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A Artigo de Revisão

Cichacewski CLR & Leinig CE

O papel das proteínas dietéticas na progressão da doença renal crônica


de pacientes em estágio três e quatro
The role of dietary protein on the progression of chronic kidney disease patients in stage three and four

Camila Luisa Roda Cichacewski1


Cyntia Erthal Leinig2

Unitermos: RESUMO
Insuficiência renal crônica. Nefropatias. Proteinas. Dieta. Introdução: A doença renal crônica é definida como a presença de lesão renal, asso-
ciada ou não à diminuição da filtração glomerular, por um período igual ou superior a
Key words:
Renal insufficiency, chronic. Kidney diseases. Proteins. Diet. três meses. Estudos sugerem a restrição dietética de proteína como forma de prevenir
a necessidade de terapia renal substitutiva. No entanto, não é claro o papel da proteína
Endereço para correspondência na influência do quadro clínico do indivíduo, na morbi-mortalidade, composição corporal,
camila L. R. Cichacewski estado nutricional e na ingestão alimentar. Objetivo: Sendo assim, este artigo pretende
Rua Martim Afonso, 1168, ap 106 – Bigorrilho – Curitiba, avaliar as quantidades atualmente recomendadas e sua relação com o estado nutricional,
PR, Brasil – CEP: 80430100 possíveis complicações e mortalidade de pacientes renais crônicos em estágio 3 e 4.
E-mail: kmi_cicha@hotmail.com Resultados: Muitas pesquisas relatam que uma dieta pobre em proteínas não altera
a progressão da DRC e ainda pode levar o paciente a complicações nutricionais. Por
Submissão outro lado, outras pesquisas chegaram à conclusão de que a dieta hipoprotéica oferece
2 de abril de 2010
diversos benefícios aos pacientes, reduzindo a mortalidade e melhorando a sobrevida
Aceito para publicação renal, principalmente quando associada à suplementação de cetoácidos. Conclusão:
112 de dezembro de 2010 O aconselhamento dietético deve ser uma parte integrante da terapia da DRC, apesar
de ainda não se chegar a um consenso da quantidade ideal de proteína a ser ingerida.

ABSTRACT
Introduction: Chronic kidney disease is defined as the presence of renal damage, with or
without decreased glomerular filtration rate for a period of not less than three months. Studies
suggest that dietary restriction of protein as a way to prevent the need for renal replacement
therapy. However, it is clear the protein’s role in influencing the clinical status of the individual,
the morbidity and mortality, body composition, nutritional status and food intake. Objective:
Therefore, this article aims to assess the amount currently recommended and its relation to
nutritional status, complications and mortality of chronic renal patients in stage 3 and 4. Results:
Many studies report that a low protein diet does not alter the progression of CKD and can still
take the patient’s nutritional complications. On the other hand others have concluded that the low
protein diet offers many benefits to patients by reducing mortality and improving renal survival
1. Nutricionista especially when associated with supplementation of ketoacids. Conclusion: The dietary advice
2. Nutricionista, Mestre em Ciências da Saúde, orientadora
do artigo e professora do Curso de Nutrição da Pontifícia should be an integral part of therapy of CKD, although still not reached a consensus of the
Universidade Católica do Paraná. optimum amount of protein to be ingested.

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O papel das proteínas dietéticas na progressão da doença renal crônica de pacientes em estágio três e quatro

Introdução Nas fases mais avançadas de insuficiência renal, quando a


A doença renal crônica (DRC) caracteriza-se pela perda TFG é menor que 25ml/min/1,73m², além da dieta hipoprotéica
progressiva e irreversível das funções renais ou a incapacidade convencional de 0,6g/kg/dia, pode-se optar por ofertar uma dieta
destas retornarem ao normal após uma insuficiência renal aguda1,2. muito restrita em proteínas (0,3g/kg/dia) e suplementar com uma
De acordo com a teoria de Brenner³, com a redução da mistura de aminoácidos essenciais e/ou cetoácidos6,7.
quantidade de néfrons funcionantes, os glomérulos dos néfrons Um autor refere ser possível uma dieta hipoprotéica com 0,8g/
remanescentes sofrem hipertrofia devido à hiperperfusão kg/dia para pacientes em pré-diálise, divergindo as recomenda-
(hiperfluxo sanguíneo). Esta hiperperfusão leva a hipertensão ções do K/DOQI8.
glomerular e, consequentemente, hiperfiltração glomerular e A população de pacientes renais crônicos tem aumentado cada
lesão das estruturas glomerulares, ocasionando diminuição da vez mais, sendo um fato preocupante para os profissionais da saúde
permeabilidade e seletividade do gomérulo. Ao surgimento da em relação às complicações da doença, principalmente ao estado
proteinúria, lesiva às estruturas tubulares, ocorre um estímulo à nutricional e à ingestão protéica. Poucos estudos têm documentado
proliferação mesangial e, ao mesmo tempo, as proteínas passam a relação entre a progressão da insuficiência renal e a ingestão de
a ser reabsorvidas pelo túbulo contorcido proximal. proteína dietética e outros índices de desnutrição. Assim, é neces-
A hipertensão glomerular quando associada à hipertensão sário buscar conhecimento sobre o efeito da proteína na influência
arterial sistêmica (HAS) é um dos principais fatores na do quadro clínico do indivíduo, na morbi-mortalidade, na compo-
progressão da doença renal crônica. Outra causa importante é sição corporal, no estado nutricional e na ingestão alimentar.
o uso de medicamentos, como analgésicos e anti-inflamatórios Sendo assim, este artigo pretende abordar o papel das prote-
não esteroides, que, na maioria das vezes, são de uso crônico, ínas na progressão da doença renal crônica, avaliando as quan-
principalmente em idosos portadores de doenças crônicas de tidades atualmente recomendadas e sua relação com o estado
origem óssea. O excesso de ingestão protéica também está nutricional, possíveis complicações e mortalidade de pacientes
relacionado com a progressão da DRC, sendo demonstrado em renais crônicos em estágio 3 e 4.
estudos experimentais e clínicos, hiperperfusão, hipertensão e
hiperfiltração glomerular com dietas hiperprotéicas3,4. MÉtodo
A recomendação de ingestão protéica em pacientes com A pesquisa compreendeu uma revisão sistemática da litera-
DRC depende da taxa de filtração glomerular (TFG), sendo tura. Para tal, os artigos científicos utilizados foram selecionados
avaliado normalmente pela depuração de creatinina². Os está- nas seguintes bases de dados: PUBMED, LILACS, SCIELO,
gios da DRC são classificados de acordo com a TFG, sendo GOOGLE ACADÊMICO e BIREME. Os descritores utilizados
demonstrados no Quadro 1. na busca de dados foram: “doença renal crônica, pré-diálise, insu-
Segundo a National Kidney Foundation K/DOQI Clinical ficiência renal crônica, ingestão protéica, mortalidade, progressão
Practice Guidelines para Nutrição na Insuficiência Renal da doença renal”, nos idiomas: português, inglês e espanhol,
Crônica (2000) é recomendada dieta hipoprotéica para pacientes compreendendo as publicações de 2002 até 2009. Entretanto,
em pré-diálise, como forma de retardar o aparecimento de ressalta-se que publicações clássicas e de grande destaque sobre
sintomas urêmicos e a necessidade de tratamento dialítico, como o assunto foram utilizadas, independente do ano de publicação.
também melhorando as complicações metabólicas da uremia,
como neuropatia periférica, resistência à insulina, peroxidação Desenvolvimento
da camada lipídica eritrocitária e osteodistrofia4. A restrição dietética de proteína tem sido descrita em ensaios
Por outro lado, uma dieta pobre em proteínas poderia clínicos e meta-análises como um fator de retardo da necessidade
prejudicar o estado nutricional. No entanto, vários estudos têm de terapia renal substitutiva9. Segundo o K/DOQI10, para uma TFG
demonstrado que uma dieta hipoprotéica está associada a valores menor que 25ml/min/1,73m², é indicado 0,6g de proteínas/kg/dia,
normais de albumina, manutenção do balanço nitrogenado e porém para pacientes que apresentam dificuldade de adesão ao
do estado nutricional, em pacientes em pré-diálise, devido à tratamento, é preconizado 0,75g/kg/dia. Para os pacientes diabé-
capacidade de adaptação do organismo a essa nova condição5. ticos descompensados, que se encontram em estado catabólico,
devido a estimulação da degradação protéica e supressão da
síntese protéica, as recomendações são de 0,7-0,8g/kg/dia, para
manter o balanço nitrogenado adequado10. O Quadro 2 resume
Quadro 1 – Classificação dos estágios da DRC. essas recomendações.
Está- TFG (ml/ Descrição
gio min/1,73m²)
1 > 90 Dano renal com a taxa de Quadro 2 – Recomendações protéicas de
filtração normal ou aumentada acordo com o K/DOQI.
2 60 - 89 Dano renal com leve Pacientes Recomendação
redução da TFG Protéica
3 30 - 59 Uma redução moderada TFG: 30 – 59ml/min (estágio 3) 0,6 – 0,8g/kg/dia
da TFG TFG < 25ml/min (estágio 4) 0,6 – 0,75g/kg/dia
4 15 - 29 Redução grave da TFG Dificuldade de adesão ao tratamento 0,75g/kg/dia
5 < 15 Insuficiência renal terminal Diabéticos descompensados 0,7 – 0,8g/kg/dia
Fonte: Silva & Mura2. Fonte: Silva & Mura2.

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A seguir, discutem-se informações sobre as recomendações de Ainda existem várias controvérsias em relação ao fato de
ingestão protéica, enfatizando-se dados do estudo Modificação de uma dieta baixa em proteína retardar a progressão da doença
Dieta em Doença Renal (Modification of Diet in Renal Disease renal. Vários estudos afirmam que uma dieta hipoprotéica oferece
– MDRD), efeitos na progressão da doença, suplementação com diversos benefícios aos pacientes, como melhora dos níveis de
cetoácidos ou aminoácidos essenciais e efeitos sobre a mortalidade creatinina, ureia sérica e o estado nutricional e atrasa o início da
de pacientes com doença renal crônica. diálise. Por outro lado, muitas outras pesquisas relatam que este
tipo de dieta não altera a progressão da DRC e ainda pode levar o
Ingestão Protéica e a Progressão da Doença Renal paciente a complicações como desnutrição.
A progressão da insuficiência renal é associada a uma dimi-
nuição espontânea na ingestão de proteína, especialmente com um Proteína da Soja
clearance de creatinina abaixo de 25 ml/min, em que a maioria Alguns estudos experimentais sugerem que a progressão
dos índices nutricionais em pacientes com DRC pode piorar11,12. da DRC é mais lenta em dietas à base de proteínas de origem
Em um estudo de seguimento realizado por Duenhas et al.13, vegetal, como a soja, do que a de origem animal23,24. O estudo
envolvendo 487 pacientes com DRC no estágio 3 e 4, divididos que testou esta teoria comparou proteína de soja com proteína
conforme clearance de creatinina e avaliados segundo índice de animal (cada uma contendo 0,75 g de proteínas e 32 kcal por
massa corporal, porcentagem de peso corporal ideal e circunfe- quilograma de peso corporal), em 15 pacientes em estágio 3
rência muscular do braço, conclui-se que há redução espontânea e 4, durante 6 meses. Os resultados demonstraram não haver
na ingestão de energia e proteínas, assim como se observa dimi- diferenças no estado nutricional e nível de albumina sérica nas
nuição da progressão da doença nos pacientes, sem necessidade duas dietas, porém observou-se diminuição da ureia sérica,
de intervenção dietética. ureia urinária, creatinina e fosfato nos pacientes que utilizaram
Em pacientes não renais, o excesso de proteína na dieta causa a dieta a base de soja em comparação com a proteína de origem
alterações adaptativas no tamanho e na função do rim. Outro autor animal24.
não associa a alta ingestão protéica com declínio da função renal em Fair et al.24 realizaram um estudo comparando a caseína com a
mulheres com função renal normal. Mas, quando há insuficiência proteína da soja na progressão da doença renal, em ratos, durante 1
renal, o declínio da TFG pode aumentar rapidamente14. a 3 semanas. Os rins foram avaliados para a fibrose, o crescimento
Em estágios mais avançados da insuficiência renal, o nível de do cisto, composição de ácidos graxos e prostaglandina E2. A
ureia e creatinina elevados fazem o paciente reduzir naturalmente alimentação com a proteína de soja reduziu significativamente a
a ingestão de proteína dietética. Muitas vezes, o paciente já chega fibrose renal em 22% (P=0,0347) e 38% (P=0,0102) após 1 a 3
aos profissionais da saúde em um estado muito avançado da doença, semanas de dieta, e o crescimento de cisto foi 34% menor após 3
desta forma, uma restrição protéica deve ser realizada, a fim de semanas (P<0,0001). Estes dados demonstram que a proteína de
melhorar os sintomas urêmicos e o seu estado nutricional2. soja na dieta em comparação com a caseína atrasa a progressão da
Os benefícios ou danos causados por dietas de baixa proteína doença numa fase precoce de doenças renais crônicas.
para pacientes com doença renal crônica têm gerado discussões A dieta com proteína da soja é bem tolerada pela maioria
ao longo das décadas. A Tabela 1 sintetiza os resultados de alguns das pessoas, podendo ser uma substituta da proteína animal em
estudos sobre o assunto. pacientes com DRC sem oferecer riscos ao mesmo

Tabela 1 – Síntese dos Resultados Obtidos dos Estudos Sobre Dieta Hipoprotéica e a Progressão da Doença Renal.
Autores N Restrição Protéica Resultados
Pedrini et al.14; Meta-análise 0,6g/kg 0,3g/kg Reduz a morbidade, preserva a função renal, alivia os sintomas
Brunori et al.15 112 + cetoácidos urêmicos, melhora o estado nutricional
Eyre et al.16 122 0,6g/kg Adia o início da diálise por seis meses
Meloni et al. 17
169 0,6g/kg Reduz a obesidade e IMC em pacientes com nefropatia diabética
Locatelli et al.18; 456 0,6g/kg Não existem dados suficientes para garantir a segurança ou
Mandayam & Mitch19 Revisão comprovar que retarda a progressão da DRC
Klahr et al.20 1585 0,58g/kg Não provou significativamente retardar a progressão da doença
renal crônica
Kasiske et al.7 Meta-análise 0,6g/kg A restrição de proteína diminuiu a taxa de declínio da TFG estimada
em apenas 0,53ml/min/ano, sendo considerado declínio de baixa
magnitude
Lim et al.6 Revisão < 0,8g/kg 50% Risco de desnutrição e seu aumento associado na mortalidade
PAVB
Wingen et al. 21; 191 56 0,8 – 1,1g/kg em Não afeta a diminuição da função renal
Kist-van Holthe crianças
Tot Echten et al. 22

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O papel das proteínas dietéticas na progressão da doença renal crônica de pacientes em estágio três e quatro

.O Estudo MDRD foram realizadas para esclarecer o efeito da restrição protéica sobre
O estudo multicêntrico Modificação de Dieta em Doença a taxa de declínio da taxa de filtração glomerular, da excreção de
Renal5 (Modification of Diet in Renal Disease – MDRD) avaliou proteína na urina, e início da fase final da doença renal.
840 pacientes com DRC. Os pacientes foram separados em dois Devido ao fato dos pacientes do estudo MDRD não terem
grupos. No primeiro, foram avaliados 585 pacientes com DRC seguido as orientações de quantidade de proteínas a serem inge-
com TFG entre 25-55ml/min/1,73m², que foram randomizados ridas, seus resultados foram inconclusivos, necessitando assim de
para dietas com diferentes quotas protéicas: 1,3g/kg e 0,58g/kg outras pesquisas para obter resultados sobre a restrição protéica e
com 65% de PAVB. Os grupos também foram separados quanto a progressão da DRC.
aos níveis de pressão arterial, normal ou baixa. A ingestão de
proteínas e aminoácidos foi medida a cada 2 meses, a partir da taxa Suplementação com Cetoácidos ou Aminoácidos Essenciais
de excreção de nitrogênio e ureia em coletas de urina de 24 horas. Em uma dieta muito restrita em proteínas, pode haver defici-
Após três anos de estudo, não foi observada diferença significativa ência de aminoácidos essenciais e, assim, deteriorar o estado nutri-
na taxa de declínio da TFG entre os grupos, entretanto, o grupo que cional do paciente. Os cetoanálogos ou cetoácidos compreendem
deveria receber 1,3g/kg ingeriu em média 1,13g/kg de proteína e a mesma cadeia carbônica de um aminoácido essencial, mas sem
o outro grupo de 0,58g/kg por dia ingeriu 0,8g/kg, sendo uma das o grupamento amino. Para que este cetoácido possa ser utilizado
limitações do estudo. como um aminoácido, ele recebe o grupamento amino do fígado.
O segundo grupo do MDRD analisou 255 pacientes com DRC Assim, é possível obter um aminoácido completo e também utilizar
com TFG entre 13-24ml/min/1,73m². Os pacientes foram rando- o excesso de nitrogênio circulante no organismo, reduzindo assim
mizados a receber dieta com 0,58g/kg/dia e 0,3g/kg/dia adicionada a toxicidade urêmica².
com aminoácidos essenciais e cetoácidos. Os grupos também foram A Tabela 2 demonstra os resultados das pesquisas que utili-
separados quanto aos níveis de pressão arterial normal ou baixa zaram a suplementação de cetoácidos junto à dieta hipoprotéica.
e a ingestão de proteínas também foi mensurada através da ureia Atualmente, no Brasil, o suplemento mais conhecido e reco-
urinária. Novamente não houve diferenças na taxa de declínio da mendado pelos profissionais da saúde é o Ketosteril®, da Fresenius
TFG entre os grupos de dieta e pressão arterial. Também, não foi Kabi, composto por aminoácidos essenciais e cetoácidos. O custo
cumprida a proposta inicial da dieta do estudo, sendo observada de uma caixa com 100 tabletes é de 360,06 reais, sendo recomen-
uma ingestão média de 0,73g/kg no grupo de 0,58g/kg e de 0,66g/ dado o uso de 4 a 8 tabletes ao dia.
kg/dia no grupo de dieta muito restrita em proteínas suplementada Apesar dos efeitos benéficos, a utilização de cetoácidos não é
com aminoácidos essenciais e cetoácidos. frequentemente empregada na prática clínica, devido ao alto custo
Segundo Kopple26, as dietas de baixa proteína utilizadas pelo e à baixa adesão dos pacientes à restrição dietética.
estudo MDRD são seguras por períodos de dois a três anos. Porém,
o consumo de proteínas e energia diminuiu e, apesar desta dimi- Restrição Protéica e sua Influência no Estado Nutricional
nuição ser pequena, foi significativa em vários índices do estado A restrição dietética de proteína levanta algumas preocupações
nutricional. Estas quedas são preocupantes, devido aos efeitos em relação à manutenção do estado nutricional. Apesar de mais
adversos da desnutrição calórico-protéica em pacientes em estágio de 100 anos de experiências com dietas de baixa proteína para
final da doença renal crônica. evitar as complicações da DRC, essa estratégia é muitas vezes
O estudo MDRD foi o maior estudo clínico randomizado para negligenciada. As razões dadas para evitar a manipulação dietética
testar a hipótese de que a restrição de proteínas retarda a progressão incluem a possibilidade de que os pacientes irão perder peso e
da doença renal crônica. No entanto, os resultados preliminares massa muscular33.
publicados em 1994 não foram conclusivos quanto à eficácia desta A desnutrição se refere às anomalias causadas por uma
intervenção. Desde então, várias análises secundárias ao MDRD dieta insuficiente ou desequilibrada e, portanto, deve ser curada

Tabela 2 – Síntese de Resultados Obtidos de Estudos Sobre a Utilização de dieta Hipoprotéica Associada à Suplementação
de Cetoácidos.
Autores N Restrição Protéica Resultados
Chang et al.10; 20 0,3g/kg + Impede a desnutrição protéica, preserva o estado nutricional, melhora os
Prakash et al.27; 34 cetoácidos parâmetros nutricionais e auxilia na prevenção da progressão da DRC
Teplan et al.28; 38
Molnár et al.29; 51
Zakar30; 223
Chauveau et al.31 13
Feiten et al.32; 24 0,3g/kg + cetoácidos Melhora a retenção de nitrogênio, distúrbios do metabolismo de cálcio
Mircescu et al.33 53 e fósforo, adia o início de diálise
Walser et al.34 16 0,3g/kg + aminoácidos es- A proteinúria diminuiu, a albumina sérica média aumentou, o coleste-
senciais em pacientes com rol sérico médio diminuiu
síndrome nefrótica
Ikizler et al.12 90 0,3g/kg sem suplementação Previne a deterioração da função renal e mantém a função renal

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simplesmente aumentando a proteína e outros nutrientes da Observou-se que, nos pacientes com dieta hipoprotéica, houve
alimentação. Os problemas metabólicos atribuídos à desnutrição redução na ocorrência de morte em até 31% em comparação
em pacientes com DRC são, de fato, causadas por complicações aos pacientes com dieta hiperprotéica. Porém, o nível adequado
da DRC, e não por uma dieta inadequada. A hipoalbuminemia e de ingestão protéica não pode ser confirmado pelos estudos
a atrofia muscular são frequentemente encontradas em pacientes analisados35.
com DRC. Os valores baixos de albumina sérica estão relacionados Hansen et al.36 observaram, em um estudo realizado por
com a presença de inflamação. A atrofia muscular é decorrente quatro anos, com pacientes diabéticos, que dos que receberam a
do estado catabólico caracterizado pela diminuição da gordura dieta normoprotéica, 27% foram a óbito ou desenvolveram DRC
corporal e anormalidades no metabolismo de proteínas levando a terminal em comparação a 10% dos com a dieta pobre em proteínas
uma perda progressiva da massa magra1,2 . (0,6g/kg/dia), demonstrando assim que uma restrição moderada
Um estudo realizado por Chauveau et al.31 analisou o curso do de proteínas melhora o prognóstico de diabéticos do tipo 1 com
estado nutricional e composição corporal, a longo prazo (2 anos) nefropatia diabética progressiva.
em pacientes em estágio 4, recebendo 0,3 g/kg de proteína/dia Um estudo experimental controlado, duplo cego, analisou 38
suplementadas com aminoácidos e cetoácidos. A TFG, albumina, cachorros com insuficiência renal crônica, durante dois anos. Os
e níveis de pré-albumina permaneceram estáveis. Nenhuma alte- cães foram randomizados para receber dietas com quantidades
ração significativa foi observada para a massa total de gordura ou protéicas diferentes, uma normoprotéica (ração com 25% de
porcentagem de gordura corporal. Após uma queda inicial, massa proteína) e outra hipoprotéica (ração com 14% de proteína), sendo
magra estabilizou em 6 meses e, em seguida, aumentou significa- notado que a dieta hipoprotéica retardou os sintomas urêmicos e
tivamente de 6 a 24 meses, o aumento médio neste período foi de a mortalidade, além de diminuir o declínio da TFG e a progressão
2 kg, ou seja, 4,6%. da doença37.
Uma pesquisa que avaliou uma dieta pobre em proteínas Menon et al.4 verificaram o efeito de uma dieta baixa e muito
(0,6g/kg/dia) e uma dieta muito pobre em proteínas (0,3g/kg/dia) baixa em proteínas no desenvolvimento de insuficiência renal e
suplementada com cetoácidos, em 28 pacientes não diabéticos em morte durante o seguimento do estudo MDRD (1989 – 1993) em
estágio 4, chegou à conclusão que não houve diferença entre as duas pacientes com TFG de 13 a 24ml/min/1,73m². Foi verificado que,
dietas em relação a massa muscular, bem como a antropometria no grupo de baixa proteína, 117 (90,7%) participantes apresen-
e dados de bioimpedância. A utilização de um regime alimentar taram progressão da doença e 30 (23,3%) morreram. No grupo de
adequado, incluindo a rígida restrição da ingestão de proteína, muito baixa proteína, 110 (87,3%) participantes progrediram e 49
pode preservar a massa corporal magra e do estado nutricional (38,9%) morreram. Não houve diferença entre os grupos de dieta
de pacientes com DRC avançada. Ainda afirma que atividade no risco de morte antes de insuficiência renal, no entanto, a dieta
física regular e uma monitorização clínica e dietética devem ser de muito baixa proteína foi associada com duas vezes mais risco de
recomendadas para o tratamento de pacientes em pré-diálise33. morte subsequente à insuficiência renal. Desta forma, a atribuição
Eyre et al.16 chegaram à conclusão de que o tratamento com uma de uma dieta muito pobre em proteínas não retarda a progressão
dieta pobre em proteínas não afeta negativamente a composição para insuficiência renal, mas parece aumentar o risco de morte.
corporal. No entanto, a dieta hipoprotéica não deve ser introduzida A restrição de proteínas na dieta pode melhorar o prognóstico
em pacientes com complicações, por exemplo, acidose, septicemia, dos pacientes, reduzindo a mortalidade e melhorando a sobrevida
e ao tratamento cirúrgico, também não deve ser continuada em renal, porém ainda não se pode confirmar o nível ótimo de ingestão
doentes que são incapazes de aderir a uma prescrição de dieta. Além protéica.
disso, deve ser introduzida com muita cautela em pacientes com
um tempo de espera para diálise de menos de 4 meses, devido a Conclusão
uma redução inicial de peso corporal e / ou massa livre de gordura. Este estudo analisou diversas pesquisas sobre a relação de
A redução de massa muscular encontrada em pacientes em pré- uma dieta baixa em proteína e seu efeito na progressão da doença
diálise está relacionada ao catabolismo da DRC e não à restrição renal. Muitas pesquisas relatam que este tipo de dieta não altera a
de proteína dietética. Os estudos que analisaram essas informações progressão da DRC e ainda pode levar o paciente a complicações
concluíram que uma dieta hipoprotéica pode acarretar algumas nutricionais. Por outro lado, outras chegaram à conclusão de que
alterações leves na massa muscular, porém que se estabilizam com a dieta hipoprotéica oferece diversos benefícios aos pacientes,
o tempo e o estado nutricional é mantido. reduzindo a mortalidade e melhorando a sobrevida renal, princi-
palmente quando associado à suplementação de cetoácidos. A dieta
Mortalidade e Complicações versus Dieta Hipoprotéica com proteína da soja também pode ser sugerida aos pacientes como
na DRC substituta da proteína animal. São necessários estudos mais quali-
Muitos pacientes em pré-diálise acabam morrendo antes ficados (duplo-cego, multicêntrico, randomizados) para chegar a
mesmo de iniciar a diálise, devido aos sintomas urêmicos (anorexia, uma conclusão e poder afirmar que uma dieta hipoprotéica pode
náuseas, vômitos), desnutrição, depressão e demora a procurar ou não retardar a progressão da doença renal.
auxílio médico, desta forma, a prevenção com terapia nutricional Recomendações terapêuticas para pacientes com doença
adequada é importante para melhorar a sobrevida destes pacientes34. renal tornaram-se cada vez mais importantes porque é projetado
Em um estudo de meta-análise com oito ensaios clínicos, o aumento no futuro do número de pacientes com DRC. O acon-
envolvendo 1524 pacientes no total com DRC, comparou-se o teor selhamento dietético deve ser uma parte integrante da terapia da
protéico das dietas, sendo 763 pacientes com dieta hipoprotéica DRC, apesar de ainda não se chegar a um consenso da quantidade
e 761 com dieta hiperprotéica, seguidos por pelo menos um ano. ideal de proteína a ser ingerida.
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Local de realização do trabalho: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

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