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A JUSTIFICATIVA DE PEDRO.

Atos 11.1-18

INTRODUÇÃO
i) Vimos em Atos 10 que depois de registrar o poder de Jesus entre os
judeus, Lucas passa a narrar o poder salvador de Jesus entre os gentios. ii)
Vimos também que existia uma barreira culturalmente intransponível entre
judeus e gentios naquela época (incluindo até mesmo os gentios "tementes
a Deus"). O motivo dessa barreira é que Israel, em primeiro lugar, distorceu
a doutrina da eleição e a transformou em uma doutrina de favoritismo,
encheu-se de orgulho e ódio racial, desprezou os gentios, e desenvolveu
tradições que os mantiveram sempre afastados. Um judeu não podia entrar
na casa de um gentio, nem convidá-lo para a sua casa (veja o v. 28). Pelo
contrário, "qualquer relacionamento familiar com os gentios era proibido".
Em segundo lugar, outro motivo desse preconceito judeu foi o
surgimento da seita dos fariseus. Quando a gente estuda a história do período
intertestamentário (o tempo entre Malaquias e João Batista), a gente entende
porque que os judeus tiveram essa posição tão restrita e preconceituosa com
as outras nações. É porque ao longo de sua história, os judeus foram
conquistados por diferentes nações inimigas, e um desses inimigos foi o
Império helênico, sob a liderança de Alexandre o Grande, que tinha como
estratégia helenizar as nações que ele conquistava.
Quando Alexandre o Grande conquistou a nação de Israel ele impôs
um programa de helenização, que significava transformar os judeus em
gregos. Os judeus tinham que adotar nomes gregos, a religião grega, práticas
gregas, e a língua grega. Era um domínio cultural. Ao contrário, por
exemplo, dos babilônicos, que aprisionavam os povos. Os gregos não
tinham a prática de deportar mas de transformar a cultura das nações. Eles
queriam conquistar o corpo, mas também as mentes e os corações dos povos.
E eles tentaram isso com os judeus. Tentaram impedir a guarda do sábado.
Epifânio sacrificou um porco no altar de Jerusalém para profanar o altar,
para o horror de todos os judeus.
O resultado foi o que ficou conhecido como A Guerra dos Macabeus.
Um sacerdote (Macabeu), junto com sua família de sacerdotes liderou um
movimento de revolta e é desse movimento que surgiu o farisaísmo, que
zelava pelas tradições de Israel, pela observação mais estreita da Lei e não
admitiam que os judeus parassem de cumprir as leis e seguir os
mandamentos que Deus havia mandado. Eles resistiam a helenização.
Já existia uma grande barreira entre judeus e gentios, por conta da
distorção da doutrina da eleição. Agora, com esse espírito nacionalista essa
barreira ficou ainda maior.
Os primeiros cristãos eram todos judeus que se converteram a Cristo,
mas, que a princípio, não mudaram sua mentalidade nacionalista
preconceituosa. Este é o motivo de Lucas dar ênfase na conversão de Paulo,
que será o apóstolo para os gentios, assim como a conversão de Cornélio, o
primeiro gentio que foi recebido na Igreja de Cristo. Lucas está nos
mostrando o seguinte: Deus não é apenas dos judeus. Deus é Rei dos reis e
Senhor dos senhores, sobre todas as nações.

1. A NOTÍCIA SE ESPALHA. A PERTURBAÇÃO NA


IGREJA EM JERUSALÉM.
“1 Chegou ao conhecimento dos apóstolos e dos irmãos que
estavam na Judéia que também os gentios haviam recebido a palavra
de Deus. 2 Quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da
circuncisão o argüiram, dizendo: 3 Entraste em casa de homens
incircuncisos e comeste com eles.”
A notícia de que os gentios haviam recebido a palavra de Deus se
espalhou rapidamente por toda parte. Os apóstolos e os irmãos que estavam
na Judéia ficaram sabendo do caso. Nessa informação, certamente existe um
misto de alegria e também de preocupação, pois é a primeira vez que um
grupo de gentios é salvo e recebe o Espírito Santo. Assim como os apóstolos
tiveram de explicar a evangelização dos samaritanos que receberam "a
palavra de Deus" (8:14), agora também estavam preocupados com a
conversão e o batismo dos primeiros gentios, que também aceitaram a
Palavra (v. 1).
Lucas diz que chegando em Jerusalém, os que eram da circuncisão
interrogaram a Pedro por ter entrado em casa de homens incircuncisos e ter
comido com eles (v. 3). Os que “eram da circuncisão” se refere aos "que
eram judeus por nascimento", ou seja, toda a comunidade cristã em
Jerusalém, que era composta apenas de judeus naquele tempo.
Naturalmente, os fatos recentes, ocorridos em Cesaréia, isto é, a conversão
dos gentios, Cornélio e sua família, trouxe perturbação para a igreja. Esses
judeus não ficaram escandalizados com o fato de Pedro ter pregado o
evangelho aos gentios nem mesmo de tê-los recebido à fé cristã, mas ficaram
admirados pelo fato de Pedro ter mantido comunhão com eles, a ponto de
entrar e comer na casa deles. Aqui é possível perceber que a barreira cultural
era como uma muralha intransponível na mente desses judeus crentes.
2. A EXPLICAÇÃO DE PEDRO. (4-17)
Pedro passou a fazer-lhes uma exposição por ordem (v. 4). O que
Lucas faz é repetir toda a história uma segunda vez, de forma resumida,
através dos lábios de Pedro. O modo de Pedro ordenar os acontecimentos é
importante porque nos ajuda a viver sua experiência junto com ele, e a
aprender como Deus lhe mostrou que não deveria considerar ninguém
impuro ou imundo (10:28). Como explicou à igreja em Jerusalém, ele
precisou que a revelação divina fosse repetida quatro vezes antes que seu
preconceito racial e religioso fosse vencido.
A primeira revelação foi a visão divina (vs. 4-10) do lençol que
continha animais puros e impuros:
4 Então, Pedro passou a fazer-lhes uma exposição por ordem,
dizendo: 5 Eu estava na cidade de Jope orando e, num êxtase, tive
uma visão em que observei descer um objeto como se fosse um
grande lençol baixado do céu pelas quatro pontas e vindo até perto
de mim. 6 E, fitando para dentro dele os olhos, vi quadrúpedes da
terra, feras, répteis e aves do céu. 7 Ouvi também uma voz que me
dizia: Levanta-te, Pedro! Mata e come. 8 Ao que eu respondi: de
modo nenhum, Senhor; porque jamais entrou em minha boca
qualquer coisa comum ou imunda. 9 Segunda vez, falou a voz do
céu: Ao que Deus purificou não consideres comum. 10 Isto
sucedeu por três vezes, e, de novo, tudo se recolheu para o céu.
No versículo 6, são mencionados os animais e também a afirmação de
que Pedro "olhou bem dentro" do lençol. A visão foi seguida por uma voz
que deu a Pedro a ordem: "Levanta-te, mata e come" e, depois de seu
protesto, censurou-o, dizendo: “ao que Deus purificou não consideres
comum". Como resultado, Pedro entendeu que os animais puros e imundos
simbolizavam pessoas puras e impuras, circuncisas e incircuncisas. Ou seja,
"o lençol é a igreja", que irá "conter todas as raças e classes sem distinção
alguma".
A segunda revelação foi a ordem divina (vs. 11-12) de acompanhar os
três homens que vieram de Cesaréia para buscá-lo: “11 E eis que, na
mesma hora, pararam junto da casa em que estávamos três homens
enviados de Cesaréia para se encontrarem comigo. 12 Então, o Espírito
me disse que eu fosse com eles, sem hesitar. Foram comigo também estes
seis irmãos; e entramos na casa daquele homem”. Na mesma hora, assim
que terminou a visão, os homens de Cornélio chegaram à casa de Pedro, e o
Espírito lhe ordenou que fosse com eles sem hesitação ou distinção [sem
discriminação] (v. 12), apesar de serem gentios incircuncisos. O texto diz
que haviam seis irmãos, que estavam com Pedro em Jerusalém, tinham-no
acompanhado de Jope até Cesaréia (10:23). Portanto, eles eram testemunhas
de tudo o que estava acontecendo. Com Pedro, formavam um grupo de sete
pessoas. E isto é um detalhe interessante: William Barclay diz que o fato
de terem mais 6 pessoas com Pedro é importante, pois "na lei egípcia, que
os judeus certamente conheciam bem, eram necessárias sete testemunhas
para provar completamente um fato", enquanto "na lei romana, que também
deviam conhecer bem, eram necessários sete selos para autenticar um
documento realmente importante, como um testamento". Ou seja, o Senhor
estaria dando para a Igreja em Jerusalém várias evidências de que eles
estavam diante de um fato verdadeiro. E que o próprio Senhor Jesus estava
conduzindo tudo aquilo.
A terceira revelação foi a preparação divina (vs. 13-14). Ou seja,
quando Pedro e sua comitiva entraram na casa de Cornélio, ele lhes contou
como Deus havia-lhe preparado para a visita deles: “13 E ele nos contou
como vira o anjo em pé em sua casa e que lhe dissera: Envia a Jope e
manda chamar Simão, por sobrenome Pedro, 14 o qual te dirá palavras
mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua casa”. Apareceu um anjo,
dizendo-lhe que procurasse Simão Pedro em Jope, porque ele lhe traria a
mensagem da salvação. No relato de Lucas, o conteúdo da mensagem de
Cornélio para Pedro não foi mencionado, mas Pedro sabia da expectativa
que o anjo havia criado em Cornélio. Ele estava sendo levado pelo Senhor
Jesus, para pregar o evangelho salvador também para aqueles gentios. A
intervenção divina é clara, tanto na vida de Cornélio como na de Pedro.
A quarta e última revelação a Pedro foi a ação divina (vs. 15-17).
“15 Quando, porém, comecei a falar, caiu o Espírito Santo sobre
eles, como também sobre nós, no princípio. 16 Então, me lembrei
da palavra do Senhor, quando disse: João, na verdade, batizou com
água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo. 17 Pois, se
Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando
cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a
Deus?”
Quando Pedro começou a falar ou, pelo menos, enquanto Pedro ainda
falava (10:44), “caiu o Espírito Santo sobre eles, exatamente como sobre
nós no princípio”. Foi a extraordinária semelhança entre os dois
acontecimentos que deixou Pedro admirado. Ele lembrou aquilo que Jesus
ressurreto havia dito após sua ressurreição (1:5), ou seja, que João, na
verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo.
Em outras palavras, esse foi o Pentecoste gentio em Cesaréia, que
correspondia ao Pentecoste judaico em Jerusalém. O pentecostes de Atos 2,
que significava que Deus estava cumprindo a promessa de derramar seu
Espírito sobre seu povo, está sendo repetido em Atos 10 para mostrar que
essa promessa também era para os gentios.
Aqui, então, estavam as quatro revelações celestiais, todas voltadas
contra o preconceito racial dos judeus e, especialmente, contra o de Pedro:
a visão, a ordem, a preparação e a ação. Juntos, esses sinais demonstraram
claramente que Deus havia recebido gentios convertidos em sua família, em
igualdade de condições com os convertidos judeus. Pedro foi convencido.
Imediatamente, ele concluiu o fato de Deus ter dado aos gentios o mesmo
dom do Espírito que havia dado aos judeus.
E, por fim, a igreja louva ao Senhor pela salvação também dos gentios.
“18 E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus,
dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o
arrependimento para vida.”

3. LIÇÕES A SEREM APRENDIDAS


Lucas conta a história da conversão de Cornélio com grande
habilidade dramática. Mas será que ela possui algum significado
permanente? Será que esse registro de Lucas tem alguma implicação para
nós, hoje? Sim, pois ele fala diretamente sobre a unidade da igreja; as
pessoas não-cristãs e o evangelho.

a. A unidade da igreja
A ênfase fundamental da história de Cornélio é que, se Deus não faz
distinções em sua nova sociedade, não temos direito de fazê-las. Mas, por
mais trágico que seja, a igreja nunca chegou a aprender totalmente essa
verdade. Até o próprio Pedro, vai cair no pecado da discriminação mais
tarde, em Antioquia, quando se retirou da comunhão com crentes gentios,
precisando ser advertido publicamente por Paulo. Os judaizantes vão
continuar a sua propaganda de discriminação dentro da igreja primitiva. Os
apóstolos terão que lutar contra isso.
Esse pecado da discriminação continua reaparecendo na igreja em
forma de racismo, nacionalismo, esnobismo cultural e social, ou sexismo
(discriminação da mulher). E neste último caso específico, é obvio que não
estou negando o fato de que biblicamente, na comunidade da fé, existem
funções específicas, atribuídas pelo próprio Deus, para homens e mulheres.
O ponto é que: todo tipo de discriminação é imperdoável mesmo em
sociedades não-cristãs; na comunidade cristã, ela é um absurdo (porque
ofende a dignidade do ser humano) e uma blasfêmia (porque ofende a Deus,
que aceita sem discriminação todo o que se arrepende e crê). Como Pedro,
devemos aprender que "Deus não faz acepção de pessoas".
Essa passagem nos lembra, claramente, que Deus quer todos os seus
filhos juntos, em perfeita comunhão e trabalhando para a propagação do
Reino de Jesus Cristo na terra. E eu gostaria que você pensasse um pouco
sobre isso: o Senhor Jesus Cristo não faz apenas mediação entre você e
Deus, mas entre você e seus irmãos. De tal forma que rejeitar a comunhão
com a comunidade da fé é rejeitar comunhão com o próprio Senhor da
Igreja. Cristo morreu para unir pessoas. Para unir os filhos de Deus ao pai e
aos seus irmãos. Não banalizemos o sacrifício do Senhor Jesus.

b. As pessoas e religiões não-cristãs


A história de Cornélio ganha uma nova importância em relação ao
novo pluralismo de muitas sociedades e das religiões não-cristãs
contemporâneas. Mais uma vez, é nítido pela Palavra de Deus que o
pensamento de que todos os caminhos levam a Deus é falso. Existem
religiões que rejeitam a supremacia e suficiência de Jesus Cristo. E, segundo
a Palavra de Deus, todas estão em um caminho de engano.
É verdade que Lucas descreve Cornélio como homem "devoto" e
"temente a Deus", que "fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a
Deus" (10:2). Mais tarde, seus próprios servos o descrevem como "homem
reto [dikaios] e temente a Deus, tendo bom testemunho de toda a nação
judaica" (10:22), enquanto Pedro o inclui entre os que temem a Deus e
fazem o que é justo (10:35). No entanto, esse caráter religioso de Cornélio
não era suficiente para que ele estivesse em um verdadeiro relacionamento
de intimidade com Deus. Lhe faltava o mais importante; a única coisa que
realmente pode aproximar um homem de Deus – Jesus Cristo. Pois Lucas
nos lembra duas coisas sublimes nessa passagem:
i. Tendo Jesus Cristo como Senhor, ninguém será rejeitado por
Deus, independentemente de sua raça, condição social, cultural,
etc.
ii. Sem Jesus Cristo como Senhor, ninguém será aceito por Deus,
independentemente de sua raça, condição social, cultural, etc.

c. O poder do evangelho
Lucas recontou as conversões de Paulo e Cornélio. As diferenças entre
esses dois homens eram consideráveis. Quanto à raça, Paulo era judeu,
Cornélio era gentio; quanto à cultura, Paulo era um erudito, e Cornélio um
soldado; quanto à religião, Paulo era um fanático, Cornélio um simpatizante.
Mas ambos foram convertidos através da graciosa iniciativa de Deus; ambos
receberam o perdão de pecados e a dádiva do Espírito; e ambos foram
batizados, sendo recebidos na família cristã em igualdade de condições.
Esse fato é um testemunho do poder e da imparcialidade do evangelho de
Cristo, que ainda é o "poder de Deus para salvação de todo o que crê;
primeiro do judeu e também do gentio".
Não existe qualquer barreira para o poder salvador de Jesus Cristo.

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