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SEMANA DESARQ 2017

A ideia por trás da ideia: O processo de projeto em Arquitetura, Urbanismo e Design


23, 24 e 25 de outubro, UFU/Campus Santa Mônica. Uberlândia-MG, Brasil

O LUTO E A LEMBRANÇA NO TEMPO E ESPAÇO: Cemitério em Monte Carmelo,


MG

Cássio Henrique Naves Mota1; Adriano Tomitão Canas2; Gabriel Barros Bordignon2

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Aluno do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia; E-
mail:cassiohmota@gmail.com
2
Professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia; E-mail:
adrianocanas@hotmail.com
2
Professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia; E-mail:
gbordignon@hotmail.com

Resumo

O presente trabalho foi realizado como Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia, e tem como objetivo principal a análise da
espacialidade dos cemitérios, em especial de Monte Carmelo, MG, uma cidade de pequeno porte do
interior de Minas, para a concepção projetual de um novo cemitério que seja laico, inclusivo e que não
perca a qualidade espacial de utilizar representações subjetivas sobre a morte. Analisando o que já foi
produzido mundialmente em arte e arquitetura, foi possível elaborar um processo criativo que facilitasse
a execução de um projeto de cemitério para a cidade que abarcasse manifestações de luto e lembrança
no espaço através do tempo.

Palavras-chave: Cemitério; Luto; Representações; Simbologia; Alegoria;

Introdução

Poucas problemáticas foram lidadas tão cedo na história da humanidade como o ato de morrer
e suas consequências: É fato comprovado que desde as primeiras aglomerações humanas existem a
prática de rituais funerários e maneiras de tratar o corpo recém-falecido. Com as celebrações surgiram
os primeiros cemitérios, derivados da preocupação de conservar o corpo e não o deixar exposto na
natureza.

O ser humano por ser um animal com hábitos culturais, desde o início da civilização então marca
o local de seus restos mortais com elementos iconográficos específicos, criando os primeiros exemplares
de arte funerária. Ao redor do mundo e através do tempo, foram registradas muitas maneiras de marcar
a morte, embora o destino de seus restos mortais sofra pouca variância. De todas formas, a morte se

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constitui como uma das únicas certezas e também uma dúvida constante no imaginário [PACHECO,
2000].

Por esse motivo, ao longo do tempo existiram variadas representações da própria morte na
cultura, permeando pelo espaço do cemitério através da arte funerária. É possível manter um paralelo
entre representações artísticas com o que é produzido no espaço dos cemitérios, onde arquitetura muitas
das vezes se confunde com escultura e poesia. As diferentes correntes religiosas do ocidente também
influenciaram o modo de pensar as celebrações da morte e a sua representação nos espaços funerários,
estendendo-se à produção de um espaço cenográfico dentro das próprias cidades.

A sociedade brasileira no Século XVIII dedica grande parte de seus costumes à celebração
funerária e tem a tendência de viver o luto coletivamente, através de instituições desindividualizadoras
como a Igreja Católica por exemplo, que mantinha grande influência no Estado e por isso, no construir
das cidades. Isso fez com que as mesmas fossem construídas guiadas por elementos icônicos na
paisagem como igrejas, cruzeiros, etc (KOURY, 2003). É o caso de Monte Carmelo, município de Minas
Gerais que fica entre o Alto Paranaíba e o Triângulo Mineiro. A cidade começou seu povoamento por
meio de uma doação e a promessa de construção de uma capela dedicada à Nossa Senhora do Carmo,
local onde se firmou as primeiras aglomerações urbanas (SLYWITCH, 1991).

Com o passar do tempo, a cidade se desenvolveu por meio de igrejas de importância, projetando
um ambiente cenográfico de religiosidade no planalto mineiro. Apenas após o Século XIX, assim como
no resto do mundo, as celebrações do luto e da religião alteraram a lógica de produzir as cidades e seus
cemitérios. Com a dissociação de Igreja de Estado e a propagação de ideias libertárias como o
Iluminismo na França, os ideais de vida se alteraram, quebrando paradigmas do cristianismo, como a
própria vivência do luto e a forte relação entre igreja e cemitério. As políticas higienistas do século
também alteraram a forma de produzir cemitérios, criando-os fora do perímetro urbano para que não
houvessem contaminações. Isso acarretou em novas mudanças, com o distanciamento cada vez maior
das pessoas com o processo do luto e dos ritos funerários. A igreja foi deixando cada vez mais de ser a
principal instituição guia na realização dos ritos, fazendo com que o luto fosse vivido internamente, de
pessoa para pessoa.

As representações em arte funerária que no Século XIX já contavam com grandes exemplos de
arte no mundo começaram a modificar de lógica e a partir do século XX, os cemitérios seculares
passaram a ganhar novas imagens e representações que buscavam cada vez menos a réplica da realidade.
Assim, surgiram cemitérios com diferentes conceitos, focados na própria celebração ou significado da
morte, e não apenas um espaço que abrigasse esculturas neoclássicas em tipologias pouco variadas. A
racionalização proposta pelo modernismo também modificou a lógica de construir o cemitério e a arte
funerária, dando preferência cada vez mais a motivos técnicos e formas puristas a esculturas elaboradas.

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Monte Carmelo ainda é uma cidade de costumes fúnebres e ainda apresenta em sua cenografia
urbana a influência da igreja no transformar da sociedade, além de manter a força da atividade ceramista
no município. Porém, nas últimas décadas tem modificado sua lógica urbana com a decadência da
cerâmica e produção de espaços que não atendem satisfatoriamente a população relacionando-se com a
cultura e o lazer.

A cidade possui apenas um cemitério que, em previsões de 5 a 10 anos atinge seu nível máximo
de saturação. O presente trabalho propõe um novo projeto para um cemitério na cidade de Monte
Carmelo que venha a modificar a lógica urbana voltada para as necessidades da população e produzindo
um espaço público de qualidade, que tenha a capacidade de minimizar danos acarretados pela
decadência da economia da cidade e de sua indústria. O trabalho também tem o objetivo de discutir e
questionar a respeito da morte e de sua ritualística, e de como os espaços destinados aos mortos
influenciam no existir dos vivos e suas formas representacionais que ecoam na arquitetura.

Metodologia

Ao trabalhar com um tema de grande abrangência como a morte, foi escolhido dar um enfoque
nas formas de representação do luto dentro e fora dos cemitérios, tanto para construir o escopo do
trabalho textual quanto para realizar o projeto. Esse recorte de estudo se dá pela presença forte de
correlação entre as manifestações artísticas (pintura, escultura, literatura, etc.) e religiosas com o espaço
cemiterial.

No primeiro capítulo, “A história da morte”, então, se realiza um apanhado geral sobre a história
do sepultamento e do surgimento dos cemitérios no mundo, perpassando pela cultura global até chegar
na escala nacional. O objetivo desse registro é estabelecer uma linha de produção em arquitetura
funerária que se relacione com as temporalidades do mundo para que a priori possa se fazer uma relação
direta com a produção artística sobre a morte em seus variados sentidos.

Após o registro histórico de como se dá até os dias atuais os sepultamentos e a dinâmica dos
cemitérios, no segundo capítulo, intitulado “A alegoria da morte”, traça-se um paralelo do que é
produzido nos cemitérios com o que é produzido em arte, analisando obras de literatura, filosofia,
pintura, escultura, dentre outras de artistas. As representações artísticas são sempre acompanhadas de
relações atribuídas à produção em arte funerária e na concepção de cemitérios, com obras de arquitetos
como Le Corbusier, Adolf Loos para seus próprios túmulos por exemplos, e concepções tumulares de
grande destaque como de artistas de marmoraria italiana radicados no Brasil do século XIX a escultores
modernos como Victor Brecheret.

Ao concluir as análises do segundo capítulo o estudo se dirige ao espaço urbano,


especificamente para os territórios da cidade de pequeno porte do interior mineiro, aqui materializado
por Monte Carmelo, MG, no capítulo intitulado “Objeto de Estudo”, analisando a influência da

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religiosidade ainda hoje na paisagem urbana com seus cruzeiros, torres de igreja e esculturas religiosas,
assim como seus costumes e formas de vivenciar o luto, pelo cortejo fúnebre, missas de sétimo dia, etc.
A cidade também é exemplo de representação simbólica de sua economia na própria paisagem, com a
presença de inúmeras chaminés provenientes das cerâmicas e olarias, além dos vastos espaços de
agricultura dentro da própria malha urbana. O capítulo também analisa a evolução urbana e o histórico
cemiterial da cidade, seus problemas e características de representação espacial.

O quarto e último capítulo, “O projeto”, trata das análises do local a ser escolhido para um novo
cemitério para a cidade que venha a considerar o estudo realizado na sua concepção criativa traduzida
em arquitetura. Primeiramente há a seleção e estudo do terreno, seguindo para um estudo conceitual da
alegoria pesquisada com o espaço dos cemitérios e da cidade de Monte Carmelo em suas essências,
resultadas em arquétipos e símbolos alegóricos, como as cinzas, a terra, a fumaça, o fogo: simbologias
que servem de base na construção do cemitério para a cidade. Foi analisado também o que se considerou
parte contundente na linha de raciocínio do trabalho: A presença do vazio e do tempo, que deveriam
assim como os outros elementos se manifestar em forma de projeto. Esse estudo foi de grande
importância para que o processo criativo se relacionasse diretamente com o que foi estudado.

Resultados e Discussão

O projeto de cemitério para Monte Carmelo foi realizado, contando com capela, crematório,
salões de velório, campos de inumação, columbários distribuídos ao longo de um parque para a cidade,
procurando afetar o mínimo possível da qualidade ambiental e buscando também a interação da
população nas representações funerárias de uma forma laica e desindividualizadora, em que o luto é
vivido coletivamente pela sociedade (KOURY, 2003).

Conclusões

O trabalho conclui que na produção arquitetônica de cemitérios, a representação alegórica e


utilização de símbolos é parte integrante do todo, assim como na produção artística. É necessário
também que o espaço seja laico e inclusivo, que consiga abarcar todos os tipos de pessoa, manifestações
religiosas e/ou espirituais.

O processo criativo para um objeto arquitetônico como um cemitério deve considerar as


especificidades dos locais em que estão inseridos além das representações alegóricas e simbologias que
temas como a morte e o sagrado manifestam. Como o cemitério também tem caráter poluidor do espaço,
é preciso que o projeto trate de medidas satisfatórias na criação e manutenção de espaços sustentáveis,
que não poluam os solos e estejam de acordo com as legislações vigentes.

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Referências

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