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I NTRODUÇÃO

Tendo em vista que a performance tornou-se um termo popular e abrangente das


mais diversas atividades, essa dissertação partiu do reconhecimento do fenômeno
complexo, conflituoso e mutável dessa expressão artística para pensa-la (como um
“outro lugar” da escrita na contemporaneidade) enquanto escritura.
Nesse sentido, trabalhamos a performance a partir de seu caráter dessimétrico,
sua condição de existência enquanto desaparição, uma vez que ao associar-se, o faz já
sabendo que seu futuro é a invisibilidade porque só existe, só o é, enquanto
acontecimento no momento mesmo de sua presentificação.
Operando em outro sistema econômico, em que não funciona como depósito,
não guarda nada, mas escapa e deixa escapar, levamos em consideração que tipo de
implicações esse comportamento traz para o que consideramos como sua forma de
escrita, seja em relação ao sujeito, seja em relação ao seu processo de organização.
Posicionando-se sempre no interstício dos conceitos, dos territórios, dos
sistemas. Lado de fora e de dentro, é quase uma presença, quase uma ausência.
Enquanto escrita, é quase signo, quase texto, quase dramaturgia, quase escrita. Por estar
sempre entre, indecidível, é potencia que vai se atualizando em suas múltiplas
possibilidades, é escritura.
O objeto principal de análise da dissertação é a performance Biokhraphia (2002)
dos artistas libaneses Lina Saneh e Rabih Mroué que, abrindo mão da noção de sentido
ou presença plena, problematizaram uma série de conceitos como realidade e
identidade, de modo a refletir e questionar, de maneira contundente, a relação do
performer, ou melhor, do artista com sua obra no contexto pós-moderno de globalização
e mundialização.
Nesse sentido, sua forma de organização difere, inclusive, da operação
apropriativa que, no contexto pós-dramático, carrega o sentido de “trazer para si”, pelo
qual assume um eu centralizador responsável pela organização e pelos sentidos da obra,
ao passo que, durante as três partes em que se divide esta dissertação, assumimos a
performance contemporânea enquanto fluxo livre de experiência e desejo, meio pelo
qual mantém a si mesmo como vontade de descoberta.
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Com o objetivo de assim caracterizá-la, na primeira parte, denominada Escritura,


procuramos identificar a performance como tal, de modo a vê-la além do
transbordamento da linguagem, reflexo da própria crise da metafísica com suas
estruturas marcadas pela lógica opositiva hierarquizante e consequente desigualdade,
poder e dominação. Isso porque, a despeito da nossa eterna e desesperada tentativa de
conservar o que nos é conhecido superando e contendo o caos, o desconhecido;
enquanto escrita, a performance não procura por refúgio ou exilio num sentido de
origem fixa, garantidora de uma harmonia forjada, ao contrário, se estabelece como o
próprio confronto com o outro, o diferente, o desconhecido, porque só assim é vontade
de manter o desejo que a própria diferença representa. Para isso, usamos como
estratégia refleti-la a partir da operação desconstrucionista que utiliza a própria estrutura
para subvertê-la.
Na segunda parte, denominada Autoperformance, procuramos tratar do sujeito
da performance num processo de narrativa do eu, a partir do seu caráter de
descentramento, tendo como parâmetro performances solos de caráter autobiográfico
que foram problematizadas a partir da ideia de crise do sujeito contemporâneo. Com
esse objetivo trouxemos o conceito de autoficionalização utilizado na literatura
contemporânea para caracterizar a impossibilidade de empreender uma narrativa de si,
sem que seja por meio de uma auto ficção. Como consequência, a noção de identidade
do performer, da persona, do self, na autoperformance, perde seu caráter de estabilidade
e passa a ser visto como identificação, como processo contínuo de construção, por seu
caráter de fluxo.
Na terceira parte, denominada Emergência, procuramos analisar como essa
escritura, que denominamos autoperformance, se configura como um sistema de
múltiplos textos interconectados que se auto organizam, sem a necessidade de um
referencial de comando. Com esse objetivo, partimos da ideia de que os textos do
performer se inter-relacionam com os do outro, como um hipertexto, deixando de ter
uma autoria determinada, começo, meio ou fim. Relações que se problematizam com o
uso de novos suportes, apontando novas formas de relações, nas quais a estabilidade,
segurança ou completude é trocada pela experienciação improvisada, porque não se dá
por meio de nenhum referencial modelar.
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