ACABAVA o Dr. João Paton de traduzir e publicar o Novo
Testamento numa das muitas e pitorescas línguas da Oceania – o aniwan – quando o aborda um velho chefe indígena, que o vinha observando, e lhe pergunta: – O livro fala? – Sim, volve o missionário; ele agora fala na sua língua. – Oh! deixe então que ele me fale! Quero ouvi-lo! Paton pôs-se a ler um trecho, sendo, porém, logo interrompido pelo ouvinte, que lhe brada: – Ele fala! Dê-me esse livro! E arrebatando-lho das mãos, põe-se a mirá-lo curiosamente de todos os lados, e aperta-o, comovido, ao coração, repetindo: – Oh! faça que ele fale de novo! Bendito o que, com a fé infantil desse velho indígena, como ele abre os ouvidos e a alma para que a Palavra divina lhe falei. Bendito, sim, pois ela lhe penetrará no íntimo e lhe transformará todo o ser, porquanto a Escritura é, como tão bem o disse o maior dentre os apóstolos , "viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração!" Hebreus 4:12. A Bíblia é a palavra escrita de Deus. Como Sua palavra falada, que pela simples enunciação trouxe à vida os mundos, participa ela do poder ilimitado dAquele a quem se poderia chamar a Palavra encarnada – Jesus Cristo, o Verbo criador, por quem "todas as coisas foram feitas" (S. João 1:1-3). E, não está justamente no fato de ser a Escritura traduzida em tantas línguas selvagens, muitas vezes com risco de vida – o que não se dá com nenhuma obra profana – não está exatamente aí outro elemento que acorre em sua defesa? E mais ainda se nos lembrarmos de que o O Poder Moral da Escritura 2 Evangelho vai entre esses bárbaros criar uma civilização – a civilização máxima, que é a cristã! Fale da superioridade de nosso Livro sobre os escritos sagrados de todas as outras religiões, o contraste absoluto que se nota entre a civilização cristã e as pagãs.
A Escritura e os Povos
Aportou certa vez à ilha de Fidji um ateu, inflado de ciência
evolucionista. Encontrando-se com alguns fidjianos cristãos, começou a desmerecer a Escritura Sagrada e sua fé na mesma, jactando-se de ser ele incrédulo. Volveu-lhe um humilde nativo: – Vê o senhor aquele velho forno? Ali costumávamos assar carne humana; e não fosse este evangelho, e crêssemos nós ainda nisso que o senhor prega, seria muito provável que o senhor mesmo fosse ali parar. Bem vê que o Cristianismo em que desfaz, serve para alguma coisa. Como disse alguém, Confúcio, olhando para dentro de um poço em que caiu um chinês, grita-lhe: "Se você tivesse feito o que eu lhe disse, não teria caído aí." E diz Buda: " Se você estivesse cá fora, eu lhe diria o que fazer." Jesus, porém, desce ao poço e de lá tira o pobre chinês. Ainda hoje admiramos Sócrates, Platão, e outros grandes vultos do paganismo antigo. Entretanto, devem eles aos princípios pagãos graves e repugnantes erros: Sócrates permite vingarmo-nos de nossos inimigos; Platão defende o infanticídio e a prostituição; Maomé advoga a poligamia e a escravatura e prega a salvação pelas obras; os Vedas permitem o roubo. Segundo a teoria dos estóicos, seria melhor nunca havermos nascido; mas, já que nascemos, o ideal é morrer. Os espartanos achavam louvável furtar; o condenável, julgavam eles, é ser apanhado no ato do furto. Na antigüidade pagã, médicos dissecavam escravos vivos, para ver como trabalhavam os órgãos. O mesmo faziam pintores, para poderem pintar vividamente as ânsias do moribundo. Na Grécia, a prostituição O Poder Moral da Escritura 3 empunhava o cetro. Casa-se Péricles com Aspásia e Leóntides com Laís, ambas hetairas, que não obstante exerceram grande influência na política grega e internacional. Nada como o Cristianismo – o puro, inalterado Cristianismo bíblico – para enobrecer e desenvolver um povo. É que a religião de Cristo implanta em todos os corações uma santificada ambição, um desejo incontido de ampliar os horizontes e dilatar a esfera de utilidade. Um confronto entre nações pagãs e cristãs, faz-nos saltar aos olhos a diferença que existe na cultura e progresso de umas e outras. "Há questões de economia política," diz Blanqui, citado por D. Costa, "que permanecerão insolúveis enquanto o Cristianismo não entrar nelas. A instrução popular, a proporção eqüitativa dos proveitos do trabalho, os progressos da agricultura, e outros muitos problemas não poderão receber solução completa senão por intervenção sua." 1 Verdade é que há países que, embora pagãos, possuem acentuado grau de civilização e revelam caráter assaz progressista. Se examinarmos bem o caso veremos, todavia, que tal se dá com países que mantêm ativo intercâmbio com nações cristãs, e lhes adotam ideais e métodos de trabalho. Já o filósofo ateniense Aristides, converso ao Cristianismo no segundo século, em carta dirigida ao imperador Adriano no ano 125, pinta um formosíssimo quadro da Igreja Cristã daquela época. Ei-lo: "São esses os que, mais que todas as nações da Terra, encontraram a verdade.... Fazem o bem a seus inimigos; suas esposas, ó Rei, são puras como virgens, e suas filhas modestas; os homens mantêm-se afastados de qualquer união ilícita e de toda impureza, na esperança de uma recompensa no outro mundo. Ademais, se um deles tem escravos, ou escravas ou filhos, pelo amor para com eles os persuadem a tornar-se cristãos, e depois de o haverem feito, chamam-lhes irmãos, sem distinção. Não adoram deuses estranhos, e seguem seu caminho em toda modéstia e alegria. Não se encontra entre eles a falsidade; amam-se uns aos outros, não privando de sua estima as viúvas; e livram o órfão daquele que o maltrate. O que tem, dá ao que não tem, sem se jactar. O Poder Moral da Escritura 4 "Quando vêem um estranho, tomam-no para seu lar e com ele se regozijam como se fosse um verdadeiro irmão.... Se ouvem que um de seu número se acha preso ou aflito por causa do nome de seu Messias, todos eles provêem solicitamente às suas necessidades, libertando-o, sendo possível. Se há entre eles algum pobre e necessitado, e se eles mesmos não têm alimento de sobra, jejuam dois ou três dias a fim de lhe suprir alimento. "Tal, ó Rei, é o mandamento da lei dos cristãos, e tal é seu modo de vida." 2 "Observam com muito cuidado os preceitos de seu Mestre, vivendo justa e sobriamente, como lhes ordenou o Senhor seu Deus. Cada manhã e a toda hora dão graças e louvores a Deus por Sua bondade para com eles, por seu alimento e bebida. "Que mulheres têm os cristãos!" – exclamou o pagão Libânio. "A Grécia," diz o Dr. McClure, "teve o seu Sócrates, teve Platão, Aristóteles, e sua arte; Roma teve Júlio César, Marco Aurélio, e seus exércitos; tiveram o Egito e Babilônia as suas dinastias através de milhares de anos. Mas a Grécia, Roma, o Egito e Babilônia tornaram-se ruínas. Não possuíam a Bíblia, – a Bíblia com o seu Deus e Pai do Senhor Jesus Cristo e com os seus convites à santidade de coração e procedimento; e seus povos, altamente exaltados como se achavam material, artística e intelectualmente, mas faltando-lhes a Bíblia com seu poder de vida intérmina, pereceram." 3 Por isso é que lutam em vão os que procuram destruir a Escritura Sagrada e sua influência. Com acerto comparou-a alguém a uma bigorna indestrutível, sobre a qual se despedaçam um a um os malhos dos críticos. Dizia Voltaire: "Estou cansado de ouvir dizer que doze homens estabeleceram a religião cristã. Eu provarei que um homem só será bastante para derribá-la." "Dentro de cinqüenta anos," vangloriava-se ainda, "o povo nada mais ouvirá deste livro." Hoje, a casa onde morava esse príncipe dos ateus, é um centro de irradiação da Escritura – ocupa-a uma sociedade bíblica. E o Sagrado Volume, que em seus dias se achava traduzido em umas cinqüenta línguas, encontra-se agora em mais de mil! O Poder Moral da Escritura 5 A Escritura e a Escravidão
A libertação dos escravos é fruto da leitura dos Evangelhos. Nos
tempos mosaicos admitia-se ainda a escravidão. Os próprios hebreus a praticavam, é verdade. Mas havia toda uma vasta legislação sobre o assunto, dando aos escravos certas garantias que lhes tornavam suave o jugo. Tanto que José Bonifácio, em sua "Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura," de que fez acompanhar o seu projeto de lei sobre a escravidão, diz que para este se aproveitou "da legislação dos dinamarqueses e espanhóis, e mui principalmente da legislação de Moisés, que foi o único, entre os antigos, que se condoeu da sorte miserável dos escravos." 4 Comparemos essa escravatura com a praticada pelos pagãos. Na antiga Ática, por exemplo, havia uma multidão de 400.000 escravos para 21.000 pessoas livres. Em Esparta a proporção era maior ainda. Em Roma calcula-se que metade dos habitantes eram escravos. E, segundo uma autoridade, estes "se achavam numa condição muito pior que os animais." Fala Geikie (A Vida de Cristo) da existência de antiga lei romana que "impunha pena de morte ao que matasse um boi junto ao arado; mas o assassino de um escravo nem era chamado a contas. Crasso, depois da revolta de Espártaco, crucificou de uma vez 10.000 escravos. Trajano, o melhor das romanos de seus dias, fez 10.000 escravos combaterem no anfiteatro, para diversão do povo, prolongando- se o massacre por 123 dias." Veio Cristo pregando o amor e a fraternidade universal. E a essas doutrinas excelsas não poderia resistir a escravatura humana. Guilherme Wilberforce pode ser chamado, sem favor, o pai da libertação dos escravos. Membro do Parlamento inglês, onde lhe estava reservado futuro brilhante, leu na Bíblia que todos os homens são irmãos. Renunciou a uma carreira de futuro para pôr todo o peso de sua influência no combate à escravidão. Depois de quarenta e cinco anos de O Poder Moral da Escritura 6 luta indefessa, conseguiu ver alcançado o seu desejo quanto à Inglaterra, que em 1833 aboliu a escravatura. Davi Livingstone, o heróico missionário que abriu a África à civilização e ao cristianismo, amparava na Bíblia a sua obra ciclópica. Em suas explorações naquele continente, libertou muitas dezenas de milhares de escravos que ia encontrando por onde passava e que ele arrebatava aos traficantes, que os traziam acorrentados atrás de suas caravanas. Isto lhe custou a perseguição desses desalmados, que lhe impediram a comunicação com o exterior. Depois de trinta e três anos de trabalho insano em favor dos africanos, foi um dia encontrado morto, ajoelhado junto ao leito, o rosto entre as mãos, e tendo ao lado a Bíblia. Vitimara-o um violento ataque de pneumonia. Um grupo de devotados e reconhecidos africanos, depois de lhe tirarem o coração, que enterraram sob uma árvore, deixaram secar o corpo ao sol abrasador da região, carregando-o depois, envolto em folhas de árvore, até ao litoral, numa distância de 2.500 quilômetros. O percurso lhes tomou nove meses. As autoridades de Zanzíbar fizeram chegar o corpo a Londres, onde foi sepultado na Abadia de Westminster, ao lado do rei da Inglaterra. Livingstone passara os últimos quatro anos sem uma notícia da esposa, dos filhos e dos amigos, aos quais escrevera nesse período, quarenta e cinco cartas, todas interceptadas pelos adversários. "De onde tirou ele a coragem moral para continuar na luta?" pergunta Charles Gross. E responde: "Na Bíblia, que ele leu toda, quatro vezes, durante esse período. Livingstone morreu mártir de seu heroísmo... Três meses após sua morte, a Inglaterra obteve do sultão de Zanzíbar um tratado que abolia o tráfico de escravos." 5 Na Rússia, ao Alexandre libertar os escravos, disse: "Aprendi das Escrituras que todos os homens são irmãos; portanto, homem algum pode pertencer a outro." S. Vicente de Paulo, mercê da leitura dos Evangelhos, dedicou a vida, por assim dizer, a aliviar os sofrimentos dos escravos que trabalhavam nas galeras do rei da França. O Poder Moral da Escritura 7 Sempre que algum personagem de influência na direção dos povos sentiu por sua vez o influxo benfazejo das Sagradas Escrituras, empenhou esforços em melhorar as condições de vida dos semelhantes desafortunados e promover em seu país uma relativa igualdade humana. De passagem, não deixemos de mencionar ainda a ação do Cristianismo relativamente à situação social da mulher. Cristo, o que eqüivale a dizer as Escrituras Sagradas, elevou a mulher, indicando-lhe o lugar que lhe competia na sociedade. Não pregou o feminismo extremado e revolucionário, que por abandonarem os preceitos evangélicos, preconizam algumas correntes modernas; mas muito menos sancionou o despotismo dos homens, que apontava à mulher um lugar de servilismo abjeto. Em Roma, a filosofia considerava a mulher "fera indomesticável", que o marido tinha o direito de matar ou vender. "A romana é um delírio de sangue e de vício", diz Antônio da Costa em sua obra O Cristianismo e o Progresso; "ela reclama das galerias a morte dos lutadores na arena." A mulher tornou-se "gozo comum, posse material, ignorância, escravidão, objeto de venda, prazer bruto dos sentidos, o vício, a depravação, sempre uma coisa em todos os povos, pessoa em nenhum deles." Veio o Cristianismo e "enquanto a pagã reclama o sangue de mártires do alto do coliseu, a virgem cristã ajoelha na arena e oferece a cabeça aos carrascos, em testemunho da lei nova. Em vez de escrava de algozes ou patrícia incestuosa, faz-se a mulher a sacerdotisa do lar, espalhando as bênçãos castas do amor e carinho." 6 Josefina Butler é nome que merece ser mencionado em relação com a elevação social e moral da mulher. Foi a primeira que teve a coragem de atacar de frente a prostituição organizada, esse câncer nauseabundo que ainda hoje corrói as entranhas da sociedade. Foi na Bíblia que ela hauriu forças para empreender essa tarefa sobre-humana. Eis suas palavras: "É preciso colocarmo-nos em presença de Cristo para encontrar resposta a todas as nossas perguntas e ouvir o que o Mestre aí diz. Remeto- O Poder Moral da Escritura 8 vos ao Livro, que é preciso abrir, estudar com singeleza de coração, sem idéias preconcebidas, e ver-se-á que o Cristo, todas as vezes que Se coloca em presença de uma mulher, torna-Se seu Libertador." 5
A Escritura e as Belas Artes
Existe no espírito de muitos a preconcebida idéia de haver certa
incompatibilidade entre a religião cristã e as belas artes. Ora, vejamos em rápidos traços a relação entre ambas. "Este livro só," diz muito bem Carlyle Haynes, referindo-se à Bíblia, "atraiu e concentrou sobre si mesmo muito mais pensamento, e tem provocado a produção de mais obras – explanatórias, ilustrativas, apologéticas – sobre o seu texto, seu significado, exegese, doutrinas, história, geografia, etnologia, cronologia, evidências, inspiração e origem, do que toda a demais literatura do mundo reunida." E noutra parte: "Ele tem moldado o pensamento e sentimento, proporcionado graça e força à expressão, formado o estilo dos maiores mestres na eloqüência e poética, e suprido matéria para acertadas ilustrações, imagens vívidas e enérgica linguagem, aos maiores oradores do mundo." 7 O próprio Voltaire admitiu o valor literário da Escritura Sagrada, pois que, falando da história de José, disse: "Considerada apenas como um objeto de curiosidade e literatura, é um dos mais valiosos monumentos da antigüidade, e parece haver sido a maravilha de todos os escritores orientais. É mais patética que a Odisséia de Homero; em todas as suas partes, é de uma beleza admirável, e sua conclusão arranca lágrimas de enternecimento." E Ricardo G. Moulton, doutor em filosofia e lente da universidade de Chicago, amplia esse pensamento: "As orações de Deuteronômio são modelos tão nobres como as de Cícero. Lidos ao lado da poesia dos Salmos, os poemas líricos de Píndaro parecem quase aldeões. A poesia imaginativa dos gregos é perfeita em sua esfera: os profetas hebreus, porém, levam sua tão ousada imaginação até aos mistérios do mundo espiritual. Conquanto a filosofia de Platão e seus sucessores tenha um interesse especial como ponto de partida para a progressão do pensamento que ainda continua na ciência moderna, o campo da sabedoria bíblica oferece atração de outra espécie, numa O Poder Moral da Escritura 9 progressão de pensamento que percorreu todo o seu ciclo, e chegou a um estágio de repouso. "É muito interessante seguir a perspicácia dos historiadores clássicos em sua análise de um passado morto; mas os escritos históricos do Novo Testamento nos mantêm em contato com a vinda à existência de pensamentos e instruções que ainda se acham em nosso meio, em todo o seu vigor. E no círculo íntimo das obras-primas do mundo, entre as quais se encontram todas as classes de influências literárias, a Bíblia colocou a Jó, a rapsódia de Isaías, o Apocalipse – obras que não foram nem podem ser sobrepujadas. Nos vários gêneros de literatura a hebraica é, portanto, tão rica como a helênica; e acrescenta o interesse único da unidade que liga todas as suas formas num conjunto completo. A cultura bíblica exige, pois, que a reconheçam da mesma maneira que a cultura clássica. Dentro da capa desse Volume, se devidamente manejado, há matéria para uma educação liberal." Que incomparável riqueza literária, por exemplo, na filosofia dos Provérbios e do Eclesiastes; na inigualável poesia dos Salmos (cujo original foi escrito em verso), e nas parábolas e ensinamentos de Cristo, como seja o Sermão da Montanha; na concisão maravilhosa do Pai Nosso; na suavidade do estilo epistolar de S. João! Às parábolas de Cristo chamou alguém "a poesia do Novo Testamento". Quem não se comove ao ler, por exemplo, a sublime parábola do filho pródigo! Um escritor reconhecidamente ateu, o Sr. H. L. Mencken, assim se exprime sobre a beleza literária da Santa Escritura: "É a Bíblia, inquestionavelmente, o mais lindo livro do mundo. Não há literatura, quer antiga quer moderna, que se lhe compare. ... O Salmo 23 é o maior dos hinos. ... A história de Jesus é incomparavelmente comovedora. É, na verdade, a narração mais encantadora já escrita. Ao seu lado, o melhor que encontrardes na literatura sagrada dos muçulmanos e brâmanes, dos parses e budistas, parece insípido, cediço e inútil." 8 Tomás Carlyle achava que "coisa alguma já se escrevera, na Bíblia ou fora dela, de mérito literário igual ao livro de Jó." "Homero," diz Addison, "tem inúmeros arremessos que Virgílio não foi capaz de alcançar; e no Velho Testamento encontramos passagens mais elevadas e sublimes do que qualquer trecho de Homero." Charles Dickens pôs um O Poder Moral da Escritura 10 Novo Testamento entre os livros de seu filho mais novo, quando este deixou o lar, "porque," disse ele, "é o melhor livro que já se conheceu ou será conhecido no mundo; e porque ele ensina as melhores lições pelas quais se possa guiar toda criatura humana que procure ser verdadeira e fiel ao dever." 9 Ainda sobre o livro de Jó, o nosso José Bonifácio tem expressões bem parecidas às de Carlyle. Diz ele: "O prólogo do Fausto de Goethe é de Jó, que é o primeiro drama do mundo e talvez o poema mais antigo. Não há poesia que se possa comparar ao livro de Jó." 4 Diniz Diderot, o conhecido filósofo francês do século XVIII, fazia praça de sua incredulidade. Um dia encontrou-o um amigo íntimo explicando, com todo o fervor, uma passagem dos Evangelhos a sua filha . O amigo mostrou-se não pouco surpreendido com o que via, e Diderot foi-se logo justificando: "Compreendo seu espanto; diga-me, porém, que coisa melhor poderia eu dar a minha filha?! 10 Lord Byron (Jorge Gordon), um dos maiores gênios poéticos do mundo, assim se expressa: "Neste livro augusto está o mistério dos mistérios. Ah! felizes entre todos os mortais aqueles a quem Deus dá a graça de ouvir, de dizer, de pronunciar em oração e de respeitar as palavras deste livro! Mas seria melhor que não tivessem jamais nascido, do que lerem para duvidar ou desprezar." 5 Outros poetas ingleses, com efeito, os quatro maiores (Shakespeare, Milton, Tennyson e Browning), tinham em alta conta as Escrituras, o que transparece em suas obras. Alexandre Vinet, teólogo, filósofo e político suíço, considera a Bíblia "um vaso de perfume, cujas emanações universais sobem, de século em século, até ao trono do Cordeiro. Toda a Bíblia é um concerto sublime cujos acordes, ditados pelo próprio Deus, são qual prelúdio, alternadamente jubiloso e melancólico, humilde e triunfante, do concerto eterno dos Céus." 5 Henrique Heine, conhecido lírico alemão, representante da poesia irreverente e cética que no século passado abundou, no posfácio de sua obra Romanzero, escreveu: O Poder Moral da Escritura 11 "Os versos que encerravam ofensa a Deus, entreguei-os, com angustiado zelo, às chamas. É melhor que ardam os versos do que o versejador. "Sim, retornei a Deus, qual filho pródigo, depois de haver por muito tempo apascentado os porcos, em companhia dos hegelianos [representantes da filosofia atéia de Hegel]. . . "Devo meu esclarecimento pura e simplesmente à leitura de um livro. Sim, livro antigo e singelo, modesto como a Natureza, ... de aspecto comum e despretensioso; é como o Sol que nos aquece, como o pão que nos nutre. É livro que nos olha de modo tão confiado, tão abençoante e bondoso, como uma querida vovó. E esse livro se chama simplesmente O Livro. Chamam- lhe também Bíblia. Quem tiver perdido o seu Deus, pode reencontrá-Lo nesse Livro, e quem jamais O conheceu, deparará nele o alento da palavra divina, vindo ao seu encontro." 11 Em seu último testemunho há este trecho: "Há quatro anos abdiquei todo o orgulho filosófico, e me acheguei às idéias e aos sentimentos religiosos. Morro crente num Deus uno e eterno, criador do mundo, do qual eu imploro a misericórdia.... Lamento haver em meus escritos falado às vezes de coisas santas sem o respeito que lhes é devido." Manuel Kant, aos 72 anos de idade, declarou: "A Bíblia é o livro cujo conteúdo, por si só, dá testemunho de sua origem divina. Ela nos descobre a grandeza de nossa culpa e a profundidade de nossa queda, na imensidão do plano para o resgate do homem e na execução do mesmo plano."12 "Para mim os Evangelhos são verdadeiros, desde o princípio até ao fim, pois que se manifesta neles o refletido esplendor de uma sublimidade procedente da pessoa de Jesus Cristo, de uma sublimidade tão divina como nunca apareceu sobre a Terra." 13 E noutra parte: "Que o mundo progrida quanto quiser, que todos os ramos do conhecimento humano se desenvolvam ao mais alto grau, coisa alguma substituirá a Bíblia, base de toda a cultura e de toda a educação. "É minha fé na Bíblia que me serviu de guia em minha vida moral e literária. ... Quanto mais a civilização avance, mais será empregada a Bíblia." 5
Lacordaire, acadêmico francês, tido como o mais brilhante pregador
do século XIX, assim se expressou: "Eis que há trinta anos leio este livro, e nele encontro cada dia nova luminosidade e profundezas novas." 5 O Poder Moral da Escritura 12 Testemunhos valiosos deram Jorge V da Inglaterra, Roosevelt, Isaque Newton, Benjamim Franklin, Gladstone, Daniel Webster, o general Pershing, marechal Foch, Garibaldi, Tolstoi, Ruskin, Dostoiewski e tantos outros, de todas as camadas da sociedade e todos os ramos da ciência, das artes e da literatura. Austregésilo de Athayde, presidente da Academia Brasileira de Letras, na "Apresentação" que escreveu para a luxuosa edição da Bíblia, publicada pela Editora Abril, diz, entre outras coisas, o seguinte: "É certo que a Bíblia vem em primeiro lugar entre os grandes livros religiosos do mundo civilizado. Há nela, no entanto, além da revelação dos profetas e da história do povo israelita, a presença de valores literários de sumo quilate que a tornam admirável e preciosa para a cultura universal e indispensável à formação do gosto, do estilo e da linguagem, em todos os idiomas nos quais tem sido traduzida.... "O manuseio da Bíblia estabelece contato permanente com as obras excelsas da beleza literária da mais remota antigüidade, exalta o espírito na deleitação de uma linguagem poética e de padrões morais como não há congêneres em outro livro sagrado ou profano. Educa e conduz, criando nas almas um lastro de doutrina e filosofia de incomparável teor, ao mesmo passo que infunde nelas a força mística que lhes comunica fé e esperança. "Que todos devem ler a Bíblia, já o disse São João Crisóstomo, afirmando ser ela muito mais necessária aos leigos do que aos que de ofício praticam a religião ou vivem no recolhimento dos mosteiros e conventos.... "Manancial de consolo e conselho, refúgio para as horas de tormenta a atribulação, guia de exemplos e ensinamentos, mestre silencioso e permanente em disponibilidade, a Bíblia é o mais secreto confidente das penas e aflições, e ninguém sai de suas páginas sem receber apaziguadora resposta para as dúvidas, e bálsamo e estímulo nas ocasiões de angústia e desespero. "E sobre os seus abismos e mistérios, no recôndito da palavra Divina, paira e realça o esplendor da Verdade, no Velho e no Novo Testamentos, ambos fluindo das mesmas origens cristalinas, ou seja, a inspiração do Santo Espírito. Nenhum outro livro confere maior dignidade ao homem, para quem foi escrito com o sopro de Deus. "A sua substância é eterna; as suas dimensões incomensuráveis no tempo e no espaço. Na Bíblia encarnou-Se o Verbo e permanece." O Poder Moral da Escritura 13 Alfredo de Musset, que foi um torturado da dúvida, não pôde deixar de confessar que "malgré moi l'infini me tourmente", e em seus últimos dias recorreu ansiosamente à Palavra de Deus, depois de reconhecer, felizmente, que "à qui perd tout, Dieu rest encore". Foi muitas vezes por sua criada encontrado chorando sobre esse Livro, e morreu sobraçando-o . Coelho Neto, dos maiores de nossos prosadores, robustecia na Escritura divina a sua vida interior. "Homem de fé," diz ele, "o Livro de minh'alma, aqui o tenho: é a Bíblia. Não o encerro na biblioteca, entre os de estudo, conservo-o sempre à minha cabeceira, à mão. É dele que tiro a água para a minha sede de verdades: é dele que tiro o pão para minha fome de consolo; é dele que tiro a luz nas trevas das minhas dúvidas; é dele que tiro o bálsamo para as dores das minhas agonias. É o vaso em que, semeando a Caridade, vejo sempre verde a Esperança, abrindo-se na Flor celestial, que é a Fé. Eis o livro que é a maleta com que ando em peregrinação pelo mundo. Tenho nele tudo. . . . Os pontos cardeais, da manha Religião são os quatro Evangelhos. Lendo-os conforto-me e, quanto mais os medito, mais me sinto aproximar de Deus." 14 Não há brasileiro que não conhecesse, pelo menos por ouvir falar, aquela alma peregrina que foi Miguel Couto. Humberto de Campos, depois de traçar-lhe um formoso perfil, em que pinta ao vivo a entranhável bondade daquele coração de ouro, diz que às vezes o sábio, que depois de uma infância e mocidade cheia de privações e sacrifícios veio afinal a possuir um palacete dotado de todos os confortos, retraía-se inexplicavelmente, possuído de uma tristeza incompreensível. Sem dizer nada a ninguém, esperava a noite. "E quando anoitece, dizem, desce, pé ante pé, ao porão da casa, traz de lá um antigo lampião de querosene, acende-o, apaga as lâmpadas do gabinete, abre uma velha Bíblia que a mãe lhe dera quando menino, e lê, até adormecer, de cabeça nas mãos... " 15 Não estaria naquela velha Bíblia o segredo da beleza moral de Miguel Couto, de quem disse Humberto de Campos que "não se conhece caráter mais puro, espírito mais doce, nem alma que irradie maior candura, no esplendor de mais alta sabedoria", e a quem chama Fócion Serpa "a imagem viva e humana da perfeição e da bondade?"16 O Poder Moral da Escritura 14 A música, longe de ser indiferente ao espírito que respiram as Sagradas Escrituras, encontra nas mesmas a maior fonte da mais elevada inspiração. Que no-lo digam Haydn, por meio de sua "Criação"; Beethoven, através de "O Cristão Sobre o Monte das Oliveiras"; Haendel, mediante seu "Messias"; Mendelssohn, por "Elias" e "S. Paulo" ; assim também Bach, Mozart, Gounod e outros. Acerca de "Criação", conta-se o seguinte: "Pouco antes da morte do compositor, apresentou-se esse maravilhoso oratório em Viena, em uma série de concertos de inverno, e o velho músico, alquebrado pelo peso dos anos, dirigiu-se ao grande Odeon para ouvir sua obra. O enorme edifício estava repleto. Servos e senhoras, camponeses e proprietários, sentiam vibrar o coração de tal maneira, pelos majestosos coros e solos sublimes, que quase todos os ouvintes foram levados às lágrimas. No meio, sereno, pálido e mudo, estava sentado o compositor; mas não pôde ficar por muito tempo assim. Quando o coro chegou a esta passagem culminante: 'e houve luz!' – Haydn ergueu-se, levantou as mãos trêmulas, volvendo para o céu os olhos rasos de lágrimas, e exclamou: 'Não de mim; não de mim, mas de além veio tudo isto!' Ter-se-á rendido alguma vez um tributo mais acertado, ao caráter inspirador do Livro dos livros?"
E que diremos da pintura e da escultura?
Eis Miguel Ângelo, com sua maravilhosa obra esculpida, "Moisés". Tão bela, tão perfeita, tão viva., por assim dizer, que o próprio artista, ao contemplá-la, num arroubo de satisfação e entusiasmo lhe atira o cinzel, bradando: – Parla! Eis a tela "Transfiguração", de Rafael; "Jacó abençoando os filhos de José", de Rembrandt; de Rubens, "A descida da cruz"; "A agonia no horto", de Guido; de Tintoretto, "A visão do juízo"; e quem desconhece "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci? Aliás, estamos divagando longe, olvidando a prata de casa: não temos nós mesmos, de nosso Pedro Américo, "Joquebede levando Moisés ao Nilo", "Cristo nas Bodas de Caná", "Pedro ressuscitando Tabita"? "O remorso de Judas" e "A fuga para o Egito", de Almeida Júnior? e de Rodolfo Amoedo, "A despedida de Jacó" além de outras? O Poder Moral da Escritura 15 A leitura das Sagradas Letras e sua influência, enfim, purificam o corpo, ensinando-o a levar vida isenta de vícios, pois que, diz o apóstolo, é ele o templo do Espírito Santo; enobrecem o cérebro, educando-lhe o gosto e avivando-lhe a faculdade perceptiva; e levantam a alma, infundindo-lhe nobreza nos propósitos e sinceridade na ação. Não admira, pois, que, perguntando-se uma vez numa assembléia composta de católicos, protestantes, filósofos e materialistas, qual o livro que deveria levar consigo um homem sentenciado à prisão perpétua e ao qual se permitisse a posse de um só, a resposta unânime fosse: – A Bíblia!
A Escritura e o Caráter de seus Personagens
Há quem estranhe a presença, na Bíblia, de certas narrativas em que
aparecem traços menos dignos de seus protagonistas. Tais alguns episódios da vida de Noé, Ló, Abraão, Moisés e Davi, por exemplo. Ora, é preciso termos presente que ela não o faz para justificar ou abonar tais atos. Narra-nos esses casos como simples fatos históricos, mostrando-nos as tristes conseqüências do pecado. Até neste particular se destaca o Livro Sagrado dentre toda a literatura profana. Esta, em geral, exalta, ou pelo menos justifica os vícios e crimes de seus heróis. Sim, há mesmo uma espécie de literatura que compete com seu co-irmão na escola do crime – o cinema – apresentando como dignos de emulação os seus heróis criminosos. Não assim a Escritura. "Isso pareceu mal aos olhos do Senhor" – é frase ali muito repetida ao narrar o mau procedimento de algum personagem. A propósito desses casos, observa Crane que "na lei, nos salmos e na profecia vemos a influência de Jeová operando como levedura entre o povo primitivo e bárbaro. Contemplando sob essa luz o Velho Testamento , torna-se ele luminoso de divindade." Cita então o exemplo de Davi, homem rude, semi-civilizado, cheio de erros crassos, mas humildemente submisso ao Espírito divino que o regenera, através de lágrimas e lutas O Poder Moral da Escritura 16 sem fim, até alcançar "alguns dos mais elevados conceitos da Divindade que o espírito humano já concebeu." 17 Repara muito bem um escritor: "Se a Bíblia fosse um livro imoral, não seria então lido e estimado pelos homens imorais? Os bêbados e debochados fá-la-iam sua companheira, o ladrão e o assassino tomá-la-iam por guia prático e os homens bons e mulheres honestas fugiriam dela como de uma praga. Entretanto, o contrário é o que se dá."
Na Vida e na Morte
A Escritura Sagrada ensina a viver, e fortalece para a morto. Como
que toma pela mão o crente, e o conduz são e salvo através do mal que o assedia sempre, e à hora do transe final não o desampara ainda: antes, dá-lhe a mão para o salto da eternidade que, tenebrosa para o descrente, é toda luz para o cristão. Amigos dedicados e fiéis a toda a prova, todos nós os temos, felizmente. Na melhor das hipóteses, porém, acompanham-nos solícitos até ao leito de morte. Aí têm de deixar-nos. Mas o nosso Livro abre então diante de nós um novo mundo – novo e perfeito e segreda-nos no ouvido a confortadora verdade de um ressurgir, ao soar da trombeta angélica, por ocasião da vida. de Jesus (I Tessalonicenses 4:16 e 17). Assim, só, é que se compreende o ânimo e coragem com que marcharam para a mais cruel das mortes as multidões de mártires que regaram com sangue a sementeira sagrada. O espaço só nos permite ligeiras alusões a alguns fatos. Assaz conhecidas são as perseguições atrozes vividas sucessivamente por uma dezena de imperadores romanos, contra o Cristianismo nascente. No tempo de Máximo, toda uma legião cristã, composta de 6.600 homens, deixou-se massacrar como ovelhas, de preferência a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Diocleciano mandou sitiar uma cidade frígia de cristãos, incendiando-a com todos os seus habitantes. Nos sete anos que durou a perseguição sob esse imperador-monstro, diz Eusébio O Poder Moral da Escritura 17 que "os carrascos se cansavam, as espadas e instrumentos de tortura se embotavam e partiam." E como, então, essas carnificinas não entibiavam os perseguidos? Que poder esse, que tal ânimo lhes insuflava ao coração palpitante, entesando-lhes com força invicta o corpo muitas vezes macilento e alquebrado pelos tormentos anteriores? As fileiras dos cristãos não se rarefaziam. Os claros eram preenchidos imediatamente. No anfiteatro Nero estadeava sua pompa e atendia ao clamor do povo, por "pão e circo!" Cristãos eram lançados às feras ou serviam de archotes vivos. E em meio de tudo isso, eis que se ergue um espectador aqui, outro ali, bradando a confissão irresistível: "Eu também sou cristão!" "Os procônsules tinham ordem de destruir os cristãos: quanto mais os caçavam, mais cristãos apareciam, até que afinal, homens se acotovelavam para junto dos juízes, e pediam que se lhes permitisse morrer por Cristo. Inventaram-se tormentos; santos foram arrastados por cavalos selvagens; lançavam-nos sobre grelhas aquecidas ao rubro; arrancavam-lhes a pele, pedaço por pedaço; eram serrados; eram envolvidos em peles e lambuzados de piche, e amarrados a postes, nos jardins de Nero, ateando-se-lhes fogo à noite; eram deixados a apodrecer em masmorras; no anfiteatro serviam de espetáculo a todos os homens; os ursos os esmagavam entre as garras; despedaçavam-nos os leões; touros bravios sacudiam-nos nas pontas dos chifres: e no entanto o cristianismo se disseminou. Todas as espadas dos legionários que haviam infligido derrota aos exércitos de todas as nações, vencendo os invencíveis gauleses e os bretões selvagens, não puderam resistir ao débil cristianismo – pois a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens." 18 E não foi menor em proporção nem menos forte em seu testemunho , o caudal de sangue derramado posteriormente por homens que, dizendo-se cristãos, pretendiam, a ferro e fogo, monopolizar as consciências. Assim é que, segundo calcula Guiness, ascende a cinqüenta milhões o número dos mártires da inquisição. Setenta e cinco mil foram os albigenses sacrificados, cinqüenta mil os huguenotes. Na noite de S. Bartolomeu massacraram-se quarenta mil, segundo uns, e setenta mil, O Poder Moral da Escritura 18 segundo outros. Baville, sozinho, mandou para a fogueira, a roda ou o cavalete, doze mil. Na Irlanda foram mortos de vinte a trinta mil. Sob o reinado de Carlos V executaram-se, nos Países Baixos, cinqüenta mil. A tal ponto chegou ali a matança que Filipe II, seu sucessor, teve receios de que o país ficasse despovoado. Na Espanha, Torquemada "inventava para os hereges novas, imaginosas e horríveis maneiras de execução, gabando-se de haver, ele só, queimado vivos mais de oito mil deles." No espaço de três meses na França foram trucidados não menos de cem mil; dos valdenses a soma de mártires alcançou um milhão. Multidões de pessoas foram proscritas, banidas, queimadas, mortas a fome, enterradas vivas, sufocadas, afogadas, assassinadas, aturadas... " 'Victi sumus!' – somos vencidos! – exclamou um procônsul romano, ao ver que os tormentos não conseguiam arrancar um gemido a um jovem. 'Vitória! Vitória!' – bradou, do meio da fogueira, B. Bartoccio, em Roma (1569). E Antônio Oldevin, em Cremona: 'Ó doce fogo! Ó amável chama!' 'Eu conheço os huguenotes', disse o intendente Baville a um juiz; 'com nenhuma tortura conseguireis arrancar-lhes uma retratação ou uma palavra de queixa.' E com o semblante a irradiar celestial alegria, o Pastor Brousson, por ele condenado, subiu os degraus do patíbulo. O carrasco testificou depois: 'Já executei muitas pessoas; com ninguém, porém, tremi tanto como com o Sr. Brousson.' 'Tende ânimo, irmãos, tende ânimo!' foram as últimas palavras que se ouviram do meio das chamas em que Nartialis Alba, com quatro amigos, foi em 1533 queimado vivo, na Place des Terreaux." 19 Diz Teodoro Fliedner que humildes mulheres iam ao encontro das torturas cantando salmos em altas vozes, e confessando ser Cristo o Salvador; donzelas iam para a morte como se fossem ao casamento; os homens alegravam-se ao ver os terríveis preparativos e instrumentos de tortura e, do alto da fogueira contemplavam, meio assados, as feridas recebidas de tenazes em brasa. E morriam sorrindo nos ganchos dos algozes. O povo, diz ainda Fliedner, citado por Bettex, vendo depois os corpos carbonizados pendurados a altos postes, presos com cadeias horríveis, começou a convencer-se de que deveria estar com os mártires a justiça. O Poder Moral da Escritura 19 Que poder, senão o infundido pelos Sagrados Evangelhos, seria capaz de sustentar as legiões de mártires através de semelhantes torturas?
Novos Saulos
São inúmeros os intelectuais de todos os tempos que, lançando-se
ao estudo das Escrituras a fim de buscar argumentos contra ela, acabaram os mais sinceros e convictos crentes. Já nos primórdios do Cristianismo, no segundo século o filósofo ateniense Atenágoras pôs-se a estudar as doutrinas cristãs para refutá-las. O resultado foi a sua Apologia dos Cristãos, dirigida a Marco Aurélio e a seu filho Cômodo, em que fazia a defesa das doutrinas que pretendera demolir. Mais ou menos pelo mesmo tempo, o filósofo assírio Taciano, convertendo-se ao Cristianismo, escrevia sua obra Oratio ed Graecos, na qual assim narra sua conversão: "Enquanto eu dedicava a mais séria atenção ao assunto [o encontro da verdade], aconteceu deparar certos escritos bárbaros [referia-se ao Velho Testamento], antigos demais para que fossem comparados às opiniões dos gregos, e por demais divinos para se compararem com os seus erros; e fui levado a neles depositar fé, pela sua linguagem despretensiosa, o caráter não artificial dos escritores, a ciência revelada quanto a acontecimentos futuros, a excelente qualidade dos preceitos, e a declaração de centralizar- se o governo do universo em um só Ser." A Escritura Sagrada não perdeu ainda em nossos dias, pejados de impiedade e descrença, o maravilhoso poder de transformar corações. Dois ingleses de alto coturno, o Barão Lyttleton e o Dr. Gilbert West, resolveram demolir o Cristianismo. Para tanto, concluíram, seria preciso exterminar a crença em dois de seus princípios básicos: a ressurreição de Cristo e a conversão de S. Paulo. E combinaram escrever, Lyttleton uma obra em que refutasse o registo bíblico da conversão do apóstolo, e West outra em que mostrasse a impossibilidade da ressurreição de Cristo. Passado algum tempo, encontram-se os dois. O Poder Moral da Escritura 20 – Então, escreveu o livro? pergunta. West a Lyttleton. – Escrevi, responde este; mas examinando as provas para refutar a conversão de S. Palito, convenci-me de sua verdade, bem como da legitimidade do Cristianismo. E o senhor, escreveu o seu, contra a ressurreição de Cristo? – Sim, mas estudando e pesando todas as evidências, segundo as reconhecidas regras do procedimento judicial, também me convenci de que Jesus Cristo realmente ressurgiu do túmulo. E assim, cada um dos ex-ateus produziu uma obra em defesa das doutrinas básicas do Cristianismo respectivamente Observações sobre a Conversão de S. Paulo e Observações Sobre a Ressurreição de Cristo. Do comboio em que viajavam dois céticos convictos, viram através da janelinha algumas igrejas a distância. O quadro levou um deles a observar ao companheiro que a vida de Jesus, fosse embora um mito, havia de dar assunto para belo romance. Achou-lhe razão o outro, acrescentando que era ele exatamente quem o deveria escrever. Mas que pintasse a Jesus como simples personagem de ficção, expondo sem rodeios a falsidade do Cristianismo. O primeiro, que não era senão o general Lew Wallace, seguiu o conselho do amigo, o famoso incrédulo Roberto Ingersoll. E o volume produzido com essas intenções atéias, qual seria? – Ben-Hur, livro puramente evangélico, suave hino a Jesus – o Filho de Deus! Ao terminar o quarto capítulo dessa obra sentiu-se Wallace, bem a contragosto, convencido não só da historicidade, mas mesmo da divindade de Jesus. E eis como relata o próprio escritor, comovedoramente, sua evolução espiritual: "Eu estava perturbado. Havia começado a escrever um livro com o objetivo de provar ao mundo que jamais vivera na Terra uma pessoa como Jesus Cristo, mas encontrei-me em face da irrefutável evidência de que era personagem tão real como Júlio César, Marco Antônio, Virgílio, Dante e muitos outros que viveram e ensinaram no passado. Encarei de frente o assunto e me adverti de que, se era personagem real – e disto não havia dúvida – não seria Ele também o Filho de Deus e o Redentor do mundo? O Poder Moral da Escritura 21 Começaram a angustiar-me uma inquietude e temor de que eu estivesse em erro. "Além disso ia ganhando terreno a crescente convicção de que, assim como fora provada a existência de Jesus, também poderia Ele ser tudo que declarava ser. Esta convicção se fez mais e mais forte, até que, uma noite em que me encontrava no gabinete de minha casa em Indianápolis, se converteu em certeza plena. "Caindo de joelhos, pela primeira vez em minha vida, orei a Deus que Se me revelasse, perdoasse meus pecados e me ajudasse a ser um de Seus verdadeiros seguidores. Logo uma grande paz me encheu a alma – à uma hora da madrugada. Desci ao dormitório de minha esposa e, despertando-a, contei-lhe que havia aceito a Jesus Cristo como meu Senhor e Salvador. Deveríeis ter-lhe visto a expressão do rosto enquanto eu lhe falava de minha nova fé. "– Ó Lew! exclamou ela; tenho orado, para que isso se desse, desde que me comunicaste a intenção de escrever o livro; orei pedindo que encontrasses o Senhor ao fazer esse trabalho. "Ajoelhamo-nos ao lado do leito nessa madrugada, e juntos rendemos graças a Deus por Sua misericórdia e solicitude, guiando-me para junto de Si. Não creio que exista no Céu gozo mais doce que esse que experimentamos nessa manhã em que, depois de anos de vida conjugal, nos unimos nos vínculos do companheirismo cristão. Perguntei a minha esposa: "– Que devo fazer com a matéria que tenho coligido, a custa de tanto trabalho e despesas? "– Oh! volveu ela, modifica o quarto capítulo, termina o livro e envia-o pelo mundo para provar com teu estudo e investigação que Jesus Cristo era tudo que declarava ser – o Filho de Deus e Redentor do mundo." 19 Noticiaram os jornais, faz algum tempo, o falecimento, na Alemanha, de um grande teólogo – Adolf Deissmann. O mundo crente deve-lhe belas obras de defesa da fé. Entretanto, era outrora ateu convicto e, à semelhança de Ramsay (ver pág. 73), foi às terras bíblicas em busca de provas arqueológicas contra a Escritura. O plano foi contraproducente: os ladrilhos milenares e os velhos monumentos, em ruínas embora, construíram-lhe o edifício inamovível de uma inabalável fé . O Poder Moral da Escritura 22 E escreveu: Luz do Antigo Oriente, A Religião de Jesus e a Fé do Apóstolo S. Paulo, e outras obras de valor.
A Vitória Sobre o Coração
Maior ainda que sobre os caprichos do intelecto, é sem dúvida a
vitória sobre as propensões indignas de um coração transviado. Agostinho foi jovem libertino, inteiramente inclinado à vida de prazeres profanos, até que ouviu o "tolle, lege!" ao mesmo tempo que via sobre uma mesinha um exemplar dos evangelhos. Abriu-o e deu com os olhos neste passo: "Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências." Romanos 13:13 e 14. Foi o bastante. Esse mesmo Agostinho, que confessou posteriormente ter sido "repugnante" a Deus em seu pecado, tornou-se o santo que distribuía pelos pobres todos os seus bens e cuja vida se impunha como exemplo de piedade e pureza. 20 Faz anos, morreu na capital de S. Paulo distinto membro da Academia Brasileira de Letras, cuja vida houve quem a comparasse com a de Agostinho. Como este, abandonara-se a prazeres inconfessáveis. Mas, di-lo ele em seu livro póstumo, "ao cabo de bem longa e de bem lancinante provação, eu me encontrei afinal com Cristo.... Na minha angústia, toquei-Lhe com as mãos trêmulas a ourela do vestido. E perguntei-Lhe ansioso: Quem sois vós? Ele me disse: 'Eu sou o caminho, a verdade, e a vida.' Que acento o acento daquela voz! Nunca homem nenhum falou como aquele Homem. "Cheguei-me totalmente a Ele. Sentamo-nos um ao lado do outro. Conversamos. Eu vi, sem detença, que me havia encontrado com o amigo de que carecia. Com o amigo que é hoje o meu melhor amigo. O amigo supremo. O único amigo certo na hora incerta. Depois que O conheci, depois que O fitei de perto, depois que Lhe segurei as mãos, depois que Lhe falei confiadamente, tudo, absolutamente tudo, mudou na minha existência como por encanto. O Poder Moral da Escritura 23 "Ele, quando me sentiu assim mudado, homem novo, quis entrar na minha morada. Eu Lhe disse: Senhor, a minha morada está arruinada e velha. Eu não sou digno de que entreis na minha morada. Mas Ele não me ouviu. Veio. Entrou. Viu o desmantelo da casa, o encardido das paredes, o bafio das alcovas, a sordície do madeiramento. Mas com a Sua presença, só com a Sua presença, a lôbrega casa carcomida refez-se de pronto. E ficou linda, linda. A um gesto dEle, um gesto só, perpassou logo por ela o ar oxigenado e fresco da saúde, iluminou-se tudo de ouro vivo, luziu o sol esbanjadamente pelos cantos mais escuros..." 21 Por isso pôde Paulo Setúbal, que a ele nos referimos, fechar os olhos com as palavras: "Diga aos meus amigos que eu morro feliz, porque tenho fé." Era Jorge Mueller filho de abastado coletor de impostos, que o matriculou numa universidade. Aí não tardou a patentear-se o seu caráter leviano. De queda em queda, tornou-se perdulário, ébrio e ladrão. Defraudava o pai, freqüentava as tabernas e foi encontrado a jogar cartas na madrugada em que sua mãe jazia moribunda. Continuou subtraindo dinheiro ao pai, hospedando-se em finos hotéis e saindo sem pagar as contas. Dissoluto, chafurdou nos pecados mais baixos e foi parar na prisão. Livre desta, depois de algum tempo, acompanhou certa noite um amigo a uma reunião religiosa, em casa de pessoa de suas relações. A exposição da Palavra divina revolucionou o coração de Mueller, dando- lhe à vida um rumo inteiramente diverso. Sem vintém, e sem pedir coisa alguma a quem quer que fosse, fundou escolas que hoje ainda florescem nas cinco partes do mundo. Até ao ano de sua morte (1897), haviam-se educado nessas escolas121.683 pessoas, tendo sido por elas distribuídos 281.652 exemplares das Escrituras Sagradas e 1.448.662 Novos Testamentos. Criou e educou em seu vasto orfanato, 9.844 crianças. Com que recursos? Simplesmente confiando em Deus e a Ele orando. Acontecia às vezes acabar-se a provisão de mantimentos. Não havia nada para a próxima refeição. Mueller e seus companheiros imploravam a intervenção de Deus, e chegava, sem ser solicitada, a contribuição de algum amigo da causa. O Poder Moral da Escritura 24 No tempo do massacre dos armênios pelos turcos, um soldado perseguiu um rapaz e sua irmã, apertando-os num canto de muro. À vista da menina matou aí o jovem. Aquela, porém, conseguiu escapar, pulando o muro. Mais tarde, diplomada enfermeira, foi obrigada a trabalhar num hospital turco. Aí lhe trouxeram um dia, por acaso, gravemente enfermo, o mesmo soldado que lhe matara o irmão. O menor descuido teria causado a morte do doente. A jovem, porém, excedeu-se em desvelos. Restabelecido o soldado, reconheceu sua bondosa enfermeira, e perguntou-lhe um dia porque não o abandonara à morte. – Sou seguidora dAquele que disse: "Amai a vossos inimigos ... fazei bem aos que vos odeiam", foi a resposta da jovem. Depois de um silêncio volveu o doente: – Não sabia que houvesse uma religião assim. Se essa é a sua religião, diga-me alguma coisa mais a respeito, pois quero segui-la. Um afamado pugilista inglês foi um dia vencido pela Escritura, que se lhe aninhou no coração e transformou a vida. Logo depois de convertido encontrou na rua um antigo rival que, sabendo do ocorrido, o desafiou zombeteiramente para uma luta, dando-lhe logo um murro no rosto, com violência tal que saltou o sangue. Limpando calmamente a face, volveu ao provocador: – Se eu não conhecesse a Bíblia, matá-lo-ia. Mas perdôo-lhe, e não quero lutar. Numa linda capital de Estado brasileiro, conhecido político, farto das lutas e ingratidões humanas, assim como das bolotas do pecado, resolve pôr termo à vida. É quando alguém o procura, levando-lhe um livro evangélico. Lê-o, interessa-se, torna-se crente convicto. Disputam- lhe hoje os serviços de advogado competente e integérrimo. No extremo sul de nosso país, o evangelho vai bater à porta de resoluto anarquista. Aceita a fé cristã, e o lobo se torna cordeiro. Hoje prega a mansidão do evangelho de Cristo nas mais afastadas selvas do Brasil. O Poder Moral da Escritura 25 Vivia no sertão de Minas Gerais um homem que, de crime em crime, se tornou um bandido que toda a redondeza temia. Chamavam-lhe "o lobo da floresta". Passando um dia, na localidade em que morava, um fervoroso crente na Escritura Sagrada, este o convidou a visitá-lo, dando- lhe de presente um exemplar do Novo Testamento e outro do conhecido livro de Bunyan: O Peregrino. Cerca de um ano depois o mesmo bandido voltou a visitar o ministro do Evangelho, dizendo-lhe que se convertera e ia entregar-se à justiça. O criminoso, havia muito procurado pela polícia, por certo que nenhum castigo menor poderia receber do que a pena máxima. Deus, porém, interveio em favor do pecador penitente: respondeu a júri e saiu livrei Não precisava mais de recursos humanos para regenerar-se. Esta obra, já a operara o poder maravilhoso da Palavra divina. Em Ribeirão Preto, Estado de S. Paulo, uma velha lavadeira constituía o objeto dos motejos e ridículo dos garotos. É que a pobre era escrava do álcool. Fizera tudo para livrar-se das garras do vício. Mas debalde. Dominava-a o desejo, bebia e andava a rolar pelas sarjetas. Um dia uma alma caridosa leu-lhe um trecho dos Evangelhos. A velha, que estava com a garrafa ao seio, para ir à taverna buscar a pinga, voltou sem ela. E no dia seguinte foi de novo ouvir a leitura. A garrafa nunca mais se encheu. Ela não mais caiu na sarjeta. Agora, em vez de escarnecida pela populaça, respeitavam-na todos, disputando-lhe os serviços de lavadeira perita. E de casos como este poder-se-iam encher volumes sem fim. São ocorrências cotidianas. Viajava certa ocasião pelo oeste americano, um jovem incrédulo em companhia de um tio. Surpreendeu-os a noite antes de alcançar uma cidade, e viram-se obrigados a pedir pouso em uma choupana à beira da estrada. Como conduzissem consigo não poucos haveres, e desconfiassem muito do hospedeiro, que lhe indicara um dos dois únicos aposentos da habitação, combinaram que um deles vigiaria até à meia-noite, arma em punho, e o outro até ao amanhecer. Em dado momento os viajantes O Poder Moral da Escritura 26 olharam por uma fenda da fechadura e viram o velho, aspecto rústico, tomar de uma prateleira uma Bíblia, lê-la por uns momentos e ajoelhar- se depois, a orar. O jovem descrente pôs-se então a tirar o paletó e fazer menção de ir para a cama, ao que o tio lhe observou: – Pensei que você fosse ficar vigiando... O pretenso ateu, porém, sabia que não há necessidade de vigiar, empunhando bacamarte e pistola, numa casa "santificada pela Palavra de Deus e consagrada pela voz da oração". Em certo hospital há um doente que, a julgar pelas aparências, dir- se-ia o mais infeliz dentre os infelizes: paralítico, só mexe a cabeça e as mãos, sofrendo por vezes dores atrozes. Mas ele tem como companheira inseparável uma Bíblia. E eis o que diz: – Não só os dias, mas também as noites me são demasiado curtas para louvar a Deus, com júbilo e lágrimas de alegria, por tudo que me proporcionou em Sua Palavra. "Por que motivo tem a Bíblia esse surpreendente poder sobre os corações?" indaga Bettex; e responde ele mesmo: "Por isso que ela diz justamente o contrário daquilo que ensinam todos os livros sagrados, de todos os povos. Ela vence o homem, dizendo-lhe o que ele menos deseja ouvir, e o que mais amargamente lhe fere os ouvidos – o que é também uma característica de sua elevada origem."
A Última Hora do Ateu
A enfermeira que assistiu a Voltaire em seus últimos momentos, foi
certa vez chamada a velar junto ao leito de um enfermo. Quis então saber se este era crente ou incrédulo. – É crente sincero, responderam-lhe; mas, por que faz questão disso? – É que assisti a Voltaire à hora da morte, volveu a enfermeira; e por todas as riquezas da Europa, jamais quero ver outro ateu morrer! Anatole France, infelizmente também cético, ao perguntar-lhe seu médico, Dr. Mignon, como passava, disse: O Poder Moral da Escritura 27 – Doutor, veja aqui o homem mais infeliz do mundo! (E pedia-lhe veementemente que o matasse, o envenenasse. ) Não admira, pois, que o aspecto que apresenta aos ateus a morte, seja tão tenebroso que arranque a um Roberto Ingersoll, junto à sepultura aberta de seu irmão, as desoladoras frases: "Sim, seja no mar, ou entre os cachopos de longínqua praia, um naufrágio assinalará afinal o termo de cada um de nós. E toda a vida, não importa se cada uma de suas horas haja sido enriquecida pelo amor ou cada um de seus momentos adornado com as jóias do prazer, converter-se-á enfim na tragédia mais triste, mais abismal e obscura que se possa entretecer na trama do mistério da morte. A vida é o vale estreito que medeia entre os frios e estéreis penhascos de duas eternidades. Em vão procuramos enxergar para além de suas alturas. Gritamos com todas as forças, e a única resposta que nos chega é o eco de nosso lamentoso clamor." "Vou antes de tempo, e não sei o que me espera", foram as palavras de afamado reitor de universidade. E Darwin, o pobre, mistificado Darwin, lamentou, quando se lhe avizinhava a morte: "Nos dias da minha mocidade eu era profundamente religioso; mas fiz minha mente uma espécie de máquina para fabricar leis gerais no mundo material, e a minha espiritualidade atrofiou-se." 22 Tomás Hobbes, que em seu livro Leviatã se confessa partidário, em filosofia, do materialismo; em moral, do egoísmo; e em política, do despotismo, ao avizinhar-se do instante supremo, disse: "Cheguei ao momento de dar um salto no escuro." O cruel e libertino rei Henrique VIII, da Inglaterra, lamentou: "Vai- se-me tudo: Reino, corpo e alma!" Do cético Voltaire foram as últimas palavras: "Vejo uma mão, que da Eternidade baixa até mim, para deter-me." Fernando Augusto Bebel (1840-1913), o inflamado orador incrédulo da Alemanha, chora em seu leito de morte: "Oh, quanto tenho de sofrer! Por toda parte me vêem ao encontro, com ameaçadoras mãos erguidas e me amaldiçoam, bradando que eu bem cuidei de suas necessidades materiais, sim, mas lhes roubei o elemento espiritual, O Poder Moral da Escritura 28 tornando-os assim infelizes. Uni-vos numa liga e proclamai através de todo o mundo: Deus vive! Deus vive!" 11 Manuel Maria Barbosa du Bocage foi poeta de extraordinários recursos de inteligência. Libertino, esbanjou seus talentos em produções de baixo nível moral. No fim de sua vida confessava: "Meu ser evaporei na lida insana Do tropel das paixões que me arrastava. . . " E pedia a Deus que, quando chegasse o momento da morte, soubesse "morrer o que viver não soube". Em outro soneto pede à posteridade: "Queima os meus versos, crê na Eternidade." Em 1925 celebrou-se o centenário de Huxley. A Associação do Racionalismo, em Paris, fez grande banquete. À sobremesa ergueu-se um dos duzentos convivas, o Sr. Whale, para fazer o elogio daquele apóstolo do transformismo. Desabafou-se em cruéis e irônicas blasfêmias contra a fé, referiu-se desdenhosamente à visão de Paulo no caminho de Damasco e sentou-se. Imediatamente o viram tombar a cabeça para trás, revirar os olhos e escancarar a boca nos últimos estertores. Minutos depois era cadáver. Guy de Maupassant foi outro caso doloroso: Resolveu escrever um livro blasfemo. E escreveu-o de fato. De que tamanho? – Trinta e cinco linhas. A essa altura não pôde prosseguir – abandonou-o a inteligência, morrendo ele alguns anos depois. Certo homem, espírito religioso, visitando um fazendeiro antigo seu, veio a falar no paraíso. O lavrador sorriu, apontando para suas luxuriantes plantações e dizendo: – Aquilo é que é meu paraíso! Algum tempo depois recebeu a mesma visita. Tudo respirava ainda prosperidade: as plantas verdejantes, o lago sereno. O fazendeiro, porém, achava-se estirado no sofá, profundamente acabrunhado: seu filho querido afogara-se no lago; uma filha fizera casamento infeliz; e ele mesmo estava atacado de moléstia incurável. Entra a filha menor e pergunta: O Poder Moral da Escritura 29 – Papai, vou à cidade agora ; quer que lhe traga alguma coisa? – Uma pistola! responde o miserável, cerrando os dentes. Um cético notável, W. O. Saunders, descreveu vividamente a idéia que, como incrédulo, o acabrunhava, e que deve bem ser a penosa concepção da vida por parte da classe que representa: "Surpreender-vos-eis, provavelmente, de saber que o agnóstico inveja a vossa fé em Deus, a positiva crença num Céu depois da morte, e a bendita certeza de que haveis de encontrar vossos queridos numa vida além, na qual não haverá tristeza nem dor. Ele daria tudo, para poder abraçar essa fé e ser por ela confortado.... "Poderá o agnóstico mostrar fisionomia animada e encarar a vida com heróicos sorrisos. Mas não é feliz.... Posto em respeito e reverência ante a vastidão e majestade do universo, não sabendo de onde veio nem porque, aterrado pela grandeza estupenda do espaço e a infinitude do tempo, humilhado pela minúscula pequenez própria, cônscio de sua fragilidade, sua fraqueza e transitoriedade, não julgais que também ele por vezes anseie por um bordão a que se apoiar? Também ele leva uma cruz.... "Para ele a Terra não é senão uma traiçoeira jangada a vagar nas insondáveis águas da eternidade, sem horizonte à vista.... 23 "Tendes aqui um dos mais solitários e mais infelizes indivíduos da Terra." Foi também esta, sem dúvida, a impressão que da vida tinha Buda, que ao morrer exclamou: "Tudo é vão!" "Acta est fabula" (está representada a peça) disse, expirando, César Augusto. Esta extrema vaidade da vida sem a diretriz da fé, deve também tê- la sentido pungentemente aquele escritor que, ao concluir um de seus livros de defesa do ateísmo, foi, de seu gabinete, chamado para junto do leito de morte de sua filhinha. – Papai, balbucia-lhe ela, que devo crer? O senhor me ensina que Jesus Cristo não existe; mamãe diz que Ele é meu Salvador, e que posso morrer confiada em Seus méritos e na salvação que oferece. Que devo fazer, então? O infeliz pai tentou debalde engolir o nó que lhe apertava a garganta, e respondeu: – Minha filha, crê no Cristo de tua mãe e entrega- te aos Seus cuidados! O Poder Moral da Escritura 30 A Última Hora do Crente
São Crisóstomo entregou-se ao martírio exclamando: "Louvado seja
Deus por tudo!" Jorge Frederico Haendel, compositor de tão apreciados oratórios, despediu-se da vida com a exclamação de Jó: "Sei que vive meu Redentor!" Sentindo que seu fim se avizinhava, disse ao seu médico o Barão Henrique von Stein, a quem a Prússia do século passado deveu importantes reformas liberais: "Não temo a morte; bem sei o que valho aos olhos de Deus; sou um pobre pecador, e unicamente os méritos de meu Redentor me alcançarão a salvação eterna." Ao visitar o rei Henrique III da França o escritor e sábio Bernardo Palissy que, como huguenote, se achava preso na Bastilha por causa de sua fé, disse-lhe aquele: – Meu caro, se o senhor não ceder, nesta questão de religião, infelizmente terei de deixá-lo em mãos inimigas. Respondeu Palissy: – Nem Vossa Majestade, nem aqueles sob cujo domínio estais, terão sobre mim qualquer poder, pois sei morrer 11 Nas selvas do Peru, jaz no leito de morte uma meninazinha cristã. Ei-la que pronuncia aos queridos que lhe cercam o leito, as derradeiras palavras: "Não chorem nem se aflijam por mim, porque não tenho medo. Vou dormir em Jesus e no dia da ressurreição os verei outra vez. Ha-ki- sin-ca-ma! (Até outra vista!)" "Está muito bem" foram as últimas palavras do grande Washington. Compare-se esta tranqüila conformação de um crente, com a tortura mental do moribundo ateu. Afonso Pena, um dos nossos presidentes, exprimiu, ao morrer, em quatro palavras significativas os seus resignados sentimentos: "Deus, Pátria, Família, Liberdade!" 24 "Tragam-me o Livro!" pediu Walter Scott, ao morrer. Perguntando- lhe o genro qual o livro desejado, volveu o moribundo: "Só existe um O Poder Moral da Escritura 31 Livro!" E tinha razão, pois que o próprio termo bíblia é o plural do grego biblion, que quer dizer o Livro por excelência. A Escritura Sagrada não é um livro qualquer mas o Livro. Ao serem em 1681 enforcadas duas mocinhas escocesas, por amor de sua fé, Marion Harvie, que era uma delas e tinha apenas vinte anos, animou a companheira, Isabel Alison: "Vamos, Isabel, cantemos o Salmo 23!" Torturado pelos algozes, que lhe partiram o braço esquerdo e deslocaram o omoplata, Savonarola comprazia-se em escrever meditações sobre os Salmos 31 e 51, e confortava-se com repetir as palavras do capítulo 27: "O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo? O Senhor é a fortaleza da minha vida; a quem temerei?" "Ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará o meu coração; e, se estourar contra mim a guerra, ainda assim terei confiança." 25 E nesse espírito de serenidade e confiança foi ao encontro da execução, dormindo como uma criança na noite anterior à mesma, e sendo visto a sorrir em suave sonho. O grande guia religioso John Wesley, e o conhecido estadista Oliver Cromwell, ambos morreram balbuciando as sublimes palavras do Salmo 46: "Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia." Guilherme Wilberforce, a quem já nos referimos noutra parte, disse antes de morrer: "Lede a Bíblia, lede a Bíblia. . . . " 26 Um missionário que passou trinta anos lançando a semente do bem no coração de antropófagos da Oceania, e que foi João Paton, ao sentir aumentar paulatinamente a fraqueza física e avizinhar-se-lhe a morte, dizia muitas vezes aos que o iam visitar: "Não tenho a mais pequenina sombra de dúvida, sinto uma paz perfeita." 27 Guilherme Carey, o célebre orientalista inglês que tanto fez em favor da fé cristã e da civilização na pobre índia, autor de versões da Escritura para vinte e quatro línguas do Oriente, disse, ao terminar a correção da última folha de sua tradução do Novo Testamento em O Poder Moral da Escritura 32 bengalim: "Minha obra está realizada; nada mais tenho a fazer, senão aguardar a vontade de Deus." 28 Ao ter em mão o primeiro volume impresso dessa edição do Novo Testamento, serviu-se dele para pregar um sermão baseado nas palavras de Simeão, quando tomou nos braços o menino Jesus: "Agora é, Senhor, que Tu despedes ao Teu servo em paz: ... porque já os meus olhos viram o Salvador." O grande apóstolo S. Paulo olha de frente a morte próxima e faz esta profissão: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé." II Timóteo 4 :7. E o próprio Cristo, erguido no madeiro infamante, remata uma vida toda consagrada a santa e benfazeja atividade, bradando: "Está consumado!" Concluindo, desejaria dizer com S. Paulo (Hebreus 11:32): "E que mais direi? Certamente, me faltará o tempo necessário" para citar os inumeráveis casos que em torno de nós enxameiam, comprovantes do poder moral da Escritura Sagrada. E bem acertaria ainda, aplicando ao mesmo assunto as palavras de S. João (21:25), referentes às obras de Jesus: "Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos."
A Santa Bíblia faz de um Saulo perseguidor, um Paulo que é a
maior glória dentre os apóstolos; de um Pedro impulsivo e pusilânime, uma coluna inamovível; de um João violento e desconfiado, a mais mansa e pura alma dentre os doze. E tais milagres de regeneração, verdadeiros novos nascimentos, efetua-os ela ainda hoje, diariamente, aos nossos olhos. Sim, o Livro fala hoje ainda – ora com voz tonitruante, em clarinadas, ora em sons suaves como o ciciar da brisa e brandos qual murmúrio de regato na areia.
Não quererás você, leitor amigo, abrir alma e coração a essa
influência bendita? O Poder Moral da Escritura 33 Conversão de um Ateu
UM incrédulo de espírito muito agudo propôs-se a estudar a Bíblia, e começou a
leitura no Gênesis. Ao chegar aos Dez Mandamentos, disse a um amigo: "Vou dizer-lhe o que eu pensava. Eu supunha que Moisés tivesse sido o guia de uma horda de bandidos; que, por ter espírito forte, adquiriu grande influência sobre povos supersticiosos; e que no Monte Sinai ele exibiu algumas espécie de fogos de vista, para assombro de seus ignorantes seguidores que, no misto de temor e superstição que possuíam, imaginavam ser sobrenatural aquela exibição. Agora, tenho estado a considerar a natureza da lei. Tenho procurado ver se poderia acrescentar-lhe qualquer coisa, ou dela tirar algo, de maneira a torná-la melhor. Senhor, não o consigo. Ela é perfeita. O primeiro mandamento nos leva a fazer do Criador o objeto de nosso supremo amor e reverência. Está certo: Se é Ele nosso Criador, Preservador, e Benfeitor Supremo, devemos como tal tratá-Lo, a Ele e a nenhum outro. O segundo proíbe a idolatria. Está muito certo. O terceiro proíbe a profanidade. O quarto determina um período para o culto religioso. Se existe Deus, por certo que deve ser adorado. É justo que haja uma homenagem exterior, expressiva de nosso respeito interior. Se Deus deve ser adorado, é apropriado que seja posto à parte certo período para esse propósito, quando todos O possam adorar unânimes, e sem interrupção. Um dia dentre sete na verdade não é demais, e também não me parece que seja demasiado pouco. O quinto define os deveres peculiares procedentes das relações de família. As ofensas a nosso próximo são a seguir classificadas pela lei moral. Dividem-se em ofensas à vida, à castidade, à propriedade e ao caráter; e noto que em cada um deles é expressamente proibida a maior ofensa. Assim, a maior ofensa à vida é o assassínio; à castidade, o adultério; à propriedade, o furto; ao caráter, o perjúrio. Ora, a maior ofensa tem de incluir a menor, da mesma espécie. O assassínio tem de abranger todo o prejuízo à vida; o adultério, toda a ofensa à pureza; e assim por diante. E o código moral é rematado por uma ordem que proíbe todo desejo impróprio em relação a nosso próximo. Tenho ficado a pensar: Onde terá Moisés buscado essa lei? Tenho lido a História. Os egípcios e as nações circunvizinhas eram idólatras. Assim o eram os gregos e os romanos; e o mais sábio ou melhor dos gregos ou dos romanos jamais produziu um código de moral como esse. De onde recebeu Moisés essa lei que ultrapassa a sabedoria e a filosofia dos séculos mais adiantados? Viveu ele numa época relativamente bárbara; deu, porém, uma lei na qual a erudição e sagacidade de todos os tempos subseqüentes não descobrem uma falha sequer. De onde a recebeu? Não pode ele ter sobrepujado tanto a sua época, que a produzisse ele mesmo. Estou persuadido quanto a sua origem. Ele a recebeu do Céu. Estou convencido da verdade da religião da Bíblia." O incrédulo (já não mais incrédulo) permaneceu até à morte firme crente na verdade do cristianismo. 29 O Poder Moral da Escritura 34 Referências: 1. Histoire de l'Economie Politique, Blanqui. 2. Famous Infidels who Found Christ, Lee S. Wheeler. 3. The Bible – Book Divine, Fannie D. Chase. 4. José Bonifácio, Otávio Tarquínio de Sousa. 5. L'Influence Remarquable de la Bible, Ch. Gross. 6. O Cristianismo e o Progresso, Antônio da Costa. 7. The Bible – Is it a True Book? Carlyle B. Haynes. 8. Treatise on the Gods, H. L. Mencken. 9. The Literary Primacy of the Bible, George P. Reckman. 10. Os Melhores Guias para uma Vida de Êxito, S. M. Richards. 11. Kraft und Licht, 15-4-1956 e 24-57. 12. Psicologia e Teodicéia, J. Balmes. 13. Gespräche mit Goethe, Eckermann. 14. Grandes Homens e um Grande Livro, Soc. Bíblica Americana. 15. Crônicas, Humberto de Campos. 16. Miguel Couto – Uma Vida Exemplar, Fócion Serpa. 17. Systematic Theology, A. H. Strong. 18. 6.000 Sermon Illustrations, Spurgeon. 19. Die Bibel Gottes Wort, F. Bettex. 20. El Monitor de La Juventud, Guilherme Lougee. 21. Confiteor, Paulo Setúbal. 22. As Escrituras Sagradas – A Palavra de Deus, Casa Publicadora Brasileira. 23. A Voz da Profecia, A. Rowell. 24. Feitos, Frases e Ditos Célebres, S. de Figueiredo. 25. The Influence of the Bible on History, Literature and Oratory, Thomas Tiplady. 26. Deus, Ressurreição, Fé, Luís Quinto. 27. A Vida de John Paton, Casa Publicadora Batista. 28. O Evangelho a Todo o Mundo, Kibbin e Steams. 29. Elon Foster, 6.000 Sermon Illustrations, págs. 117 e 118.