informações essenciais ao tra- do a Famílias e indivíduos (PAEFi) nos Centros
balho social desenvolvido; instrumentalizar de Referências de Assistência Social (CRAS)
a gestão com dados que fornecem subsí- e Centros de Referências Especializados de
dios para a realização do monitoramento e Assistência Social (CREAS), respectivamente.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


avaliação das ações e serviços ofertados.
Formatado e destinado para facilitar o
trabalho em equipe e assegurar a continuida-
de do acompanhamento familiar, o Prontuário
os serviços públicos têm o dever de SUAS contribui para: organização do registro
produzir e organizar informações do conjunto de informações necessárias para
sobre os serviços prestados à a elaboração do Plano de Acompanhamento
população, bem como de assegurar Familiar; reflexão das intervenções e media-
o direito de acesso dos usuários a ções periódicas realizadas com a família usu-
essas informações ária; avaliação dos resultados do acompanha-
mento e garantir meios de comunicação entre
os profissionais que compõem as equipes de
Considerando que os serviços públicos referência dos CRAS e CREAS, sem com isso
têm o dever de produzir e organizar informa- ferir o direito à autonomia no planejamento e
ções sobre os serviços prestados à popu- exercício do trabalho profissional.
lação, bem como de assegurar o direito de
acesso dos usuários a essas informações, a O hábito de registrar alinhado ao uso
discussão sobre a elaboração de um modelo contínuo do Prontuário SUAS permite a equi-
de referência para a utilização de prontuário pe técnica do PAiF e do PAEFi avaliar a dire-
no SUAS foi posta em tela após a aprovação ção do trabalho social desenvolvido com as
da Tipificação Nacional dos Serviços Socio- famílias. O instrumento permite que a equipe
assistenciais (Resolução CNAS nº 109/2009), observe se as metas propostas no plano de
a qual aponta que a utilização de prontuário acompanhamento familiar foram atingidas,
é requisito essencial para o trabalho social com a finalidade de rever e aprimorar as ações
com famílias no âmbito do SUAS. em andamento e corrigir possíveis equívocos.
80 Permite também planejar, de forma prospec- Por fim, merece ser destacado aqui o
tiva, os rumos do acompanhamento familiar, documento orientador que o Conselho Fe-
considerando a potencialidade de cada famí- deral de Psicologia (CFP) elaborou sobre o
lia e os desafios de cada contexto e território, posicionamento favorável deste Conse-
com o objetivo de garantir acesso equânime lho quanto ao uso do Prontuário SUAS por
a bens, serviços e direitos socioassistenciais. equipe multiprofissional em atendimentos
nos CRAS e nos CREAS, considerando
O registro sistemático de informações que “os eixos norteadores da atuação
em prontuário representa um indicador de do(a) psicólogo(a) devem conciliar os prin-
qualidade do serviço ofertado, além de se cípios técnicos, éticos e científicos regula-
constituir como um instrumento técnico para mentados pelas normativas que regem a
respaldo ético e legal dos profissionais res- profissão, com as orientações ao traba-
ponsáveis pelo serviço ofertado, para a uni- lho multidisciplinar organizados na PNAS
dade responsável pela oferta do serviço e e, consequentemente, nos equipamentos
para as famílias acompanhadas no âmbito do sociais responsáveis pela operacionali-
PAiF e do PAEFi, uma vez que são registradas zação dos serviços socioassistenciais”.
no instrumento informações essenciais para
elucidação de questões éticas, se necessário.
9. Inserção e atuação dos psicólogos no SUAS: 81
possibilidades e impasses

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Silvio José Benelli
Departamento de Psicologia Clínica – FCL/Unesp-Assis

Apresentaremos uma revisão problemati- inserção de outros psicólogos nessa políti-


zadora da literatura acadêmica sobre a in- ca pública por meio da prática teórica, eles
serção do psicólogo na Assistência Social, também estão criando de modo diferente,
a partir de bancos de teses e dissertações a realidade social e histórica que constitui
de algumas universidades, tais como os da a própria Assistência Social na sua inter-
UNESP, USP, UEM, PUC e também de outras face com a Psicologia, enquanto ciência e
universidades estaduais e federais. Encon- profissão.
tramos 24 diferentes dissertações e teses,
que agrupamos a partir da linha teórico-
metodológica dos seus autores: perspec- a inserção de outros psicólogos
tiva clínica tradicional (02), perspectiva da nessa política pública por meio
Psicologia Social dialética (10), perspectiva da prática teórica, eles também
psicanalítica (07), perspectiva genealógica
estão criando de modo diferente,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


(02) e perspectiva cartográfica (03). Rese-
nhamos detalhadamente 13 desses traba- a realidade social e histórica que
lhos, em que a leitura, trabalhada e refle- constitui a própria Assistência Social
tida desse abundante material acadêmico na sua interface com a Psicologia,
funcionou como uma importante imersão enquanto ciência e profissão
no campo temático.

Parece importante distinguir, por um Pesquisadores, a partir de distintas


lado, um conjunto de dados que os pes- visões, vão se deparando com problemas
quisadores captam na realidade concreta muito parecidos: pode-se dizer que consta-
da Assistência Social, em diversas locali- tam que há psicólogos que fazem o que po-
dades brasileiras e, de outro, suas respec- dem nas circunstâncias conjunturais pre-
tivas abordagens teórico-metodológicas, cárias e estruturais paradoxais nas quais
já no plano da pesquisa acadêmica. Re- estão inseridos. Há muitos psicólogos téc-
cortam diversos aspectos de uma realida- nicos que parecem trabalhar com o senso
de que é múltipla e complexa, a partir de comum – quando não, a partir do precon-
suas experiências e de seus referenciais ceito mesmo –, há outros que procurariam
teóricos, enfatizando aspectos distintos, seguir uma determinada perspectiva teóri-
apresentando níveis ou planos analíticos ca adotada ainda na graduação, sobretudo,
diferentes, às vezes antagônicos, às ve- com relação ao atendimento clínico numa
zes, possivelmente suplementares – mas linha específica. Muitos dizem não terem
nunca complementares nem totalizantes sido formados para atuar no campo das
–, lançando luz sobre diversos aspectos políticas públicas sociais. Lendo os relatos
problemáticos do cenário composto pelo de pesquisa dos psicólogos pesquisado-
campo socioassistencial. Ao analisarem a res, percebe-se a fragilidade institucional,
82 financeira e técnica da Assistência Social, Aspectos, como a construção de equipes
como política pública nos diversos muni- mínimas, condições institucionais adequa-
cípios e esse fato não é acidental, pois o das de trabalho e de formação continuada,
Estado resiste em se responsabilizar efeti- deixam muito a desejar: a terceirização é a
vamente pelo financiamento dessa política tônica geral, muitas das contratações são
pública social. O clientelismo do poder pú- temporárias, falta remuneração que valori-
blico municipal, as disputas políticas locais, ze os trabalhadores, os planos de carreira
os interesses eleitoreiros, são obstáculos são raros, há uma intensa rotatividade de
que precisam ser enfrentados e superados funcionários nos estabelecimentos, o que
para a consolidação da Assistência Social promove a descontinuidade das ações em
em toda parte. Práticas de gestão autoritá- andamento e incide diretamente nos seus
rias, centralizadoras, opressoras e mesmo precários efeitos resolutivos. Podemos
despóticas – em prefeituras, secretarias, considerar que, em geral, na atualidade, o
estabelecimentos assistenciais públicos lugar ético possível para o psicólogo esta-
e ONGs – não são incomuns nesse cená- ria entre a tutela normalizadora, o agente
rio, de acordo com a literatura compulsada. político e a Atenção Psicossocial.
10. A psicologia nas medidas socioeducativas 83
em meio aberto

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Audiston Maciel
Coordenador do Centro de Referência Especializado
de Assistência Social (Creas) de Álvares Machado - SP

No colóquio ocorrido, foi relatada a


experiência de álvares Machado/SP, uma pode-se perceber que tal
pequena cidade com aproximadamente construção, articulada à
24.578 habitantes, cidade dormitório de
particularização das necessidades
Presidente Prudente/SP.
dos adolescentes, viabilizou um
As medidas socioeducativas LA/PSC atendimento mais personalizado, o
estão municipalizadas no município desde qual, além de garantir o aumento
2001 e vêm trilhando um curioso caminho, o de frequência às orientações e às
qual tem demandado das equipes a particu- reuniões de família, possibilitou
lar tarefa de compreensão do fenômeno da
reintegração da família ao
transgressão e ruptura com regras e víncu-
los sociais por parte dos adolescentes, os adolescente (de acordo com
os históricos, o seu primeiro

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


quais compõem-se majoritariamente de re-
presentantes do sexo masculino e raramente rompimento) e seu reconhecimento
de adolescentes do sexo feminino, em que a de pertencimento junto a esta,
grande maioria se encontra evadida da esco- objetivando assim o cumprimento
la, comumente envolvida com uso e tráfico de
sob ótica de uma justiça restaurativa
substâncias ilícitas e em sua quase totalida-
de advinda de famílias com vínculos rompidos,
contando raramente com a figura paterna ou talmente ampliando o conhecimento do terri-
com alguma representação lícita desse papel. tório e aspectos relevantes de seu entorno.

A atual experiência junto ao CREAS do De forma sintética, pode-se perceber


município, órgão de referência para risco e que tal construção, articulada à particulari-
vulnerabilidade pessoal e social, buscou a zação das necessidades dos adolescentes,
partir da estruturação de equipe distinta viabilizou um atendimento mais personali-
para referência técnica CREAS (Assistente zado, o qual, além de garantir o aumento de
Social, Psicólogo, Advogado e estagiários) e frequência às orientações e às reuniões de
MEDiDAS (composta por pedagogo/assisten- família, possibilitou reintegração da família
te social/ estagiários) viabilizar articulação ao adolescente (de acordo com os históricos,
de conhecimento da rede social do adoles- o seu primeiro rompimento) e seu reconheci-
cente (visitando sua família, conhecendo o mento de pertencimento junto a esta, objeti-
local onde o mesmo solta pipas e joga bola, vando assim o cumprimento sob ótica de uma
os familiares que lhe são caros, as casas de justiça restaurativa que rompe com o caráter
amigos que frequenta, seus locais de diver- unicamente punitivo da medida socioeduca-
são e lazer, etc.), objetivando assim destacar tiva, viabilizando uma reintegração, que vem
lideranças positivas e negativas e fundamen- demonstrando ser efetiva pela substancial
84 diminuição da reincidência de medidas, e ain- Cabe ressaltar que são inúmeros os
da a prerrogativa de reparação da família, que desafios e incontáveis os tropeços no pro-
a partir do resgate de seu significado como cesso de construção contínua e constante
depositária do papel de figura protetiva edifi- do acompanhamento de medidas que asse-
cadora dos aspectos positivos do adolescen- gurem as garantias constitucionais e sejam
te se apropria do processo, comungando de uma expressão da defesa intransigente dos
seu respectivo êxito. direitos da criança e do adolescente.
11. Psicologia em serviços de acolhimento 85
para pessoas idosas

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Eliana Novaes Procopio de Araujo

O aumento da população idosa brasileira Segundo Morin (1996), a psicogeron-


trouxe novos desafios aos serviços de psico- tologia não se resume à psicologia do en-
logia que para desenvolverem um acolhimen- velhecimento, mas sim a um estudo mais
to emocional adequado precisam se adaptar abrangente e com abordagem aos proces-
a novas demandas do envelhecimento. sos interdependentes e inter-relacionados.
Fundamenta-se no conhecimento dos pro-
Assim, surge a questão: quem é ido- cessos existenciais e mecanismos psíqui-
so? São pessoas com 60 anos em países cos voltados ao entrelaçamento vital.
em desenvolvimento como o Brasil e 65
anos ou mais em países desenvolvidos, 80 A sociedade brasileira deve entender
e 85 anos são considerados muito idosos que a velhice é um processo subjetivo e de
de acordo com a Organização Mundial de contínuas mudanças e o aumento expres-
Saúde (OMS). Entretanto, esse critério cro- sivo da longevidade nos chama atenção

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


nológico não se aplica ao envelhecimento para necessidade de serviços psicogeron-
psicológico, que é um processo subjetivo e tológicos que promovam a qualidade de
heterogêneo (Blazer,1998). vida, autoestima e integração social.

Dessa forma, temos distintas velhices


com uma vivência subjetiva no tempo e no A sociedade brasileira deve
contexto social. Com o avançar da idade, o
indivíduo se torna consciente de suas limi- entender que a velhice é um
tações e para superar as angústias advin- processo subjetivo
das da fragilidade e finitude, dessa fase, se
faz necessário a elaboração das perdas e
lutos. isso ocorre, segundo Bianchi (1993), Pela minha experiência profissional
por meio da manutenção da vida de rela- em instituição de longa permanência e
ção, com trocas e continuidade de sentido atendimento em consultório, cada pessoa
de vida. idosa passa por grupos como família, es-
cola, trabalho, entre outros, e a criação de
A psicogerontologia surgiu a partir da oficinas são muito importantes, pois criam
década de 1980 e 1990, época que ocorreu espaços ao desenvolvimento de projetos
uma mudança sobre o desenvolvimento do de vida e de elaboração de vida pessoal e
processo de envelhecimento pelo paradig- coletiva.
ma Life-Spam, ou seja, o desenvolvimento
dialético ocorre a vida toda. Esse para- O acolhimento de idosos engloba um
digma defende a manutenção de recursos comportamento perante a existência de
adaptativos da personalidade e capacidade outro ser humano e denota uma postura
de aprendizagem ao longo da existência. de trabalho, de preocupação, de serviço e
86 envolvimento afetivo com o outro, em res- A atuação do psicogerontólogo terá
posta à situação atual dos idosos brasilei- como objetivo a melhoria do envelhecimen-
ros em crescente vulnerabilidade biopsi- to psicológico de cada idoso por meio do
cossocial (Boff,1999). bom funcionamento psíquico, em que pre-
valeçam sentimentos amorosos e constru-
A psicologia do acolhimento permite tivos para adaptação das perdas e dificul-
uma escuta ativa e possibilita o entendi- dades dessa fase de vida e construção de
mento das mensagens explícitas (histó- novos projetos de vida.
rias) e implícitas (emocionais) em razão de
o idoso muitas vezes perder espaço para Assim, o cuidado aos idosos deve res-
expressar-se em círculo familiar. Assim, peitar a singularidade e complexidade dos
tanto no atendimento individual como em sujeitos simultaneamente ao acolhimento
grupo, o acolhimento propiciará o alicerce aos familiares com a proposta de melhoria
relacional entre os idosos e o psicogeron- nas relações afetivas e intergeracionais,
tólogo, além de facilitar adesão a trata- propiciando um novo contexto e significa-
mentos e orientações interdisciplinares. do à velhice.
12. Acolhimento e atendimento socioassistencial 87
a pessoas e famílias com demandas sobre álcool e
outras drogas

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Annie Louise Saboya Prado

Os desafios lançados para as políticas pú- Se toda a guerra às drogas e se toda


blicas envolvidas mais diretamente com a a informação disponibilizada não tem ser-
demanda de álcool e drogas se asseme- vido para diminuir a venda nem o consu-
lha com a própria problemática no âmbito mo de drogas, a melhor ferramenta para
individual: a necessidade da expansão de minimizar os danos que a proibição causa
mediações, a ampliação do conhecimento é também a diversificação dessas informa-
sobre drogas e seus usos e a superação ções. O que também se aplica para as dro-
de preconceitos e estigmas enraizados em gas lícitas que servem ao mesmo sistema.
toda a sociedade. A busca da superação
desses desafios tanto serve para um me- A busca por informações de fontes di-
lhor atendimento no serviço público quanto versificadas, de experiências baseadas em
para a própria pessoa que faz uso proble- trabalhos comunitários, na experiência das
mático de álcool e outras drogas, que ao se próprias pessoas que usam substâncias,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


inserir como usuário dessas substâncias em experiências de outros países, são fer-
na nossa sociedade, é visto e muitas vezes ramentas essenciais para o trabalho nas
acaba por se ver como um problema. políticas públicas envolvidas. Enquanto a
sociedade estreitar o olhar do uso proble-
O uso de substâncias psicoativas, re- mático de drogas na própria substância irá
alizado há milhares de anos em todas as girar em círculos infindáveis e inúteis para
formas de organização humana, na socie- amenizar o problema, e pessoas com um
dade brasileira atual passa por atravessa- uso problemático carregarão o terrível far-
mentos perversos e de interesses de um do de fracas, irrecuperáveis e em alguma
grupo pequeno e poderoso. isso faz com instância não capazes de viver em socie-
que a grande mídia vincule e torne aces- dade, assim, segregadas em cadeias, clíni-
sível o pior tipo de informação possível, cas e comunidades terapêuticas.
a menos imparcial e a mais carregada de
preconceitos, dogmas e moralismos. Se linhas de fuga para garantir o mí-
nimo de saúde mental numa sociedade
doente se tornam tão reduzidas, mais fá-
cil que as drogas façam mais sentido que
Enquanto a sociedade estreitar outros prazeres, mais comum que muitas
o olhar do uso problemático de pessoas em algum momento possam viver
tão intensamente com elas nas suas vi-
drogas na própria substância das que precisem de apoio para aprender
irá girar em círculos infindáveis novas formas de viver com ou sem o uso
dessas substâncias, assim pontuamos a
e inúteis para amenizar o Redução de Danos que trabalha na poten-
problema cialização do autocuidado e da autonomia.
88 informações antiproibicionistas, que Quando de alguma forma se consegue
questionam o modelo de repressão às dro- ampliar o olhar dessa demanda fica eviden-
gas e o tratamento baseado na moral vi- te a necessidade do trabalho intersetorial
gente, tem um grande potencial criativo e nas políticas públicas. Não se trata de uma
de mudança quando adquiridos pelo(a) pro- doença que o indivíduo carrega a sua própria
fissional das políticas públicas. A amplia- sorte e culpa. Ampliar o olhar além da subs-
ção da consciência, umas das buscas no tância, aprofundar o entendimento da relação
uso de substâncias, nessa temática recolo- usuário(a), sociedade, cultura e contexto pode
ca a(o) profissional dentro de uma posição ser libertador mesmo que não traga todas as
menos alienada e adoecedora, porque tira respostas. É uma demanda que perpassa por
de si mesma(o) e da política pública em si todas as esferas da vida, que atinge e atra-
o peso de resolver o problema das drogas. vessa subjetividades de forma violenta em
Fica evidente que a questão é muito mais nossa sociedade injusta e desigual, deixando
complexa e que passa por uma mudança de marcas em pessoas que devem ser olhadas
toda a forma de se ver o uso das drogas, de com cuidado e atenção de forma integral.
se ver os(as) usuários(as) e que passa prin-
cipalmente por enxergar que a sociedade e Os manicômios se reinventam, mas a
a política de drogas precisa mudar. nossa luta também!
13. Contribuições da psicologia em serviços de 89
acolhimento para crianças e adolescentes

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Alessandra Marques

Superação do paradigma
institucionalizante enraizado na
Assistência Social, segundo o
qual é atribuída às Instituições a
tarefa de afiançar proteção social
O público presente à Oficina era composto e favorecer desenvolvimento,
de cerca de 30 pessoas, dentre profissionais despotencializando os recursos que
psicólogos que atuam em SAiCAs, gestores,
estudantes de psicologia. Após uma breve
a própria Comunidade tem
apresentação destes, propusemos uma me-
todologia à Oficina que fosse dialógica, pro- cial especial de alta complexidade do SUAS, de
cedendo a uma brevíssima síntese dos Docu- modo que situações de conflito e tensão podem
mentos: Orientações Técnica para os SAiCAs compor o cotidiano/dinâmica do trabalho e de-
(MDS, Brasília, 2009) e Resolução 23, de se- vem ser enfrentadas na perspectiva da prote-
tembro/2013, do CNAS. ção social e da defesa intransigente de direitos
de crianças e adolescentes, apostando na rela-
Houve participação bastante intensa dos ção a ser estabelecida, na criação e manuten-
presentes sobre as questões que eram levan- ção de vínculos para sustentação do trabalho,
visto que crianças e adolescentes se compor-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


tadas. Em relação aos principais desafios, te-
mos: a necessidade de ocupação dos espaços tam como tal e suas “rebeliões” são indicativos
de participação popular (fóruns de defesa de da necessidade de compreendermos seu dina-
direitos, conselhos de políticas) pelos trabalha- mismo, repensando a ambiência dos Serviços.
dores, objetivando a troca de experiências, a
ampliação da formação política e a construção Em relação às propostas e aos encami-
das políticas públicas de forma participativa; nhamentos, destacamos os seguintes: inves-
necessidade da superação das especialidades, timento na qualificação da gestão do trabalho,
sobretudo, da psicologia e do serviço social, com a consequente elaboração de um quadro
avançando em direção à transdisciplinariedade; situacional, quantificando para qualificar o tra-
necessidade de superação do paradigma insti- balho; articulações com a gestão dos Serviços
tucionalizante enraizado na Assistência Social, para garantia de espaços de supervisão ins-
segundo o qual é atribuída às instituições a ta- titucional; investimento na mudança de olhar
refa de afiançar proteção social e favorecer de- sobre o público usuário, na perspectiva da com-
senvolvimento, despotencializando os recursos preensão da realidade social que evidenciam e
que a própria Comunidade tem; necessidade de na defesa de seus direitos como estratégia de
repensar a gestão do trabalho, criando estraté- transformação de realidades complexas; neces-
gias de compartilhamento da gestão nos espa- sidade da superação de espaços institucionali-
ços cotidianos, através, por exemplo, de assem- zantes, sendo o profissional psicólogo compe-
bleias de usuários, manutenção das reuniões tente e necessário para fomentar discussões
de equipe, criação de conselhos gestores dos sobre outras modalidades de acolhimento para
Serviços); urgente necessidade de implantação crianças e adolescentes, como o acolhimento
da Política de Educação Permanente instituída familiar, vide experiências do Rio Grande do Sul;
(CapacitaSUAS); necessidade de tomar o SAiCA fomentar a participação de trabalhadores e usu-
efetivamente como um serviço de proteção so- ários nas Conferências de Assistência Social.
90 14. Enfrentamento da violência e da desigualdade de
gênero, proteção social e defesa de direitos no SUAS

Patrícia Brucieri

É imprescindível que o(a) técnico(a)


tenha um posicionamento ético,
A violência é um fenômeno multifatorial, que
independe da condição socioeconômica, sen-
respeitando os valores da pessoa
do assim, cada indivíduo desenvolverá estra- índice, de sua família e demais
tégias para lidar com a situação vivenciada, componentes de sua rede pessoal.
nesse contexto, quando falamos sobre vio-
lência, necessariamente estamos nos referin- Na Proteção Social Básica, o(a) profissio-
do às desigualdades de gênero. nal desenvolverá ações preventivas para lidar
com as desigualdades de gênero. Em contra-
Desse modo, a formação do papel social ponto, na Proteção Social Especial, os meca-
inicia-se na infância, por meio da transmissão nismos de atuação incidirão sobre a violência
dos valores socioculturais influenciados pelo de gênero já instalada, entretanto, em ambas
modelo patriarcal: a menina ainda é estimu- situações objetiva-se a equidade nas relações:
lada a desenvolver a empatia para desempe- o respeito à singularidade do outro, reconhe-
nhar suas funções no domínio privado, con- cendo-o como sujeito de direitos.
trapondo ao menino que será reforçado em
suas habilidades competitivas para sobres- Referente ao acompanhamento do(a)
sair-se no contexto público. usuário(a), quando a violência está instalada, é
possível observar na pessoa mais afetada pela
Apesar do processo sócio-histórico, a relação desigual, sentimentos de baixa auto-
violência de gênero não é apenas praticada estima, inferioridade, petrificação, desmotiva-
por homens contra mulheres, mas por mulhe- ção, insegurança, frustração, culpa e vergonha,
res contra homens, homens contra homens e principalmente, quando se trata da relação mu-
mulheres contra mulheres; contudo, a mulher lher-homem. Em consequência da situação de
encontrará maiores dificuldades para exer- violência, nota-se na vítima o empobrecimento
cer seu poder diante do homem, uma vez que da capacidade de reação e potência reflexiva;
lidará com estratégias de dominação trans- empobrecimento dos vínculos afetivos e/ou fa-
mitidas de geração em geração, sendo facil- miliares; isolamento social; ausência de objeti-
mente naturalizadas. vos/metas no presente e incerteza ou falta de
expectativa no futuro; reprodução do histórico
Dessa forma, é nesse contexto de desi- de violência familiar; desapercepção do ciclo da
gualdade de gênero que o(a) profissional do violência, dentre outros.
SUAS desempenhará suas atribuições, tendo
como objetivo o término da situação de vio- Sendo assim, para que as intervenções
lência ou violação de diretos. Para tanto, é técnicas sejam eficazes, é recomendável que
imprescindível que o(a) técnico(a) tenha um o trabalho seja realizado com e para a família,
posicionamento ético, respeitando os valo- fomentando o protagonismo de cada membro,
res da pessoa índice, de sua família e demais bem como, o fortalecimento, restabelecimento
componentes de sua rede pessoal. ou a criação de novos vínculos afetivos.
15. Enfrentamento do racismo, proteção social e 91
defesa dos direitos no SUAS

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Renata de Oliveira

Olhar para essa brecha da formulação e execução da política pública nos faz
refletir de que modo os impactos do chamado ‘mito da democracia racial’ ainda
opera na sociedade brasileira mantendo os processos de desigualdades no
acesso aos direitos de brancos e negros.

Diversas discussões permeiam a inserção e o Contraditoriamente, é por meio desse instru-


exercício do psicólogo na Assistência Social e, mental, enviado para o Observatório das Políti-
a essas discussões, acrescenta-se os próprios cas Sociais, que são formuladas as estratégias
desafios da implementação do Sistema Único de execução das próprias políticas.
da Assistência Social – SUAS. Pensar em tais
desafios convida os psicólogos para o exercí- Olhar para essa brecha da formulação e
cio autônomo e crítico da profissão reafirman- execução da política pública nos faz refletir de
do seu compromisso ético-político assumido. que modo os impactos do chamado ‘mito da de-
mocracia racial’ ainda opera na sociedade brasi-
Nos últimos 3 anos, tenho atuado como leira mantendo os processos de desigualdades
trabalhadora da Assistência Social desenvol- no acesso aos direitos de brancos e negros.
vendo trabalho com os adolescentes em cum- Outrossim, nos faz refletir também de que modo
primento de medida em meio aberto, bem como opera o racismo institucional existente.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


famílias que estejam em situação de violação
de direitos. Ao longo deste trabalho, meu olhar Desse modo, necessário se faz reafir-
tem se voltado para as pessoas as quais aten- marmos enquanto psicólogos(as) a Resolução
do, sendo em grande parte mulher, negra, mui- CFP nº018/2002, que, em seu artigo 1º, versa:
tas em situação de violência doméstica, pesso- “os psicólogos atuarão segundo os princípios
as em situação de rua que em grande parte são éticos da profissão contribuindo com seu co-
homens negros, assim como os próprios ado- nhecimento para reflexão sobre o preconceito
lescentes negros em cumprimento de medida. e para a eliminação do racismo”, bem como em
Tenho me deparado, contudo, com a dificuldade seu artigo 3º: “os psicólogos, no seu exercício
em subsidiar essa experiência, como contribui- profissional, não serão coniventes e nem se
ção, para formulação da política pública. omitirão perante o crime de racismo”. Portanto,
como construirmos estratégias de atendimen-
A rede socioassistencial (ao menos na to que acolham a população que sofre com os
realidade da cidade de São Paulo), composta impactos da desigualdade, forjadas por meio
pelos serviços conveniados à Secretaria Muni- do racismo? Como acolher o sofrimento psíqui-
cipal de Assistência e Desenvolvimento Social – co da pessoa vítima do preconceito racial? Em
SMADS, trabalha com o instrumental chamado que medida, o SUAS pode contribuir para que
DEMES (Declaração Mensal de Dados de Exe- esses desafios sejam enfrentados?
cução). Os dados compilados nessa declaração
reúnem a quantidade de atendimentos realiza- São questões que precisam ser debati-
dos por serviço, idade, gênero, e são estes uti- das cotidianamente no exercício da profissão
lizados para desenvolver algo fundamental da para que possamos construir nos espaços de
política pública: a vigilância socioassistencial. proteção da Assistência Social mecanismos de
Ocorre que nesse demonstrativo não há o que- enfrentamento ao racismo e seus impactos na
sito cor/raça dos atendidos nesses Serviços. sociedade brasileira.
92 16. O direito de pessoas com deficiência: o
atendimento e o acolhimento na rede socioassistencial

Edgar Bittner Silva

De acordo com dados do Censo do iBGE Direitos da Pessoa com Deficiência1, assi-
2010, 23,9% da população brasileira tem, nada pelo Estado brasileiro e gozando de
pelo menos, um tipo de deficiência, algo em status constitucional. Construída a partir
torno de 45 milhões de pessoas. Dessas, de contribuições de movimentos de vida
26,6% se encontram na região Nordeste, independente, ativistas, pessoas com De-
historicamente reconhecida como a região ficiência, além de especialistas, a Conven-
mais pobre do país, possível indício da rela- ção, como ficou conhecida, inova ao apre-
ção estrutural entre pobreza e deficiência. sentar a Deficiência desde o modelo social,
entendendo que essa não está localizada
Dentre os objetivos da Assistência So- exclusivamente no corpo da pessoa, mas
cial no Brasil, no escopo da Proteção Social, sim é construída socialmente na diminuição
segundo sua Lei Orgânica (8.742/93), en- da participação social (ou na comunidade),
contramos: iV - a habilitação e reabilitação como consequência da interação entre im-
das pessoas com deficiência e a promoção pedimentos de naturezas diversas, congê-
de sua inclusão à vida comunitária; V - a ga- nitas ou adquiridas ao longo da vida, e as
rantia de 1 (um) salário mínimo de benefício barreiras impostas por uma sociedade que
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso não as reconhece como dignas de pertença.
que comprovem não possuir meios de pro-
ver a própria manutenção ou de tê-la provi- A Resolução CNAS Nº 34/11 define
da por sua família. que habilitação e reabilitação... “é um pro-
cesso que envolve um conjunto articulado
O inciso V dessa lei é operacionalizado de ações de diversas políticas no enfren-
no Benefício de Prestação Continuada (BPC; tamento das barreiras implicadas pela de-
Decreto 6.214/07), não havendo grande ficiência e pelo meio, cabendo à assistên-
questionamento. O inciso iV, contudo, im- cia social ofertas próprias para promover
plica desdobramentos teóricos e políticos o fortalecimento de vínculos familiares e
importantes: quem é a pessoa com defici- comunitários, assim como a autonomia, a
ência? Como encarar a habilitação e reabi- independência, a segurança, o acesso aos
litação desde a ótica da Assistência Social direitos e à participação plena e efetiva na
e quais os limites com a Saúde? Como pro- sociedade” (art. 2º). A mesma resolução
mover a inclusão à vida comunitária e qual postula que essas ações se caracterizam
o papel de outras políticas, especialmente a na Proteção Social, na Vigilância Socioas-
Saúde e a Educação?
1 É digno de nota que, após o seminário que deu origem a este
O documento mais importante pro- Caderno Temático, em 6 de julho de 2015, foi sancionada a Lei
13.146, que institui a Lei Brasileira de inclusão da Pessoa com
duzido nos últimos anos no que tange à Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), tendo como
questão da Deficiência é a Convenção dos referência a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
incididindo sobre a Assistência Social e diversas outras políticas
públicas, visando a inclusão social e a cidadania.
sistencial e na Defesa e Garantia de Di- 93
reitos (art. 3º) e se realizam por meio de Atender a pessoa com Deficiência
programas, projetos, benefícios e serviços (e sua família) e às suas demandas
tipificados (art.4º).
dependerá, finalmente, exatamente
disso: considerá-la uma usuária do

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Mesmo não sendo específica sobre
como fazer o atendimento às pessoas com SUAS. Reconhecer seu status como
Deficiência, deixa claro que essas devem conhecedora de suas necessidades
ser atendidas pelos mesmos serviços, pro- e como protagonista em potencial
gramas e projetos inicialmente pensados de sua história – em potencial,
sem as pessoas com deficiência em mente.
porque muitas vezes sua autonomia
De outro modo: às pessoas com Deficiência
não serão ofertados serviços, benefícios ou ou independência está prejudicada
programas exclusivamente em função da
deficiência, mas sim em função da vulnera-
bilidade e risco social identificados, assim suas necessidades e como protagonista
como para qualquer usuário do SUAS. em potencial de sua história – em poten-
cial, porque muitas vezes sua autonomia
Atender a pessoa com Deficiência ou independência está prejudicada. Para
(e sua família) e às suas demandas de- isso, uma das barreiras a ser eliminada é
penderá, finalmente, exatamente disso: a atitudinal, constituída na representação
considerá-la uma usuária do SUAS. Reco- que os profissionais do SUAS têm da Defi-
nhecer seu status como conhecedora de ciência e das pessoas com Deficiência.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


94 17. Trabalho em equipe multiprofissional e a
concepção de interdisciplinaridade

Rozana Maria da Fonseca

A Norma Operacional Básica de Recursos Hu- mas cada um atuando em nome de sua es-
manos e sua atualização pela Resolução nº pecificidade, tentando delimitar o campo
17 do Conselho Nacional de Assistência So- que o compete.
cial – CNAS, de 2011, garantem a formação
de equipes multiprofissionais no SUAS, tanto É necessário romper com a fragmen-
para as equipes de referência dos serviços tação do saber, pois a desigualdade social,
socioassistenciais quanto para a gestão, que é evidenciada nas complexas vulnera-
como Assistente Social, Psicólogo, Antropó- bilidades sociais que são apresentadas ou
logo; Economista Doméstico; Contador; Ad- identificadas pelos profissionais do SUAS,
ministrador; Pedagogo; Sociólogo; Terapeuta não pode ser objeto de intervenção de ape-
Ocupacional; Musicoterapeuta e Advogado. nas um saber, e todos devem debruçar so-
bre as diversas dimensões das demandas
Portanto, tem-se a formação de equipes dos sujeitos, famílias e comunidades.
multidisciplinares com o objetivo de executar
a Política Nacional de Assistência Social, por As diferentes e complexas dimensões,
meio de um trabalho interdisciplinar. Contudo, objetos da intervenção interdisciplinar, são
os desafios do dia a dia do trabalho no Siste- as expressões do sofrimento ético-político
ma Único de Assistência Social tem eviden- pontuado por Sawaia, como “O sofrimento
ciado as barreiras e dificuldades em superar que retrata a vivência cotidiana das ques-
o modelo de atuação multidisciplinar. Nessa tões sociais dominantes em cada época
Oficina, a intenção é problematizar essas histórica, especialmente a dor que surge da
barreiras e refletir sobre proposições para o situação social de ser tratado como inferior,
trabalho interdisciplinar no SUAS. subalterno, sem valor, apêndice inútil da so-
ciedade”. (Sawaia, 19991).
O trabalho operacional e meramente
objetivo, provocando um excesso de tare- O conceito de interdicisplinaridade,
fas e metas numéricas a serem cumpridas problematizado por Afonso et al (20122), ao
pelos técnicos de referência podem ser citar Santos (2007), nos aponta direções
consideradas como fatores que eviden- para uma atuação interconectada: “Se, na
ciam que o trabalho social no SUAS ainda multidisciplinaridade, as disciplinas coope-
não superou as velhas técnicas e metodo-
logias utilizadas no trato com a pobreza e
com as complexas consequências da desi- 1 Sawaia, B. B. (2007). O sofrimento ético-político como categoria
gualdade social. Será o SUAS um sistema de análise da dialética exclusão/inclusão. in B. B. Sawaia (Org.),
As artimanhas da exclusão: uma análise ético-psicossocial da
que nasceu velho? O sistema não, mas as desigualdade (7ª ed., pp. 97-119). Petrópolis, RJ: Vozes.
metodologias do trabalho se apresentam 2 Afonso, M. L. M.; Vieira-Silva, M.; Abade, F. L.; Abrantes, T. M.;
obsoletas quando se tenta operacionalizar & Fadul, F. M. A psicologia no Sistema Único de Assistência
uma política com diferentes profissionais, Social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 7(2), São João del-
Rei, jul/dez. 2012.
ram em projetos, mas cada uma trabalha 95
um aspecto do objeto, com limites definidos Será o SUAS um sistema que
e sem mudanças de método, na interdisci- nasceu velho? O sistema não, mas
plinaridade, busca-se compartilhamento de
as metodologias do trabalho se
métodos e integração do campo de inter-
apresentam obsoletas quando se

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


venção. O foco da intervenção é integrado
e para ele concorrem os conhecimentos tenta operacionalizar uma política
mobilizados na relação interdisciplinar (...) com diferentes profissionais, mas
Não se trata apenas de conciliar pesquisas cada um atuando em nome de sua
e métodos e sim de construir novas formas especificidade, tentando delimitar o
de interpretar e de operar no mundo”.
campo que o compete.
A interdisciplinaridade possibilita a
construção de diálogos entre os diferentes Se quisermos fazer um novo sistema,
saberes e a elaboração de novas práticas uma nova política, faz-se urgente operar-
pautadas em um saber circular, capaz de mos na lógica da interdisciplinaridade para
atuar com e não apenas para os sujeitos. As- lançarmos possibilidades com potência
sim, a interdisciplinaridade é entendida como genuína de modificação dos fenômenos
posicionamento ético, técnico e profissional, sociais. Além de galgarmos a transdiscipli-
com condição de propor metodologias mais naridade, em superação da fragmentação e
assertivas para as ações dos serviços so- reprodução do saber que, isolado, não re-
cioassistenciais de proteção social. percute na prática.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


96 18. Trabalho em rede e intersetorialidade
na Assistência Social

Andrea Fernanda Silveira

A Assistência Social é composta por um da tal como ela é vista pelos comunitários
vasto conjunto de entidades e organiza- e concebida pelos agentes externos para
ções de Assistência Social, reunindo ser- que a rede responda à realidade do con-
viços, programas, projetos e benefícios texto de maneira emancipadora.
socioassistenciais, ofertados complemen-
tarmente entre unidades privadas e pú- Para tanto, torna-se fundamental o
blicas (CRAS, CREAS, Centros POP, entre planejamento do trabalho socioassistencial
outras) para assistir a população. Trata-se de acordo com os níveis de intervenção ne-
da chamada rede socioassistencial, sendo cessários, salvaguardando o entrelaçamen-
regida por diferentes políticas públicas e to de saberes e perspectivas. É por meio da
demandando: compreensão holística dos visão poliocular (inter e transdisciplinarida-
determinantes que configuram a realidade de) que podemos acessar a diversidade de
em questão (visão do todo); engajamento campos e imprimir nas ações o dinamismo
político (responsabilidade com a transfor- do tecido social. Com isso, as ações ocor-
mação das condições de vida de forma rem, na maior parte do tempo, de maneira
estrutural); respeito pelo ser humano e re- simultânea ou paralela, reforçando a per-
conhecimento dos direitos universais (prin- meabilidade da intervenção e o constante
cípios da Ética); garantir a participação aprimoramento e adequação da rede.
social, por meio da inclusão dos diversos
atores no processo de mapeamento da re- O trabalho de composição da rede,
alidade vivida, nas decisões sobre o rumo a portanto, não é linear. Ele vai se desdobran-
seguir e na ação transformadora. do a partir dos acontecimentos, das oportu-
nidades e das necessidades que surgem no
A intervenção no contexto social im- campo. Exige que seus membros estejam
plica que as ações sejam sincronizadas e em formação permanente, desde o início
sintonizadas, pois, quando isoladas, elas da intervenção e de maneira simultânea ao
não asseguram o acesso ao qual cidadãs e processo como um todo, já que participam
cidadãos têm direito, o que exige a interlo- de todas as etapas da intervenção.
cução com inúmeras redes (e setores). Por
isso, a interpretação da realidade e a iden- Trata-se também de fortalecer sua
tificação das necessidades locais apenas identidade social, autoeficácia e a capaci-
serão pertinentes se feitas em conjunto dade de manejar as situações para melhor
com os atores sociais em questão: popu- posicionar a rede frente à mobilidade do
lação, forças vivas da comunidade, agen- contexto, visando garantir sua continui-
tes externos, representantes das diversas dade em longo prazo. Em geral, observa-
instituições presentes no território, sejam mos redes que se desestruturam depois
elas estatais ou não governamentais. É de certo tempo formadas, por não ter sido
preciso “fotografar” a comunidade assisti- enfatizado um trabalho de desenvolvimen-
to interno. Algumas redes surgem dentro 97
de contextos pontuais para dar respostas A interpretação da realidade e a
políticas a situações específicas e acabam identificação das necessidades
se dispersando dos seus objetivos por não
locais apenas serão pertinentes se
transcenderem a demanda imediata.
feitas em conjunto com os atores

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Apreender o contexto da intervenção sociais em questão: população,
onde a rede atua e planejar minuciosa- forças vivas da comunidade, agentes
mente o plano de ação é uma tarefa aprio- externos, representantes das
rística. Entretanto, reconhecer o caráter diversas instituições presentes no
dialético do trabalho é vital para a sobre-
território, sejam elas estatais ou não
vivência da rede.
governamentais.
Portanto, mobilizar, criar, manter, ar-
ticular, animar, somar, interagir, multiplicar e que devem considerar tanto o papel das
e tantas outras operações fundamentais necessidades da população quanto as
para a existência dessas redes se carac- condições dos territórios em que se encon-
terizam como saberes cada vez mais in- tram. Como, por que, para que e quando fa-
dispensáveis para profissionais, como os zer o trabalho em rede, esse é um desafio
de psicologia, que atuam nesses cenários permanente na Assistência Social.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


98
Levantamento sobre Psicólogas(os)
que atuam na Assistência Social no
Estado de São Paulo

O Centro de Referências Técnicas em Psicolo- Esse levantamento apresenta o núme-


gia e Políticas Públicas (CREPOP) é um centro ro de psicólogas(os) nos municípios agre-
de pesquisas em políticas públicas, formado gados por Diretorias Regionais de Assis-
em rede e composto por 23 unidades locais tência e Desenvolvimento Social Drads, sua
nos respectivos Conselhos Regionais (CRP’s) proporção em relação ao número de outros
de toda a federação. Cada unidade local con- profissionais dos serviços, a distribuição
ta com um assessor técnico especializado em de psicólogas(os) por mil habitantes, ma-
Políticas Públicas, responsável por coordenar pas com os municípios do Estado que têm
atividades locais de pesquisa e de mobiliza- os equipamentos e informações, como gê-
ção com a categoria, seguindo uma agenda nero e formação profissional dos trabalha-
de pesquisa integrada nacionalmente e com dores dos serviços. O trabalho completo,
suas respectivas unidades regionais. incluindo a agregação de psicólogas(os) nos
municípios agregados pela abrangência da
Visando ampliar e dar visibilidade à atu- atuação das Subsedes do CRP-SP, pode ser
ação das(os) psicólogas(os) do Estado de São acessado nos seguintes endereços:
Paulo, instrumentalizando debates atuais e ul-
teriores sobre a gestão do trabalho, a educa-
ção permanente, a vigilância socioassistencial,
o controle social e a contribuição da psicologia
nos serviços socioassistenciais, por meio do
CREPOP, o CRP-SP fez um levantamento dos
profissionais de psicologia na área da Política
de Assistência Social no Estado de São Paulo,
cujos serviços fazem parte do Sistema Único
de Assistência Social – Suas. A partir dos da-
www.crpsp.org.br/arquivos/ www.crpsp.org.br/arquivos/
dos disponibilizados pelo Censo SUAS 2013, CRAS_SUAS_2015.pdf Centro_POP.pdf
e sistematizados pela unidade do Crepop do
CRP-SP, este trabalho permite que se veja tan-
to a situação geral da cobertura de Assistência
Social nos municípios paulistas como também
sua situação por serviço recenseado. O levan-
tamento contemplou os serviços de Cras, Cre-
as, Centro Pop e Acolhimento institucional1.

1 Até 2013, outros serviços socioassistenciais não eram con-


templados pelo Censo Suas, por isso não foram levantados www.crpsp.org.br/arquivos/ www.crpsp.org.br/arquivos/
e sistematizados dados dos Serviços de Convivência e For-
Centro_de_Referencia_ Acolhimento.pdf
talecimento de Vínculos. Nas edições de 2014 e 2015, houve
ampliação da cobertura de tipos de serviços submetidos ao Especializado_de_
Censo e maior detalhamento das informações solicitadas. Assistencia_Social.pdf
Tabela 1: Psicólogos na assistência social no Estado de São Paulo
99
Municípios que Outros Profissionais no
Serviços Psicólogas(os)
apresentam o Serviço Serviço
Cras 584 1.076 19.132

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Creas 192 612 2.935
Centro POP 31 47 483
Acolhimento 321 890 14.362
Total 2.652 36.912

Gráfico 1: Comparativos dos psicólogos com outros profissionais no serviço

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Fontes: Conselho Regional de Psicologia 6ª região – CRP 06
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
Gráfico 2: Municípios de SP que apresentam os serviços
100

Fontes: Conselho Regional de Psicologia 6ª região – CRP 06


Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
Mapa 1: Mapa do Estado de São Paulo apresentando os municípios que contêm equipamentos do Centro Pop. Em branco,
101
os municípios em que não foram encontrados equipamentos do Centro Pop, segundo dados do Censo SUAS 2013.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Munícipios com
equipamento do
Centro POP

Tabela 2: Dados gerais dos serviços de Centro Pop em SP

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Municípios com Serviços Psicólogos que
População Censo Psicólogos ativos Psicólogos /1.000
de Atendimento de atuam com Centro
IBGE 2010 no CRP-06 Habitantes
Centro Pop POP

31 23.581.410 56.092 47 0,001

34
Quantidade de Serviços
de Centro Pop

Fontes: Conselho Regional de Psicologia 6ª região – CRP 06


Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
Censo SUAS 2013 http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social
Mapa 2: Mapa do Estado de São Paulo, com destaque para todos os municípios que contêm serviços de Acolhimento. Em
102
todo o Estado, há 1.248 unidades de Acolhimento.

Munícipios com
serviços de
Acolhimento

Tabela 3: Dados gerais dos serviços de acolhimento em SP.

Psicólogos em
Municípios com População Censo Psicólogos ativos Psicólogos /1.000
serviços de
Acolhimento IBGE 2010 no CRP-06 Habitantes
acolhimento

321 37.834.431 75.152 890 0.02

Quantidade de Serviços de
Acolhimento em todos os
Municípios
1.247
Fontes: Portal do MDS na página do Censo SUAS 2013
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social – Drads
Mapa 3: Mapa do Estado de São Paulo apresentando os municípios que contêm unidades do CREAS. Em branco, os
103
municípios em que não foram encontrados equipamentos CREAS, segundo dados do Censo SUAS 2013.

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Municípios com
equipamento do
CREAS

Tabela 4: Dados gerais dos serviços de Creas em SP

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


Municípios com Censo População Censo Psicólogos ativos Psicólogos no Psicólogos /1.000
IBGE 2010 IBGE 2010 no CRP-06 Creas Habitantes

192 35.575.462 72.578 612 0.01

Quantidade de Serviços
de CREAS em todos os
Municípios
230
Fontes: Portal do MDS na página do Censo SUAS 2013
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social – Drads
Mapa 4: Mapa do Estado de São Paulo apresentando os municípios que contêm unidades do CRAS. Em branco, os
104
municípios em que não foram encontrados equipamentos do CRAS, segundo dados do Censo SUAS 2013.

Munícipios com
equipamento do
CRAS

Tabela 5: Dados gerais dos serviços de Cras em SP

População Censo Psicólogos ativos Psicólogos /1.000


Municípios com CRAS Psicólogos no Cras
IBGE 2010 no CRP-06 Habitantes

584 41.564.026 76.866 1.076 0.02

Quantidade de Serviços de
Acolhimento em todos os
Municípios
976
Fontes: Conselho Regional de Psicologia 6ª região – CRP 06
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP
Censo SUAS 2013 – http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Anexo 105

Propostas para a X Conferência de Assistência

Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social


Social e suas etapas preparatórias

A X Conferência Nacional de Assistência Social ferências de Assistência Social, junto com outras
sob o tema Consolidar o SUAS de vez rumo a sugestões levantadas nos debates sobre a As-
2026 foi realizada de 7 a 10 de dezembro de 2015 sistência Social com coletivos de psicólogas(os)
em Brasília. A etapa da X Conferência Estadual mobilizados nas Subsedes e na Sede Metropo-
de Assistência aconteceu entre 6 e 8 de outubro litana. As sugestões reunidas e sistematizadas
de 2015, em águas de Lindoia, São Paulo. As eta- foram aproveitadas como referências para dis-
pas municipais das Conferências de Assistência cussões e propostas para a X Conferência Na-
Social aconteceram entre maio e setembro de cional de Assistência Social e suas etapas pre-
2015. Por iniciativa e deliberação da Xi Conferên- paratórias de âmbito estadual e municipal, bem
cia Municipal de Assistência Social de São Paulo, como, nesta edição, a Conferência Livre. As su-
foi realizada a i Conferência Livre de Assistência gestões foram organizadas de acordo com as
Social de Âmbito Estadual, realizada em 06 e 07 dimensões previstas pela metodologia da Con-
de novembro de 2015, em São Paulo, com parti- ferência Nacional, referência também para suas

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


cipação e apoio de fóruns, movimentos sociais e etapas preparatórias. As propostas serviram de
entidades profissionais, como o CRP SP. importante material de apoio para a campanha
“Psicologia todo dia, em todo lugar, no SUAS, por
As Conferências de Assistência Social uma sociedade mais democrática e igualitária!”,
em 2015 focalizaram cinco dimensões: com o propósito de mobilizar em conjunto com
a categoria a participação política protagonista,
1. Dignidade humana e justiça social: prin- propositiva e efetiva de psicólogas e psicólogos
cípios fundamentais para a consolida- e todas as etapas da conferência. O CRP SP vi-
ção do SUAS no pacto federativo sou contribuir e participar junto com a categoria
da psicologia nos debates e no aprimoramento
2. Participação social como fundamento
da Assistência Social.
do pacto federativo no SUAS
3. Primazia da responsabilidade do Esta- Observação: Para consulta do documento
do: por um SUAS público, universal, re- produzido pelo CRP em sua íntegra, consulte
publicano e federativo. o site do CRP SP:
4. Qualificação do trabalho no SUAS na
consolidação do pacto federativo
5. Assistência social é direito no âmbito
do pacto federativo

Após a realização do 3º Seminário Esta-


dual sobre Psicologia e Assistência Social, o CRP
SP reuniu e sistematizou questões e sugestões www.crpsp.org.br/arquivos/
registradas pelos(as) participantes para as Con- fotos_cas.pdf

Você também pode gostar