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DIEGO FILIPE MACHADO

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FORMAL NA


ANÁLISE DO PROCESSO LEGISLATIVO DO ARTIGO 475-N, I DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Monografia apresentada como exigência


parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sob
a orientação do professor Luiz
Guilherme Arcaro Conci

PUC – SÃO PAULO


2007
2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................... 4
BREVE ANÁLISE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................................... 6
1. Os Pressupostos e Fundamentos do Controle de Constitucionalidade ....................................................... 8
1.1. Pressupostos do controle de constitucionalidade ............................................................................... 8
1.2. Fundamentos do controle de constitucionalidade ........................................................................... 12
2. A Evolução do Controle de Constitucionalidade no Mundo e no Brasil .................................................. 16
2.1. O modelo norte americano de controle de constitucionalidade: o judicial review ..............................
......................................................................................................................................................... 17
2.2. O modelo europeu de controle de constitucionalidade: os tribunais constitucionais ....................... 21
2.3. A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil: o controle misto .................................... 23
3. As Diversas Classificações do Controle de Constitucionalidade ............................................................. 26
3.1. Os controles formal e material ......................................................................................................... 26
3.2. Os controles difuso e concentrado ................................................................................................... 27
3.3. Os controles concreto e abstrato ...................................................................................................... 27
4. A Interpretação Constitucional Especializada e suas Implicâncias no Controle de Constitucionalidade . 29
4.1. A interpretação conforme a constituição ......................................................................................... 29
4.2. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto .............................................. 30
SÍNTESE DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO ................................................................................ 32
1. Contextualização Teórica do Processo Legislativo .................................................................................. 33
1.1. Os conceitos de lei ........................................................................................................................... 34
1.2. O processo legislativo fundamentado .............................................................................................. 35
2. Organização do Poder Legislativo Brasileiro ........................................................................................... 38
2.1. Bicameralismo federativo formador do Congresso Nacional .......................................................... 38
2.2. Câmara dos Deputados .................................................................................................................... 39
2.3. Senado Federal ................................................................................................................................ 39
2.4. Órgãos atuantes da produção legislativa no Congresso Nacional .................................................... 40
3. Visão Geral do Processo Legislativo Brasileiro na Constituição Federal de 1988 ................................... 41
3.1. As espécies legislativas ................................................................................................................... 42
3.2. Classificação do processo legislativo em relação à seqüência de fases procedimentais e sua
celeridade ...................................................................................................................................................... 43
3.3. O processo legislativo ordinário como objeto de estudo ................................................................. 44
4. O Processo Legislativo Ordinário na Constituição Federal de 1988 ........................................................ 44
4.1. Fase introdutória .............................................................................................................................. 44
4.2. Fase constitutiva .............................................................................................................................. 45
4.3. Fase complementar .......................................................................................................................... 48
ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ARTIGO 475-N, I DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL .................................................................................................................................................................... 50
1. A Nova Reforma do Código de Processo Civil Brasileiro e a Reforma do Judiciário como Contexto à
Alteração do Artigo 475-N, I............................................................................................................................. 50
1.1. O artigo 475-N, I do Código de Processo Civil ............................................................................... 51
3

1.2. A interpretação do artigo 475-N, I do Código de Processo Civil .................................................... 52


2. O Processo Legislativo Formador do Artigo 475-N, I do Código de Processo Civil ............................... 54
2.1. Fases do processo legislativo da lei 11.232/2005 ............................................................................ 54
2.2. As irregularidades formais do processo legislativo do artigo 475-N, I do Código de Processo Civil .
......................................................................................................................................................... 57
3. As Conseqüências da Declaração de Inconstitucionalidade Formal do Artigo 475-N, I do Código de
Processo Civil e a Aplicação da Interpretação Conforme a Constituição .......................................................... 57
CONCLUSÃO....................................................................................................................................................... 60
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................... 63
ANEXO A – PROJETO DE LEI Nº. 3.253/2004 DA CÂMARA DOS DEPUTADOS ...................................... 65
ANEXO B – PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº. 52/2004 DO SENADO FEDERAL .................................. 77
4

INTRODUÇÃO

Juridicamente, as sociedades ocidentais modernas tendem a adotar uma


estrutura lógica de auto-referência normativa. Assim, entende-se que as normas retiram seu
fundamento de validade uma das outras, elaborando um sistema de referência mútua, mas que
não gera um ciclo vicioso, visto que há uma norma jurídica específica para validar as demais.
Esta norma jurídica, via de regra, é a Constituição.

Dessa maneira, parece-nos clara a afirmação de que a Constituição, num


sistema jurídico de validade lógica piramidal, cujas normas de grau inferior validam-se nas de
grau superior, pode ser entendida como centro irradiador de validade de todo o sistema. É
ela, portanto, que concentra a substância da organização jurídica de dada sociedade.

Dessa organização lógica deriva a idéia do chamado controle de


constitucionalidade, cujo objetivo, como o próprio nome revela, é fiscalizar a adequação das
normas inferiores aos mandamentos estabelecidos pela Constituição, o que, em última
instância, significa garantir a supremacia constitucional. Sim, pois caso uma norma
infraconstitucional não se adéqüe ao mandamento constitucional, seu fundamento de validade
último restará perdido, não havendo razão para sua aplicação, prejudicando evidentemente sua
eficácia.

Fica clara, assim, a importância do estudo do controle de constitucionalidade


como um todo, dada a capacidade de se declarar a invalidade de determinada norma por
incompatibilidade constitucional. Neste estudo, classicamente foi construída a dicotomia
existente entre o controle de constitucionalidade formal e o controle de constitucionalidade
material.

Comumente, a doutrina constitucional 1, identifica essa dicotomia como uma


separação entre uma realidade estritamente jurídica e outra político-jurídica. Quando trata do
controle formal de inconstitucionalidade, costuma enxergá-lo como realidade técnica-jurídica
2
. Isto quer dizer que, para esta doutrina, o controle formal não possui em sua natureza a
confusão entre político e jurídico, que seria típica do controle material 3.

1
Cf. Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 296-299, 318.
2
“O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de
examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, (...), enfim, se a obra do legislador ordinário
não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais
desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói [sic] acontecer nos sistemas de organização
federativa do Estado.
5

Em que pesem as opiniões em contrário quanto a essa estrita co-relação,


incluindo aqui a nossa, trataremos no presente trabalho da análise pormenorizada do controle
formal. Assim, as análises materiais dos dispositivos não são o escopo deste, sendo necessário
apontar que entre ambos os controles, formal e material, não se pode colocar qualquer
distinção quanto à sua importância. Perceba que em ambos os casos o que se busca é adequar
a validade do sistema jurídico pela declaração de validade ou invalidade de determinada
norma jurídica, sendo, num caso, validade formal de produção legislativa, e no outro, validade
material do conteúdo normativo.

Assim sendo, fica evidente ser necessário relembrar os meandros teóricos do


processo legislativo brasileiro. Isto, pois o processo, de natureza constitucional, constitui o
cerne do controle de constitucionalidade formal, que analisará o dispositivo
infraconstitucional quanto a sua adequação a tais procedimentos. Qualquer infração a este
processo constitui infração direta à Constituição.

Dentro de todo esse compêndio teórico é que se imprime a problemática do


presente trabalho. Trata-se de efetuar a análise da constitucionalidade formal do artigo 475-N,
I do Código de Processo Civil, recém inserido pela lei federal nº. 11.232/2005. Trata-se de
dispositivo processual criado no contexto da recente reforma do Poder Judiciário iniciada pela
publicação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, cujo objetivo é tornar este Poder mais
célere e eficiente.

Diante da evidente importância social da norma e da denúncia da doutrina 4,


analisaremos tão somente seu processo legislativo, utilizando para tanto os sítios eletrônicos
da Casas do Congresso Nacional 5. Neste sentido ainda, na eventual conclusão de falha no seu
processo legislativo, investigaremos os problemas envolvidos na declaração de sua invalidade
e as eventuais soluções do constitucionalismo contemporâneo, especialmente da hermenêutica
constitucional, para evitar a formação de eventual vácuo jurídico.

“O controle, que é de feição técnica, está volvido assim para aspectos tão-somente formais, (...).” (Paulo Bonavides, Curso
de direito constitucional, p. 297).
3
Sobre a natureza substancialmente política do controle de constitucionalidade, podemos citar a afirmação de Bonavides a
respeito: “O controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se
reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que
decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomoda-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua
filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais.” (grifos do autor). Paulo BONAVIDES, Op. cit., p. 299.
4
Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 1: comentários sistemáticos às
Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 160-162.
5
CÂMARA DOS DEPUTADOS, www.camara.gov.br, acessado em 03 de novembro de 2007; SENADO FEDERAL,
www.senado.gov.br, acessado em 03 de novembro de 2007.
6

BREVE ANÁLISE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Os Estados Nacionais contemporâneos, via de regra, ordenam-se de diversas


maneiras, havendo uma pluralidade enriquecedora de métodos de organização social e de
formas de governo. Não obstante, é claro que a integralidade desses Estados organiza-se em
torno de uma Constituição, seja ela laica ou religiosa, capitalista ou socialista, democrática ou
autoritária, dentre tantos outros conjuntos de características antagônicas imprimíveis a tal
documento.

O que realmente importa, ao nosso estudo, é que as organizações jurídicas das


sociedades humanas ocidentais atuais pautam-se por obedecer a um conjunto de regras e
princípios referentes à administração e distribuição do Poder e aos direitos fundamentais do
povo regido por tal instrumento 6. Trata-se, portanto, de documento jurídico (prevê um
conjunto normativo, sendo mesmo o fundamento de validade de todo o ordenamento) e
político (regula a questão do Poder), que deve ser prestigiado de modo a garantir sua eficácia,
sob pena de se submeter unicamente aos fatores reais de poder, transformando-se em mero
“pedaço de papel”, na acepção de Lassale 7.

Ora, a concretização da Constituição deve ser entendida, portanto, como o fator


mais relevante para a realidade e extensão de sua força normativa. Neste sentido, vale conferir
o pensamento de Hesse:

(...), a Constituição Jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de


eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual

6
A singela definição de Constituição aqui apresentada tem o único escopo de contextualizar o trabalho apresentado, não se
dirigindo a determinar um sentido único e abarcador de toda a complexidade de tal documento. Como bem afirma
Bonavides, o vocábulo “constituição” já possui em si acepções por demais diversas. A respeito disto, para efeito
ilustrativo, vale a lição do mestre cearense:
“A palavra Constituição abrange toda uma gradação de significados, desde o mais amplo possível – a Constituição em
sentido etimológico ou seja relativo ao modo de ser das coisas, sua essência e qualidades distintivas – até este outro em que
a expressão se delimita pelo adjetivo que a qualifica, (...).
“(...).
“Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da
competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como
sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o
aspecto material da Constituição.” (Grifos do autor. Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 80).
7
Ferdinand Lassale expressou sua teoria a respeito da essência das constituições em uma conferência em Berlim no ano de
1862. Em linhas gerais, entendia que existem duas Constituições: uma jurídica, que é o documento político-jurídico aqui
tratado, instituidor das normas constitucionais; e outra, real, expressão máxima das relações fáticas de poder existentes
num país. Segundo o autor, a Constituição jurídica tem sua capacidade de regular submetida à sua adequação à
Constituição real, pois num conflito entre ambas, é esta última sempre a vitoriosa. Sua teoria foi muito bem enfrentada já
no século XX por Konrad Hesse. Para maiores detalhes sobre ambos posicionamentos, Cf. Ferdinand LASSALE, A
essência da constituição, p. 1-40; Konrad HESSE, A força normativa da constituição, p. 1-34.
7

resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na


medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. (...). 8

Como se vê, a Constituição adquire força normativa na medida em que realiza


sua pretensão de eficácia. Em outras palavras, a Constituição possui força normativa enquanto
é realizada, concretizada. A sua realização, por sua vez, depende de uma série de
instrumentos políticos e jurídicos próprios, aptos a instituir no seio social a vontade
constitucional. Dentre tais instrumentos, destacamos aqui o controle jurisdicional de
constitucionalidade, a seguir também denominado singularmente controle de
constitucionalidade, escopo do presente trabalho, o qual passou a ser nos tempos atuais um
dos mais relevantes destes instrumentos.

Como se verá, o controle de constitucionalidade pressupõe duas características


essenciais das Constituições contemporâneas, quais sejam a rigidez e supremacia
constitucionais 9. Em apertada síntese, podemos expressar o primeiro como a previsão de
processo legislativo mais dificultoso para a alteração das normas constitucionais, em
comparação com a legislação infra-constitucional, e o segundo item como a posição
privilegiada da Constituição como fundamento de validade das demais normas do
ordenamento jurídico.

Do mesmo modo, como ainda há de se verificar com maior detalhe, o controle


de constitucionalidade possui ao menos dois fundamentos: (i) garantir a concretização da
10
Constituição, estabelecendo harmonia em todo o ordenamento jurídico ; e (ii) garantir a
proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente o das minorias dentro dos
regimes democráticos 11.

Sabendo disso, será importante verificar-se ainda a evolução do controle de


constitucionalidade no Brasil e no mundo, especialmente quanto à formação dos modelos
clássicos norte americano (Marshall) e europeu (Kelsen), em que pese a sua atual evolução e
tendente aproximação 12.

8
Konrad HESSE, A força normativa da constituição, p. 16.
9
A esse respeito Cf. Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 296; Luís Roberto BARROSO, O controle de
constitucionalidade no direito brasileiro, p. 1-2; Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 130-134; Rogério Bastos
ARANTES, Judiciário e política no Brasil, p. 27; José Afonso da SILVA, Comentário contextual à constituição, p. 537-
538; Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p. 598; Luiz Alberto David ARAUJO; Vidal Serrano NUNES
JÚNIOR, Curso de direito constitucional, p. 24-25.
10
Cf. Hans KELSEN, Op. cit., p. 126-129.
11
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 25-27; Luis Roberto BARROSO, Op.
cit., p. 2; Hans KELSEN, Op. cit., p. 181-182.
12
Conforme exposto, atualmente, a doutrina constitucional mais evoluída tende a considerar como obsoleta a divisão teórica
entre esses modelos. Neste sentido, cabe a observação de Francisco Segado: “Em resumen, la justicia constitucional, em el
nuevo siglo XXI, se nos presenta perfilada por uma serie de situaciones peculiares que aunque encontrando su origen em
8

Outrossim, devem ser estudadas as mais importantes classificações


estabelecidas pelo direito constitucional no estudo do controle de constitucionalidade,
seguindo basicamente os seguintes binômios: (i) controle formal e material; (ii) controle
difuso e concentrado; (iii) controle concreto e abstrato, sendo o primeiro o mais relevante para
o escopo deste trabalho.

Finalmente, o direito constitucional contemporâneo aliou a interpretação


constitucional específica ao controle de constitucionalidade, elegendo diversos meios de
adequação da constitucionalidade da norma a métodos de interpretação próprios. Neste
sentido, analisaremos tais métodos com maior detalhe.

1. Os Pressupostos e Fundamentos do Controle de Constitucionalidade


Como já colocado, o controle de constitucionalidade depende de certos
pressupostos, de modo que possa atingir seus fundamentos essenciais. Alocamos como
pressupostos do mesmo a rigidez e a supremacia constitucionais. Quanto aos fundamentos,
destacamos não apenas a garantia de harmonia do sistema jurídico, mas também a proteção
dos direitos fundamentais do homem. Veremos a seguir cada um destes itens em sua
intimidade.

1.1. Pressupostos do controle de constitucionalidade


Os pressupostos do controle de constitucionalidade, como o próprio nome
denuncia, são as condições necessárias para a sua existência. Neste sentido, citamos a rigidez
e a supremacia da Constituição.

Destarte, parece-nos claro, que o controle de constitucionalidade pressupõe a


pré-existência de uma Constituição rígida e que exerça supremacia sobre todo o ordenamento
jurídico que inaugura. Vejamos o que quer dizer cada um destes termos.

épocas más o menos anteriores, han venido convergiendo y, a la par, acentuando sus rasgos: el proceso de progresiva e
ininterrumpida convergência entre los dos clásicos sistemas de justicia constitucional, la quiebra frontal del modelo
kelseniano del ‘legislador negativo’ com el subsiguiente rol creativo de Tribunales Constitucionales y la enorme
heterogeneidad y generalizada mixtura e hibirdácion de los actuales sistemas de justicia constitucional, han desencadeado
la obsolescência de la clásica bipolaridad ‘sistema americano – sistema europeo-kelseniano’, haciendo necesaria la
búsqueda de uma nueva tipologia que nos ofrezca uma mayor capcidad analítica de los sistemas de justicia constitucional”
(Sem negritos no original. Francisco Fernández SEGADO, La obsolescência de la bipolaridad “modelo americano-
modelo europeo-kelseniano” como critério analítico del control de constitucionalidad y la búsqueda de uma nueva
tipología explicativa, p. 5). Não obstante, apresentaremos tal bipolaridade, pois os sistemas ocidentais atuais de controle de
constitucionalidade, de uma forma ou de outra, derivam desses idéias, que se encontram na origem desse pensamento.
9

1.1.1. Supremacia da Constituição e a instituição da pirâmide de validade normativa

O ordenamento jurídico, em sua acepção mais aceita, em que pesem os


diversos entendimentos contrários, mas carecedores de maior desenvolvimento teórico,
estabelece um sistema fechado de normas, pelo qual uma norma jurídica gera outra norma
jurídica (num claro sistema de auto-referência), vale dizer, havendo uma busca do
fundamento de validade uma de nas outras até chegar a uma só fonte normativa. Neste sentido
cabe a esclarecedora explicação de Reale:

Ora, essa distribuição lógica das normas significa, segundo a teoria que
estamos expondo, que elas se ordenam, subordinando-se umas às outras,
gradativamente, obedecendo à estrutura de uma pirâmide: na base estão
inúmeras regras ou normas particulares, seguindo-se, em ordem de
subordinação crescente, as jurisprudenciais, as legais de Direito Privado e
as de Direito Público, até se atingir, no âmbito deste, o plano normativo
supremo que é o Constitucional, plano originário das competências, do
qual se originam todas as expressões normativas que dele recebem a sua
validade. (Sem negritos no original) 13

Como bem explica Miguel Reale, o ordenamento jurídico se traduz numa


subordinação gradativa de normas dentro de uma estrutura piramidal, sendo que se parte das
mais particulares regras, chegando todas à mesma origem, que é a Constituição 14.

Assim é que a Constituição é entendida como norma suprema do direito


positivo, visto que é o fundamento de validade de todo o ordenamento. Sendo fundamento de
validade de todo o sistema jurídico, todas as normas a ela ligadas não podem violá-la formal
ou materialmente, não demonstrando, portanto, qualquer desconformidade a tal instrumento
15
. Esta é a base da própria noção de Estado Constitucional, conforme bem demonstra
Canotilho:

O estado de direito é um estado constitucional. Pressupõe a existência de


uma constituição normativa estruturante de uma ordem jurídico-normativa
13
Miguel REALE, Lições preliminares de direito, p. 193. Cf. ainda J. J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e
teoria da constituição, p. 890. Sobre a hierarquização das normas jurídicas, vale o pensamento de Kelsen: “Cada grau da
ordem jurídica constitui, pois, ao mesmo tempo, uma produção de direito com respeito ao grau inferior e uma reprodução
do direito com respeito ao grau superior. (...). A idéia de regularidade se aplica a cada grau, (...). Porque a regularidade
nada mais é que a relação de correspondência de um grau inferior com um grau superior da ordem jurídica. (...).” (Hans
KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 126).
14
Observe que esta teoria de validade do ordenamento jurídico necessita de uma norma que o “feche”, uma vez que a norma
original (Constituição) não tem como retirar seu fundamento de validade de qualquer norma superior, visto que ela é a
última norma. Assim, é aqui que temos a implantação da teoria da Norma Hipotética Fundamental, e sobre a qual não
discorreremos com maiores detalhes por fugir inteiramente do escopo deste trabalho. Para maiores detalhes, Cf. Miguel
REALE, Op. cit., p. 193-194.
15
Cf. Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 1.
10

fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A constituição


confere à ordem estadual e aos actos dos poderes públicos medida e forma.
Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a
teoria tradicional do estado de direito – uma simples lei incluída no sistema
ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação
normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da
constituição – (...). (Grifos do autor) 16

O professor português claramente demonstra como o princípio da supremacia


17
constitucional se aplica como base e pressuposto do Estado Constitucional, sendo, a nosso
ver, evidente pressuposto essencial da existência do controle de constitucionalidade, pois sem
essa supremacia, não se poderia exigir das demais normas uma compatibilidade com a
Constituição.

1.1.2. Rigidez constitucional

As normas constitucionais, devido à sua própria natureza suprema, não podem


ser “misturadas” às demais normas do ordenamento jurídico, sob pena de se aplicar os
critérios comuns de revogação das leis às normas constitucionais, descaracterizando estas
últimas e desconstruindo toda a auto-validação do ordenamento. Neste sentido a lição de Hans
Kelsen se faz oportuna:

Donde a idéia de lhe [à Constituição] proporcionar a maior estabilidade


possível, de diferenciar as normas constitucionais das normas legais,
submetendo-se sua reforma a um procedimento especial que comporta
condições difíceis de serem reunidas. Surge assim a distinção entre a forma
constitucional e a forma legal ordinária. (...). 18

Dessa sorte, fica claro que a rigidez constitucional deriva da distinção formal
entre norma constitucional e norma legal lato sensu (norma infraconstitucional na acepção
contemporânea). Vale dizer, uma Constituição é considerada rígida quando o processo
necessário para alteração de suas normas é diferenciado e mais complexo do que o processo
de alteração legislativa ordinária, de modo a dificultar a alteração constitucional.

16
J. J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 245-246.
17
Aqui é de se notar a lição de Carlos Ari Sundfeld, para o qual princípios são “as idéias centrais de seu respectivo sistema,
ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se” (Carlos Ari
SUNDFELD, Fundamentos de direito público, p. 143).
18
Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 131.
11

Como acertadamente também pondera Kelsen, a idéia de estabilidade


19
constitucional (o que, de fato, eleva sua força normativa ) e de rigidez seguem no mesmo
20
sentido e direção. Aliás, não seria absurdo dizer, como o faz Vilhena , que a escolha entre
uma Constituição mais ou menos rígida reflete a opção de um Estado mais constitucional ou
de um Estado em que a regra da maioria consiste na “regra de ouro” da organização política-
social.

Parece-nos claro, por conseguinte, que, caso não haja uma Constituição com
um mínimo de rigidez, não teremos como aplicar o controle de constitucionalidade, visto que
uma norma que “viole” a Constituição, na verdade, irá revogar esta última por critério
cronológico, já que não haveria diferenciação entre normas infraconstitucionais e
constitucionais. O controle de constitucionalidade pressupõe uma Constituição minimamente
rígida.

Quanto à rigidez e flexibilidade das Constituições, podemos estabelecer uma


classificação gradativa de pelo menos quatro espécies: (i) Constituições flexíveis; (ii)
Constituições semi-rígidas; (iii) Constituições rígidas; (iv) Constituições super-rígidas 21.

As (i) Constituições flexíveis são aquelas em que não existe qualquer


procedimento diferenciado para sua modificação, deixando de estabelecer, conforme já visto,
a comum hierarquia entre normas constitucionais e infraconstitucionais, haja vista que pelo
mesmo procedimento de alteração de uma norma infraconstitucional, se pode alterar uma
norma constitucional. Desta sorte, aqui se encaixam os grupos nos quais a vontade da maioria
é a pedra de toque da organização política, dos quais destacamos os sistemas da Grã-
Bretanha, Nova Zelândia e Groelândia 22.

19
Conforme afirma o próprio Hesse: “(...). A ‘constitucionalização’ de interesses momentâneos ou particulares exige, em
contrapartida, uma constante revisão constitucional, com a inevitável desvalorização da força normativa da
Constituição.” (Sem negritos no original. Konrad HESSE, A força normativa da constituição, p. 21).
20
“Esta classificação [Constituições rígidas ou flexíveis], que muitos autores compreendem como de pouca utilidade,
servindo apenas como instrumento didático para facilitar a compreensão dos processos de reforma constitucional, esconde,
na realidade, a decisão fundamental em torno da opção entre um Estado mais constitucional, no sentido de
assegurador de direitos e princípios de organização do poder, ou de um Estado em que a regra da maioria consiste no
procedimento por excelência de tomada de decisão política.” (Sem negritos no original. Oscar Vilhena VIEIRA,
Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 28).
21
Cf. Ibid., p. 28-34; Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p. 41. Deve-se salientar ainda que a maior parcela da
doutrina não entende haver a classificação de Constituições super-rígidas, sendo tal categoria integralmente abarcada pela
anterior, de Constituições rígidas. Neste último sentido, Cf. Luiz Alberto David ARAUJO; Vidal Serrano NUNES
JÚNIOR, Curso de direito constitucional, p. 4; Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 83; J. J. Gomes
CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1059.
22
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 29. O autor inclui Israel entre os países
que detém Constituições flexíveis. Todavia, não apontaremos no mesmo sentido, visto que, aparentemente, a questão
merece estudo mais profundo. Ocorre que Israel não possui Constituição escrita, mas possui controle de
constitucionalidade por meio do judicial review, como assinala Daniel J. ELAZAR,
http://www.jcpa.org/dje/articles/constlimits-highcourt.htm, acessado em 29 de outubro de 2007, o que torna dúbia a
assertiva de possuir Constituição flexível.
12

As (ii) Constituições semi-rígidas, por sua vez, constituem um grupo


intermediário de Constituições, nas quais existem partes rígidas, ou seja, para as quais o
procedimento de alteração é diferenciado das demais normas, e partes flexíveis, cujo
procedimento de alteração é idêntico aos das demais normas. Neste grupo podemos destacar o
sistema da Constituição Imperial Brasileira de 1824 23.

As (iii) Constituições rígidas, conforme já explanado, são aquelas que prevêem


um procedimento diferenciado e mais difícil de alteração de suas normas, se comparado com
as demais normas infraconstitucionais. É de observar que dentro deste grupo, a forma do
processo de emenda à Constituição costuma ser do mais criativo. Destacam-se neste grupo a
Constituição dos Estados Unidos da América.

Finalmente, as (iv) Constituições super-rígidas, são uma derivação das próprias


Constituições rígidas. Neste grupo toda a Constituição possui, a exemplo das Constituições
rígidas, um processo dificultoso de alteração de suas normas, mas a isto acrescenta um núcleo
duro de normas, em geral direitos e garantias fundamentais, que não são passíveis de
modificação, atingindo o mais alto grau de rigidez. Desta forma, estabelece um certo grupo de
dispositivos que, dada sua relevância, não podem sofrer qualquer tipo de deliberação atrelada
à vontade da maioria. A peculiaridade desta categoria se insere na atuação do controle de
constitucionalidade, que controla não só a constitucionalidade das normas
infraconstitucionais, mas também aquelas que alteram a Constituição, visto que o seu núcleo
duro deve permanecer intangível. Deste grupo devemos destacar a Constituição Federal
brasileira de 1988, que institui em seu art. 60, § 4º as conhecidas cláusulas pétreas 24.

1.2. Fundamentos 25 do controle de constitucionalidade


O controle de constitucionalidade tem suas bases justificativas fundamentais no
controle da harmonia lógica de validade do sistema jurídico e, apesar de pouco veiculado pela
doutrina, na proteção dos direitos fundamentais do homem, especialmente das minorias,
sendo que quanto a este último há uma quase confusão com o fundamento do movimento

23
Neste ponto Vilhena observa que a Constituição estabeleceu um critério claro de divisão entre dispositivos material e
formalmente constitucionais, posição com a qual não concordamos. Cf. Ibid., p. 31.
24
Art. 60 – (...):
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
25
Assinale-se desde logo que a expressão “fundamentos do controle” tem sentido muito próximo, senão sinônimo, ao de
“objetivos do controle”. Vale dizer, os próprios fundamentos do controle, suas justificativas, são suas metas, ou seja, os
valores e princípios que se procura resguardar com sua atividade.
13

constitucionalista em si. Tamanha a importância de cada uma dessas idéias, impõe-se uma
análise detida de cada uma.

1.2.1. Manutenção da harmonia lógica do sistema jurídico

O ordenamento jurídico, consoante o já exposto, é organizado numa estrutura


lógica piramidal, pela qual as normas hierarquicamente inferiores adquirem fundamento de
validade da norma hierarquicamente superior imediata a ela. Neste sentido, a Constituição é a
primeira norma jurídica do sistema 26, da qual todas as demais retiram sua validade.

Sendo assim, caso haja uma incompatibilidade de qualquer norma


infraconstitucional com a norma constitucional, temos uma situação de total falta de lógica,
num amplo conflito normativo, o que prejudica e macula o sistema jurídico, já que cumprir
uma norma inconstitucional impõe em não cumprir a Constituição, uma vez que a primeira
deriva sua validade mediata ou imediatamente da segunda.

Ora, como vimos, a Constituição é suprema, motivo pelo qual, havendo a


necessidade de escolha entre a aplicação da norma constitucional e da norma
infraconstitucional com ela incompatível, é evidente que a primeira deve prevalecer, sob pena
de destruir toda a lógica hierárquica do sistema jurídico, vez que a Constituição deixaria de
ser fundamento de validade de todas as normas. Atender a uma norma inconstitucional no
lugar de uma norma constitucional é destituir de qualquer força obrigatória a Constituição,
como bem assevera Kelsen:

Uma Constituição em que falte a garantia da anulabilidade dos atos


inconstitucionais não é plenamente obrigatória, no sentido técnico. Muito
embora não se tenha geral consciência disso, (...), uma Constituição em que
os atos inconstitucionais, e em particular as leis inconstitucionais também
permanecem válidos – na medida em que sua inconstitucionalidade não
permite que sejam anulados – equivale mais ou menos, do ponto de vista
propriamente jurídico, a um anseio sem força obrigatória. 27

Verifica-se, portanto, que o cumprimento de uma norma inconstitucional


destitui a Constituição, e, portanto, todo o ordenamento nela baseado, de força obrigatória e,
por conseguinte, de validade.

26
A norma fundamental, como bem teorizado por Kelsen, não constitui norma jurídica, mas norma transcendental na
acepção kantiana de transcendental, uma vez que constitui uma condição lógica que torna possível a experiência jurídica.
Cf. Miguel REALE, Lições preliminares de direito, p. 194.
27
Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 179. Do excerto depreende-se também a preocupação da obrigatoriedade da
Constituição em contraposição com sua força normativa, pois sem obrigatoriedade ela perde força normativa.
14

Sabendo disso, é forçoso concluir que, se o desrespeito à Constituição constitui


uma violação da harmonia lógica do sistema jurídico hierarquizado, o cumprimento de suas
disposições constitui a consagração deste sistema. Nesse ponto é que o controle de
constitucionalidade atua, como responsável pela manutenção desta lógica hierárquica baseada
na Constituição. Em último grau, o controle de constitucionalidade garante a estrutura lógica
do sistema eliminando os seus vícios, garantindo a sua validade como um todo e como um
sistema em si. Neste sentido, a lição de Barroso:

O ordenamento jurídico é um sistema. Um sistema pressupõe ordem e


unidade, devendo suas partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra
dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a
restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos,
provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da
compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional
e a Constituição. Caracterizado o contraste, o sistema provê um conjunto de
medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A
declaração de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento da
invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia. 28

Como se vê, entendido o ordenamento jurídico como um sistema lógico e


harmonioso, o controle de constitucionalidade se insere como principal mecanismo de
manutenção de tal harmonia lógica, de modo que todas as normas eficazes do ordenamento
sejam compatíveis com a Constituição, que lhes garante fundamento de validade, ultimando
na validade de todo o sistema.

1.2.2. Proteção dos direitos fundamentais

Este fundamento não costuma ser evidenciado por grande parcela da doutrina
nacional, contudo, parece-nos uma conseqüência da própria noção de constitucionalismo a
proteção dos direitos fundamentais como fundamento de toda a ordem constitucional.

O controle de constitucionalidade, conforme já exposto, configura-se no


mecanismo jurídico de proteção da constitucionalidade do sistema jurídico, vale dizer, da
manutenção do ordenamento jurídico, de modo que sejam destituídas de eficácia todas as
normas incompatíveis com a Constituição, seu fundamento de validade último. Neste sentido,
o controle de constitucionalidade pode ser entendido como o mais importante mecanismo

28
Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 1.
15

garantidor da própria Constituição, pois sem ele a Constituição não passaria, de fato, de
mero “pedaço de papel”.

Ora, se as Constituições contemporâneas passaram a ser entendidas como


29
“cartas de direitos”, para as quais os direitos fundamentais são condição de existência ,
como bem assinalado na Declaração dos direitos do homem e cidadão de 1789 em seu artigo
30
16 , concluí-se que o controle de constitucionalidade tem como fundamento a proteção de
tais direitos, que toma ainda mais valor em Constituições super-rígidas, como a brasileira de
1988.

Tal proteção, contudo, assume um caráter especial com o controle de


constitucionalidade. Perceba que tal controle retira da vontade da maioria, regra geral da
democracia, a decisão sobre qualquer assunto nacional, deixando ao órgão que executa tal
31
controle a última palavra a este respeito . Neste sentido, o controle de constitucionalidade
serve não apenas para a garantia dos direitos fundamentais, mas especialmente para a garantia
de tais direitos sobre a vontade da maioria. A este respeito, vale a lição de Oscar Vilhena
Vieira:

Se partirmos do pressuposto moral que todas as pessoa têm igual valor, a


democracia pode ser compreendida como o sistema político que leva em
consideração a vontade de todos os cidadãos iguais no processo de formação
da vontade política, especialmente das normas jurídicas, que a todos
vincularão, o que exige um procedimento para a tomada da decisão. Neste
29
Neste sentido a idéia do constitucionalismo moderno exposta em Canotilho: “(...). Neste sentido, o constitucionalismo
moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. (...).” (Grifos do autor. J. J.
Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 51). O autor demonstra, portanto, a preocupação
necessária no constitucionalismo moderno com as garantias, de modo a impor a limitação do Poder. Ainda neste sentido, a
definição de Constituição moderna do autor português revela mais claramente esta idéia: “O constitucionalismo moderno
legitimou o aparecimento da chamada constituição moderna. Por constituição moderna entende-se a ordenação
sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os
direitos e se fixam os limites do poder político. Podemos desdobrar este conceito de forma a captarmos as dimensões
fundamentais que ele incorpora: (...); (2) declaração, nesta carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do
respectivo modo de garantia; (...).” (Sublinhados nossos. Ibid., p. 52). Como se vê, em seu conceito ideal de Constituição,
Canotilho coloca a previsão e garantia de direitos fundamentais como requisito essencial da Constituição.
30
O texto integral pode ser encontrado em BIBLIOTECA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS DA UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO, http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html, aces-sado
em 29 de outubro de 2007. Transcrevemos a seguir a integralidade do artigo 16:
Art. 16 – A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não
tem Constituição.
31
A respeito do órgão que deve efetuar o controle da constitucionalidade são muitas as posições divergentes, tendo inclusive
gerado famoso embate entre Hans Kelsen e Carl Schimitt à época da criação do Tribunal Constitucional austríaco. Aliás,
sobre tais divergências, vale a exemplar citação de Bonavides: “O ponto mais grave da questão reside em determinar que
órgão deve exercer o chamado controle de constitucionalidade. (...). Mas, por outra parte, o controle acarreta dificuldades
consideráveis, em razão de conferir ao órgão incumbido de seu desempenho um lugar que muitos têm por privilegiado, um
lugar de verdadeira preeminência ou supremacia, capaz de afetar o equilíbrio e a igualdade constitucional dos poderes.”
(Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 297). Ainda que a questão seja abordada por autores
contemporâneos (Cf. a título de exemplo Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro, p. 41-43), a mesma já foi superada em todo o mundo, sendo a esmagadora maioria do controle exercido por
órgãos Judiciais, sendo o exemplo mais famoso do contrário o sistema francês, no qual predomina o controle político.
16

sentido a regra da maioria ocupa uma posição privilegiada, pois ela é a mais
capaz de dar um tratamento igualitário a todos os cidadãos. Limitar a
democracia à regra da maioria, no entanto, é um risco, afinal as decisões
derivadas deste procedimento, como há muito nos alertava Rousseau, podem
não atender ao bem comum (...). Associada a um positivismo jurídico
desformalizado e desprovido de conteúdo ético, a regra da maioria pode
colocar em risco seu pressuposto maior, que é a idéia de dignidade humana,
de igual valor, agregada a todas as pessoas. (...). Logo, que os resultados da
regra da maioria devem passar por um teste de constitucionalidade para que
não ameacem os direitos fundamentais, os mecanismos que asseguram estes
direitos, bem como os próprios procedimentos que viabilizam a continuidade
da democracia. Esta a função essencial do constitucionalismo [e, portanto,
do controle de constitucionalidade], assegurar os pressupostos éticos da
democracia. 32

Assim é que, portanto, o controle de constitucionalidade atua como protetor


dos direitos fundamentais, garantindo ainda, especialmente, a proteção da minoria dentro de
regimes democráticos, de modo que a mesma não sofra a opressão da maioria.

2. A Evolução do Controle de Constitucionalidade no Mundo e no Brasil


O controle de constitucionalidade tem seu germe imbuído na common law
inglesa, na qual não podemos situar sua origem propriamente dita em virtude da idéia de
supremacia do Parlamento, pela qual a Constituição não poderia vincular o Poder Legislativo
33
. Sem óbice deste “inconveniente”, foi no curso do século XVII que se pensou, pela primeira
vez, na Inglaterra, que um direito maior, ou seja, supremo, poderia revogar medidas do
Parlamento. Neste caso concreto, em virtude de casos concretos específicos, os juízes com
base no direito maior da common law e na razão podiam cancelar os atos parlamentares, isto
é, as normas legislativas 34.

32
Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 26. A este respeito Kelsen chega a ser até
mais explícito em vedar a “ditadura da maioria”: “(...). Se virmos a essência da democracia não na onipotência da maioria,
mas no compromisso constante entre os grupos representados no Parlamento pela maioria e pela minoria, e por conseguinte
na paz social, a justiça constitucional aparecerá como um meio particularmente adequado à realização dessa idéia. A
simples ameaça do pedido ao tribunal constitucional pode ser, nas mãos da minoria, um instrumento capaz de impedir que
a maioria viole seus interesses constitucionalmente protegidos, e de se opor à ditadura da maioria, não menos perigosa para
a paz social que a da minoria.” (Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 182). Cf. ainda Luís Roberto BARROSO, O
controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 2.
33
Cf. Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 42.
34
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 50. Neste ponto há que se comentar a
divergência doutrinária quanto ao tempo de origem do controle de constitucionalidade, baseando-se em doutrina
estrangeira, sendo que Oscar Vilhena o situa claramente na common law inglesa: “A necessidade de se controlar os atos do
governo e do parlamento, tendo em vista uma lei maior, a higher law, pode ser detectada no mundo moderno a partir do
conflito entre o common law, direito aplicado consuetudinariamente pelos juízes, e aquele produzido pelo parlamento, na
17

Destarte, a origem formal do controle de constitucionalidade no mundo se deu


com a teoria do judicial review elaborada pelo Chief Justice Marshall no caso Marbury v.
Madison em 1803 na Suprema Corte dos Estados Unidos da América (EUA). Seguida desta
teoria, Kelsen lança a base teórica e prática do controle de constitucionalidade europeu, tendo
sua primeira experiência real com a Constituição austríaca de 01º de outubro de 1920.

Nesse sentido, como se verá, o controle de constitucionalidade brasileiro existe


como sistema de controle misto, baseado em ambos modelos apresentados, tendo pesado para
um ou para outro conforme o momento histórico analisado.

A seguir analisaremos muito brevemente a história do controle de


constitucionalidade nos Estados Unidos e na Europa, onde se deram, respectivamente, a
criação dos modelos difuso/concreto e concentrado/abstrato de controle de
constitucionalidade.

2.1. O modelo norte americano de controle de constitucionalidade: o judicial


review
Conforme já mencionado, o início de toda a prática formal a respeito do
controle de constitucionalidade se dá em território norte americano no famosíssimo caso
Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte Norte-Americana em 1803. Foi por meio
deste leading case que se construiu toda a teoria do controle de constitucionalidade norte
americano. Sendo assim, cabe analisá-la com maior minúcia.

2.1.1. O caso Marbury v. Madison

O caso Marbury v. Madison inaugurou formalmente, com as ressalvas já


apresentadas, o pensamento sobre o controle de constitucionalidade, baseando-se na idéia de
supremacia constitucional e a partir da evolução de diversas decisões judiciais em instâncias
inferiores no território norte-americano no mesmo sentido. Dada a importância do caso, cabe

Inglaterra do século XVII. A origem do controle de constitucionalidade das leis, tal qual definido por Marshall em 1803,
pode ser encontrado dois séculos antes, em diversos casos em que Lorde Coke defendeu a supremacia do common law
frente o direito produzido pelo parlamento inglês. (...).” (Ibid., mesma página). Barroso, por sua vez, situa a origem do
controle de constitucionalidade no próprio direito norte americano, invocando a seu favor o princípio da supremacia do
Parlamento, vigente no direito inglês: “Como visto, o controle judicial de constitucionalidade teve origem no direito norte
americano, tendo se consolidado e corrido mundo a partir da decisão da Suprema Corte no caso Marbury v. Madison,
julgado em 1803. Embora herdeiro da tradição inglesa do common law, o direito constitucional americano não acolheu um
dos fundamentos do modelo britânico, a supremacia do Parlamento, (...).” (Grifos do autor. Luís Roberto BARROSO, Op.
cit., p. 42). Diante do impasse, não sendo escopo último deste trabalho esgotar o assunto, preferimos apontar o direito norte
americano como origem formal do controle de constitucionalidade no mundo, apontando, entretanto, o alto grau de
influência da common law inglesa, onde nasceu a idéia de Constituição com a Magna Carta de 1225, e sem o qual, muito
provavelmente o direito norte americano não seria capaz de construir a teoria do judicial review. Saliente-se ainda que, de
fato, foi o germe britânico a partir de Lorde Coke que começou a teorizar o sistema, mas que não pôde ser concluído no
sistema inglês em virtude da interrupção desta evolução operada pela Revolução Gloriosa (1685-1689), que institui o
princípio da Supremacia do Parlamento, eliminando até os dias atuais a possibilidade de um controle jurisdicional de
constitucionalidade.
18

verificá-lo com maiores detalhes, uma vez que suas principais idéias continuam a justificar o
controle de constitucionalidade.

James Madison foi secretário de Estado do ex-presidente norte americano


Thomas Jefferson, do partido republicano, e figurou no pólo passivo da demanda (a ação
judicial foi o writ of mandamus, muito parecido com nosso mandado de segurança) como
autoridade coatora. Madison foi acionado por William Marbury, juiz de paz nomeado nos
últimos dias do governo de John Adams, que era do partido democrata, o presidente norte
35
americano que antecedeu Jefferson , mas que não havia sido empossado, uma vez que o
governo de Adams terminou antes da posse e Jefferson não tinha interesse em promovê-la.
Como se verifica, o período político no qual se insere o caso foi bastante conturbado.

A Corte se reuniu em 1803 para julgar o caso. Marshall desenvolve sua


argumentação de maneira aparentemente ilógica, visto que analise primeiramente o direito
material, para, finalmente, analisando o direito processual, decidir com base neste. Destarte, a
princípio declara Marshall que Marbury possuía direito à investidura no cargo e, sendo assim,
haveria de existir um meio jurídico para assegurá-lo.

Em seguida, a argumentação passa a verificar a adequação do remédio


escolhido ao direito pretendido. Para Marshall esta verificação dependia de dois
questionamentos. Primeiro, da natureza da ação judicial escolhida, vale dizer, do writ of
mandamus. Segundo, dependia do próprio poder da Suprema Corte para concedê-lo.

Quanto à primeira indagação, responde afirmativamente. O writ em questão


consistia em impor uma ordem para que determinado ato fosse praticado. Assim, poder-se-ia
emitir uma ordem para que o Poder Executivo investisse Marbury do cargo a que tinha
direito. Verificou-se que tal determinação seria possível, pois não se inseriam nas únicas duas
hipóteses em que a revisão judicial dos atos do Executivo não era permitida, quais sejam dos
atos de natureza exclusivamente política e dos atos determinados legal ou constitucionalmente
como discricionários.

É na resposta à segunda indagação, entretanto, na qual se insere o pensamento


inaugural do controle de constitucionalidade. No caso, uma lei infraconstitucional (§ 13 do
Judiciary Act de 1789) é que havia criado a competência originária da Suprema Corte norte
35
Deve-se aqui fazer um apontamento de cunho histórico. John Marshall, o presidente da Suprema Corte norte-americana
(Chief Justice) à época da decisão, foi o secretário de Estado do presidente John Adams, tendo sido por ele nomeado para a
Suprema Corte. Percebe-se, portanto, o alto grau de influência política imbuída na própria decisão do caso. Atualmente
poder-se-ia questionar a legitimidade de Marshall em permanecer no cargo de Chief Justice, devendo ter se declarado
impedido, visto que atuou diretamente no caso enquanto secretário. A questão, todavia, não foi levantada pela decisão e,
para a análise do raciocínio lógico que embasa o judicial review não é pertinente.
19

americana para o writ of mandamus. Afirmou Marshall que a lei alargava a competência da
Corte, determinada constitucionalmente (art. 3º da Constituição dos Estados Unidos da
América). Neste sentido, por ir além do que determinava a permitia a Constituição, a lei em
questão não era com ela compatível. Assim é que Marshall inicia seu raciocínio para
determinar que tal lei, não sendo compatível com a Constituição, não poderia ser aplicada
pelo Poder Judiciário, o que equivale, neste modelo, a declará-la inválida, pois
inconstitucional.

Podemos resumir o raciocínio de Marshall na seguinte concatenação de idéias:


constitui um dever irrecusável do Judiciário a aplicação do direito. Nesta aplicação, é óbvio
que a aplicação de uma norma contraditória a outra exclui esta última. Muito bem, é claro
também que a Constituição, como fundamento de validade do ordenamento, define quais
normas são o direito a ser aplicado. Desta maneira, a supremacia constitucional determina
que, quando houver um conflito entre a Constituição e uma norma editada pelo Legislativo,
esta norma é inválida. Esta invalidez decorre do fato de o Legislativo, como Poder constituído
que é, estar limitado pela Constituição. Ora, se as leis ordinárias pudessem modificar a
Constituição, esta não seria um limite ao próprio Legislativo, o que gera a incoerência de todo
o sistema. Deste modo, sendo uma norma declarada inválida, ela não possui poder vinculante,
pois não possui poder normativo. Sendo assim, uma norma editada pelo legislador, que
contradiz a Constituição não é vinculante para o Judiciário no momento de aplicação do
direito, uma vez que é a sua função dizer o Direito, determinando o sentido das leis. Desta
maneira, pode o Judiciário declarar inconstitucional uma norma, passando a declarar como
inválida a determinação do § 13 do Judiciary Act de 1789, o qual criava a competência da
Suprema Corte para julgar o writ.

Com esse raciocínio, a Suprema Corte indefere o pedido declarando sua


própria incompetência, uma vez que a norma infraconstitucional que lhe imputava tal seria
inválida e, por conseguinte, inaplicável 36.

36
Como se vê, a decisão de Marshall parece a certo ponto até mesmo ilógica, visto que, caso quisesse se declarar
incompetente, um argumento processual-formal, poderia tê-lo feito no início da decisão, sem necessidade de análise do
mérito. Contudo, concordamos com Barroso no sentido de que toda a apreciação do mérito elaborada por Marshall não foi
feita à toa, mas sim no sentido de determinar seus próprios poderes frente aos demais Poderes Legislativo e Executivo. A
esse respeito, vale verificar a lição do mestre fluminense: “É indiscutível que o voto de Marshall reflete, intensamente, as
circunstâncias políticas de seu prolator. Ao estabelecer a competência do Judiciário para rever os atos do Executivo e do
Legislativo à luz da Constituição, era o seu próprio poder que estava demarcando, poder que, aliás, viria a exercer pelos
trinta e quatro longos anos em que permaneceu na presidência da Corte. A decisão trazia, no entanto, um toque de
inexcedível sagacidade política. É que as teses nela veiculadas, que em última análise davam poderes ao Judiciário sobre os
outros dois ramos do governo, jamais seriam aceitas passivamente por Jefferson e pelos republicanos do Congresso. Mas,
como nada lhes foi ordenado – pelo contrário, no caso concreto foi a vontade deles que prevaleceu –, não tinham como
descumprir ou desafiar a decisão” (Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 9).
Saliente-se ainda que a decisão pode ser tomada como ilógica, visto que impede que o Congresso alargue a competência da
20

2.1.2. O sistema do judicial review

O sistema do judicial review of legislation parte de toda a argumentação


elaborada originalmente por Marshall e acima explanada. Tal sistema cria, um controle difuso
de constitucionalidade, visto que todos os juízes podem analisar a constitucionalidade e não
apenas uma Corte específica.

Sem óbice, outro ponto que lhe é fundamental, entretanto, é a idéia do stare
decisis. A possibilidade de qualquer juiz analisar a constitucionalidade, como bem afirmará
Kelsen em sua crítica a este modelo de controle de constitucionalidade, pode criar uma grave
falha no sistema jurídico em virtude da possível (e provável) existência de análises de
constitucionalidade contraditórias, mitigando o princípio da segurança jurídica.

O sistema norte americano, contudo, tenta contornar esse provável


inconveniente com o princípio do stare decisis, cuja significação segue no sentido da frase to
stand by things decided, ou, em tradução livre, perpetuar os assuntos decididos. Em outras
palavras, este princípio elabora um intrincado sistema de vinculação das decisões dos
Tribunais de graus superiores aos Juízos de graus inferiores, sobre o qual não nos
estenderemos, visto as amplas discussões existentes sobre a flexibilidade deste mecanismo de
modo a não engessar a jurisprudência 37.

Nesse sentido, pode-se concluir, desde já, que o controle de constitucionalidade


norte americano, baseado que está no judicial review, atua apenas no caso concreto. Não há
que se falar aqui em adequação abstrata da norma à Constituição, mas tão somente adequação
diante de uma lide.

Assim, a princípio, a decisão sobre a constitucionalidade ou


inconstitucionalidade da lei, neste sistema, operaria tão somente efeitos inter partes. Contudo,
verifica-se que, caso tal decisão seja tomada em último grau, pela cúpula do Poder Judiciário,
conjugada com o princípio do stare decisis, a decisão passa a ter um efeito erga omnes
impróprio, pois apenas por reflexo é que se opera para todos os cidadãos e não apenas para os
litigantes do processo onde se deu a controvérsia constitucional. Saliente-se ainda que, neste

Suprema Corte, mas permite que ela mesma o faça. A este respeito, Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal
Federal: Jurisprudência política, p. 66.
37
No Brasil, como se verá, a falta deste princípio aponta como falha no sistema misto de controle de constitucionalidade.
Análise primordial das razões desta aparente falha é bem colocada por Lamy e Conci, indicando que tal ausência não
proposital se deveria ao fortalecimento, no âmbito nacional, do dogma da Supremacia do Legislador. A este respeito Cf.
Marcelo LAMY; Luiz Guilherme Arcaro CONCI, Reflexões sobre as súmulas vinculantes, in: André Ramos TAVARES;
Pedro LENZA; Pietro de Jesús Lora ALARCÓN (Org.), Reforma do judiciário: analisada e comentada, p. 295-318.
21

último caso, o efeito é ainda impróprio, pois o princípio do stare decisis vincula tão somente o
Poder Judiciário, mas não os demais Poderes Legislativo e Executivo.

2.2. O modelo europeu de controle de constitucionalidade: os tribunais


constitucionais
O modelo europeu de controle de constitucionalidade é posterior ao judicial
review norte americano, tendo sido implementado apenas no início do século XX. Suas bases
38
teóricas, contudo, já tomavam contornos mais concretos com manifestos de G. Jellinek ,
requisitando a transformação do Tribunal Imperial austríaco em uma verdadeira corte
constitucional. O maior defensor e expoente da criação do modelo europeu, entretanto, foi
39
Hans Kelsen, que elaborou diversas palestras e artigos sobre o tema , tendo inclusive de
enfrentar diversas tradições européias, especialmente quanto ao repúdio de um “governo de
juízes”. Neste sentido é famosa a sua pública divergência de Carl Schmitt no sentido de quem
deveria controlar a constitucionalidade das leis, sendo que Kelsen defendia que um Tribunal
deveria fazê-lo e Schmitt defendeu que apenas o chefe do Executivo teria legitimidade para
tanto, em virtude do alto grau político do controle, discussão da qual saiu vitoriosa a teoria
kelseniana 40.

Não obstante, foi com a atuação e a teoria de Hans Kelsen que a Constituição
Austríaca de 1920 criou os primeiros tribunais constitucionais europeus. A jurisdição
constitucional kelseniana buscou identificar problemas no sistema norte americano,
oferecendo soluções criativas.

2.2.1. Críticas do sistema europeu ao sistema do judicial review

A primeira crítica deriva de uma espécie de tradição européia civilista


positivista, pela qual, diferente do sistema da common law, os magistrados não descobrem o
direito a ser aplicado a uma situação concreta, devendo aplicar cegamente o que diz a lei
41
positiva, única fonte do Direito . Neste sentido é que não se poderia permitir a revisão
judicial pelos juízes ordinários dos atos legislativos, visto que os mesmos não teriam a
experiência jurídica necessária para avaliar a compatibilidade constitucional da norma objeto
do controle.

38
Cf. Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. XII (Introdução).
39
Posteriormente os artigos e palestras mais relevantes do autor foram reunidos num compêndio, publicado no Brasil sob o
nome de Jurisdição constitucional, como consta de nossa bibliografia.
40
Cf. Id. ibidem, p. 237-298. Cf. ainda nota 23 deste trabalho.
41
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 53-54.
22

A segunda crítica, mais divulgada, segue no sentido de que o modelo norte


americano, por ser um modelo difuso, pelo qual todos os juízes, independentemente de sua
posição na hierarquia do Poder Judiciário, poderiam elaborar seus “juízos de
constitucionalidade”. Esta característica poderia resultar num grave problema de segurança
jurídica, visto que os diversos magistrados poderiam chegar a conclusões diferentes sobre a
constitucionalidade da mesma norma, o que viria por afrontar diretamente a Constituição, que
permaneceria sem sentido 42.

2.2.2. O modelo europeu de controle de constitucionalidade

Com base em tais ponderações acerca do sistema norte americano, podemos


destacar as três seguintes características do sistema europeu. Primeiramente, a característica
que mais se destaca é a da concentração do controle de constitucionalidade em um único
órgão especial denominado Tribunal Constitucional. Com isto, o sistema europeu tenta
resolver o problema da revisão judicial da constitucionalidade, visto que, apesar de, via de
regra, o Tribunal pertencer ao Poder Judiciário e obedecer a uma formação própria de
tribunais, seus membros não são, necessariamente, juízes de carreira. Seus membros
obedeceriam diversos critérios de nomeação distintos. Neste sentido, retirou dos magistrados
“comuns” a análise especial da constitucionalidade das normas infraconstitucionais.

Assim sendo, todas as questões constitucionais devem ser resolvidas por esse
único órgão específico, criando “incidentes de constitucionalidade” no curso dos processos
contenciosos, quando necessário. O Tribunal, assim, não decidiria, como no caso do sistema
norte-americano, a lide, mas apenas a compatibilidade da norma atacada com a Constituição.
Disto decorre ao menos duas conseqüências extremamente relevantes. Primeiro, a
constitucionalidade das leis, controlada apenas por um órgão, não seria mais motivo de
insegurança jurídica, visto que sempre o mesmo órgão resolveria tais questionamentos.
Segundo, isto nos faz concluir que a análise do controle de constitucionalidade europeu se dá

42
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 54. Aqui cabe a lição do próprio Hans
Kelsen a respeito da matéria: “(...). A anulação de uma norma geral fica confinada ao caso concreto quando as autoridades
– tribunais ou autoridades administrativas – que deveriam aplicar a norma podem ou devem recusar sua aplicação no caso
que lhes é levado a exame, por a considerarem irregular, e decidir em conseqüência como se ela não estivesse em vigor,
mas quando, para o resto, essa norma permanece em vigor e deve ser aplicada em outros casos por outras autoridades (...).
Disso resulta, antes de mais nada, a falta de unidade das soluções e a insegurança do direito daí resultante, que se faz sentir
desagradavelmente quando um tribunal se abstém de aplicar um regulamento ou mesmo uma lei por considerá-los
irregulares, quando outro tribunal faz o contrário e quando é vedado às autoridades administrativas recusar a aplicação da
norma, se também forem chamadas a intervir. (...)” (Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 144-145).
23

de forma abstrata, vale dizer, fora do contexto do caso concreto, analisando tão somente a
harmonia do ordenamento jurídico 43.

Finalmente, é de se afirmar ainda que a característica concentrada do modelo


europeu reflete no efeito da decisão de inconstitucionalidade. Como se trata do único órgão
legítimo para a análise da constitucionalidade, os efeitos de sua decisão são erga omnes
vinculando inclusive os demais Poderes constituídos em sua atuação e independentemente se
o órgão foi provocado diretamente ou por meio de via incidental que suspende a lide, visto
que a análise da constitucionalidade é sempre abstrata 44.

São esses os dois modelos de controle de constitucionalidade do qual derivam


os demais sistemas de controle em diversos países ao redor do mundo. Da combinação de
ambos nasceram uma série de controles híbridos ou mistos, variando conforme a sua maior
tendência concentrada ou difusa. O modelo brasileiro é um exemplo de controle de
constitucionalidade misto, que tem variado ao longo das décadas da maior relevância do
controle difuso até a maior relevância do controle concentrado, como se verá a seguir.

2.3. A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil: o controle


misto
O controle de constitucionalidade brasileiro tem origem ainda no século XIX,
sob forte influência do judicial review norte americano. No entanto, diferentemente deste, que
nasceu da tradição jurisprudencial, o nosso controle de constitucionalidade foi instituído,
45
primeiramente, com o Decreto nº. 510 de 22 de junho de 1890 (artigo 58, § 1º, “a”) , que
criava o Supremo Tribunal Federal e lhe atribuía a competência de julgar, em última
instância, controvérsias constitucionais. Tal entendimento foi ratificado pela Constituição de
1891 em seu artigo 59 46.

43
Neste sentido a lição de Hans Kelsen: “(...). A centralização do poder de examinar a regularidade das normas gerais
certamente se justifica sob todos os aspectos. Mas se se decide confiar esse controle a uma autoridade única, torna-se
possível abandonar a limitação da anulação ao caso concreto e adotar o sistema da anulação total, isto é, para todos os
casos em que a norma deveria ter sido aplicada. É óbvio que um poder tão considerável só pode ser confiado a uma
instância central suprema.” (Hans KELSEN, Jurisdição constitucional, p. 145).
44
Neste sentido, Barroso destaca ainda que uma necessidade do controle europeu ser concentrado decorre do fato de que este
continente, de tradição jurídica predominantemente civilista, em que pese a Inglaterra com seu direito consuetudinário, não
possui o princípio do stare decisis para vincular os magistrados, motivo pelo qual apenas um controle concentrado
garantiria a segurança jurídica necessária (Cf. Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro, p. 46-47). Constatamos nesta observação que talvez seja a ausência deste princípio a razão da crítica kelseniana
ao problema de segurança jurídica do modelo norte americano de controle de constitucionalidade.
45
O texto integral do decreto pode ser conferido em, CÂMARA DOS DEPUTADOS,
http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/novoconteudo/legislacao/republica/leis1890_1a30_de_%20junho/pdf17.pdf,
acessado em 29 de outubro de 2007.
46
Art. 59 – Ao Supremo Tribunal Federal compete:
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis
federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
24

A Constituição de 1934, em seu art. 91, IV, inova no controle de


constitucionalidade ao estabelecer, como competência do Senado Federal, a retirada do
sistema jurídico daquelas normas que foram declaradas inconstitucionais pelo Poder
Judiciário 47.

Vieira expõe um aspecto curioso contido no artigo 12, § 2º da Carta de 1934 48.
Tal artigo faz referência à Representação de Inconstitucionalidade. Tal ação inaugura o
controle de constitucionalidade concentrado no Brasil e possuía como único legitimado
ativamente o Procurador-Geral da República. Afirma o autor que este dispositivo é um
embrião da ação direta de inconstitucionalidade, pois inaugura a modalidade do controle de
constitucionalidade concentrado no Brasil, ainda que fosse muito restrito, pois se presta
apenas a analisar a constitucionalidade de um caso de intervenção federal nos Estados-
membros 49.

Após a perda de autonomia do Supremo Tribunal Federal com a Constituição


de 1937 e sua retomada com a Constituição de 1946, criou-se a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIn), por meio da Emenda Constitucional 16/65. Tal ação era
diferente daquela que conhecemos hoje, sob a égide da Constituição Federal de 1988, em
virtude, essencialmente de dois motivos: (i) a legitimidade ativa, isto é, a legitimidade para
propor a ADIn pertencia apenas ao Procurador-Geral da República e, (ii) ademais, este podia
ser demitido ad nutum pelo Presidente da República, o que descaracterizava bastante a ADIn
como protetora dos direitos e liberdades garantidos constitucionalmente.

A situação perdurou até a queda do regime ditatorial e a promulgação de uma


nova Constituição, isto é, a Constituição de 1967 (inclusive após a emenda constitucional nº.
1/69), que manteve o controle de constitucionalidade estabelecido pela Constituição de 1946.
Com a Constituição Federal de 1988 foram diversas as mudanças dentro do controle de
constitucionalidade do sistema jurídico brasileiro. Não deixando de lado o controle misto (as
vias difusa e concentrada coexistem), a Constituição Federal de 1988 (e as emendas
subseqüentes) acabou confirmando uma tendência que se observa desde a criação do controle
de constitucionalidade no Brasil. Esta tendência se resume na constante suplantação do

47
Art. 91 – Compete ao Senado Federal:
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido
declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.
48
Art. 12 – A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo:
§ 2º - Ocorrendo o primeiro caso do nº. V, a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema, mediante provocação
do Procurador-Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade.
49
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 120-121. Cf. no mesmo sentido Luís
Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 58.
25

controle difuso pelo controle concentrado 50. A criação das modernas ADIn por omissão (art.
103, § 2º, CF), Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, I, a e § 2º, CF) e Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, § 1º, CF) vão pouco a pouco
eliminando a importância do controle difuso, que também vai ser reforçado com a criação do
instituto do Mandado de Injunção 51, 52.

A “mistura” feita pelas diversas Constituições brasileiras durante a história e,


em especial, a Constituição Federal de 1988 é vista sob um caráter pejorativo por diversos
53 54
autores, dentre os quais podemos citar Vieira e Arantes . Segundo os autores, esse
hibridismo pode acarretar problemas de diversas ordens, indo desde a vulnerabilidade dos
tribunais superiores em virtude da não existência de um princípio similar ao do stare decisis
55
americano a até uma indefinição na escolha de um modelo de controle e do próprio papel
do Poder Judiciário que se tornou até mesmo um fator de crise de governabilidade 56.

Contribuindo para tal idéia de hibridismo, devemos considerar ainda a recente


edição da Emenda Constitucional nº. 45 de 30 de dezembro de 2004, que, a despeito da
histórica concentração do controle de constitucionalidade pátrio, fortaleceu o controle de
57
constitucionalidade difuso, especialmente com a criação da Súmula Vinculante e das
58
modificações do Recurso Extraordinário .

50
Para um estudo mais aprofundado sobre o fenômeno que vem determinando a crescente concentração do controle de
constitucionalidade brasileiro, Cf. Rogério Bastos ARANTES, Judiciário e política no Brasil¸ p. 101-115.
51
É importante notar, entretanto, que existe manifestação doutrinária no sentido de que a Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, na verdade, constitui também uma medida de controle de constitucionalidade difuso. Luis Roberto
Barroso cita André Ramos Tavares como expoente desta corrente em: André Ramos TAVARES, Argüição de
descumprimento de preceito constitucional fundamental: aspectos essenciais do instituto na Constituição e na lei, 2001, p.
66-72. Para tanto, Cf. Luis Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 232. Deve-se
lembrar, entretanto que o Supremo Tribunal Federal não admite atualmente esta interpretação.
52
Deve-se notar, contudo, que este “reforço” na via difusa do controle de constitucionalidade não é tão grande quanto o feito
na via concentrada. Ademais, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal à norma constitucional que institui o
Mandado de Injunção retira deste a maior parte de sua eficácia, pois o mesmo adotou a teoria não concretista para a
determinação dos efeitos da decisão em Mandado de Injunção. Para tanto Cf. a título de exemplo: STF, Pleno, MI nº. 107-
3, Rel. Min. Moreira Alves, D.J. 21/09/1990.
53
Cf. Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência política, p. 218-226.
54
Cf. Rogério Bastos ARANTES, Judiciário e política no Brasil, p. 65-69, 204-209.
55
“Há porém, problemas decorrentes dessa conjugação [dos modelos difuso e concentrado], pois não contando o sistema
jurídico brasileiro com o princípio do stare decisis, existente no mundo do common law, fica muito vulnerabilizada a
autoridade dos tribunais superiores, especialmente a do Supremo Tribunal Federal. (...)” (grifos do autor), Oscar Vilhena
VIEIRA, Op. cit., p. 218. Cf. ainda nota 29 deste trabalho.
56
“A combinação original destes dois sistemas – o difuso e o concentrado – não deve ser, como pensam alguns, motivo de
alegria. Pelo contrário, julgo que esta combinação é precária e revela que, entre nós, o papel do Judiciário na vida política
não está institucionalmente definido. Mais do que isso, nosso sistema de controle constitucional, por seu hibridismo, pode
ser considerado um dos principais fatores institucionais daquilo que se convencionou chamar crise de governabilidade”
(grifos do autor), Rogério Bastos ARANTES, Judiciário e política no Brasil, p. 204.
57
Uma das mais controvertidas novidades da Reforma do Judiciário mereceria monografia específica para tratar da matéria.
Assim, iremos nos restringir a apresentá-la, apontando porque se trata de um instrumento de reforço do controle de
constitucionalidade difuso. As Súmulas Vinculantes são nada mais do que Súmulas emitidas pelo Supremo Tribunal
Federal, mas que, diferentemente das demais, vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública
direta e indireta. Trata-se do instrumento inscrito no artigo 103-A da Constituição Federal. Qualquer aparente confusão
com o princípio do stare decisis norte-americano não é mera coincidência, visto que, em ambos os casos, se procura
vincular as demais decisões dos órgãos do Judiciário à decisão da sua cúpula. A sua maior diferença reside no fato de que,
26

Não obstante as críticas ao modelo híbrido de controle existente no Brasil, não


podemos negar-lhe características essenciais como o próprio controle de constitucionalidade,
isto é, a imposição da vontade constitucional suprema. Em outras palavras, ainda que possua
defeitos, o modelo híbrido é aquele existente em nosso país e que controla a
constitucionalidade das leis. Por isto este trabalho deixará de analisar estas críticas e terá por
objeto esse modelo de controle.

3. As Diversas Classificações do Controle de Constitucionalidade


Conforme já observado, é relevante verificarmos as principais classificações
postas pela doutrina constitucional no estudo do controle de constitucionalidade, sendo
relevantes três grandes classificações, as quais serão a seguir estudadas em sua intimidade,
merecendo maior destaque, devido a natureza mesma deste trabalho, a primeira classificação,
que diz respeito à diferenciação entre controle de constitucionalidade formal e material.
Saliente-se ainda que existam outras classificações igualmente importantes, como a análise do
controle de constitucionalidade da ação e omissão legislativas, mas que, por se distanciarem
demais do escopo do mesmo, não serão abordadas.

3.1. Os controles formal e material


Como a Constituição erige não apenas normas referentes à direitos, mas
estabelece também outras regras, em especial os procedimentos de produção legislativa,
costuma-se distinguir entre controles de constitucionalidade formal e material conforme a
violação de determinada categoria de regras da Constituição 59.

no caso norte-americano, basta a decisão da Suprema Corte para se operar o vínculo, ao passo que entre nós é necessária a
edição de uma Súmula, mediante o procedimento especial previsto pela Constituição e pela lei 11.417/2006, que a
regulamentou.
58
No caso do Recurso Extraordinário, a Emenda Constitucional nº. 45/2004 trouxe, entre as suas diversas modificações, duas
que devemos destacar. Primeiro, numa clara aproximação à estrutura de funcionamento da Suprema Corte norte-
americana, incluiu no artigo 102 da Constituição Federal o § 3º, que coloca como exigência preliminar à admissibilidade
do referido recurso a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais decididas no caso. Assim, o Supremo
não decide qualquer questão constitucional, mas apenas os casos relevantes socialmente. A segunda novidade foi a
inclusão da alínea d ao inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, ampliando a sua competência no exercício de sua
jurisdição difusa. Neste último caso entendemos que não houve propriamente um incremento do controle difuso de
constitucionalidade propriamente dito. Isto, pois o alargamento de competência do Supremo se faz no sentido de análise da
contraposição entre lei federal e lei local (estadual ou municipal), não havendo diretamente a análise de constitucionalidade
dos dispositivos, que continuam abarcados pelas demais alíneas do mesmo inciso.
59
Atente-se aqui que tais categorias não se confundem com o conceito de normas materialmente constitucionais e normas
formalmente constitucionais. Estas se referem ao conjunto de normas essencialmente constitucionais ou não, como bem
explica Bonavides: “Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder,
à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto
individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem
política exprime o aspecto material da Constituição”, e continua o mestre cearense, “(...). Com efeito, as disposições de
teor aparentemente constitucional penetram por sua vez na Constituição, mas apenas de modo impróprio, formalmente, e
não materialmente, visto que não se reportam aos pontos cardeais da existência política, a saber, à forma de Estado, à
natureza do regime, à moldura e competência do poder, à defesa, conservação e exercício da liberdade.” (Grifos do autor.
27

Assim, a inconstitucionalidade será de ordem formal quando o ato legislativo


objeto do controle de constitucionalidade esteja em desacordo com o processo legislativo
estabelecido constitucionalmente, seja em relação às normas constitucionais de competência
(iniciativa), seja em relação às normas constitucionais procedimentais legislativas. A
inconstitucionalidade será material, por sua vez, na medida em que a norma objeto do
controle estiver em desacordo com normas substantivas da Constituição 60.

Nesse sentido, como neste trabalho analisaremos a constitucionalidade formal


de determinado diploma legislativo, é importante a análise do correto processo legislativo
estabelecido constitucionalmente, o que faremos em momento oportuno.

3.2. Os controles difuso e concentrado


A diferenciação de controles em difuso e concentrado busca suas origens nos
principais modelos de controle de constitucionalidade já expostos. Neste sentido, o controle
de constitucionalidade difuso decorre do modelo norte americano, pois permite que qualquer
magistrado em qualquer grau de jurisdição analise a compatibilidade de uma norma à
Constituição, determinando ou não sua aplicabilidade.

O controle de constitucionalidade concentrado, por sua vez, baseia-se no


modelo europeu de controle e tem por base a existência de um órgão ou conjunto de órgãos
especializados e voltados para esta finalidade, qual seja, a de exercer o controle de
constitucionalidade.

3.3. Os controles concreto e abstrato


Finalmente, outra importante classificação é a que divide o controle de
constitucionalidade em concreto e abstrato. Por se originarem como conseqüências lógicas
dos modelos difuso e concentrado, já se afiguraram como atrelados a estes. Tal conclusão,
todavia, é equivocada 61.

O controle de constitucionalidade concreto, também conhecido como


incidental, incidenter tantum ou de exceção, trata do controle exercido pelos magistrados no
Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 80-82). Como se verá, utilizamos acepções distintas para o
controle formal de constitucionalidade e para o controle material.
60
Aqui o pensamento de Barroso: “(...). Ocorrerá inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido
produzido em desconformidade com as normas de competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no
mundo jurídico. A inconstitucionalidade será material quando o conteúdo do ato infraconstitucional estiver em
contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra ou um princípio.” (Grifos do autor.
Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 25).
61
Aqui aproveitamos para fazer juízo de retratação, visto que em trabalho anterior (monografia disponível em
<http://www.sbdp.org.br/ver_monografia.php?idMono=5> acessado em 04 de outubro de 2007) defendemos a confusão
dos institutos. A lição de Barroso, contudo, nos fez verificar o equívoco desta posição (Cf. Luís Roberto BARROSO, O
controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 45-50).
28

curso da apreciação de casos concretos. Neste sentido, é essencial a sua vinculação a uma
lide, isto é, a um conflito de interesses, devendo a questão constitucional atuar tecnicamente
como questão prejudicial no processo, sendo o controle exercido no curso normal da função
jurisdicional. Não se identifica aqui uma preocupação abstrata com o ordenamento jurídico
em si, mas com o conflito concreto, real do qual depende a decisão da controvérsia
constitucional. Assim, ao decidir a questão constitucional, o magistrado ou tribunal decide
também a questão concreta.

Como dito, o controle de constitucionalidade concreto não se confunde


necessariamente com o controle difuso. Não obstante ter sido esta a nossa realidade durante
62
muito tempo, o que levou a tal conclusão, data venia, equivocada alguns doutrinadores ,
atualmente é verificável em nosso próprio ordenamento esta diferenciação com a previsão da
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo artigo 102, § 1º e
regulamentada pela lei federal nº. 9.882 de 03 de dezembro de 1999 63.

O controle de constitucionalidade abstrato, também denominado por via


direta, por sua vez, é um controle exercido sem a preocupação com casos concretos. Aqui a
controvérsia constitucional deixa de ser coadjuvante para se transformar em objeto único da
ação. Neste caso a análise abstrata se justifica justamente pela inexistência de aplicação
concreta da decisão, uma vez que a principal preocupação do controle aqui não é solucionar
um litígio, mas sim devolver a harmonia ao ordenamento jurídico, maculado pela presença de
norma inconstitucional. Neste sentido, trata-se de preocupação com o ordenamento jurídico in
abstracto.

Aqui também o controle de constitucionalidade abstrato não se confunde,


necessariamente com o controle concentrado, não obstante haver tal confusão no sistema
híbrido brasileiro, muitos países europeus, como a Alemanha e a Itália, possuem situações
64
onde há a confusão do controle abstrato com o sistema difuso . Sinteticamente, deve-se
observar a classificação de controle concentrado/difuso como um olhar à organização dos
poderes de controle, enquanto a classificação abstrato/concreto se volta à existência ou não de
lide diretamente vinculada ao controle.

62
Apenas a título de exemplo desta posição, podemos citar os seguintes: Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p.
608-610 e 626-627; Luiz Alberto David ARAUJO; Vidal Serrano NUNES JÚNIOR, Curso de direito constitucional, p.
28-37.
63
Cf. nota 42 deste trabalho.
64
Cf. Luís Roberto BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 49-50.
29

4. A Interpretação Constitucional Especializada e suas Implicâncias no Controle


de Constitucionalidade
A evolução das teorias a respeito do controle de constitucionalidade e da
interpretação constitucional como método específico da hermenêutica jurídica, apartado dos
demais métodos, específicos da dogmática jurídica, criou meios diferenciados de resolução
dos problemas de adequação constitucional das normas jurídicas. Neste sentido, utilizam-se
métodos diferenciados de interpretação para “salvar” uma norma da declaração de
inconstitucionalidade.

A seguir teceremos comentários gerais e sucintos a respeito de dois métodos de


interpretação constitucional aplicada ao controle de constitucionalidade, quais sejam a
interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de
texto. Sua escolha se justifica pelo seu reconhecimento legislativo no Brasil, conforme consta
do artigo 28, parágrafo único da lei 9.868 de 10 de novembro de 1999 65.

4.1. A interpretação conforme a constituição


A declaração de constitucionalidade com interpretação conforme a
Constituição é utilizada no Supremo Tribunal Federal a partir de um moderno método
interpretativo, que é justamente a interpretação conforme a Constituição. Este, vale dizer, é
um método de interpretação de norma infraconstitucional, pois visa, em linhas gerais, adaptar
a semântica da norma infraconstitucional ao mandamento constitucional supremo.

A utilização de tal método na seara do controle de constitucionalidade parte da


lógica de se utilizar a declaração de inconstitucionalidade como último recurso, isto é, como
ultima ratio. Isto se dá desta maneira, pois se diz que a constitucionalidade parcial de uma lei
é menos danosa ao sistema jurídico do que a desregulamentação da matéria de que trata a lei
infraconstitucional. A partir desta idéia, aplicam-se em conjunto dois princípios
interpretativos: o princípio da supremacia da constituição, ou seja, a idéia de que a
Constituição é suprema e deve prevalecer a todo ordenamento infraconstitucional, dando-lhe
coesão e sentido; e o princípio de que, sempre que possível, uma norma deve ser interpretada
de modo a ser dotada de eficácia.

65
Art. 28 – Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em
seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.:
Parágrafo único - A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. (grifos
nossos)
30

Utilizando os dois princípios supracitados podemos auferir um conceito à


interpretação conforme a constituição. Ora, se a Constituição é suprema, tirando a eficácia dos
atos normativos a ela contrários, e se, quando possível, devemos interpretar uma norma de
modo a garantir-lhe eficácia, a interpretação conforme a constituição consiste em declarar
constitucional, dentre os diversos significados semânticos da norma infraconstitucional,
aqueles compatíveis à Constituição, eliminando os incompatíveis 66.

Vale salientar, entretanto, a existência de uma limitação lógica a esse método


hermenêutico. Esta limitação consiste no fato de que o hermeneuta não pode dar à norma um
significado que lhe seja diametralmente díspare, ou seja, que se afaste totalmente da letra da
67
lei. “A interpretação não se pode desvincular da norma posta” , sob pena de o intérprete
passar a agir como legislador positivo, desrespeitando a tripartição dos Poderes.

Com a declaração de constitucionalidade de uma lei com interpretação


conforme a Constituição, esta lei fica atrelada a essa interpretação no momento de sua
aplicação, uma vez que as interpretações díspares, que vão contra a Constituição, são
declaradas inconstitucionais.

4.2. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto


A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto consiste,
basicamente, numa técnica de interpretação constitucional, a qual, à semelhança da
interpretação conforme à Constituição, também tem origem na Corte Constitucional alemã.

Essa técnica “declara a inconstitucionalidade parcial da norma sem reduzir o


seu texto, ou seja, sem alterar a expressão literal da lei” 68. Utiliza-se esta técnica quando, no
oceano de possíveis hipóteses de aplicação daquela norma, encontra-se uma que é
declaradamente inconstitucional, mas que não permite que se suprima qualquer parte do texto
a que pertence, sob pena de nulidade ou perda de eficácia total do dispositivo legal. “É dizer,
uma das variantes da lei é inconstitucional” (grifo nosso) 69. Destarte, a lei não deixa de existir
com seus múltiplos significados, possuindo, entretanto, uma ressalva feita pela Corte
Constitucional, onde se encontra a interpretação que se declara inconstitucional.

66
Ou, nos dizeres do mestre Celso Ribeiro Bastos: “Pela interpretação conforme à Constituição, uma lei não deve ser
declarada nula quando seja passível de uma interpretação que a coloque em plena sintonia com o conjunto normativo-
constitucional. (...) Quando uma norma infraconstitucional apresentar dúvidas em relação ao seu exato significado, deve-
se dar preferência à interpretação que lhe coloque em conformidade com os preceitos constitucionais.” (Celso Ribeiro
BASTOS, Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 170).
67
Celso Ribeiro BASTOS, Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 171.
68
Id. ibid., p. 175.
69
Id. ibid., p. 175.
31

Exemplificando a possibilidade de atuação desta forma de interpretação


constitucional, valer-nos-emos, data venia, de um exemplo dado pelo ilustre professor Celso
Bastos: “Em uma Constituição estadual havia um determinado artigo que dispunha sobre
vários princípios. Todos eles estavam elencados em seus incisos enumerados concretamente
em ordem crescente de I a X, sendo que cada um deles dispunha sobre um princípio diverso.
Nessa mesma Constituição estadual havia um segundo dispositivo que estabelecia: ‘aplica-se
o seguinte princípio para os incisos de I a X do artigo tal’. O Supremo Tribunal Federal foi
chamado a examinar a constitucionalidade desse segundo dispositivo da Constituição
estadual, que fazia remissão aos incisos de I a X. Sucede que, ao se fazer a aplicação do
princípio disposto no segundo dispositivo aos incisos de I a X do artigo tal, verificou-se que o
inciso V tornava-se inconstitucional em relação a essa segunda norma. É dizer, o inciso V
disposto na primeira norma era inconstitucional, mas, ao se aplicar a ele o princípio
estabelecido na segunda norma, ele se tornava inconstitucional. Surge, então, o seguinte
problema: Como se declarar a inconstitucionalidade do inciso V se a norma só faz referência
aos incisos de I a X sem enumerá-los pormenorizadamente numa ordem crescente? A
conclusão a que se chegou é a de que se aplicava, nesse caso, a técnica da declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, ou seja, declarava-se a
inconstitucionalidade do inciso V, embora se mantivesse na Constituição do Estado aquela
expressão ‘de I a X’. Mas advertia-se na parte dispositiva do acórdão que se declarava
inconstitucional apenas o inciso V, sendo os demais constitucionais. A redução do texto da
norma não se fazia possível em razão de ela não discriminar concretamente os incisos de I a X
na ordem crescente” 70.

Entre as diversas diferenças e semelhanças técnicas entre a interpretação


conforme a constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto
(como a improcedência da ação no caso da primeira e a procedência parcial da ação no caso
da segunda) julgamos como mais evidente e principal destacar que uma é o oposto da outra.
Enquanto na primeira, dentro de uma infinidade de interpretações, julga-se como aplicável,
isto é, constitucional apenas uma delas, na segunda, julga-se como inconstitucional uma de
suas possíveis aplicações, permitindo que as demais sejam aplicadas normalmente. Vale
ressaltar, todavia, uma semelhança fulcral entre ambos métodos interpretativos, que é a
eficácia vinculante de ambos, devidamente positivada no artigo 28, parágrafo único da lei
federal n° 9.868, de 10 de novembro de 1999.

70
Celso Ribeiro BASTOS, Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 175-176.
32

II

SÍNTESE DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO

Prosseguindo com o trabalho, cabe agora elaborarmos uma breve análise a


respeito dos meandros teóricos do processo legislativo pátrio, conforme esculpido pela
Constituição brasileira de 1988.

Nesse sentido, primeiramente, é de se localizar o significado do termo processo


legislativo nessa análise, uma vez que, de pronto, podemos dar-lhe ao menos dois sentidos
71
distintos . O primeiro possível significado, de ordem sociológica, em apertada síntese,
advém das próprias forças reais, de ordem fática, capazes de instigar, impulsionar, iniciar o
legislador a exercer sua atividade, qual seja, legislativa. Constitui, portanto, as razões sociais
que levam ao início do processo legislativo em sua acepção jurídica.

Sendo assim, em seu sentido mesmo, jurídico, e que nos interessa no presente
trabalho por razões óbvias, se traduz na totalidade de normas lógicas procedimentais, de
natureza constitucional, determinantes dos atos formais da produção legislativa. Em outras
palavras, trata-se do conjunto de regras e princípios que determinam as direções e sentidos
para os atos sucessivos que culminam na produção legislativa, conforme estabelecido
constitucionalmente.

Sabendo disso é que podemos afirmar que o processo legislativo estabelecido


constitucionalmente constitui atendimento especial e lógico ao próprio princípio da
legalidade (art. 5º, II, CF). Ora, se este princípio impõe aos entes privados que é possível
fazer tudo, salvo o proibido por lei, e aos entes públicos que só façam o permitido por lei,
impõe haver um procedimento formal estabelecendo o que é lei e como ela é produzida.

Outrossim, se o processo legislativo é corolário do próprio princípio da


legalidade, é de se dizer que o seu desrespeito viola não apenas as normas constitucionais que
o estabelecem, mas viola a própria legalidade em si. É desta maneira que, consoante o já
exposto em capítulo anterior, o desrespeito ao processo legislativo estabelecido
constitucionalmente dá ensejo a vício de constitucionalidade especial, dito formal. O controle
de constitucionalidade formal é, portanto, o meio de controle próprio para fiscalizar o correto

71
Assim já adianta Alexandre de Moraes: “O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido, jurídico
e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser
obedecido pelos órgão (sic!) competentes na produção das leis e atos normativos que derivam diretamente da própria
constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e
direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas.” (Grifos do autor. Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p.
544).
33

cumprimento do processo legislativo, sendo assim conhecido, pois não trata o âmago da
norma, seu sentido e conteúdo, mas tão somente do processo de criação das normas,
pertinente a todas elas, independente do seu conteúdo material ser ou não constitucionalmente
válido.

O controle de constitucionalidade formal, portanto, ao fiscalizar a adequação


das normas jurídicas ao procedimento legislativo, fiscaliza a vontade da própria Constituição
e vontade do povo regularmente estabelecida, procurando coibir os arbítrios do Poder
Legislativo.

De qualquer maneira, tendo em vista o escopo do presente trabalho,


elaboraremos a seguir uma análise sucinta desta extensa matéria, que é o processo legislativo
brasileiro. Para tanto, verificaremos preliminarmente, os meandros teóricos da fundamentação
do processo legislativo, analisando ainda os conceitos formais e materiais de lei. Em seguida,
antes de adentrar o processo legislativo propriamente dito, verificaremos a organização do
Poder Legislativo, responsável pelo processo em questão. Finalmente, será analisado o
próprio processo legislativo brasileiro, conforme estabelecido pela Constituição Federal de
1988, de forma geral e o processo ordinário de forma específica.

1. Contextualização Teórica do Processo Legislativo


Ao Estado, detentor do Poder, cabe regular as atividades sociais, visando, entre
outros objetivos, a justiça e a paz sociais. De modo a garantir tais finalidades, o Estado atua,
de modo geral, pela emissão de normas jurídicas. Neste sentido, atua em todas as facetas do
Poder editando normas. O Poder Judiciário edita normas judiciais, vale dizer, sentenças e
acórdãos. O Poder Executivo edita normas executivas ou, como são mais conhecidas,
regulamentos e atos administrativos. O Poder Legislativo, por sua vez, edita leis e é
exatamente dele que nos ocuparemos daqui em diante.

Ora, como bem dito, o Poder Legislativo, como expressão da força legiferante
estatal, edita leis. Contudo, com o intuito de evitar o arbítrio deste e dos demais Poderes, o
constitucionalismo moderno já lhe impunha diversas restrições, de modo que não pudesse
exercer seu poder como bem desejasse. Neste sentido, os direitos fundamentais costumam ser
bastante lembrados como bloqueio da atuação do legislador.

Todavia, o movimento constitucionalista impôs também um processo


legislativo formal e, portanto, jurídico, que serve como freio ao arbítrio legislativo pela
determinação de regras para o respeito do jogo democrático. Regras estas que permitem a
34

consecução dos objetivos estatais. Assim é que o processo legislativo não apenas orienta a
atuação legislativa, mas compulsoriamente a encaminha sob certos procedimentos específicos,
de modo que não haja fugas arbitrárias.

Sendo assim, verificaremos a seguir os conceitos de lei, de modo que possamos


identificar corretamente, qual é o objeto próprio desse procedimento, fruto da atuação
legislativa, e, logo em seguida, os pressupostos e fundamentos formais do processo
legislativo.

1.1. Os conceitos de lei


As leis, de um modo geral, derivam, consoante o ensinamento de José Afonso
da Silva 72, da natureza das coisas. É assim que, das relações físicas, existem leis físicas; das
relações sociais, existem leis sociais; e, finalmente, das relações sociais que envolvam valores
jurídicos, existem as leis jurídicas, que nos interessam em especial. As leis jurídicas, por sua
vez, são manifestações positivas do Estado, que as edita por meio de sua função legislativa,
isto é, por sua função de fazer leis.

Em que pesem os diversos entendimentos da ciência jurídica acerca do


73
entendimento do significado concreto das leis , designaremos como leis simplesmente as
normas jurídicas positivadas pelo Estado em estrito cumprimento do processo legislativo
constitucional 74.

Contudo, dentro desse compêndio, cabe ainda lembrar diferenciação feita pela
doutrina entre lei no sentido formal (ou, simplesmente, lei formal) e lei no sentido material
(ou, simplesmente, lei material).
75
Como bem explica Ferraz Jr. , lei formal trata do modo de produção de
normas, ao passo que lei material cuida de seu conteúdo. Assim, na lição de José Afonso da
Silva:

No sentido material, a lei consiste num ato normativo de caráter geral,


abstrato e obrigatório, tendo como finalidade o ordenamento da vida

72
Cf. José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 21.
73
Cf. Id. ibidem, p. 22-25.
74
Neste sentido cabe lembrar a lição de Tercio Sampaio Ferraz JÚNIOR diferenciando lei e norma: “A noção de lei, contudo,
não é fácil de se determinar. Antes de mais nada, como vimos, é preciso evitar a confusão entre lei e norma. A norma é
uma prescrição. A lei é a forma de que se reveste a norma ou um conjunto de normas dentro do ordenamento. Nesse
sentido, a lei é fonte de direito, isto é, o revestimento estrutural da norma que lhe dá a condição de norma jurídica. (...).”
(Negritos nossos. Tercio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p.
233).
75
Cf. Tercio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p. 235.
35

coletiva, no sentido de trazer certeza, precisão e garantia às relações


jurídicas. (...). Não importa quem o produza.

Considerando-se, pois, a lei tão-só quanto à forma em que é editada, é o ato


jurídico votado pelo Congresso, pelo Parlamento, abstração feita do seu
conteúdo. (...). (Itálicos do autor) 76

Como se pode notar, a lei material, de fato, trata do conteúdo clássico da lei,
que trata de ser geral, abstrata e obrigatória 77. A lei formal, por sua vez, não necessariamente
se atém ao conteúdo, mas sim ao processo próprio, tendo sido emitida por órgão competente,
que nos Estados de Direito republicanos tende a ser o Poder Legislativo. Deve-se verificar
ainda que, via de regra, as leis são formais e materiais concomitantemente, sendo exceção as
apenas formais ou as apenas materiais.

Sob tal teoria, devemos restringir nossa análise às leis formais, visto que
trataremos do processo legislativo, não cabendo analisar as normas editadas a despeito deste.

1.2. O processo legislativo fundamentado


Como visto, a produção legislativa depende de um procedimento lógico,
organizado e sucessivo, cujas regras e princípios são estabelecidos constitucionalmente. Isto
deriva da própria necessidade de se coibir o abuso do poder, em sentido similar ao elaborado
pelos direitos e garantias fundamentais. Fundamenta-se, portanto, na própria Constituição e,
em segundo plano, nos regimentos das Casas Legislativas.

Contudo, a sua existência depende de certos pressupostos, sem os quais não


logra existir. Outrossim, é de se verificar a existência de certos princípios que regem a sua
consecução. Neste sentido, verificaremos ambos a seguir.

1.2.1. Pressupostos do processo legislativo

Os pressupostos do processo podem ser traduzidos nos requisitos essenciais do


processo legislativo. Vale dizer, aquilo sem o qual o processo legislativo não pode existir. Na
78
lição de José Afonso da Silva , podemos destacar os seguintes: (i) existência de um
Parlamento; (ii) proposição legislativa; (iii) competência legislativa do Parlamento; e (iv)
capacidade do proponente.
76
José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 26.
77
Aqui cabe a observação de Ferraz JÚNIOR: “A dogmática contemporânea não faz mais, estritamente, esse tipo de
restrição. Embora, por pressão ideológica, continuemos a dizer que, em princípio, leis contêm normas gerais,
reconhecemos que isso nem sempre ocorre. Existem leis que, não obstante a utilização dos procedimentos prescritos pelo
ordenamento, têm por conteúdo não a edição de normas gerais, mas uma prescrição individualizada (...).” (Negritos nossos.
Tercio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, Op. cit., p. 235).
78
Cf. José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 45-50.
36

O primeiro pressuposto decorre da própria separação dos Poderes. Assim, é


necessária a existência, nos ditames do constitucionalismo contemporâneo, de que a
incumbência de elaborar leis seja de um órgão específico, distinto das demais funções
executiva e judicial. Saliente-se apenas que tal pressuposto se volta à existência do processo
legislativo e não da lei em si. Estados que não adotam a separação dos poderes podem
elaborar atos legislativos com força mesmo de lei. Contudo, quando da confusão dos poderes,
não existe o processo propriamente dito, pois este constitui um limite à atuação do Poder, que
sem a própria separação, seria ilimitável.

O segundo pressuposto, da proposição legislativa, é mais simples. Trata-se que,


para existir o processo, há de existir quem o inicie. Assim, deve haver um ato de alguém a
determinada Casa do Congresso Nacional, requisitando o início do processo com a finalidade
de produzir determinado ato legislativo. Em geral, tal ato constitui um projeto (de lei, de
emenda, de decreto legislativo, etc.).

O terceiro pressuposto, da competência legislativa do Parlamento, trata em


especial dos casos de Estados federativos, nos quais existem matérias que não podem ser
legisladas pelo Parlamento, propriamente dito, cabendo a outros órgãos legislativos, como as
Assembléias Estaduais. Ou ainda, nos casos em que ao Parlamento não cabe emitir normas,
como são os decretos regulamentares, de competência exclusiva do Executivo.

O quarto e derradeiro pressuposto, que trata da capacidade do proponente, diz


respeito propriamente à legitimidade da iniciativa legislativa. Assim, aquele que iniciou por
ato próprio o processo legislativo deve ser legitimado, isto é, capaz para exercer tal poder.
Assim, a título de exemplo, um prefeito municipal não pode iniciar processo legislativo no
Congresso Nacional no Brasil.

Assim, verificados todos os pressupostos, deve-se afirmar a existência do


processo legislativo, devendo pautar-se, no seu curso, pelos princípios a seguir expostos.

1.2.2. Princípios do processo legislativo

Como visto, no curso do processo legislativo, devem ser obedecidos


79
determinados princípios. Aqui, mais uma vez, a valiosa lição de José Afonso da Silva nos
revela o destaque de cinco princípios, tendo todos sido acolhidos pelo direito parlamentar
pátrio: (i) princípio da publicidade; (ii) princípio da oralidade; (iii) princípio da separação da

79
Cf. José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 50-52.
37

discussão e votação; (iv) princípio da unidade da legislatura; e (v) princípio do exame prévio
dos projetos por comissões parlamentares.

O (i) princípio da publicidade trata, justamente, da realização pública das


deliberações das Casas legislativas. Não se quer dizer, p. ex., apenas que as deliberações
devam ser visitadas por qualquer um do povo. Os seus resultados também devem ser públicos,
devendo estar disponíveis para acompanhamento por meio de atas ou outros mecanismos
próprios. Saliente-se que determinadas deliberações não devam ser realizadas secretamente,
mas estas constituem exceção do processo como um todo. No Brasil, o Congresso Nacional
dispõe de inúmeros veículos oficiais de publicidade para tal efeito (como o Diário do Senado
Federal e o Diário da Câmara dos Deputados), além de manter na internet sítio para
acompanhamento da atividade legislativa 80.

O (ii) princípio da oralidade, por sua vez, indica no sentido de que os debates,
seja na discussão, seja na votação, sejam feitos de forma oral, de “viva voz”. Atualmente, a
tecnologia auxilia nesta divulgação por amplos sistemas de som e de painéis eletrônicos.

O (iii) princípio da separação da discussão e votação segue no sentido prático


de se conseguir por fim às deliberações e decidir as matérias. Assim é que tal princípio
determina que as votações só se iniciam após as discussões, e, uma vez iniciadas aquelas,
estas restam definitivamente finalizadas.

O (iv) princípio da unidade da legislatura decorre da não perenidade dos


mandatos legislativos. Assim, cada legislatura, que no Brasil corresponde ao período de
tempo do mandato dos deputados federais, isto é, quatro anos, é entendida como uma,
compreendendo todos os assuntos e trabalhos discutidos como fruto de um grupo de
mandatários. Com isto se busca eliminar as propostas não discutidas ou votadas na legislatura
anterior, visto que ao final de cada legislatura consideram-se finalizados todos os assuntos,
seja qual for o estado de sua deliberação, deixando “livres” os novos legisladores.

Finalmente, o (v) princípio do exame prévio do projeto por comissões


parlamentares, muito próximo da idéia do princípio da separação da discussão e votação,
procura organizar a produção legislativa, permitindo que as comissões especializadas possam
emitir pareceres técnicos sobre a conveniência e constitucionalidade dos projetos,
aprimorando a qualidade da técnica legislativa.

80
Na Câmara dos Deputados: www.camara.gov.br e, no Senado Federal: www.senado.gov.br (ambos acessados em 24 de
outubro de 2007).
38

2. Organização do Poder Legislativo Brasileiro


O Poder Legislativo Brasileiro se organiza em três esferas federativas.
Primeiro, o Congresso Nacional, que representa o Legislativo federal, composto por duas
Câmaras (dos Deputados e Senado). Segundo, as Assembléias Legislativas e Câmara
Legislativa, respectivamente representativas dos Legislativos dos Estados-membros e do
Distrito Federal, sendo unicameral. Finalmente, numa terceira esfera, municipal, onde o Poder
Legislativo é exercido pela Câmara Municipal dos Vereadores.

A seguir estudaremos com maiores detalhes a organização federal do Poder


Legislativo brasileiro, estudando a forma bicameral de legislatura, seguida da análise sucinta
das Casas legislativas formadoras do Congresso Nacional e seus dois principais órgãos
atuantes na produção legislativa.

2.1. Bicameralismo federativo formador do Congresso Nacional


O bicameralismo se caracteriza essencialmente não apenas pela existência de
duas Câmaras, mas também por ambas exercerem as mesmas funções.

Não obstante alguma doutrina informar o contrário, o bicameralismo não é


81
necessário no federalismo . O Brasil mesmo já viveu experiência de um unicameralismo
imperfeito em conjunto com o sistema federalista, que se deu na vigência das Constituições de
1934 e 1937, segundo a qual o Senado, ainda que existente, era mero auxiliar da função
legislativa, não sendo contado nem mesmo como órgão legislativo.

Não obstante tal experiência, a história constitucional brasileira denota a


tradição bicameral entre nós. A Constituição Imperial de 1824, apesar de pouco democrática e
não federativa, previa a Câmara dos Deputados e o Senado Imperial na formação da
Assembléia Geral do Império. A Constituição de 1891, por sua vez, adotando a teoria norte-
americana, previu o Congresso Nacional bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e o
Senado Federal. Finalmente, após a experiência díspare de 1934 e 1937, a Constituição de
1946 retornou a tradição federalista, adotando o sistema bicameral, no que foi copiada pelas
Constituições de 1967 e a atual de 1988.

O bicameralismo no sistema federativo, apesar de não ser necessário,


teoricamente é bastante bem vindo. Isto, pois reflete na organização do Legislativo a estrutura

81
Aliás, muitos criticam a existência do sistema bicameral, por entenderem ser desnecessária a existência do Senado federal,
visto que este não representa propriamente os Estados-membros. Tal argumento toma maior relevo nas realidades brasileira
e norte-americana, nas quais os senadores, a exemplo dos deputados, são eleitos, não atuando propriamente como
delegados dos Estados-membros. Isto, segundo os críticos, deturpa o equilíbrio representativo dos Estados-membros no
Congresso Nacional. Cf. José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 74-76.
39

organizacional federal, que aglutina os diversos Estados-membros numa só União, mas lhe
garante grande autonomia. Assim, se prevê uma Câmara representativa do povo em sua
unidade, a Câmara dos Deputados. E outra, representativa dos Estados-membros, com igual
número de representantes por Estado.

Assim, sendo adotado o bicameralismo em nossa realidade, analisaremos cada


uma sucintamente a seguir.

2.2. Câmara dos Deputados


A Câmara dos Deputados, conforme já dito, é a Casa Legislativa responsável
pela representatividade do povo diretamente. Os seus membros são eleitos pelo sistema
proporcional com cláusula de barreira (isto faz com que os votos sigam primeiro para a
82
legenda e depois para o candidato) , possuindo mandato para quatro anos. Segundo este
sistema ainda, só é aceito candidaturas de pessoas filiadas a algum partido político, sendo que
nenhum Estado-membro ou o Distrito Federal podem ter menos do que oito representantes ou
mais do que setenta.

Além de estarem filiados a algum partido político, os candidatos eleitos


necessitam ser brasileiros, gozar de direitos políticos e possuir mais do que vinte e um anos de
idade.

2.3. Senado Federal


O Senado Federal, por sua vez, é o órgão que representa a federação no Poder
Legislativo, compondo-se de três representantes de cada Estado-membro e do Distrito
Federal, sendo os mandatos de oito anos com renovações a cada quatro anos, alternadamente,
por um e dois terços. A eleição dos representantes, diferentemente dos deputados, não é feita
pelo sistema proporcional, mas sim pelo sistema majoritário de maioria relativa (o que elege o
candidato com maior número de sufrágios) 83.

O candidato a Senador também precisa estar filiado a algum partido político,


ser brasileiro e gozar de direitos políticos, mas necessita possuir ao menos trinta e cinco anos.

82
Maiores detalhes a respeito dos cálculos nos sistemas eleitorais brasileiros podem ser encontrados no didático texto de
Jairo Nicolau em: Jairo NICOLAU, O sistema eleitoral brasileiro, in: Lúcia AVELAR; Antônio Octávio CINTRA (Org.),
Sistema político brasileiro: uma introdução, p. 293-301.
83
Cf. nota anterior.
40

2.4. Órgãos atuantes da produção legislativa no Congresso Nacional


O exercício do Poder Legislativo por ambas as casas é de certa forma bastante
complexo. Neste sentido, a sua organização depende de uma série de órgãos internos próprios.
No exercício da função legislativa, destacam-se dois conjuntos de órgãos, quais sejam as
Mesas diretoras (função administrativa) e as Comissões parlamentares (função legislativa
propriamente).

2.4.1. Mesas diretoras

Ambas as Casas Legislativas possuem suas respectivas Mesas diretoras,


responsáveis pela direção, polícia e administração do Legislativo, exercendo, portanto funções
eminentemente administrativas, de modo a organizar o processo legislativo nas deliberações e
votações, sendo responsável pela direção mesmo dos trabalhos legislativos em cada Casa.

Ambas as Mesas são compostas por membros das respectivas casas eleitos para
mandatos de dois anos, vedada a recondução, sendo a composição de um presidente, dois
vice-presidentes e quatro secretários (no Senado ainda contam dois suplentes de secretários).
Em qualquer caso, o artigo 58, § 1º da Constituição Federal impõe que se obedeça, na
composição das Mesas e na medida do possível, a representação proporcional dos partidos da
respectiva Casa.

2.4.2. Comissões parlamentares

As comissões parlamentares são os organismos internos de cada Casa,


compostos por número restrito de membros, cuja função é apresentar pareceres a respeito do
84
estudo e exame de proposições legislativas . Assim são organismos que atuam diretamente
na função legislativa, pois examinam todas as proposições, de modo a esclarecer o assunto de
que tratam, podendo aprimorá-las e esclarecer os demais membros da Casa.

Tais comissões podem derivar do próprio texto constitucional ou conforme a


conveniência da Casa Legislativa, podendo existir comissões permanentes ou temporárias,
conforme o caso. Ademais, é de se dizer que cada Casa organiza suas próprias comissões, mas
nada impede que sejam formadas comissões mistas de Deputados e Senadores.

Destarte, constitucionalmente são previstas duas comissões permanentes. Uma,


que na verdade é um grupo, são as comissões temáticas, separadas pela matéria que analisam,
recebendo um arcabouço jurídico peculiar, inscrito no artigo 58, § 2º da Constituição Federal
e que permite, entre outras prerrogativas, discutir e votar projeto de lei que dispensar, na
84
Cf. José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 98.
41

forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos


membros da Casa.

Outra comissão permanente prevista constitucionalmente é a do artigo 166, §


1º da Constituição, que estabelece a Comissão Mista de Orçamento, formada, portanto, por
Deputados e Senadores, cuja função é analisar detidamente o orçamento anual apresentado
pelo Executivo, bem como as emendas oferecidas a este, das contas apresentadas pelo
Presidente da República e a efetivar a fiscalização orçamentária.

Outrossim, restam as comissões temporárias, sendo constituídas para dada


finalidade, cujo objetivo, uma vez atingido, as extingue. Exemplo de comissão temporária
prevista constitucionalmente é a de análise de Medidas Provisórias do artigo 62, § 9º da Carta
Maior, que não obstante controvérsias, é entendida como temporária pela Resolução nº.
85
01/2002 do Congresso Nacional (artigo 2º) . Temos ainda a representativa do Congresso
Nacional nos períodos de recesso, prevista pelo artigo 58, § 4º da Constituição Federal.

A Constituição prevê ainda, em seu artigo 140, comissão parlamentar


temporária do Congresso Nacional para acompanhamento dos estados de sítio ou de defesa.

Ademais, resta um conjunto especial de comissões, de cunho temporário,


prevista pelo artigo 58, § 3º da Constituição, que são as comissões parlamentares de inquérito
(CPI). Estas podem ser formadas isoladamente em cada uma das casas ou ser mista, com
membros de ambas as casas, obedecidos os requisitos da norma constitucional. Sua função é
justamente investigar a determinado fato certo de grande relevância nacional, possuindo
poderes de investigação próprio das autoridades judiciais, enviando suas conclusões ao
Ministério Público para o apuramento da responsabilidade civil ou criminal dos infratores
identificados.

3. Visão Geral do Processo Legislativo Brasileiro na Constituição Federal de


1988
Vista a organização do Poder Legislativo, cabe agora averiguar o processo
legislativo brasileiro. Este processo é estabelecido pela Constituição Federal entre seus artigos
59 e 69, complementando-o as diversas disposições regimentais da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal.

85
A este respeito, Cf. Luiz Alberto David ARAUJO; Vidal Serrano NUNES JÚNIOR, Curso de direito constitucional, p.
311.
42

A seguir analisaremos rapidamente as espécies legislativas previstas


constitucionalmente. Em seguida veremos um resumo das diversas espécies de processos
legislativos previstos e, finalmente, faremos um corte metodológico para o melhor
entendimento do processo legislativo brasileiro.

3.1. As espécies legislativas


A Constituição Federal estabeleceu formalmente as espécies legislativas
válidas no ordenamento jurídico brasileiro em seu artigo 59. Neste sentido, são espécies
legislativas: (i) emendas à Constituição; (ii) leis complementares; (iii) leis ordinárias; (iv) leis
delegadas; (v) medidas provisórias; (vi) decretos legislativos; e (vii) resoluções.

As (i) emendas à Constituição são, como o próprio nome diz, a espécie


legislativa própria para modificação das normas constitucionais. Neste sentido, obedecem aos
comandos do artigo 60 da Constituição Federal, merecendo destaque o quórum especial de
aprovação de 2/3 dos membros das Casas, a necessária votação em dois turnos em cada Casa
e a relação de matérias que não podem sofrer alterações (cláusulas pétreas).

As (ii) leis complementares são leis comuns, mas que, em virtude de disposição
do artigo 69 da Constituição possuem quórum de maioria absoluta, portanto mais dificultoso,
para aprovação. Assim, algumas matérias, cuja modificação legislativa deve-se dar com
menor freqüência, são reservadas pela própria Constituição apenas para regulamentação por
lei complementar, como é o caso da edição de normas gerais de direito tributário (art. 146,
CF).

As (iii) leis ordinárias, por sua vez, são as leis comuns na acepção literal da
palavra. Constituem a maior parte da legislação infraconstitucional, não se incluindo aqui, é
evidente, as normas de cunho regulamentar. Assim, as disposições gerais acerca do processo
legislativo se direcionam à sua produção.

As (iv) leis delegadas, com procedimento previsto no artigo 68 da Constituição


Federal, constituem autorizações excepcionais requisitadas pelo Presidente da República e
autorizadas pelo Congresso Nacional, de modo que aquele legisle em lugar deste, podendo o
Congresso exigir que o projeto produzido pelo Presidente seja analisado pelo próprio
Congresso antes da promulgação.

As (v) medidas provisórias, em que pese a idéia corrente de serem corriqueiras,


deveriam ser medidas de caráter emergencial, pautadas pelos critérios de relevância e
43

urgência, conforme as limitações e procedimento especial do artigo 62 da Constituição


Federal.

Os (vi) decretos legislativos são utilizados pelo Congresso Nacional para editar
normas de cunho administrativo, pelo qual se dá efetividade a sua deliberação em matéria de
sua competência. É por meio do decreto legislativo, por exemplo, que o Congresso Nacional
executa sua competência de resolver a respeito de tratados internacionais (art. 49, I, CF).

As (vii) resoluções, finalmente, tratam de regular matérias da competência do


Congresso Nacional e de suas Casas e que, em geral, possuem efeitos interna corporis.
Assim, os regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por exemplo, são
aprovados por resoluções. Não obstante, existem casos excepcionais, nos quais as resoluções
operam efeitos externos ao Congresso, como é o caso da resolução que aprova a delegação de
lei ao Presidente da República (artigo 68, § 2º).

Verificaremos a seguir os processos legislativos próprios para a produção


legislativa pátria.

3.2. Classificação do processo legislativo em relação à seqüência de fases


procedimentais e sua celeridade
86
Conforme bem expõe Moraes , podemos dividir o processo legislativo,
quanto à seqüência de seu procedimento e sua celeridade em processo ordinário, sumário ou
especiais.

O processo legislativo ordinário é o comum, mais usual e longo, utilizado em


geral para edição de leis comuns, isto é, das leis ordinárias, não havendo prazos a serem
cumpridos.

O processo legislativo sumário, por sua vez, constitui cópia do processo


ordinário, com a diferença de que aqui o Congresso possui prazo para finalização do processo,
sob pena de interromperem-se as demais deliberações até a conclusão do processo sumário.

Finalmente, os processos legislativos especiais cuidam dos diversos


procedimentos específicos das demais espécies legislativas, que não a ordinária. Saliente-se,
contudo, que todos partem do processo ordinário, alterando-lhe pouco, como nos processos de
produção de leis complementares, ou muito, como no caso de produção de medidas
provisórias.

86
Cf. Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p. 547.
44

3.3. O processo legislativo ordinário como objeto de estudo


Como visto, o processo legislativo ordinário constitui a base de estudos geral
dos demais procedimentos. Neste sentido, um estudo pormenorizado deste procedimento é
indicado para que, depois sejam estudadas as peculiaridades de cada espécie legislativa
particular.

Assim, analisaremos a seguir o procedimento legislativo ordinário. Contudo,


não faremos a análise dos demais procedimentos, uma vez que para o escopo deste trabalho,
que é a análise da constitucionalidade formal de uma lei ordinária, basta a este estudo,
fugindo-lhe, e muito, considerações adicionais sobre as demais figuras legislativas.

4. O Processo Legislativo Ordinário na Constituição Federal de 1988


Conforme o já exposto, o processo legislativo ordinário é o mais comum
estabelecido constitucionalmente. Neste sentido, volta-se à produção de uma lei ordinária e
serve de base de estudos para os demais processos legislativos especiais.
87
Podemos, a exemplo de Moraes , dividir o processo legislativo ordinário em
três fases: introdutória, constitutiva e complementar. Verifiquemo-nas a seguir.

4.1. Fase introdutória


A fase introdutória do processo ordinário poderia ser também chamada de fase
das iniciativas. É esta fase que introduz, isto é, inicia o processo legislativo. Tal início se dá
por um ato específico, nomeado iniciativa. Conforme o esclarecimento de Ferreira Filho 88, a
iniciativa é ato pelo qual é proposto novo direito. Trata-se de ato formal que declara vontade,
devendo ser formulada por escrito e articulada, e manifestada pelo depósito do projeto junto à
autoridade competente.

Caracteriza-se a iniciativa ainda de outras formas, conforme o agente que atua.


Assim, temos em regra a iniciativa parlamentar, ou seja, a iniciativa que se dá por meio da
prerrogativa constitucional dos membros do Congresso Nacional em apresentar projetos de
lei. Ademais, existem as inúmeras iniciativas extra-parlamentares, conferidas pela
Constituição ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais
Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos (popular), conforme estabelece
o artigo 61 da Constituição de 1988.

87
Cf. Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p. 547-562.
88
Cf. Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, Do processo legislativo, p. 206.
45

Finalmente, deve-se diferenciar a iniciativa concorrente da privativa, que diz


respeito à competência para iniciar o processo legislativo. A regra é que as iniciativas de
projetos de lei ordinária sejam concorrentes, isto é, pertençam a mais de um legitimado
concomitantemente, como em geral é dos parlamentares e do Presidente da República.
Excepcionalmente a Constituição faz reservas materiais, estabelecendo matérias de iniciativa
privativa ou exclusiva de determinada pessoa, como faz com projeto de lei que vise fixar ou
modificar os efetivos das Forças Armadas, cuja iniciativa é privativa do Presidente (art. 61, §
1º, I, CF).

Uma última característica importante da iniciativa no processo legislativo, à


parte das regras de competência, é que a pessoa que iniciar o processo determina em que Casa
este se inicia, pontuando qual será a Casa iniciadora, onde se dará a deliberação principal, e
qual será a Casa revisora, onde se dará a revisão do projeto de lei. Isto, pois as iniciativas
parlamentares dão início ao processo na Casa Legislativa da qual o parlamentar que
apresentou o projeto faz parte. De outra forma, os artigos 61, § 2º e 64 da Constituição
Federal estabelecem que as leis de iniciativa popular, do Presidente da República, do Supremo
Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.

4.2. Fase constitutiva


Finda a fase introdutória do processo legislativo, passamos à fase constitutiva.
Nesta fase é que se constitui propriamente o diploma legislativo, havendo a participação de
ambas as Casas do Congresso Nacional (deliberação parlamentar) e, posteriormente, do
Presidente da República (deliberação executiva).

4.2.1. Deliberação parlamentar

A deliberação parlamentar se inicia a partir do recebimento do projeto de lei na


Casa iniciadora adequada, conforme as regras de iniciativas legislativas já estudadas.
Recebido e processado o projeto de lei, inicia-se a instrução do processo legislativo com a
análise de sua constitucionalidade (controle de constitucionalidade prévio político) pela
Comissão de Constituição e Justiça da Casa iniciadora e, em seguida, passa-se à análise do
mérito pelas Comissões temáticas.

Uma vez analisado o projeto nas Comissões exigidas, pontuadas as devidas


emendas parlamentares 89, caso o projeto já não tenha sido votado na própria Comissão (artigo

89
Ressalte-se que Alexandre de Moraes apresenta uma classificação para as diversas espécies de emendas parlamentares
(supressivas, aditivas, aglutinativas, modificativas, substitutivas e de redação), mas que, por não adicionar nada ao presente
46

58, § 2º, I, CF), seja porque não havia autorização do regimento interno, seja porque houve
recurso de um décimo dos membros da Casa, o mesmo segue para votação em Plenário.

Uma vez em Plenário, a aprovação do projeto de lei ordinária obedece à regra


geral de votações do artigo 47 da Constituição Federal, pelo qual é suficiente maioria simples
para aprovação, desde que presentes ao menos a maioria absoluta dos membros da respectiva
Casa Legislativa.

O projeto de lei aprovado pela Casa iniciadora, em Plenário ou por Comissão,


segue para deliberação na Casa revisora, na qual haverá toda a fase de instrução novamente,
inclusive com a análise da constitucionalidade, da matéria, colocação de eventuais emendas
parlamentares e votação (em Plenário ou não).

Na Casa revisora, caso o projeto seja aprovado sem modificações, o mesmo


segue para autógrafos e posterior deliberação executiva. Contudo, havendo qualquer
modificação (emendas), o texto modificado segue para re-análise da Casa iniciadora. A Casa
iniciadora então deliberará sobre as emendas de revisão em único turno, não havendo, em
regra, possibilidade de subemenda (exceções são contempladas pelos regimentos internos)
pelos parlamentares iniciadores. Caso as emendas não sejam aprovadas, seguem para arquivo.
Caso as mesmas sejam aprovadas, entretanto, segue o projeto para autógrafos e posterior
deliberação executiva.

O autógrafo, conforme Moraes, “constitui o instrumento formal


consubstanciador do texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo, devendo refletir,
com fidelidade, em seu conteúdo intrínseco, o resultado da deliberação parlamentar, antes de
90
ser remetido ao Presidente da República” . Desta forma, nada mais é o autógrafo do que a
aprovação final do texto aprovado pelo Congresso Nacional, antes que se inicie a deliberação
executiva do mesmo.

4.2.1.1. Prazos para a deliberação parlamentar

Em regra, a deliberação parlamentar não enfrenta limite temporal para seus


projetos de lei em regime normal de deliberação. Assim, o sistema constitucional não lhe
imputa qualquer sanção pela demora na deliberação. Contudo, o artigo 64, §§ 1º a 4º da
Constituição Federal, estabelece regime de urgência para a deliberação, o que também é
conhecido, como já informado anteriormente, por processo legislativo sumário.

trabalho e serem de, data venia, discutível utilidade, não serão apresentadas. Em todo o caso Cf. Alexandre de MORAES,
Direito constitucional, p. 557.
90
Alexandre de MORAES, Direito constitucional, p. 557.
47

Esse regime especial do processo legislativo impõe limite temporal às atuações


das Casas do Congresso Nacional em projetos de iniciativa (privativa ou concorrente) do
Presidente da República, mediante especial requisição deste. Neste sentido, os requisitos para
o regime de urgência são, justamente, (i) a existência de um projeto de lei sob iniciativa do
Presidente e, (ii) o pedido formal do Presidente ao Congresso Nacional.

Sob o regime de urgência, os projetos de lei devem ser deliberados por cada
uma das Casas Legislativas em até quarenta e cinco dias (em cada uma), restando apenas dez
dias para apreciação pela Casa iniciadora (Câmara dos Deputados nos projetos de iniciativa
do Presidente) das emendas da Casa revisora. Findo tais prazos, independentemente da
situação do projeto não finalizado, todas as demais deliberações legislativas da respectiva
Casa que descumpriu o prazo serão sobrestadas (pauta trancada), com exceção das que
tenham prazo constitucional determinado.

4.2.2. Deliberação executiva

O projeto de lei aprovado e autografado no Congresso Nacional segue para


análise do Poder Executivo (Presidente da República), que pode então ter duas atitudes
essenciais. Primeiro, vetar o projeto de lei, ou seja, estabelecer sua discordância com o
projeto. Segundo, sancionar o projeto, estabelecendo sua concordância com o mesmo e
criando a lei 91.

Tanto veto quanto sanção, podem ser totais, abarcando todo o projeto de lei, ou
parciais, abarcando apenas parcela do projeto, vedada a supressão (veto) de expressões
textuais, mas tão somente de dispositivos inteiros. Além disso, a sanção pode ser expressa,
quando o Presidente manifesta positivamente sua concordância com o projeto de lei; ou pode
ser tácita, quando o Presidente não manifesta sua opinião quanto ao projeto de lei dentro do
prazo de quinze dias úteis, ou seja, quando não há veto neste prazo, presumindo-se a
concordância executiva.

O veto, por sua vez, que, entre nós, sempre deverá ser expresso, motivado, total
92
ou parcial, supressivo e superável, se dá em duas vertentes . Primeiro, pode ser jurídico,

91
Em muito se discute se é a sanção ou a promulgação que fazem a lei surgir no ordenamento jurídico. Contudo, por não ser
pertinente ao trabalho, entendemos como a posição mais aceita, de que a sanção cria a lei, sendo a promulgação necessária
apenas para atribuição de obrigatoriedade à mesma. Para maiores detalhes Cf. Alexandre de MORAES, Direito
constitucional, p. 562.
92
O veto deverá ser expresso, pois caso contrário há entendimento de presunção de concordância, ocorrendo a sanção tácita
caso não haja veto dentro de quinze dias úteis do recebimento do projeto de lei. O veto será ainda motivado e por escrito,
de modo que se conheçam as razões jurídicas, políticas ou jurídico-políticas do mesmo. Ademais, o veto terá de ser total ou
parcial, devendo isto ser claramente declarado e lembrando que o veto parcial não recai sobre expressões soltas do texto,
mas tão somente sobre dispositivo legislativo integral, tal qual um artigo, parágrafo, inciso ou alínea. Outrossim, o veto
48

quando há motivação no sentido de violação de constitucionalidade, sendo o projeto


inconstitucional. Segundo, pode ser político, ou seja, contrário ao interesse público. É
evidente que o mesmo veto pode ser jurídico e político.

Bem, uma vez sancionado o projeto de lei a lei segue para promulgação pelo
Presidente em até quarenta e oito horas. Caso haja veto, jurídico ou político, a matéria vetada
é retornada ao Congresso Nacional e a matéria sancionada, se houver, é promulgada. No
Congresso, a matéria vetada é analisada em escrutínio secreto, quando os congressistas
decidirão pela manutenção do veto e conseqüente arquivo dos dispositivos vetados, ou
decidirão pela derrubada do veto por maioria absoluta dos Deputados e Senadores, caso em
que o projeto re-analisado é re-enviado ao Presidente da República para promulgação, início
da fase complementar do processo legislativo.

4.3. Fase complementar


A fase complementar do processo legislativo, por sua vez, compreenderá tanto
a promulgação quanto a publicação da lei, dando-lhe, respectivamente, executoriedade
(obrigatoriedade) e publicidade (notoriedade).

4.3.1. Promulgação legislativa


93
Conforme ensina Ferreira Filho , incide sobre um ato perfeito e acabado,
atestando a inovação da ordem jurídica e informando a edição da nova lei e concedendo a tal
ato perfeito presunção de validade. Garante-lhe a promulgação, portanto, a obrigatoriedade
própria da norma jurídica, que já existia desde o momento da sanção 94.

A promulgação, por informação expressa do artigo 66, § 7º da Constituição


95
Federal é obrigação do Presidente da República, inclusive nos casos de derrubada de seu
veto pelo Congresso Nacional, em até quarenta e oito horas da sanção (tácita ou expressa) ou
da derrubada do veto, sendo tal obrigação eventualmente transmitida ao Presidente do Senado
e, em sua omissão ao Vice-Presidente do Senado.

será supressivo, cabendo a ele apenas retirar pedaços do texto, mas nunca acrescentá-los. Finalmente, o veto deverá ser
superável, pois ainda será objeto de deliberação no Congresso Nacional, que poderá mantê-lo ou suspendê-lo.
93
Cf. Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, Do processo legislativo, p. 249-250.
94
Cf. nota 79.
95
Conforme informa José Afonso da Silva, os dispositivos constitucionais aplicáveis ao caso, especialmente o art. 66, § 7º da
CF, não deixam margem de dúvida quanto à obrigação do Presidente da República em promulgar as leis aprovadas.
Obrigação tal que, na omissão do primeiro é transmitida ao Presidente do Senado Federal e, em sua omissão, ao Vice-
Presidente do Senado. Caso haja omissão deste último, questiona-se se poderia o Poder Judiciário promulgar a lei, visto
que existiria lei, mas ineficaz. José Afonso entende que, diante da inércia dos Poderes, o Judiciário não pode se intrometer,
devendo ser apurada a responsabilidade dos envolvidos, que cometem claramente crime de responsabilidade. Cf. José
Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 234-237.
49

4.3.2. Publicação legislativa

A publicação legislativa, nos dizeres de Manoel Gonçalves Ferreira Filho,


constitui “numa comunicação dirigida a todos os que devem cumprir o ato normativo,
96
informando-os de sua existência e de seu conteúdo” . A publicação é o ato, portanto, que
confere publicidade, ou seja, notoriedade à lei promulgada e, portanto, existente e obrigatória.
97
A obrigação de publicar, como bem explica José Afonso da Silva , em que
pese a falta de disposição constitucional expressa, também é do Presidente da República,
seguido em sua omissão respectivamente do Presidente e do Vice-Presidente do Senado, uma
vez que decorre por analogia da própria obrigação de promulgar. Assim, sendo, aplica-se o
mesmo prazo de quarenta e oito horas da promulgação para a publicação.

Finalmente, uma vez publicada a lei, a mesma passa a valer quando cumprida
sua vacatio legis, que, em regra é de quarenta e cinco dias contados da data de sua publicação
(art. 1º, Lei de Introdução ao Código Civil), podendo a própria lei reduzir ou alargar este
prazo.

96
Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, Op. cit., p. 251.
97
“Há, portanto, obrigação de publicar decorrente da obrigação de promulgar. A autoridade que emitir o ato de promulgação
tem que providenciar imediata publicação” (José Afonso da SILVA, Processo constitucional de formação das leis, p. 253).
50

III

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ARTIGO 475-


N, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O presente trabalho já verificou os meandros teóricos do controle de


constitucionalidade e do processo legislativo brasileiro. Assim sendo, cabe agora seguir
adiante e aplicar tal teoria ao escopo deste mesmo trabalho, qual seja a apreciação da
constitucionalidade formal do artigo 475-N, I do Código de Processo Civil Brasileiro, recém
criado pela lei federal 11.232/2005.

A análise de tal dispositivo implica, num primeiro momento, o entendimento


do contexto no qual a alteração legislativa se aplica, verificando as possíveis interpretações
desta alteração, de modo que se entendam os possíveis significados do dispositivo. Em
seguida, verificar-se-á o processo legislativo que culminou na publicação da referida lei,
retirando desta verificação os possíveis vícios formais em todas as três fases do processo.
Finalmente, verificaremos ainda as conseqüências normativas de uma eventual declaração de
inconstitucionalidade formal do dispositivo em questão.

1. A Nova Reforma do Código de Processo Civil Brasileiro e a Reforma do


Judiciário como Contexto à Alteração do Artigo 475-N, I
A Emenda Constitucional nº. 45 de 8 de dezembro de 2004, vulgarmente
apelidada de “Reforma do Judiciário” alterou diversos dispositivos constitucionais com o
98
singular objetivo de garantir maior celeridade à Justiça brasileira . Não é por outro motivo
que foi esse diploma que inclui entre o rol de direitos e garantias fundamentais o direito a um
processo judicial ou administrativo célere, positivando o princípio da economia e celeridade
processuais 99.

98
A Justiça brasileira encontra-se à beira do colapso, conforme noticiam os principais canais informação. A revista eletrônica
Consultor Jurídico divulgou em diversas reportagens dados emitidos por estudo do Supremo Tribunal Federal a respeito do
estado da Justiça federal e estadual no país. Segundo este estudo, mais da metade dos processos recebidos pela Justiça não
são julgados em menos de um ano, sendo o Primeiro Grau da Justiça Federal aquele tido como o mais lento (dados obtidos
por intermédio dos artigos “Produtividade do Judiciário” (Luciana NANCI,
http://conjur.estadao.com.br/static/text/34664,1, acessado em 12 de outubro de 2007) e “Cara e lenta” (Revista
CONSULTOR JURÍDICO, http://conjur.estadao.com.br/static/text/34630,1, acessado em 12 de outubro de 2007).
Outrossim, a lentidão da Justiça brasileira também é apontada como preocupante pelo relatório da Anistia Internacional
sobre os direitos humanos no mundo, o qual, ao falar do sistema judicial, ressalta a questão da impunidade: “A extrema
lentidão e a ineficácia do sistema judicial reforçaram a impunidade para violações dos direitos humanos” (Anistia
Internacional Informe 2007, http://www.br.amnesty.org/relatorio2007.shtml, acessado em 12 de outubro de 2007).
99
Art. 5º – (...):
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
51

Nesse sentido é que se deu início à novíssima tentativa legislativa de alterar o


ordenamento jurídico de modo a garantir uma tutela jurisdicional tempestiva. Todavia, a
simples edição da Emenda Constitucional em referência e a inclusão do artigo 5º, LXXVIII
no texto constitucional não seriam suficientes para tanto 100. Sabendo disso é que o legislador
passou a aparelhar o Judiciário, de modo que este pudesse concretizar o novel instituto
fundamental.

Nesse contexto, o legislador pátrio passou a elaborar, no âmbito do processo


civil, uma série de reformas, cujo escopo é otimizá-lo, garantindo o direito a uma justiça
efetiva, o que tem sido chamado de nova etapa da reforma do Código de Processo Civil
101
(CPC) , o qual, desde sua publicação em 1973, tem sido objeto de modificações pontuais.
Assim sendo, editou, entre tantas outras medidas, a lei federal 11.232 de 22 de dezembro de
2005, com o claro intuito de modernizar o Processo de Execução.

Não se trata aqui de permear todas as modificações (e dúvidas) trazidas pela


reforma, que são enormes, mas destacar o complexo contexto no qual se insere o novo texto
do artigo 475-N, I do CPC, inserido pela lei 11.232/2005. Verifiquemos a seguir o seu teor e a
possível modificação que vem trazer.

1.1. O artigo 475-N, I do Código de Processo Civil


102
Como bem explica Scarpinella Bueno , o artigo 475-N, como um todo, vem
103
substituir em novo local e com novo teor a disciplina do recém-revogado artigo 584 ,
tratando do rol de títulos executivos judiciais, sendo que em seu inciso I, previu a sentença do
processo civil como tal. Assim sendo, vale a pena observar, segundo a arguta sistemática de
Bueno 104, as redações anterior e atual da norma jurídica lado a lado:

100
Neste sentido a lição de José Afonso da Silva: “(...). É aqui que a garantia de celeridade da tramitação tem sua
importância, já que o que se tem não é uma garantia abstrata da celeridade, mas o dever de peordenar (sic!) meios para ser
alcançada. De certo modo, enquanto não se aparelhar o Judiciário com tais meios, a razoabilidade da demora fica sempre a
saber se o magistrado tinha, ou não, possibilidade de fazer andar seu processo mais rapidamente. Corre-se, assim, o risco
da previsão de mais uma garantia individual sujeita à ineficácia, já que ela vai depender de providências ulteriores” (José
Afonso da SILVA, Comentário contextual à constituição, p. 176).
101
Esse título tem sido atribuído pela doutrina processualista civil, sendo de principal destaque a obra de Cassio Scarpinella
Bueno.
102
Cf. Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 1: comentários
sistemáticos às Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 159-160.
103
Tal revogação se deu expressamente pelo artigo 9º da lei 11.232/2005.
104
Cf. Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 1: comentários
sistemáticos às Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 159.
52

Norma atual Norma anterior


Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: Art. 584. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil que I – a sentença condenatória proferida no
reconheça a existência de obrigação de fazer, processo civil;
não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
Como se pode observar, a nova redação é bastante distinta da redação anterior.
Resta descobrir, sem óbice, as possíveis modificações interpretativas geradas pela alteração
redacional.

A relevância de tal verificação se insere na própria análise da


constitucionalidade formal do dispositivo em questão, pois, como se verá, em determinado
momento do processo legislativo, o referido dispositivo possuía sua redação idêntica à do
revogado artigo 584, I.

1.2. A interpretação do artigo 475-N, I do Código de Processo Civil


As redações em questão, como bem explicado pela doutrina processualista
civil, podem ser interpretadas, pelo menos, de duas formas. Uma primeira, de certa sorte,
evolucionista, entende que houve modificação clara do conceito de sentença como título
executivo judicial, tendo o novo instituto ampliado o significado do antigo, como se
depreende da lição de Scarpinella Bueno:

(...). A redação dada ao inciso I do art. 475-N – (...) – é mais amplo (sic!). É
título executivo judicial a sentença que reconhece a existência de obrigação
de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.

Há, rigorosamente, diferença entre uma previsão [antiga] e outra [atual]? Ela
é, apenas, redacional ou ela pode ser entendida como uma alteração
substancial, como uma alteração de conteúdo?

As minhas respostas são positivas. A diferença é gritante quando


comparadas as redações dos dois dispositivos, e ela não é, ao contrário do
que poderia parecer – e, vou além, ao contrário do que se poderia querer –
apenas redacional. (Itálicos do autor) 105

Como se pode claramente observar da lição do autor, a primeira interpretação


possível do novo dispositivo segue no sentido de que não se trata meramente de alteração

105
Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 1: comentários sistemáticos
às Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 160-161.
53

redacional, mas evidente ampliação do significado do primeiro título executivo judicial


elencado pelo Código de Processo Civil.

Não obstante, uma segunda interpretação, mais voltada com a preocupação da


constitucionalidade do dispositivo, revela que se trata, de fato, de mera alteração redacional,
explicitando o que já era interpretado da redação anterior, não modificando de qualquer
maneira a tutela jurisdicional. A este respeito, Bueno também leciona:

Ocorre que pensar no inciso I do art. 475-N como se ele pretendesse


revolucionar, de uma penada só, mais de uma centena de anos de estudos de
processo civil sobre o conteúdo e os efeitos caracterizadores de uma
sentença condenatória, apartando-a de outras sentenças, de seus conteúdos e
de seus efeitos, parece-me um despropósito sem tamanho. (...).

(...).

Por causa dessas razões e, mais ainda, para evitar questões que dizem
respeito aos laboratórios do processo e que, embora sejam relevantes, têm
muito mais aptidão de criar problemas do que resolvê-los quando
apresentados no foro em ‘estado bruto’ é que me parece, antes de tudo,
necessário não ver na redação do inciso I do art. 475-N nenhuma ‘novidade
substancial’. É como se tivesse alterado a redação do antigo inciso I do art.
584 para que não restasse dúvida nenhuma de que qualquer sentença
proferida no processo civil que diga respeito à existência de uma prestação a
ser cumprida é título executivo judicial. Pouco importa o conteúdo desta
prestação (fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia), o que releva é
que ela não foi adimplida a tempo e modo oportunos de acordo com as
regras de direito material e que por isto mesmo a atuação do Estado-juiz para
realizá-la concretamente – e, se for o caso, contra a vontade do devedor –
faz-se inevitável. (Itálicos do autor) 106

Como bem expõe o autor, uma segunda interpretação trata apenas de entender
que a nova redação apenas clareou um significado que já era extraído da antiga redação, não
ensejando mudança semântica nenhuma, mas tão somente alteração redacional. Diga-se, não
houve alteração da substância do dispositivo.

106
Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 1: comentários sistemáticos
às Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 161-162.
54

Como se verá, a aceitação de uma ou outra interpretação, ainda que possa


causar estranheza, tem ligação direta com a constitucionalidade formal do dispositivo em
questão.

2. O Processo Legislativo Formador do Artigo 475-N, I do Código de Processo


Civil
Tendo já conhecido o contexto no qual se encontra o artigo 475-N, I do Código
de Processo Civil e suas possíveis interpretações, devemos analisar sua constitucionalidade
formal. Neste sentido, verificaremos os principais pontos de seu processo legislativo,
dividindo-o na análise de suas fases introdutória, constitutiva e complementar. Finalmente,
analisaremos os vícios encontrados em relação a tal dispositivo.

Desde logo já se observa como característica geral que a lei nº. 11.232/2005 é
lei ordinária, tendo passado por processo legislativo ordinário, o que facilita a sua análise a
seguir, nos termos teóricos do processo legislativo brasileiro, conforme já apresentado 107.

2.1. Fases do processo legislativo da lei 11.232/2005


2.1.1. Fase introdutória

A fase introdutória do processo legislativo, que trata das iniciativas, se deu com
108
a Mensagem nº. 140 do Presidente da República, datada de 25 de março de 2004 . Tal
mensagem denota o respeito ao artigo 61 da Constituição Federal, que concede ao Presidente
da República a iniciativa concorrente para projetos de lei em matéria processual civil, que é
matéria de legislação privativa da União federal (art. 22, I, CF).

Tendo sido processado na Câmara dos Deputados, em estreita consonância


com o artigo 64 da Constituição Federal, o projeto de lei anexo à referida Mensagem, gerou o
Projeto de Lei nº. 3.253/2004 nesta Casa legislativa, dando início à fase constitutiva do
processo legislativo.

107
Todo o processo legislativo a seguir foi acompanhado nos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados (eCÂMARA,
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=158523, acessado em 18 de outubro de 2007) e do Senado Federal
(Atividade Legislativa,
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=69455&titulo=MSG%20140%20de%202004%
20(%20Origem:%20PRESIDENCIA%20DA%20REPUBLICA%20), acessado em 18 de outubro de 2007).
108
A cópia digitalizada do documento pode ser conferida em, Câmara dos Deputados – eCâmara,
http://imagem.camara.gov.br/MostraIntegraImagem.asp?strSiglaProp=PL&intProp=3253&intAnoProp=2004&intParte
Prop=2&codOrgao=100043, acessado em 18 de outubro de 2007.
55

2.1.2. Fase constitutiva

Uma vez na Câmara dos Deputados em sua Comissão de Constituição, Justiça


e Cidadania (CCJC), tendo sido designado relator do projeto o Deputado Inaldo Leitão (PL-
PB), o mesmo sofreu cinco emendas, mas nenhuma em relação ao seu artigo 475-N, I,
fugindo, portanto de nosso escopo.

A deliberação a respeito do projeto de lei seguiu seu curso normal, tendo sido
sua Redação Final com as emendas aprovada por unanimidade pela CCJC em 07 de julho de
2004, em consonância com o artigo 58, § 2º, I da Constituição Federal. Finda a deliberação
nesta Casa legislativa, o Projeto de Lei nº. 3.253/2004 foi enviado ao Senado federal pelo
Ofício PS-GSE/981/04 em 05 de agosto de 2004.

Tendo sido processado no Senado Federal, ali recebeu a designação de Projeto


de Lei da Câmara (PLC) nº. 52/2004, tendo sido publicado no Diário do Senado Federal
109
(DSF) em 10 de agosto de 2004 (p. 25489-25505) , e encaminhado à sua Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), foi-lhe nomeado relator o Senador Antonio Carlos Valadares
(PSB-SE).

No curso da deliberação do projeto no Senado Federal, o mesmo recebeu


quinze emendas, todas de autoria conjunta dos Senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM) e
Antero Paes de Barros (PSDB-MT), sendo-nos de maior relevância a Emenda nº. 2, assim
ementada 110:

EMENDA nº 2 – “A manutenção do termo condenatória no


inciso I do art. 475-N, tal como atualmente consta do PLC nº
52, de 2004, para referir-se às sentenças relacionadas a um
direito a prestação, afigura-se inconveniente, mas apenas de
apontar uma incoerência do processo reformista. O art. 287 do
CPC foi recentemente alterado pela Lei nº 10.444, de 2002, para,
entre outras mudanças, retirar a palavra condenação que
estava contida em seu texto.” 111

109
Cópia digitalizada disponível para consulta pública no seguinte sítio: SENADO FEDERAL,
http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/08/10082004/25489.pdf, acessado em 18 de outubro de 2007.
110
Todas as emendas podem ser conferidas no relatório oficial do Senador Antonio Valadares, publicado no DSF de 06 de
dezembro de 2005, cuja cópia é disponibilizada: SENADO FEDERAL,
http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/12/05122005/42785.pdf, acessado em 18 de outubro de 2007.
111
Cf. nota de rodapé anterior.
56

Esta foi a única emenda do curso de todo o processo deliberativo que fez
menção em alterar o teor do artigo 475-N, I do Projeto de Lei em questão. Este, seguindo o
curso do processo legislativo, foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 07 de
dezembro de 2005 com todas as modificações propostas pelas emendas parlamentares,
conforme consta do DSF de 08 de dezembro de 2005 (p. 43150-13153) 112.

Nesse mesmo documento (DSF de 08/12/2005), em sua página 43153, nota-se


que o presidente do Senado, Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), em respeito ao artigo 65,
parágrafo único da Constituição Federal, pelas modificações impostas ao projeto de lei
oriundo da Câmara dos Deputados, indica que a matéria será enviada à Câmara dos
Deputados. Todavia, na sessão do Plenário do dia seguinte, publicada no DSF de 09 de
dezembro de 2005 (p. 43536-43540) 113, ao ler e aprovar o texto integral e final do Projeto de
Lei, ao final envia o mesmo à sanção, e não de volta à Câmara, como corretamente havia feito
no dia anterior.

Seguindo o processo legislativo em sua fase constitutiva, o mesmo é remetido


em 14 de dezembro de 2005 à Ministra de Estado Chefe da Casa Civil por meio do Ofício SF
nº. 2925/2005, para que seja apresentado à deliberação executiva do Presidente da República
pelo encaminhamento da Mensagem SF nº. 246/2005 para autógrafos.

O projeto foi totalmente sancionado pelo Presidente da República em 22 de


dezembro de 2005, transformando-se na lei federal nº. 11.232/2005. Finaliza assim a fase
constitutiva do projeto com um aparente problema no processo legislativo, uma vez que o
PLC nº. 52/2004, enviado à sanção diretamente, por ter promovido alterações no texto
originário da Câmara dos Deputados, deveria ter retornado à esta, conforme mandamento
constitucional expresso (art. 65, parágrafo único, CF).

2.1.3. Fase constitutiva

A fase constitutiva, que envolve promulgação e publicação, correu


tranqüilamente. Tendo sido o mesmo sancionado expressamente pelo Presidente e, por
conseguinte, promulgado juntamente à sanção, sua publicação se deu no dia imediatamente
seguinte, no Diário Oficial da União (DOU) em 23 de dezembro de 2005, com a redação
integral aprovada pelo Senado Federal.

112
Cópia digitalizada disponível para consulta pública no seguinte sítio: SENADO FEDERAL,
http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/12/07122005/43150.pdf, acessado em 18 de outubro de 2007.
113
Cópia digitalizada disponível para consulta pública no seguinte sítio: SENADO FEDERAL,
http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2005/12/08122005/43536.pdf, acessado em 18 de outubro de 2007.
57

2.2. As irregularidades formais do processo legislativo do artigo 475-N, I do


Código de Processo Civil
Conforme já exposto, o artigo 475-N, I, foi aprovado pela Câmara dos
Deputados com uma redação (idêntica ao do revogado artigo 584, I, CPC) e, tendo sido
aprovado pelo Senado Federal com emenda parlamentar que lhe alterou a redação, a princípio,
deveria ter retornado à Câmara para re-análise, o que não aconteceu, tendo sido enviado ao
Presidente, que sancionou e publicou o projeto sob a alcunha da lei federal nº. 11.232/2005.

Tal irregularidade, a priori, revela caso típico de inconformidade do processo


legislativo estabelecido constitucionalmente, pois afronta o mandamento do artigo 65,
parágrafo único da Constituição Federal. Tal resolução, contudo, pode gerar grandes
problemas de ordem fática, de modo que cabe uma análise mais detida da inconformidade
apresentada, especialmente em conjunto com as possíveis interpretações do referido
dispositivo, e já apresentadas no início deste capítulo.

3. As Conseqüências da Declaração de Inconstitucionalidade Formal do Artigo


475-N, I do Código de Processo Civil e a Aplicação da Interpretação
Conforme a Constituição
Pelo que já foi exposto, podemos verificar claramente que, se entender-se que a
redação dada pelo Senado Federal ao artigo 475-N, I, no curso do processo legislativo,
modificou o conteúdo semântico do dispositivo, em relação à redação aprovada pela Câmara
dos Deputados, estaríamos diante de evidente inconstitucionalidade formal do dispositivo,
visto haver afronta direta ao artigo 65, parágrafo único da Constituição Federal.

Sem óbice, existe entendimento claro do Supremo Tribunal Federal, no sentido


de que, caso não haja modificação substancial do sentido do texto, não há a necessidade de
retorno à Casa iniciadora do processo, relativizando o mandamento do citado dispositivo
constitucional. Neste sentido, o voto do Ministro-relator Nelson Jobim no leading case da
Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 3:

O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter


sido simplesmente emendado.

Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de


sentido na proposição jurídica.
58

Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição


emendada. (Sem negritos no original) 114

Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal relativizou o comando do artigo


65, parágrafo único da Constituição Federal, permitindo que emendas alteradoras do texto de
projeto de lei promovidas na Casa revisora, não imponham, caso não tenham modificado a
substância normativa do texto, o retorno à Casa iniciadora do processo.

Ora, no caso em análise, do artigo 475-N, I do CPC, com a redação da lei


11.232/2005, tivemos a oportunidade de observar anteriormente, que existem ao menos duas
interpretações para a modificação redacional produzida. Assim, num primeiro caso, entende-
se que a alteração redacional promovida pelo Senado Federal alterou o conteúdo normativo do
texto, ao passo que no segundo caso, entende-se que não, que a alteração redacional apenas
clareou seu sentido, mas este permaneceu o da norma anterior.

Nesse sentido, parece-nos claro que a escolha de uma interpretação ou outra


vincula, necessariamente, a conclusão a respeito da constitucionalidade ou não da norma em
115
questão . Entenda-se, portanto, que a escolha da interpretação mais radical, de cunho
evolucionista, macularia imperiosamente a norma de vício de inconstitucionalidade, ao passo
que, se adotar-se a interpretação que entende haver mera alteração redacional, mas não
semântica, do texto, tem-se que a norma é formalmente constitucional.

Como já tivemos a oportunidade de mencionar, declarar a


inconstitucionalidade de uma norma não deve ser entendido como regra geral, devido às
drásticas conseqüências estruturais para o ordenamento jurídico. No caso sub examine, p. ex.,
declarando-se que a norma do artigo 475-N, I do CPC é inconstitucional, haveria a criação de
uma lacuna jurídica de difícil solução, visto que a norma anterior que tratava da matéria, o
artigo 584, I do CPC, foi expressamente revogado e, diante da não aplicabilidade da
116
repristinação legislativa , não haveria como se entender a sentença condenatória como
título executivo judicial, o que representa verdadeiro absurdo.

114
STF, Pleno, ADC nº. 3-0, Rel. Min. Nelson Jobim, D.J. 09/05/2003. Cf., no mesmo sentido, STF, Pleno, ADIn nº. 2.666-
6/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, D.J. 06/12/2002; STF, Pleno, ADIn nº. 2.238-5, Rel. Min. Ilmar Galvão, D.J. 21/05/2002.
115
Neste sentido já alertou Cássio Scarpinella Bueno: “Até porque a se entender que houve mesmo, no Senado Federal, uma
modificação substancial no sentido da regra – a par de tal iniciativa conspirar contra os ideais subjacentes à Lei nº.
11.232/2005, o que, no máximo poderia receber o repúdio da comunidade científica do processo –, as conseqüências daí
decorrentes são bem mais graves. É que, assim entendido, o dispositivo tende a cair em flagrante inconstitucionalidade
porque ele foi enviado à sanção (e efetivamente sancionado) sem o reenvio exigido pelo art. 65, parágrafo único, da
Constituição Federal, à Câmara dos Deputados.” (Cassio Scarpinella BUENO, A nova etapa da reforma do Código de
Processo Civil, volume 1: comentários sistemáticos às Leis nº. 11.187, de 19-10-2005, e 11.232, de 22-12-2005, p. 161).
116
É o que determina o artigo 2º, § 3º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº. 4.657/1942), que assim dispõe:
Art. 2º – (...):
§ 3º – Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
59

Sendo assim, entendendo a declaração de inconstitucionalidade como ultima


ratio a ser adotada no caso, vemos como clara possibilidade de utilização da técnica de
decisão denominada interpretação conforme a constituição, nos termos já mencionados
anteriormente. Como visto, este artifício hermenêutico tem o condão de salvar a norma da
declaração de inconstitucionalidade, pois existe uma interpretação que está de acordo com a
Constituição, a despeito de existirem outras, inconstitucionais.

Ainda que a interpretação conforme a constituição costume ser aplicada à


questões que envolvem a análise da constitucionalidade material da norma, não vemos razão
ou qualquer incompatibilidade em aplicar o instituto no controle formal de
constitucionalidade, como é o caso. Neste sentido, se presta a colocar o ordenamento jurídico
a salvo da incongruência que a declaração de inconstitucionalidade, no caso, poderia causar.

Não é por outra razão que, a nosso ver, a primeira interpretação, que enterraria
a norma por ser inconstitucional, deve ter sua aplicação vedada, devendo ser entendida como
correta, pois de acordo com a Norma Suprema, apenas a segunda interpretação, entendendo
que a modificação operada no Senado Federal foi de ordem tão somente redacional, não
influindo, no sentido normativo do texto.
60

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve, desde seu início, como sua finalidade última a análise
da constitucionalidade formal do recém criado artigo 475-N, I do Código de Processo Civil.
Neste sentido, verificamos os meandros teóricos envolvidos no controle de
constitucionalidade e no processo legislativo como um todo, para posteriormente efetuarmos
tal análise com a devida propriedade acadêmica.

Como vimos, o controle de constitucionalidade, aqui analisado sempre como


um controle judicial, existente na maior parte dos países ocidentais dotados de Constituições,
exige dois pressupostos fundamentais. Primeiro, que o sistema jurídico seja baseado numa
estrutura lógica tal, que a Constituição constitua seu fundamento de validade último,
instituindo a supremacia constitucional. O segundo pressuposto seria a existência de
processos diferenciados e mais dificultosos para alteração das normas constitucionais em
relação às normas infraconstitucionais. Trata-se, portanto, da existência de uma rigidez
constitucional.

Presentes tais pressupostos, é possível a instituição do controle de


constitucionalidade e a persecução de seus objetivos, sendo o seu maior a manutenção da
força normativa constitucional, na acepção dada por Hesse. Outrossim, o controle procura
garantir a harmonia lógica do sistema, validado na Constituição, e a proteção dos direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos.

O controle de constitucionalidade se originou, como vimos, em território norte-


americano, sendo este o primeiro dos dois modelos teóricos mais aceitos no mundo. O modelo
norte-americano teve sua origem formal na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da
América no caso Marbury v. Madison de 1803. Este sistema, formalizado na “voz” do então
Chief Justice Marshall, tem por base o princípio do stare decisis vigente na common law
norte-americana para seu funcionamento correto. Suas principais características são ser um
sistema difuso, pois qualquer juiz pode apreciar a constitucionalidade dos atos normativos, e
concreto, visto que a análise da constitucionalidade se dá prejudicialmente num caso
concreto, exigindo a existência de uma lide.

O segundo modelo de controle de constitucionalidade visto, foi o modelo


europeu-kelseniano. Como o nome revela, este modelo foi criado por Hans Kelsen na Europa
do início do século XX. Tendo por base críticas ao modelo norte-americano, Kelsen
conseguiu instituir seu modelo de controle na Constituição da Áustria de 1920. Este modelo
61

se caracteriza por ser concentrado, uma vez que todas as decisões acerca da análise de
constitucionalidade de atos normativos se concentram em um único órgão, o Tribunal
Constitucional, e abstrato, visto que a análise não exige a existência de um caso concreto,
mas tão somente o conflito normativo, que pode ser apenas em tese.

O Brasil adotou inicialmente, com a Constituição de 1891 um controle de


constitucionalidade similar ao modelo norte-americano. Contudo, já a partir da Constituição
de 1946, com a criação da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o país presenciou um
constante fortalecimento do controle concentrado, culminando na Constituição Federal de
1988 com uma série de instrumentos de controle concentrado, os quais fizeram o Supremo
Tribunal Federal ser chamado informalmente de Tribunal Constitucional brasileiro.

Ainda acerca do controle de constitucionalidade, verificou-se também sua


recente e estreita relação com as modernas formas de interpretação constitucional,
especialmente em relação às legalmente formalizadas interpretação conforme a constituição e
declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto. Em ambos os casos a maior
preocupação se dá no sentido de se evitar, com a declaração de inconstitucionalidade, que
passa a ser entendida como ultima ratio, a criação de um vácuo jurídico, devido à inexistência
de norma jurídica que regula determinada situação.

Pois bem, dentro do escopo do presente trabalho, passou a se analisar


sucintamente a teoria pertinente ao processo legislativo brasileiro, evidentemente ligado à
idéia de controle de constitucionalidade formal. De pronto se verifica que a existência de um
processo legislativo previsto constitucionalmente satisfaz, em último grau, o próprio princípio
da legalidade em si, pois é o processo que determinará aos cidadãos o que é e o que não é lei.

Verificou-se ainda que no Brasil o processo legislativo federal se pauta pela


Bicameralidade, existindo sempre uma Casa iniciadora (em geral a Câmara dos Deputados) e
uma Casa revisora (em geral o Senado Federal). Dentre as diversas espécies legislativas
previstas pelo artigo 59 da Constituição Federal, destacamos a lei ordinária e seu processo
legislativo (ordinário) por se adequar a proposta deste trabalho, uma vez que o dispositivo
analisado foi criado por lei ordinário, e, porque é o processo mais comum existente. O
processo legislativo ordinário, como visto, pode ser teoricamente dividido nas fases
introdutória (iniciativas), constitutiva (deliberações parlamentar e executiva) e complementar
(promulgação e publicação).
62

Finalmente, passou-se à análise do dispositivo objeto deste trabalho. O artigo


475-N, I do Código de Processo Civil, foi incluído ali pela lei federal nº. 11.232 de 22 de
dezembro de 2005. Sua criação se deu no contexto maior da Reforma do Judiciário, iniciada
pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, cujo escopo último é garantir maior celeridade e
presteza da tutela jurisdicional, desatolando o Poder Judiciário.

A análise do processo legislativo do dispositivo em questão revelou apenas um


possível vício, que se deu no curso da deliberação parlamentar (fase constitutiva). Na análise
do projeto de lei na Casa revisora (no caso o Senado Federal) houve alteração redacional do
texto, mas, uma vez aprovado o projeto, o mesmo foi enviado diretamente ao presidente para
deliberação executiva, sem haver retornado à Casa iniciadora como manda o artigo 65,
parágrafo único da Constituição Federal.

A decisão a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade formal do


referido dispositivo, contudo, varia conforme a interpretação que se aplica ao mesmo. Vale
dizer, caso a alteração produzida no Senado fosse meramente redacional, não alterando
substancialmente o significado do dispositivo em questão, não haveria que se falar em
inconstitucionalidade formal, consoante o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal a
respeito da matéria. Contudo, numa segunda interpretação do dispositivo, igualmente válida,
haveria alteração do sentido do texto, o que ensejaria a inconstitucionalidade formal do
mesmo, por falha no retorno do projeto à Casa iniciadora para re-análise.

Nesse contexto, entendemos ser o caso de aplicação da solução interpretativa


da declaração de constitucionalidade com interpretação conforme à constituição, de modo que
se obrigue o entendimento no sentido da interpretação que não denota alteração substancial do
texto. Assim, evita-se a criação de um vácuo jurídico, visto que, diante da proibição do efeito
repristinatório sem expressa previsão legal, a matéria ficaria sem regulamentação, já que o
dispositivo anterior havia sido revogado expressamente pela lei 11.232/2005.
63

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22. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo tribunal federal: jurisprudência política. 2ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2002. 233 p.
65

ANEXO A – PROJETO DE LEI Nº. 3.253/2004 DA CÂMARA DOS


DEPUTADOS 117

117
Texto retirado do sítio eletrônico da Câmara dos Deputados. Cf. CÂMARA DOS DEPUTADOS,
http://imagem.camara.gov.br/MostraIntegraImagem.asp?strSiglaProp=PL&intProp=3253&intAnoProp=2004&intPartePro
p=1&codOrgao=180, acessado em 03 de novembro de 2007.
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77

ANEXO B – PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº. 52/2004 DO SENADO


FEDERAL 118

118
Cf. SENADO FEDERAL, http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/getHTML.asp?t=7384, acessado em 03 de
novembro de 2007
78
79
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84

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