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10/05/05

MÚSICA CRISTÃ PRIMITIVA


O testemunho das primeiras fontes cristãs [p.03]

“[...] Nenhum documento musical dos primeiros séculos do cristianismo chegou até nós, exceto
um fragmento incompleto de um hino com notação alfabética grega [...]” Portanto:

• Não há testemunhos diretos para a reconstrução das primeiras fases do canto cristão;
• O único meio de obter alguma informação sobre suas origens é através do estudo da Liturgia
Primitiva, cujas as linhas principais conhecemos graças ao Novo Testamento.

Cristianismo: Nenhuma outra fonte (fora os Evangelhos) trazem informações sobre o fenômeno
do cristianismo primitivo. [p.03]

» A música dos antigos cristãos era visava uma oposição às tradições greco-romanas, pois “[...]
os que pretendiam, no passado, que o canto cristão derivasse, sem rupturas da raiz greco-
romana ignoravam, ou não consideravam devidamente a radical oposição, ou a insuperável
distância existente entre o Evangelho (e a conseqüente visão nova de Deus, do homem e do
mundo) e a concepção pagã (inclusive a dos filósofos)”. [p.03]

• Os apóstolos (primeiros missionários do Evangelho) eram todos judeus e possuíam seus


próprios métodos de pregação
• Também criavam novas formas de culto (algumas de procedência judaica) e outras totalmente
inéditas (modeladas conforme a palavra de Jesus).
• A pregação dos apóstolos – kerygma (primeiro anúncio) se referiam primeiramente à morte e
ressurreição de Jesus, sobre sua vida e suas palavras, com o perfeito entendimento dos
acontecimentos que desde a ressurreição de Cristo, pela iluminação (inspiração) do Espírito de
Verdade (Espírito Santo). [p.04]

» Características da Pregação dos Apóstolos (transmitidas, primeiramente de forma oral e, mais


tarde escritas, sendo incluídas nos quatro Evangelhos). [p.04]
• Catequeses, narrações, testemunhos
• Hinos, orações e outras formas literárias
» Segundo opinião generalizada, os Evangelhos e os Atos, conservam o eco da pregação
apostólica filtrada através da experiência das primeiras assembléias litúrgicas e ordenadas por
cada autor com fins próprios ou determinados pelas exigências da comunidade a que estava
destinado a pregação. [p.04]

» Os Evangelhos refletem costumes introduzidos na liturgia das primeiras comunidades cristãs e


conservam, além do material destinado à oração, a leitura e a catequese, alguns parágrafos
rítmicos cuja estrutura nos leva a crer que são anteriores ao mesmo texto evangélico e que
eram cantados, ao menos em partes ou em alguns lugares. [p.04] (acredito que o autor esteja
se referindo a salmos)

• Os conhecidos “cânticos” que aparecem nos primeiros capítulos de Lucas (Magnificat, Lucas
1,46-55; Benedictus, Lucas 1, 68-79; e Nunc dimittis, Lucas 2, 29-32 – oração do velho Simeão
– não é uma composição do evangelista), mas podem ter sua origem na liturgia de Jerusalém.
Porém existem outros, e mais explícitos exemplos de hinos, nas Epístolas (cartas) de Paulo e
Pedro e no Apocalipse de João. [p.04]

» Observação: O Magnificat é inspirado no cântico de Ana – mãe do profeta Samuel – ela era
estéril e não podia ter filhos, mas chorando e orando a Deus, consegui a graça de dar à luz a um
menino (Samuel), consagrando-o a Deus. Quando Ana entregou seu filho em consagração,
recitou esta prece que serviu de inspiração a Maria. (I Samuel 2, 1-10) O Magnificat é, também,
entrelaçado de citações do Antigo Testamento. Eis as principais passagens por ordem de citação:

• Salmo 110, 9: “[...] enviou a seu povo a redenção; concluiu com ele uma aliança eterna.
Santo e venerável é o seu nome.”
• Salmo 102, 17: “[...] é eterna, porém a misericórdia do Senhor para com os que o temem. E
sua justiça se estende aos filhos de seus filhos [...]”
• Salmo 88, 11: “[...] Calcastes a Raab e o transpassastes; com poderoso braço dispersastes
vossos inimigos [...]”
• Salmo 106, 9: ”[...] porque dessedentou a garganta sequiosa, e cumulou de bens a que tinha
fome[...]”
• Isaías 41, 8: “[...] mas tu, Israel, meu servo, Jacó que escolhi, raça de Abraão, meu amigo
[...]”
• Salmo 97, 3: “[...] lembrou-se de sua bondade e fidelidade em favor da casa de Israel [...]”
[Fonte: Bíblia Ave Maria]

» Observação2: Assim como o Magnificat, o Benedictus é, também, um cântico composto de


numerosas reminiscências (lembranças) do Antigo Testamento – Ambos os cânticos são
utilizados diariamente na oração oficial da Igreja:
• O Benedictus (Bendito), nas Laudes – oração da manhã;
• O Magnificat (Minha Alma), nas vésperas – oração da tarde. [Fonte: Bíblia Ave Maria]

Como se vê, nos diversos fragmentos das cartas apostólicas, os cânticos e hinos não são
composições formadas por estrofes (conforme os princípios da métrica greco-latina). Os critérios
construtivos são os da poesia hebraica (ver salmos). Como não possuímos documentação direta
sobre as melodias que entonavam esses textos, também por este motivo, será útil a
comparação com os precedentes judaicos. [p.06]
As fontes do Novo Testamento não só conservaram fragmentos de cânticos da primitiva liturgia
cristã; algumas delas representam uma evidente estrutura litúrgico-sacramental, revelando a
práxis litúrgica da Igreja e o contexto em que ressonou, pela primeira vez, o canto cristão:
» Catequeses Batismais: no evangelho de João (os capítulos que narram a conversa com
Nicodemos, a cura do paralítico em Betsaida e do cego de nascimento;
» Introdução à Liturgia Eucarística: a multiplicação dos pães;
» Homilia: epístola de São Tiago (seu conteúdo nos leva a conhecer uma assembléia dos anos
56-57 d.C.)
» Litúrgico–batismal: a primeira epístola de Pedro
» Liturgia Celeste (Comunhão dos Santos): no Livro do Apocalipse, sendo descrita pelas diversas
visões graças ao modelo de uma liturgia cristã, além de suas abundantes alusões aos modos
litúrgicos do cristianismo primitivo.

A matriz judaica do culto cristão [p.07]

O estudo da liturgia primitiva cristã consiste em remontar a concepção do culto e da liturgia


judaica do tempo das sinagogas, que de forma cada vez mais evidente, se demonstra como sua
raiz. A Igreja primitiva não rompeu com o culto judaico, mas introduziu os Evangelhos como
anúncio do Reino de Deus e a proclamação da morte e ressurreição de Cristo. Algumas
características próprias da natureza do culto judaico são encontradas e ampliadas na liturgia
cristã

» O aspecto comunitário (que antes de Cristo estava ligado unicamente ao povo hebreu), passa
a abranger todas as nações da Terra (universalismo);
» A dimensão interior do culto, que foi tema da pregação dos profetas (que exortavam à
purificação interior e à conversão do coração) foi levada por Cristo e pela pregação apostólica à
suas extremas exigências;
» A espera escatológica (final dos tempos), baseada nas promessas de que Deus libertará seu
povo e o chamará à comunhão com Ele, acontece novamente, no cristianismo, que espera pela
segunda vinda de Cristo (parusia).

Do ponto de vista litúrgico, os cristãos herdaram da tradição judaica vários pontos (destacamos
alguns): [p.08]
• Ritos batismais;
• Primeira parte da celebração eucarística que compreende as leituras, orações e cantos,
conforme o modelo das assembléias judaicas (atualmente conhecido como “liturgia da palavra” e
coincide com a parte didática da missa);
• Liturgia Eucarística (sacrifício de Cristo): algumas orações e inclusive a pregação eucarística (=
anáfora ou cânon da missa) seguem o modelo das beracoth (pregação de bênçãos judías) [...]
• Adoção do calendário hebraico (ritmo semanal), com a mudança gradual da celebração do
sábado para o domingo ( = dies dominica = dia comemorativo da ressurreição do Senhor, da
criação e da vinda escatológica) e com uma incipiente celebração anual da Páscoa de Cristo
(primeiro núcleo do ano litúrgico cristão).

Este panorama não busca excluir influências de outras fontes na iniciante liturgia cristã. Não se
pode negar, por exemplo, influências helenísticas devido ao fato de que a primeira língua
litúrgica foi o Grego. A transcrição em Latim ocorreu primeiramente nas províncias africanas e,
naturalmente, afetou a catequese e a parte didática da missa. Em meados do século III, o Latim
aparece como língua oficial em Roma, porém na liturgia se deu um longo período bilingüe que se
prolongou até o século IV como, por exemplo, na oração eurcarística. Este fato é a cauda da
permanência de formas lexicais gregas em latim litúrgico (como o kyrie eleison).
Os cristãos, igualmente aos judeus, não realizaram grafia musical alguma, servindo-se da
música como veículo privilegiado e solene para a palavra e textos sagrados, considerando
sagrada a própria função – ou melhor ainda, ministério – do cantor.
Por outro lado, devemos julgar com muita cautela toda comparação, de um ponto de vista
melódico, entre o patrimônio dos cantos cristãos e dos judeus, não só pelo fato de que a
tradição judaica passou a ser escrita muito mais tarde do que a cristã, além de que, esta mesma
tradição judaica sofreu influências do cristianismo com o passar dos séculos. Além disso, a
dispersão dos judeus provocou profunda diversificação nas melodias dos seus cantos rituais.
Naturalmente são encontradas afinidades e, inclusive, coincidências entre fragmentos melódicos
do canto hebraico e cristão.

As primeiras formas do canto cristão [p.10]

A mesma concepção da “Palavra” no sentido sagrado e místico une judeus e cristãos. Porém,
entre os cristãos, o valor semântico se enriquece, porque a “Palavra” (logos, verbum) é também
o Filho de Deus, Cristo.
Paras as duas confissões religiosas esta é a parte essencial do culto, até o ponto em que, no
ritual judeu, a palavra é sempre “cantada”, obtendo, através do som musical, maior amplitude e
solenidade. Entre os cristãos acontece algo parecido, já que na assembléia litúrgica a palavra
não é apenas dita ou pronunciada, mas “proclamada” [p.11]

» “[...]A Salmodia não é apenas um ornamento melódico, muito menos uma autêntica
composição musical, já que o texto se pronuncia rapidamente, com a fluidez que consente a
natureza da língua – nas escolas para rabinos, os futuros cantores (jazzan, plural: jazzanin)
aprendem as fórmulas recitativas (tacam, tacamin) indicadas nos livros através de sinais
convencionais que não tem nada a ver com a notação musical (os tacamin são muito variados,
porém, cada tipo deve ser reproduzido com absoluta fidelidade. Neles encontramos vocalizações
breves e bastante amplas, conforme uma escala musical arcaica, conhecida também por outras
fontes do Oriente Médio, com intervalos inferiores ao semitom e com passagens en glissant
(glissando) de um grau ao outro.
» Os cristãos moldam desta forma, os recitativos do celebrante e as leituras de outros ministros
(epístola, evangelho, lamentações, etc.). A diversidade está enraizada no desaparecimento dos
microintervalos (microtons) ou outros detalhes: por exemplo, nos cantos cristãos a pontuação é
mais variada e freqüente, porém o princípio constitutivo é o mesmo.
» Em relação aos salmos, o Antigo Testamento e a tradição que segue viva nas comunidades
judias testemunham uma grande variedade de execução:

1. Versículos do salmo executados pelo cantor e repetidos, de forma idêntica, pela


comunidade (é um simples método de ensinamento);
2. Salmo entoado pelo solista e cantado inteiramente pela comunidade (caso raro);
3. Salmo executado pelo solista enquanto a assembléia responde com um versículo
qualquer do salmo como estribilho;
4. Salmo executado pelo solista enquanto a assembléia canta alleluia após cada
versículo;
5. O solista canta o primeiro hemistiquio (metade de um verso) de cada versículo e a
assembléia canta o segundo (pressupõe uma assembléia preparada);
6. Canto do salmo pelo solista; a assembléia só repete alguns versículos;
7. Textos dos salmos intercalados com novos textos ou nova música.
» Na variedade de formas, destaca-se um elemento permanente: o cantor-solista que
dirige a assembléia. Este adapta as formas melódicas a diversa consistência do texto (os
salmos obedecem a uma autêntica forma poética, totalmente diferente de nossos
critérios métricos quantitativos ou de acentuação; seu princípio construtivo fundamental
é do paralelismo entre os versículos) segundo a técnica de variação que tem contribuído
também para a formação do canto litúrgico ocidental. Evidentemente, em tais cantos
não há espaço para a polifonia, e a voz humana, considerada o mais doce e perfeito dos
instrumentos, encontra plena aplicação no exercício solista. [p.11]

» Os cristãos deram continuidade a esta tradição judaica em sua liturgia, haja vista a igualdade
entre alguns pontos:
• No item 3 da execução judaica, vemos o protótipo para a salmodia responsorial cristã (salmo
executado pelo solista enquanto a assembléia responde com um versículo qualquer do salmo
como estribilho);
• No item 4, temos o modelo do alleluia (salmo executado pelo solista enquanto a assembléia
canta alleluia após cada versículo);
• No item 6, temos o precedente da salmodia anfifonal (canto do salmo pelo solista; a
assembléia só repete alguns versículos)

» Psalmus Responsorius – O psalmus responsorius, (salmo responsorial) tal como aparece nas
fontes cristãs, obedece as seguintes normas de repetição:

Solista Assembléia Solista Assembléia


ritornello Verso 1 ritornello Verso 2
etc..

Na prática a resposta enunciada pelo solista e repetida pela assembléia era repetida pela própria
assembléia após cada versículo.

» Salmo Aleluyático – Encontramos testemunhos sobre o salmo aleluyático em Tertuliano


(falecido em 240) e na contemporânea Tradição apostólica de Hipólito. Como temos visto, este
consistia na aclamação de um aleluya após cada versículo cantado pelo solista. [p.12]
» Antiphona – A salmodia antifónica ou antifonata (antigamente demoninada, simplesmente
antiphona) consistia na alternância dos versículos de um salmo entre dois semi-coros, com ou
sem uma forma de ritornello tomado do próprio salmo, ou inclusive alheio ao mesmo. Segundo
alguns estudiosos, foi introduzido no Ocidente com uma certa reserva e depois da salmodia
responsorial. Em seu uso atual se chama antífona a breve frase cantada no início e ao final do
salmo.
» Jubilus – Outra forma melódica que tem suas raízes na tradição hebraica é o jubilus. Este
consiste na explosão jubilosa de um melisma vocálico, às vezes muito longo, sem texto ou
palavra alguma. Santo Agostinho (354-430) é um grande entusiasta desta forma musical (uma
forma de contemplação) e nos informa sobre este cântico, aproveitando todas as ocasiões para
falar dele, sobretudo nas Enarrationes in Psalmus. Santo Agostinho o considera um canto com
freqüente conexão com os salmos responsoriais e questiona tanto a opinião daqueles que só
vêem no jubilus o ascendente direto do alleluia da missa. [p12]

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