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HISTÓRIA
Licenciatura em História
História da Antiguidade II
Salvador
2010
ELABORAÇÃO
DIAGRAMAÇÃO
Nilton Rezende
CDD:930
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luis Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
HISTÓRIA
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky
VICE-GOVERNADOR
Edmundo Pereira Santos
SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO
Osvaldo Barreto Filho
VICE-REITORA
Amélia Tereza Maraux
COORDENADOR UAB/UNEB
Silvar Ferreira Ribeiro
Caro Cursista,
Este módulo é parte do material didático que dá suporte as suas atividades de auto-estudo e auto-formação no curso de
Licenciatura em História na modalidade a distância.
HISTÓRIA
Cada componente curricular dispõe de um material impresso correspondente, especialmente preparado para este curso, por
docentes - pesquisadores, selecionados por sua inserção e produção na área de conteúdo específica.
Além deste módulo, você também dispõe de material em mídia e do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
Procure conhecer e explorar o máximo possível todo o material disponibilizado para o seu curso.
É importante ter consciência que este é um material básico, especialmente preparado para lhe oferecer uma visão essencial
ao estudo do conteúdo de cada componente curricular. Portanto, ele não tem o objetivo de ser o único material para pesquisa
e estudo. Pelo contrário, durante o decorrer do texto, o próprio módulo sugerirá outras leituras, apontando onde você pode
encontrar fontes para aprofundar, verticalizar ou trazer outros olhares sobre a temática abordada.
Observe que, no decorrer deste módulo, os autores abrem caixas de diálogo para que você construa como interlocutor ativo,
a sua leitura do texto. Elas aparecem com os ícones e objetivos listados a seguir:
? Você sabia? – convida-o a conhecer outros aspectos daquele tema/conteúdo. São curiosidades ou infor-
VOCÊ SABIA?
mações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta;
Indicação de leituras – neste campo, você encontrará sugestão de livros, sites, vídeos.
INDICAÇÃO DE você
A partir deles, LEITURA
poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre aquele tema;
Então caro estudante, encare este material como um parceiro de estudo, dialogue com ele, procure as leituras que
ele indica, desenvolva as atividades sugeridas e, junto com seus colegas, busque o apoio dos tutores e a orienta-
ção do professor formador. Seja autor da sua aprendizagem.
Bom estudo!
Apresentação
Há pouco mais de 2500 anos, os povos de duas penínsulas localizadas na costa norte do Mar Mediterrâneo
começavam a dar alguns passos mais ousados do que seus vizinhos, os habitantes dos grandes e antigos impé-
rios fluviais do Oriente Próximo (ver módulo de História da Antiguidade I). Eram eles os gregos – espalhados em
HISTÓRIA
diversas cidades da Grécia Continental, do Mar Egeu, da Ásia Menor e da Magna Grécia – e o romanos, originários
da cidade de Roma e da região do Lácio, de onde iniciaram uma expansão político-militar que os levou a conquistar
todo o entorno do Mediterrâneo.
O período de apogeu destas duas civilizações, aproximadamente entre os séculos V a.C. e II d.C., ficou conhe-
cido como Antiguidade Clássica. Para a Civilização Ocidental,1 foi um período de extrema importância, pois ali se
gestaram e se desenvolveram algumas das mais importantes práticas e instituições que vieram a constituir nossa
sociedade e nossa cultura, entre as quais podemos destacar: o alfabeto latino e as línguas latinas; a filosofia e a
ciência; a história; a poesia; o teatro; padrões de representação na pintura e na escultura; a democracia; a adminis-
tração pública; o direito civil; a arquitetura civil (estradas, pontes, aquedutos, sistemas de esgotamento sanitário,
anfiteatros, banhos etc.). A lista não é pequena, e pode ser aprofundada com detalhes que vão desde aspectos da
nossa moral à arquitetura dos estádios de futebol.
O que tornou mais duradouras as contribuições culturais de gregos e romanos foi que durante os séculos em
que se desenvolveram estas civilizações, houve também uma forte atividade colonizadora e importantes conquistas
imperialistas, fazendo com que as tradições culturais desses dois povos acabassem por se transmitir a outras regi-
ões. No caso da Grécia, a expansão cultural se deu de duas formas: por meio da atividade de colonização, iniciada
no século VII a.C. (que levou a cultura grega à Itália e à Ásia Menor), e por meio da expansão do Império Macedô-
nico (século IV a.C.), que levou a influência grega ao Oriente. Quanto a Roma, a influência cultural foi resultado da
longa dominação político-militar imposta pela República Romana (e depois Império) às regiões que eram por ela
conquistadas, que acabou por sedimentar práticas que sobreviveram ao próprio império.
Neste módulo não temos a pretensão de abranger todas as contribuições culturais dos gregos e romanos antigos
(para o que seria necessária uma extensa enciclopédia). Também não pretendemos narrar com excesso de detalhes
os fatos históricos, nem a vida e a obra dos personagens citados – que entretanto são muito cativantes para quem
se interessa por História de modo geral. O importante é que você possa compreender a dinâmica dos movimentos
populacionais e dos conflitos sociais e político-militares daquele período, e a relação destes com as inovações
culturais, sociais e artísticas que ocorreram então. Perceba também como as criações de gregos e romanos antigos
estão até hoje presentes em nosso dia-a-dia. E se este módulo estimulá-lo a buscar mais informações sobre Grécia
e Roma antigas, ficaremos bastante satisfeitos!
1
Por Cultura ou Civilização Ocidental entendemos a cultura de origem greco-romana desenvolvida nas regiões ocidentais da Europa e a
partir do século XV estendida também os países da América colonizados por espanhóis, portugueses, ingleses, franceses e holandeses.
A Europa Oriental, a África, a Ásia e a Oceania têm grupos étnicos com suas próprias particularidades culturais, bastante distintas da
cultura ocidental (o que não implica serem “superiores” nem “inferiores”, apenas diferentes) e pouco ou não influenciados pela cultura
greco-romana (à exceção de regiões de colonização europeia, como a Austrália).
SUMÁRIO
HISTÓRIA
1.2. O período Arcaico 17
4. Do Império à decadência 47
Referências Bibliográficas 55
MATEMÁTICA
Hélade. Note que a Grécia Antiga se estendia geogra-
ficamente bem além dos limites da Grécia atual, (que
período Arcaico conserva apenas as duas primeiras das quatro regiões
Quando pensamos em “Grécia Antiga”, a imagem indicadas adiante):
que geralmente nos vem à cabeça é a da próspera
• Grécia continental: a área central de desenvolvimen-
Atenas do período Clássico (século V a.C.): uma
to da Civilização grega, localiza-se na porção sul
sociedade ilustrada, em que filósofos especulavam
da Península Balcânica – uma massa de terra que
sobre o homem e a natureza, artistas e poetas criavam
adentra o Mar Mediterrâneo em sua porção oriental.
obras modelares, engenheiros e arquitetos construíam
É limitada ao norte pela Ilíria e pela Macedônia, e
os mais belos edifícios. Ali se desenvolveu a ideia do
praticamente dividida ao meio pelo Golfo de Corinto
governo exercido pelos cidadãos (embora estes não
(ao sul do qual está a Península do Peloponeso).
representassem a totalidade da população), sistema
Algumas de suas regiões historicamente mais im-
que ganhou o nome de democracia, e se estabelece-
portantes são: Tessália (ao norte), Eubeia, Beócia e
ram intensas relações comerciais e diplomáticas com
Ática (ao centro) e Arcádia e Lacônia (no Pelopone-
outros povos da Ásia, da Europa e da África.
so). De um modo geral tem um relevo montanhoso
Para se chegar a esta sociedade, entretanto, foi e um litoral bastante recortado, o que dificultava
necessária uma longa evolução, iniciada mais de um as ligações terrestres ao passo que favorecia o
milênio antes do período Clássico, e que envolveu desenvolvimento dos transportes marítimos.
diversos povos e civilizações na constituição daquela
que veio a ser conhecida como Civilização Grega. É • Ilhas Egeias: ilhas localizadas no Mar Egeu, a leste
sobre este longo período que trataremos neste capí- da Grécia continental. Por serem muito pequenas
tulo. e acidentadas impunham limitações ao aprovei-
tamento agrícola, entretanto beneficiaram-se da
atividade marítima das diversas civilizações que
?
por ali se desenvolveram;
VOCÊ SABIA? • Grécia Anatólia (Ásia Menor ou Anatólia, atual
Turquia): no litoral oriental do Mar Egeu, onde os
gregos cedo estabeleceram colônias. Ali a geografia
Os gregos, no seu próprio idioma, nunca se chamaram “gregos”
– o termo deriva do nome que os romanos lhe davam: Graeci. favorecia a produção de cereais, vinhas e olivas,
Durante o período da Civilização Micênica (séculos XV-XII a.C.) além de serem também importantes pontos de
eram conhecidos como Aqueus. Por volta dos séculos VIII e passagem rumo ao Mar Negro e a outras regiões
VII, porém, os termos “helenos” e “Hélade” passaram a ser asiáticas. Algumas das regiões gregas na Anatólia
usados para o conjunto dos gregos. Hoje, o país é chamado de
(atual Turquia) eram Frigia, Mísia, Jônia, Lídia e
“Élas” ou “Élada” por seus próprios habitantes.
Caria (muitas vezes o termo Jônia é empregado
para o conjunto destas regiões).
• Magna Grécia (Sul da Itália, Sicília, colônias isoladas
1.1 Origens da Civilização Grega no sul da França e Espanha e no norte da África):
estas regiões, com as mais diversas característi-
Aspectos geográficos e periodização cas geográficas, também foram colonizadas pelos
Antes de examinarmos as contribuições destes gregos, permanecendo parte do complexo cultural
povos, consideremos o ambiente geográfico em que e econômico da Grécia Antiga até os séculos III-
se desenvolveram suas civilizações, caracterizando as II a.C., quando o poderio romano as conquistou
diversas regiões que compõem a Grécia Antiga – ou (como veremos no capítulo 3).
1
Todas as datas antes de Cristo, exceto quando indicado em 2
Vidro vulcânico ideal para a confecção de pontas de lança e de
contrário. flechas. Ver p. 27 do módulo História da Antiguidade I.
da. Na falta de uma identificação positiva com outros nos ou indo-arianos), provavelmente vindos das estepes
povos, costuma-se denominá-los simplesmente como do sul da Rússia. Os primeiros grupos a chegar, por
mediterrâneos – pois se estendiam pelo lado oriental volta de 2200-2000 a.C., foram os aqueus, seguidos
do Mar Mediterrâneo, ocupando as duas grandes ilhas pelos eólios e jônios por volta de 1700 a.C. Instalados
de Creta e Chipre, outras ilhas do Mar Egeu e algumas na península do Peloponeso (seus centros principais
áreas costeiras. eram Micenas, Argos e Pilos), os aqueus entraram em
HISTÓRIA
Creta começou a destacar-se no final do terceiro contato com a florescente Civilização Cretense, que lhes
milênio. Por volta de 2000 a.C., verificou-se a constru- revelou um novo modo de vida. Do encontro destes dois
ção de vários palácios, principalmente nas cidades de povos surgiu a híbrida Civilização Micênica, que entre
Cnossos, Festos e Mália. Por volta de 1700 a.C., vários os séculos XV e XII a.C. se expandiu pelo Mar Egeu e
destes palácios foram destruídos por um terremoto, pelo Mediterrâneo oriental, vindo a preencher o lugar
uma invasão estrangeira ou outra grande catástrofe antes ocupado pela realeza minoana – a própria Creta foi
– as causas da destruição são desconhecidas dos dominada por volta de 1450 a.C. e o palácio de Cnossos
historiadores. Após a destruição, porém, reconstruiu- destruído cerca de 50 anos depois. Outras cidades e
se o palácio de Cnossos, iniciando-se o período de regiões colonizadas pelos aqueus foram Mileto, Lesbos
apogeu da Civilização Cretense. Os reis de Cnossos e Troia (no litoral da Ásia Menor), as ilhas de Rodes e
impuseram sua autoridade sobre as outras cidades Chipre, e partes da Síria, Fenícia e Palestina.
da ilha, e fundaram entrepostos comerciais em todo o A língua falada – pelo menos na área de dispersão
Mar Egeu, dando origem ao primeiro Império Marítimo dos colonos aqueus, a Península do Peloponeso – era
de que se tem notícia. Provavelmente um desses reis, uma forma arcaica do grego, representada por meio
senão toda uma dinastia, foi Minos, que deu nome à da escrita denominada “Linear B”. Esta escrita foi
própria civilização (minóica ou minoana) e deu origem à desenvolvida em Creta, sendo depois adaptada para
lenda grega do Minotauro – seu labirinto seria o próprio representar a língua grega. Infelizmente seu uso era
palácio, construído ao longo de séculos, sem qualquer muito restrito, limitando-se a registrar o desembolso de
planejamento, com a frequente adição de novas alas bens por parte do palácio real, tais como cereais, lã e
ligadas por corredores e galerias aos setores anterior- animais distribuídos àqueles que executassem certas
mente construídos. funções (o que permitiu aos historiadores estimar a
A atividade econômica da sociedade cretense importância da realeza na organização social micênica
tornou-se bastante variada: além do cultivo de cereais, e elaborar algumas hipóteses sobre a organização social
vinhas e oliveiras, dedicavam-se também à produção e econômica daquela sociedade).
de vasos de cerâmica e diversos produtos de bronze.
Foi no comércio, entretanto, que os cretenses mais se
destacaram, praticando uma navegação de cabotagem
entre os vários portos da costa e das ilhas do Mar Egeu.
Vendiam azeite, vinho, vasos de cerâmica (em que
eram acondicionados o azeite ou o vinho) e produtos
de bronze. Em troca, adquiriam cobre e estanho (para
a produção do bronze) e produtos exóticos (tais como
marfim, perfumes e incensos). Além disso, exerciam
o papel de intermediários nas relações comerciais de
terceiros, cuidando, por exemplo, da exportação de
cedros do Líbano para o Egito.
A Civilização Micênica
Enquanto em Creta e nas Ilhas do Mar Egeu se de-
senvolvia a Civilização Cretense, a Grécia continental
vinha sendo progressivamente ocupada por vagas de
imigrantes indo-europeus (também chamados de aria-
no palácio de Cnossos, em Creta, milhares de tabletes de argila haja lugar, numa economia desse gênero, para um comércio
inscritos com símbolos desconhecidos, que ele acreditava que privado. Parece que a administração real regulamentava a dis-
representavam graficamente a língua falada pelos cretenses
tribuição e o intercâmbio assim como a produção dos bens.
(ou minoanos, de Minos). Evans passou o resto de sua vida
(VERNANT, 1984, p. 15-16).
tentando decifrar as inscrições, mas teve um sucesso apenas
parcial, identificando, entre outras coisas, que se tratavam de três O mesmo autor continua:
tipos distintos de escrita: um hieroglífico, usado nas inscrições Em todos os graus da administração palaciana é com efeito
monumentais em pedra, e dois lineares – o Linear A, mais antigo, um vínculo pessoal de submissão que une ao rei os diver-
e o Linear B, originário do primeiro. As escritas lineares eram sos dignitários do palácio: não são funcionários a serviço do
usadas sobre pequenas tabuletas de argila secadas ao sol (à moda Estado, mas servidores do rei encarregados de manifestar,
mesopotâmica) que serviam à burocracia dos palácios e depois em toda parte onde sua confiança os colocou, este poder
eram descartadas. Tais documentos de época teriam se perdido
absoluto de comando que se encarna no monarca. (VER-
caso os palácios não tivessem sido incendiados, transformando-
NANT, 1984, p. 18).
os em placas de argila queimada, imunes à ação do tempo.
Em 1939, mais de mil tabuletas de argila inscritas em Linear B
foram encontrados em Pilos, na Grécia Continental, um dos Repare como a descrição acima assemelha-se às
centros da Civilização Micênica – para a surpresa de Evans, que descrições dos impérios fluviais do Egito e da Meso-
achava que o Linear B era usado para escrever o minoano, uma potâmia, dos quais tratamos no módulo de História da
língua não relacionada ao grego. Em 1953, após muitos anos de
trabalho, o arquiteto e linguista amador Michael Ventris, com a
Antiguidade I, e que tinham como uma das principais
ajuda do especialista em Grécia arcaica, John Chadwick, finalmente características a centralização da atividade econômica
apresentou a decifração da escrita Linear B, comprovando que a nos palácios e templos, inexistindo (ou sendo bastante
mesma equivalia à língua grega arcaica. Além disso, mostrou- rara) a atividade comercial ou artesanal particular. Tal
se que se tratava de uma escrita silábica (portanto fonética) que semelhança acontece embora não se repitam na Grécia
recorria ainda a pictogramas, ideogramas e sinais auxiliares.
continental ou nas ilhas do Mar Egeu as condições
Veja abaixo alguns sinais silábicos do Linear B. geográficas que fizeram da centralização monárquica
uma necessidade no Egito ou na Mesopotâmia (para o
controle das cheias dos rios por meio da construção
de diques, canais e barragens).
A belicosidade dos reis locais fica evidente, pois ao
contrário da Civilização Cretense, em que os palácios
são construídos ao mesmo nível do restante do po-
voamento, sem muralhas ou fortificações, no período
micênico os palácios transformam-se em verdadeiras
fortalezas, geralmente cercadas por muralhas, pas-
sando a ocupar o alto de elevações e destacando-se
do restante da aldeia, localizada geralmente na planície
A civilização micênica estabeleceu-se em torno dos abaixo do palácio.
palácios reais, de maneira semelhante ao modelo dito
“oriental”, em que a população dividia-se entre uma
realeza (apoiada por uma aristocracia militar) e uma O período Homérico (Idade das Trevas)
grande massa de súditos. Leia a descrição elaborada
pelo historiador Jean Pierre Vernant, autor do clássico Por volta dos anos 1200 a 1150 a.C., a Civilização
As origens do pensamento grego: Micênica veio abaixo e em várias partes da Grécia seus
palácios fortificados foram destruídos. Iniciou-se um
A vida social aparece centralizada em torno do palácio cujo
período que veio a ser conhecido pelos historiadores
papel é ao mesmo tempo religioso, político, militar, adminis-
trativo e econômico. Neste sistema de economia que se de-
como período das Trevas (termo que se justifica muito
mais por nosso próprio desconhecimento do período) dos sistemas de governo adotados a partir do perío-
ou Homérico (pois os poemas atribuídos a Homero do Arcaico. Vamos reproduzir adiante as palavras do
são a principal fonte para sua compreensão). Embora classicista M.I. Finley, autor de Os gregos antigos, que
de fato tenha havido algum retrocesso nos aspectos compara as características do período micênico com
econômicos e sociais da Hélade, o quadro geral aponta o mundo grego histórico:
para importantes desenvolvimentos que acabariam por O antigo mundo micênico, não obstante a língua grega dos
HISTÓRIA
levar à constituição da sociedade grega clássica. palácios, tinha a sua mais estreita afinidade com os estados
A queda do poder micênico provavelmente foi contemporâneos, altamente centralizados e burocráticos, si-
provocada pela chegada de uma nova leva de indo- tuados mais a leste, na Síria setentrional e na Mesopotâmia.
europeus vindos do norte, os dóricos, que ocuparam O mundo novo, o mundo grego histórico, era completamen-
te diferente (e assim permaneceu) do ponto de vista econô-
a Península do Peloponeso e dali se dispersaram pelas
mico, político e cultural. Houve continuidades, é certo, mas
ilhas e pelo litoral do Mar Egeu (mudanças climáticas
constituindo apenas parcelas inseridas num contexto novo e
também podem ter provocado o comprometimento de
irreconhecível. Mantiveram-se as habilidades técnicas fun-
um determinado modo de vida, favorecendo os povos damentais e o saber agrícola, a cerâmica e a metalurgia, e
que imigravam, trazendo outras práticas). Nos quatro a língua grega sobreviveu a esta transformação social, tal
séculos que se seguiram, perdeu-se a arte da escrita, como sobreviveu a todas as mudanças posteriores, até os
os centros poderosos ruíram, aldeias e cidades foram dias de hoje. (FINLEY, 1988, p. 14).
abandonadas, não houve novas construções monu-
mentais em pedra, as guerras voltam a se tornar uma Um dos fatos mais significativos desse período,
constante – sobretudo devido aos deslocamentos das assim, foi a perda do poder do rei em favor de uma
novas levas de indo-europeus que chegavam à Grécia, aristocracia guerreira que se revezava no poder, o que
procurando locais para colonização. Muitos aspectos, está na origem do que depois veio a se conceituar como
enfim, apontam para um retrocesso no desenvolvimento democracia. Além disso, o desaparecimento do rei
histórico dos povos da Hélade. (ánax) deixou subsistir lado a lado forças antagônicas
A imagem de uma época de trevas, porém, acaba da sociedade (a aristocracia guerreira e as comunidades
por obscurecer outros desenvolvimentos importantes do aldeãs), o que levou não apenas a períodos de choque
período, pois foi nessa época que os gregos obtiveram e desordem, mas também a períodos de reflexão moral
o conhecimento da metalurgia do ferro, desenvolveram e busca de acordos – origem da primeira forma de
novas técnicas de cerâmica e criaram a base moral sabedoria humana, a filosofia.
e política do que viria a ser a sociedade grega clássi-
ca. A fundição do ferro foi aprendida do Chipre e do
Levante, porém foi refinada pelos artesãos helênicos, 1.2 O período Arcaico
que contavam com um suprimento local de minério (o
que era desconhecido dos micênicos). Nesse período
A escrita e os poemas homéricos
desenvolveram-se as armas de gume tais como espadas O espaço de dois séculos entre a Idade das Trevas e
e punhais, embora seja incerto quando as armas de ferro o período Clássico grego é denominado Período Arcai-
fundido tornaram-se superiores às armas de bronze que co. A expressão surgiu quando estudiosos modernos
há séculos eram conhecidas. Quanto à cerâmica, o mais da arte grega identificaram um estilo de decoração
importante desenvolvimento foi a invenção de uma roda intermediário entre a cerâmica geométrica e a arte da
de torno mais veloz, permitindo a confecção de vasos Grécia Clássica. Como este estilo foi identificado como
com as formas mais bem definidas. Além disso, a ce- uma transição para a arte clássica, foi denominado
râmica também ganhou em qualidade com o aumento Arcaico, termo que depois passou a abranger toda a
na temperatura dos fornos, embora a variedade de suas sociedade da época.
formas tenha diminuído. Foi neste período que surgiu a O adjetivo “arcaico”, entretanto, define algo como “pri-
chamada Cerâmica Geométrica, desenvolvida em Atenas mitivo” ou “antiquado” – e estes conceitos não podem de
e difundida entre as cidades comerciais do Mar Egeu. maneira nenhuma ser aplicados ao período em questão.
O mais importante desenvolvimento do período Foi no início da época Arcaica que ocorreu a chamada
obscuro, porém, foi referente à organização política e “revolução estrutural”, provocando um aumento brusco
social das comunidades, abrindo espaço para a criação na população e na produção material. Também durante
esse período iniciou-se a revolução intelectual que gerou A adoção de um alfabeto fonético bastante flexível tor-
o período clássico, a polis (cidade-Estado), o raciona- nou possível captar de forma permanente a poesia que se
lismo, a filosofia e a democracia. Portanto, devemos ter tinha criado durante séculos iletrados. Com isso foi possí-
bastante cuidado ao usar o termo Arcaico, tendo ciência vel registrar por escrito dois dos mais importantes poemas
de que não é plenamente adequado para descrever um da literatura mundial, a Ilíada e a Odisseia – compostos e
dos períodos mais criativos da história. transmitidos de maneira oral nos séculos precedentes, os
HISTÓRIA
O período Arcaico inicia a época propriamente históri- séculos homéricos. Outros poemas compostos durante
ca da Grécia, uma vez que a escrita, após quatro séculos o período Arcaico se perderam, mas segundo o juízo dos
perdida, passou a ser novamente conhecida – a rigor, as antigos, as obras desaparecidas eram bastante inferiores
civilizações que conheceram as escritas lineares foram a aos dois poemas que sobreviveram.
cretense e a micênica, e não propriamente a civilização Geralmente atribui-se a Homero a autoria dessas duas
grega, formada a partir da invasão dórica das áreas micê- epopeias (“poemas de longo fôlego acerca de assunto
nicas. A nova escrita adotada, entretanto, não era silábica grandioso e heróico”, conforme definição do Dicionário
como a cretense, e sim fonética, tendo sido conhecida e Aurélio). Homero foi um aedo (um poeta que recitava ou
desenvolvida a partir do alfabeto fenício. cantava suas composições religiosas ou épicas) que viveu
no século IX a.C. – período final da Idade das Trevas. Em-
bora sua existência não seja objeto de disputa, o mesmo
? VOCÊ SABIA? não se pode dizer quanto à autoria dos poemas, sobre a
qual há grande incerteza. Alguns autores acreditam que
tais epopeias foram compilações feitas por Homero de
Os fenícios (povos de origem semita que habitavam a região poesias recitadas por vários antecessores; outros, que a
do atual Líbano) foram os primeiros a desenvolver um sistema própria obra de Homero teria sido ampliada por aedos que
de escrita fonético, isto é, baseado na reprodução gráfica dos se intitulavam homeríadas e transmitiam suas poesias de
fonemas (unidade mínima distintiva no sistema sonoro de uma
língua). Os sistemas anteriores eram ideográficos (quando os geração em geração. De qualquer forma, é certo que não
sinais representavam coisas e ideias), silábicos (quando os foi o próprio Homero a redigir os poemas, pois a primeira
sinais representavam os sons das sílabas) ou mistos. Estes versão escrita é do século VI a.C. e a versão mais difundida
sistemas, além de apresentarem sérias limitações, exigiam
é do século III a.C. Consta que havia grande mistura de
que se conhecessem algumas centenas de sinais, além das
inúmeras regras para sua utilização – o que tornava a escrita dialetos nos vários cantos, o que justifica a tese da autoria
uma arte restrita aos poucos privilegiados que podiam se múltipla. Por outro lado, alguns estudiosos identificam um
dedicar a seu estudo durante muitos anos: os escribas dos sistema de valores que perpassa toda a obra e que aponta
palácios e templos. As escritas fonéticas, ao contrário, têm
para a autoria única.
muito mais flexibilidade, podendo representar todas as palavras
pronunciadas pela língua falada, ao mesmo tempo em que são
de aprendizagem muito mais fácil – uma vez que se restringem
tão somente a cerca de 25 sinais representando os fonemas
existentes em cada língua.
Ao sistema fenício (que só tinha as consoantes), os gregos
incorporaram as vogais, adaptando as letras para representar
os fonemas de sua língua e criando o próprio termo “alfabeto”
(composto pelos nomes das duas primeiras letras do mesmo:
Alfa e Beta). Por meio dos colonos gregos o alfabeto foi
transmitido aos povos itálicos, que fizeram novas alterações,
gerando o que se tornou conhecido como alfabeto latino –
o sistema usado nas mais importantes línguas ocidentais
(português, espanhol, inglês, francês, entre outros), além de
conhecido em outras partes do mundo que utilizam outros
sistemas.
Atenção! Não confunda: os numerais que atualmente
usamos, conhecidos como arábicos, foram criados na Índia e
transmitidos a nossa civilização pelos árabes, que no século
VII d.C. se expandiram por uma grande área que se estendia
da Espanha ao vale do Rio Indo. Portanto, a transmissão dos
numerais indo-arábicos à civilização ocidental aconteceu quase
dois milênios após a transmissão do alfabeto fenício.
Homero. Artista desconhecido. Museu do Louvre, Paris, França.
A Ilíada conta a Guerra de Troia (Ilion, em grego), enganados pelas manobras do herói – um herói da
entre os aqueus de Esparta e os troianos, que teria inteligência e não da força.
ocorrido no século XIII a.C. (entre os historiadores não A grande importância dessas obras é que nos
há consenso a respeito da real ocorrência dessa guerra, permitem conhecer algo da cultura da época, dos
embora haja indícios de um processo migratório de conceitos éticos em que se apoiavam as decisões
micênicos para a Ásia Menor, provocado pela invasão dos protagonistas – deve-se considerar que, aparte os
HISTÓRIA
dórica da península grega). Segundo a lenda, o rei de vestígios arqueológicos, quase não há outros docu-
Esparta era Menelau; sua esposa era Helena, a mulher mentos históricos a referirem-se ao período homérico.
mais bela do mundo, filha do próprio Zeus e de uma Ao historiador, porém, é necessário saber identificar a
mortal. Troia era liderada pelo príncipe Páris, que rap- “contaminação” do autor (ou autores) pelas ideias de
tou Helena, provocando a fúria de Menelau. Os aqueus sua própria época, bem posterior aos eventos narrados,
eram liderados por Agamenon, que formou uma frota pois a autoria dos poemas encontra-se na fronteira entre
de 1000 navios e atravessou o Mar Egeu para atacar duas noções diferentes de sociedade: “a heróica, cujo
Troia. A guerra terminou após uma década de cerco, núcleo é o reinado e a família (oikos), e a urbana, cujo
em que morreram heróis como Heitor e Aquiles. núcleo é a Ágora (‘assembleia’, ‘praça’, ‘mercado’)”
(VIEIRA, 2002, p. 13). Uma representa o período Homérico;
?
a outra, os períodos Arcaico e Clássico.
VOCÊ SABIA?
A evolução da polis grega
Foi nesta guerra que teria ocorrido o episódio do “Cavalo de A evolução política e econômica do mundo grego
Troia”, em que os aqueus enganaram os habitantes da cidade
sitiada abandonando o cerco e deixando para trás um grande
foi bastante desigual e irregular – em parte devido à
cavalo de madeira. Este foi levado para a cidade pelos troianos, própria irregularidade do relevo, que tornava difícil a
que o consideraram um símbolo de sua vitória. À noite, porém, comunicação por terra, mas também devido ao interes-
soldados aqueus saíram do interior oco do cavalo, abrindo se particular de cada uma das comunidades, que viam
os portões para que o exército espartano invadisse a cidade, em sua independência um sinal de satisfação. Pode-se
destruindo-a totalmente, matando a maioria dos homens e
escravizando as mulheres. O episódio do Cavalo de Troia não é
dizer, porém, que durante o período Arcaico constituiu-
narrado na “Ilíada”, mas em “Eneida”, do poeta romano Virgílio se a ideia e a realidade da polis (cidade-Estado) grega,
(século I a.C.). berço de nascimento da própria ideia de política – nada
mais, nada menos do que a arte da negociação sobre
os rumos da coletividade. Recorremos ao historiador M.
Rostovtzeff para nos ajudar a definir a polis grega:
Do oitavo ao sexto séculos a.C., o desenvolvimento político
e social da Grécia acompanhou seu crescimento econômi-
co. Devemos considerar a formação e o estabelecimento
gradativos da cidade-Estado, essa peculiar instituição gre-
ga, como a principal característica desse desenvolvimento.
O processo não foi simultâneo ou idêntico em toda parte.
Durante séculos, algumas regiões da Grécia mantiveram o
sistema de governo do tipo clã e todas as peculiaridades do
sistema homérico. [...] Outras desenvolveram instituições
urbanas, passando de um estágio a outro durante esse de-
Cavalo de Troia usado nas filmagens do filme Tróia senvolvimento. A peculiaridade básica do segundo sistema
(Wolfang Petersen, 2004). é a seguinte: a vida política é concentrada num lugar, a cida-
de, que é o centro religioso, político e econômico do distrito
unido em torno dela e considerado como território que lhe
Já na Odisseia é narrado o retorno de Ulisses pertence. (ROSTOVTZEFF, 1986, p. 89).
(Odisseu) para casa, ao fim da guerra. É uma história
cheia de aventuras mágicas, confrontos com seres Na cidade, os cidadãos organizam a vida política,
monstruosos superpoderosos e que são vencidos ou econômica, social e religiosa de toda a comunidade.
Ao longo desse desenvolvimento, o poder passa do rei O todo estava unido não apenas pela economia ou pela
(monarquia) para as mãos de um grupo de cidadãos força, mas também psicologicamente, através de um sen-
(aristocracia) e então para o conjunto dos cidadãos timento inerente aos membros da comunidade de uma
unidade fomentada pelo culto e tradição comuns (ambos
(democracia). No último caso, ficavam excluídos os
de natureza mítica e histórica). Por conseguinte, um gre-
estrangeiros, os servos e os escravos, além das mu-
go antigo só podia expressar o conceito de Atenas como
lheres, restringindo bastante o conceito democracia.
uma unidade política, dizendo “os atenienses”; a palavra
HISTÓRIA
Vejamos como se deu esse processo. “Atenas” raramente significava muito mais do que um
Ao final do período obscuro, havia nas áreas mais complexo urbano, uma noção simplesmente geográfica.
desenvolvidas da Grécia continental e da Ásia Menor Viajava-se para Atenas, fazia-se guerra contra os atenien-
um grande número de comunidades estabelecidas, a ses. (FINLEY, 1988, p. 31).
um passo de sua transformação em cidades-Estados.
Estas comunidades eram pequenas, se comparadas Isso nos ajuda a compreender também como se
a suas semelhantes nos impérios fluviais do Oriente davam os sentimentos de pertença – isto é: os gregos
Próximo e do Egito, restringindo-se a centenas ou no se identificavam como pertencentes a que grupo?
máximo alguns milhares de habitantes. Como estas Continuamos com Moses Finley para responder a esta
comunidades de tamanho limitado existiam também questão:
em áreas que poderiam suportar o desenvolvimento Os gregos só se consideravam gregos (helenos) em con-
de aglomerações urbanas maiores, acredita-se que os traposição aos bárbaros, mas também e em primeiro lugar,
gregos considerassem tais unidades como as mais como membros de grupos e subgrupos no interior da Hé-
adequadas para a vida em sociedade, procurando lade. Um cidadão de Tebas era um cidadão de Tebas e um
limitar seu desenvolvimento demográfico por meio beócio3 bem como um grego, e cada termo tinha um signi-
da emigração – e, involuntariamente, da guerra. Aos ficado emocional próprio apoiado por mitos específicos. E
poucos, porém, algumas aldeias próximas acabavam havia ainda outros agrupamentos como “tribos” no interior
por se unir, num processo que alçava uma delas a da comunidade ou de mais vastas abstrações fora dela
um papel de proeminência, formando-se a polis, ou (como os dórios e os jônios), originando uma complicada,
e por vezes contraditória, estrutura de pertença e fidelidade.
cidade-Estado.
Politicamente, contudo, a comunidade individual tinha exis-
A irregularidade do desenvolvimento via-se sobretudo tência clara e inequívoca. (FINLEY, 1988, p. 31).
na urbanização, pois enquanto algumas cidades-Estado
mal podiam ser chamadas de “cidades” (como Esparta, O processo que levou ao desaparecimento dos reis e
em que quase toda a população vivia em aldeias rurais), príncipes no final da Idade das Trevas é desconhecido,
outras, como Atenas ou Siracusa, eram verdadeiros porém é possível que tenha sido pacífico e progressi-
centros urbanos, dominando uma região mais ampla vo, uma vez que não deixou nenhum tipo de evidência
a seu redor. Além disso, notam-se agudas diferenças ou tradição (como geralmente ocorre após eventos
quanto ao caráter econômico das cidades-Estado: havia traumáticos e mudanças abruptas). O poder passou
cidades dedicadas à agricultura (Esparta), comércio e para pequenos grupos de famílias aristocráticas que
artesanato (como Corinto e Atenas), ou extração de governavam por meio de instituições formais – como
minérios (Cálcis). magistraturas, conselhos e assembleias – e informais
Feitas essas ressalvas sobre a irregularidade do – tais como conexões matrimoniais e de parentesco,
desenvolvimento da polis grega, podemos apontar além de contar com o apoio da autoridade intangível
alguns aspectos comuns às diversas cidades, para que lhes era transmitida por meio das genealogias
então narrar com um pouco mais de detalhe o processo inventadas que os faziam descendentes de heróis dos
que levou ao fortalecimento de Atenas e de Esparta, as tempos míticos.
duas cidades que disputariam a hegemonia política no Progressivamente começaram a surgir os conflitos
período Clássico (a superioridade cultural de Atenas entre esta nobreza e o restante da população. Com
nunca esteve em disputa). a legislação tradicional permitindo a escravidão por
Um aspecto importante da polis grega, fosse qual dívidas, a cada vez mais homens livres viam-se obri-
fosse o modelo adotado, era a ideia de que o campo e gados a trabalhar compulsoriamente para os grandes
a cidade constituíam uma só unidade e não duas partes
antagônicas. Conforme explica Moses Finley: 3
Beócia: região em que se encontra Tebas
senhores. O crescimento demográfico da população diversificados são revelados nas escassas evidências
era incompatível com a limitação geográfica e agrícola históricas (sobretudo baseadas nos relatos mitológicos
da Grécia continental e das Ilhas Egeias, fornecendo de fundação das colônias, portanto altamente sujeitas
combustível para os conflitos civis ocorridos em diver- a distorções propositais, mas também, e mais recente-
sas cidades. Boa parte dessa população excedente era mente, em achados arqueológicos). Em alguns casos
canalizada para as guerras e para a colonização (ver a colonização foi resultado de um processo totalmente
HISTÓRIA
adiante), porém não de maneira a garantir a tranquilidade fortuito ou acidental; em outros casos deveu-se à
social. Além disso, as frequentes crises agrárias tinham premência de uma pequena comunidade que “expul-
como consequência imediata a fome para grande parte sou” seus habitantes devido à carência de alimentos;
da população, agravando os conflitos civis durante o em outros casos tratou-se de um empreendimento
século VI a.C. conduzido pelos governantes da cidade de maneira a
Em reação a estes, as aristocracias governantes canalizar o descontentamento social para uma empresa
das diversas cidades reagiram de maneira diferente: em de magnitude – e a promover a colonização de áreas
algumas, como Corinto, a nobreza permaneceu sufi- com potencial agrícola.
cientemente forte para impor uma oligarquia durante um De um modo geral os historiadores reconhecem três
período bastante longo. Nas colônias da Sicília e da Itália, vagas de colonização, embora seja praticamente impossí-
a presença de inimigos ameaçadores fortalecia o poder vel conseguir delimitar com alguma precisão os momentos
do governante, investido do controle militar. Em muitas em que a maior parte dos movimentos ocorreu.
outras cidades a luta entre “os poucos” e “os muitos” A primeira leva é anterior ao período histórico, e envol-
(conforme os próprios gregos se referiam à aristocracia veu colonizadores micênicos, aqueus e mesmo dóricos
e à população camponesa) permaneceu uma constante. que se dirigiram para as ilhas e a costa do Mar Egeu (Ásia
Já em Esparta, a aristocracia guerreira-governante- Menor), onde se estabeleceram pela força das armas, con-
proprietária instituiu um sistema bastante rígido de treina- quistando os vales férteis nas embocaduras dos principais
mento militar para seus cidadãos, de maneira a controlar rios e as baías mais convenientes para a instalação de suas
a grande massa de hilotas (estrangeiros escravizados) cidades (veja mapa adiante). As cidades já existentes na
que habitava a região. Em Atenas, enfim, iniciou-se um costa da Anatólia mantinham comunicação regular com o
processo em que legisladores e tiranos procuraram definir Oriente, fazendo parte das rotas comerciais que levavam
regras que evitassem o poder concentrado nas mãos de do Mar Mediterrâneo ao Mar Negro por meio do Estreito
poucas pessoas. Antes de relatarmos com mais detalhe de Mármara, papel este que foi assumido pelos gregos
este processo, fazeremos referência à colonização grega, após sua instalação na região.
que espalhou os homens e a cultura da Hélade por amplas
áreas em torno do Mar Mediterrâneo.
A colonização
Foram diversos os momentos em que levas de
povoadores helênicos dirigiram-se a outras regiões, ali
estabelecendo colônias para as quais transplantavam
os hábitos de vida, as práticas sociais e culturais da
cidade de origem. Infelizmente aos historiadores não
é possível determinar as causas na raiz de cada uma
dessas levas de colonos, embora pareça evidente, por
analogia com outros processos históricos melhor co-
nhecidos, que a colonização era uma espécie de válvula
Expansão dos Aqueus
de escape para os problemas sociais – sobretudo os
decorrentes do excesso de população para a pequena De um modo geral os gregos, após imporem seu
produtividade agrícola, em épocas ou regiões em que poder, toleravam as manifestações religiosas e culturais
o comércio e o artesanato ainda não se encontravam locais, provocando propositalmente a identificação dos
solidamente instalados. Além disso, processos bem deuses locais com os deuses do panteão grego, e coop-
duas cidades-Estado, entretanto, há maior quantidade so residiu a originalidade espartana. “Todas as relações
de informações – justamente aquelas que lutaram pela sociais e econômicas eram baseadas na subordinação
hegemonia na Grécia no século V a.C.: Esparta e Atenas, total do indivíduo ao Estado e na transformação de toda
sobre as quais nos deteremos com mais atenção. a classe dominante num exército permanente, pronto
Esparta era uma comunidade de cidadãos como a iniciar uma campanha a qualquer momento. Todo
tantas outras na Grécia continental. Localizava-se espartano adulto era, acima de tudo, um soldado.”
HISTÓRIA
na Lacônia, uma região bastante fértil da Península (ROSTOVTZEFF, 1986, p. 93).
do Peloponeso, irrigada pelo rio Eurotas – segundo O homem espartano era treinado desde a infância
Homero, a Lacônia era governada por Menelau e sua para ser soldado. Recebia os cuidados maternos e de
esposa Helena, cujo rapto deu origem à guerra de Troia. amas até os sete anos, quando era afastado da família
Segundo a tradição, a Lacônia foi conquistada pelos dó- e iniciava seu treinamento militar. Depois, já casado,
rios, tornando-se uma importante zona de colonização continuaria a passar grande parte dos dias com seus
destes. Nos séculos VIII e VII a.C., Esparta empreendeu companheiros, promovendo competições de ginástica
duas guerras contra sua vizinha, a Messênia, visando ou exercícios militares. Como o seu tempo era ocupado
conquistar as terras férteis dessa cidade, a mais rica de pelo treinamento, o Estado assegurava a manutenção
toda a Península, acabando por derrotar Messênia e a sua e de sua família, dando a cada homem um lote de
liga de cidades a ela aliadas. Durante o período dessas terra considerável, além de uma ou mais famílias de
guerras, os habitantes tiveram de usar toda sua força hilotas, que tinham de lavrá-la de maneira a alimentar
para salvar a cidade, progressivamente elaborando o os espartanos. Socialmente, a posição dos hilotas era
original sistema social espartano. A tradição refere-se deplorável, sendo mantidos sob constante supervisão do
a um legislador de nome Licurgo, que sozinho teria Estado (a quem efetivamente pertenciam). Além disso,
elaborado a legislação espartana; os historiadores eram sumariamente assassinados como parte do treina-
atuais, porém, consideram que as leis foram adotadas mento dos jovens espartanos. Os periecos, por sua vez,
progressivamente ao longo de dois ou três séculos e tinham uma situação bem mais favorável, uma vez que
caso Licurgo tenha realmente existido, ele seria respon- monopolizavam as atividades proibidas aos espartanos,
sável apenas por parte delas. tais como o comércio e a indústria4 do ferro.
Em resumo, o sistema espartano era o seguinte: Esse sistema social-militar permitiu a Esparta, ao
um grupo residente em Esparta dominava a população longo dos séculos VII e VI a.C., expandir seu poder por
mais numerosa composta pelos periecos (estrangeiros) grande parte da Península do Peloponeso, sujeitando
e hilotas (escravos do Estado). Os periecos viviam na as potenciais competidoras e formando a liga Lacede-
Lacônia e na Messênia, nas cidades e domínios destas; mônia, a primeira liga importante desse tipo na história
tinham liberdade pessoal e um autogoverno limitado, grega, e que garantiu a Esparta um papel predominante
mas encontravam-se completamente subordinados ao nos séculos que se seguiriam.
grupo dominante dos espartanos nos assuntos militares
e políticos. Já os hilotas eram escravos capturados nas
guerras, principalmente messênios. O sistema político
A evolução política de Atenas
manteve alguns remanescentes de tempos antigos, Nos séculos VIII e VII a.C. surgiu na Península da
como os dois reis (representando duas antigas famílias Ática outra importante polis, Atenas, destinada a riva-
nobres da cidade) que dividiam o governo, ou o Con- lizar com Esparta pela proeminência político-militar na
selho de Anciãos, composto por 30 membros tirados Grécia continental, e a tomar a liderança, durante muitos
das famílias nobres. O poder efetivo, porém, pertencia à séculos, do desenvolvimento da civilização e da cultura
assembleia popular, composta por todos os espartanos gregas. Ao contrário de Esparta e da Península do Pelo-
adultos que serviam na infantaria e cavalaria do exército. poneso, colonizadas por dóricos, a Ática foi colonizada
Eles elegiam os membros do conselho e os éforos, os por jônios – ou pelo menos assim assegura a tradição
administradores efetivos do país. reproduzida por seus primeiros historiadores.
Como os espar tanos eram poucos a controlar
muitos, organizaram a classe dominante de maneira a
4
Em História Antiga, o termo “indústria” refere-se à atividade
econômica de produção de artefatos manufaturados, muito
transformá-la numa casta guerreira, forjada para manter mais próxima do trabalho do artesão manual do que da indús-
o restante da população sob seu estrito controle – e nis- tria moderna.
Atenas é localizada numa península que se estende que tinham de comparecer às convocações do exército
em direção a sudeste, sendo separada da Grécia central a cavalo e com o equipamento completo de hoplita (ar-
por uma alta cadeia de montanhas; a ligação marítima madura composta de elmo, couraça, escudo, espada e
com a Península do Peloponeso, entretanto, é bastante lança), tinham seus deveres políticos integrais, podendo
fácil. Seu solo era relativamente fértil, e excelente para a ser eleitos para as magistraturas. Cidadãos de renda
produção de oliveiras. As montanhas produziam madeira média (zeugitae) serviam com a armadura pesada, mas
HISTÓRIA
de boa qualidade para a construção naval, a argila era não tinham cavalos, tendo direitos políticos limitados.
adequada ao trabalho dos ceramistas, havia abundância Cidadãos sem renda definida e regular (thetes) serviam
de mármore e calcário, além de minas de prata e chumbo como remadores nas frotas ou como auxiliares dos
(faltando no entanto o ferro e o cobre). cavaleiros, não tendo direitos políticos.
Além dos recursos naturais, Atenas beneficiou-se Nessa sociedade de cunho capitalista, em que os
também da possibilidade de unir as demais aldeias principais beneficiários eram os grandes proprietários
jônicas da Ática, pois a saída mais conveniente para que produziam vinho e azeite para exportação, e os
o mar estava justamente em seus dois portos: Faleros grandes comerciantes e “industriais” (aqueles que
e Pireu. Assim como Esparta, portanto, conseguiu controlavam a fabricação dos produtos artesanais). A
formar um só reino com um território bastante amplo, posição dos pequenos proprietários tornava-se cada
tornando-se capaz de rivalizar com sucesso com a pró- vez pior. Tomando empréstimos cada vez mais caros,
pria Esparta, para não falar das demais cidades-Estado acabavam por contrair dívidas que não tinham como pa-
gregas com seus territórios, populações e recursos gar, perdendo não apenas a propriedade como a própria
naturais limitados. liberdade, e tornando-se escravos dos aristocratas.
O processo de unificação das diversas comunidades Com o agravamento das diferenças sociais, o des-
da Ática em torno de Atenas iniciou-se provavelmente contentamento das classes populares crescia gradu-
no século VIII a.C. Embora não haja detalhes desse almente, não apenas na Ática como em muitas outras
processo, relatos tradicionais afirmam que a mudança cidades gregas, dando início a diversos processos de
foi gradual e pacífica, indicando que as aristocracias reforma política e social que tinham na redação de leis
locais reconheceram o interesse em unir suas forças seu principal marco. Em muitas cidades o descontenta-
para enfrentar os concorrentes ou inimigos externos, mento social deu origem a graves conflitos e à tomada
transformando Atenas no centro político e econômico do poder por tiranos (palavra cujo significado original
da região. O sistema político evoluiu gradativamente de é o de um governante que assume o poder por vias
maneira a transferir o poder do rei para a aristocracia, inconstitucionais). Em Atenas, antes do surgimento dos
que governava por meio de magistrados escolhidos pela tiranos houve um período prévio de reformas legislati-
assembleia popular (ecclesia). Esta era composta pela vas, com algumas leis diminuindo as diferenças legais
totalidade dos cidadãos com direitos integrais – isto entres “os poucos” e “os muitos”. Para sua completa
é: aqueles que fizessem parte do exército do país – e execução, porém, foi necessária a força de um tirano,
decidia ainda sobre a guerra e a paz. Um conselho de como veremos adiante.
anciãos, preenchido com representantes das famílias O mais antigo legislador a que se refere a tradição
mais nobres, agia juntamente com os magistrados. ateniense é Dracon (sua existência não é comprova-
Socialmente a população era dividida em três gru- da), a quem a lenda atribui o primeiro código escrito
pos: os grandes proprietários rurais, os comerciantes de leis. Estas refletem ainda a severidade da antiga
e artífices urbanos, e os pequenos proprietários rurais. legislação criminal que predominava na comunidade
Progressivamente, os direitos políticos e militares de grega aristocrática, herdeira dos tempos homéricos. Foi
cada cidadão começaram a definir-se em termos de Sólon, porém, o primeiro reformador social e político
propriedade e renda, e não mais em função do nas- realmente histórico, tendo deixado escritos literários e
cimento – sobretudo porque a aristocracia rural, que políticos que chegaram até nós. Sólon foi eleito arconte
originalmente suportava toda a carga de defesa da (o principal magistrado) em 594 a.C., com a tarefa de
polis, tivera de transferir parte dessa responsabilidade a reformar o Estado e encerrar a luta de classes que
outros cidadãos ricos, concedendo-lhes em troca parte opunha os pequenos proprietários endividados aos
de seus próprios direitos políticos. Assim, os cidadãos grandes proprietários e comerciantes que formavam a
mais ricos (pentakosiomedimnoi e hippeis), ao passo aristocracia governante.
HISTÓRIA
renda do indivíduo) permaneceram válidos na eleição
para as magistraturas, para a qual só podiam concorrer
os cidadãos das duas classes mais ricas. Além disso,
acrescentou-se uma nova instituição ao conselho dos
anciãos, o Conselho dos Quatrocentos, formado por cem
membros escolhidos de cada uma das quatro tribos (re-
presentando áreas geográficas de Atenas), que preparava
os assuntos que seriam levados à assembleia.
A legislação de Sólon, embora progressiva para a
época, não foi capaz de resolver os problemas sociais,
e poucas décadas depois os conflitos internos voltaram
a ocorrer, provocando o surgimento de uma instituição
Sólon, legislador de Atenas Quadro de Merry-Joseph Blondel (1781- especificamente grega (como tantas outras que veremos
1853). Museu da Picardia, França. ao longo desse módulo): a tirania.6 O primeiro tirano foi
Psístrato, que, depois de uma breve passagem pelo poder
O mais importante aspecto das reformas implantadas
em 560 a.C., retornou em 545 a.C., permanecendo até
por Sólon foi a alteração na lei sobre a relação entre
sua morte dezoito anos depois. Seu papel é paradoxal:
devedor e credor: os lotes de terra que haviam sido
por um lado, sua própria existência como tirano contrapu-
hipotecados aos ricos foram devolvidos aos devedores,
nha-se à ideia do governo constitucional; por outro lado,
o empréstimo de dinheiro garantido pela pessoa do
embora condenando a tirania enquanto instituição, auto-
devedor passou a ser ilegal, assim como a servidão e
res da época e posteriores louvaram seu governo, pois
a escravidão por dívidas, abolidas para sempre. Outros
“pretendeu governar consoante as leis, sem se conceder
aspectos referem-se à limitação da extensão de terra que
quaisquer prerrogativas” (ARISTÓTELES, Constituição de
um indivíduo poderia ter e à proibição de exportação de
Atenas, apud FINLEY, 1988, p. 38).
milho da Ática,5 podendo ser exportados apenas o azeite
e o vinho. Tais reformas, embora fossem criticadas tanto Psístrato conseguiu em seu governo aquilo que
por aristocratas (que sofreram grandes perdas patrimo- Sólon havia tentado sem sucesso: alçar os pequenos
niais) como pela classe pobre (que esperava que todas proprietários a uma posição segura e independente no
as terras fossem divididas e todas as dívidas canceladas), território, com ajuda financeira quando necessária, ate-
acabaram por fortalecer a classe dos pequenos proprie- nuando a luta civil e eliminando o monopólio político da
tários, além de canalizar a riqueza dos capitalistas para aristocracia de uma vez por todas. Quando a tirania caiu,
atividades mais lucrativos como a produção de azeite, o após o reinado de Psístrato e de seu filho Hípias, Atenas
comércio e a indústria de modo geral. reconstruiria sua vida pública não em uma aristocracia
enfraquecida, mas numa forte democracia.
Outras inovações da legislação de Sólon dizem
respeito ao aspecto político, admitindo-se a classe mais Vejamos a descrição de Finley:
baixa dos cidadãos (thetes) na assembleia popular, e Os nobres continuaram a manter os cargos civis e militares
instituindo-se um tribunal de justiça onde qualquer cida-
dão podia ser juiz (sendo esta participação definida por A princípio, as palavras tirania e tirano não continham juízo de va-
6
mais importantes – como também o fizeram pelo século se- desenvolver a cultura clássica. Vejamos primeiro o lado
guinte sob a democracia –, mas as circunstâncias e a psico- material dessa história, para depois nos concentrarmos
logia sofreram uma alteração radical. Eram agora, cada vez sobre as criações do espírito.
mais, servidores do Estado, instrumentos do direito, e não
arbitrários detentores do poder. Da mesma maneira que as
pessoas comuns eram agora homens genuinamente livres,
2.1 Evolução política e conflitos na Grécia
não mais ameaçados pela escravidão por dívidas ou por
HISTÓRIA
Sob domínio persa, a vida na Grécia Anatólia pouco por elmo, armadura e escudo, e armados com lan-
mudou. Cada cidade manteve a sua autonomia, as ças e espadas), avançando em formação de falange
comunicações e comércio regular com outras cidades, (próximos uns aos outros, formando uma verdadeira
seus centros de comércio e indústria, sendo apenas muralha com seus escudos), enquanto os exércitos
obrigadas a pagar parte da renda aos conquistadores e persas consistiam principalmente em infantaria leve
a fornecer soldados e navios para as guerras travadas (soldados sem armaduras).
HISTÓRIA
pelos persas a leste e a oeste. Com o tempo, porém, e A batalha teve como vencedores os atenienses e
com o apoio cada vez maior dos persas aos tiranos, plateus, que repeliram o desembarque persa – morre-
começou a crescer o descontentamento entre os gregos ram cerca de 200 atenienses e mais de 6.400 soldados
anatólios. persas, o que indica a qualidade da infantaria pesada
Após a conquista da costa Anatólia, a Pérsia sentiu- grega. Ainda com sua frota intacta e grande parte de sua
se motivada a absorver a totalidade da Grécia, de infantaria e cavalaria, os comandantes persas decidiram
maneira a evitar que a Grécia continental e as Ilhas do invadir Atenas, porém numa marcha forçada os 10.000
Mar Egeu viessem em socorro às cidades subjugadas hoplitas conseguiram chegar ao porto de Faleros antes
da Ásia Menor. As condições pareciam favoráveis à dos persas, frustrando este novo ataque.
execução desse projeto, uma vez que as cidades-Estado
gregas encontravam-se desunidas, em constante oposi-
?
ção e enfrentamentos, além de apresentarem problemas
políticos internos com as mudanças constitucionais VOCÊ SABIA?
que estavam em curso. Seus exércitos e armadas eram
fracos e pequenos. Os persas, por sua vez, tinham um
Segundo a tradição, após a batalha de Maratona um mensageiro
exército grande e disciplinado, uma armada poderosa
de nome Fidípides correu 42 quilômetros para anunciar a vitória
e podiam contar com os recursos materiais de um aos habitantes de Atenas. Ao chegar à Agora, depois de quatro
império extenso. horas de corrida, teve tempo de pronunciar uma só palavra
No início do século V, as cidades da Jônia deram ao antes de morrrer: “vencemos”. Este episódio (não se sabe
se real ou lendário) está na origem da corrida da maratona,
imperador Dario o motivo de que necessitava para dar introduzida desde 1896 nos Jogos Olímpicos modernos.
início à conquista grega, iniciando uma revolta contra
o domínio persa. Poucas cidades efetivamente se en-
volveram no movimento, que ficou restrito à Jônia e a Com a impossibilidade de invadir a Ática, e temendo
cidades isoladas do sul e do norte da Anatólia. A luta novas perdas, os persas se retiraram, passando os dez
durou cinco anos (499 a 494 a.C.), ao cabo dos quais anos seguintes em preparação para uma nova tentativa
as cidades jônias foram completamente submetidas. de invadir a Grécia. Nesse período a descoberta de
Dois anos depois, Dario iniciou seu projeto de conquistar minas de prata nas montanhas do Laurion, exploradas
a Grécia continental, ocupando a Trácia, a Macedônia com o trabalho de mais de 30.000 escravos, permitiu
(duas importantes regiões fornecedoras de matérias- a Atenas reforçar a sua frota com o financiamento para
primas e alimentos a Atenas) e as Ilhas Egeias. Em a construção de 200 navios de guerra. Em 480 a.C.
seguida preparou seu exército e armada para invadir a o novo rei persa, Xerxes, lançou a segunda ofensiva
Ática, tentando um desembarque na Baía de Maratona contra a Grécia, com mais de mil navios e cerca de
em 490 a.C. – a célebre batalha que foi relatada pelo 300.000 soldados, segundo os historiadores recentes.
historiador grego Heródoto. Duas pontes de barcos, ancorados e amarrados com
Os persas atacaram com aproximadamente 600 cordas de linho, foram construídas sobre o Heles-
navios e cerca de 25.000 a 50.000 homens de infantaria ponto, permitindo aos soldados e carga dos persas
leve (a tradição chega a falar em 100.000 soldados, mas atravessarem o estreito que separa a Ásia da Europa. O
este número é contestado por historiadores atuais); por exército persa tomou posse da Trácia e da Macedônia,
sua parte, os atenienses contavam com apenas 9.000 descendo em direção à Tessália e à Beócia, enquanto
de seus soldados-cidadãos e 1.000 soldados aliados a frota persa o acompanhava pela costa fornecendo os
(os plateus), não tendo conseguido o apoio das outras mantimentos necessários. Enquanto Esparta e Atenas
cidades gregas para enfrentar os persas. Os gregos, discutiam a respeito do melhor plano para enfrentar os
porém, estavam equipados como hoplitas (protegidos persas, estes invadiram a planície da Ática e saquearam
Terminadas as Guerras Persas, e com o retorno de onde as questões importantes eram debatidas e encami-
Esparta e outras cidades gregas a suas preocupações nhadas – por isso se diz que o sistema ateniense era uma
locais, iniciou-se um período de 50 anos de paz na democracia direta, pois qualquer cidadão podia pedir a
Grécia Continental, em que floresceram a democracia, palavra e propor uma moção. Os magistrados limitavam-
a filosofia e as artes – sobretudo em Atenas – até que se a executar as decisões da Assembleia, enquanto o
a Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, viesse conselho apenas discutia antecipadamente os assuntos
HISTÓRIA
a encerrar este período áureo da civilização grega. que depois seriam julgados pela Assembleia. A junta
Ao mesmo tempo em que ocorriam os conflitos de generais (estrategos) adquiriu grande importância,
internacionais narrados acima, em Atenas davam-se os consistindo numa espécie de gabinete de ministros, e
desenvolvimentos políticos que levaram à instituição da concentrando a política interna e externa.
democracia – termo geralmente traduzido como “governo Um aspecto interessante a se notar sobre o sistema
do povo”. O ponto de partida foram as reformas de Clís- político grego é sua intrínseca relação com o processo de
tenes, que entraram em vigor entre 508 e 501 a.C. expansão imperial ateniense que narramos acima. Note
Clístenes era membro de uma das mais importantes que em muitos outros momentos da história universal
famílias de Atenas, os Alcmeónidas. Por meio de sua a expansão imperialista terá como um de seus mais
reforma o espaço político foi reorganizado, e maior po- importantes motivadores o controle social na própria
der foi concedido ao conjunto de cidadãos. As antigas nação expansionista – veremos isso novamente quando
estruturas fundadas sobre a riqueza e os grupos fami- tratarmos do Império Romano. Na avaliação de Finley
liares foram substituídas por um sistema de repartição sobre o sistema político ateniense, a importância do
territorial. Um cidadão, assim, não se definia mais por imperialismo fica clara:
sua identificação com uma família ou grupo social, mas Em meados do século quinto, os “poucos” e os “muitos” en-
por seu pertencimento ao demo – a menor circunscrição tre os cidadãos de Atenas tinham conseguido um equilíbrio
administrativa. satisfatório ou, por outras palavras, estabeleceram um siste-
ma virtualmente à prova de stasis [revoltas]. Aos “muitos”,
O objetivo principal de Clístenes era obter a isonomia
o Estado proporcionava benefícios materiais significativos e
(“igualdade perante a lei”) para todos os cidadãos. A
uma participação considerável na governação. Aos “poucos”
Ática foi assim dividida em demos, os quais, agrupados – e formavam uma classe bastante numerosa – as honras e
em três ou quatro formavam uma trítia (trittya). Unindo- alegrias que acompanhavam a liderança política e militar. O
se uma trítia de Atenas (a cidade, asty), uma do litoral êxito político e a prosperidade econômica serviam de fatores
(paralia) e uma do interior (mesogée), obtinha-se uma unificadores, possibilitando a cobertura dos enormes custos
tribo. Cada tribo, assim, era composta por cidadãos de oficiais e da frota, sem o que a participação e até a lealdade
Atenas, da costa e do interior, o que garantia a repre- de milhares de cidadãos pobres seria, no mínimo, duvidosa;
sentatividade de todos os grupos sociais (aristocratas, e proporcionavam estímulo psicológico poderoso ao orgulho
comerciantes, camponeses). A estrutura administrativa cívico e uma íntima identificação pessoal com a polis. Sem o
ficava então hierarquizada da seguinte forma: Indivíduo Império, é difícil imaginar o triunfo inicial do sistema forjado
– Demo – Trítia – Tribo – Cidade. por Elfiates e Péricles. (FINLEY, 1988, p. 70)
As tribos escolhiam os cidadãos que participariam dos
órgãos centrais da polis: o Conselho (boule, agora com O império, assim, além de fornecer os recursos para
500 participantes), a heliaea (poder judiciário), e as demais a manutenção material da polis e de suas classes mais
magistraturas. Os magistrados, porém, continuavam a ser baixas (e os recursos para a própria expansão imperial),
eleitos apenas entre as duas classes mais ricas, uma vez era um importante fator na política interna, levando os
que o Estado não pagava os cidadãos pelos seus serviços. cidadãos a se preocuparem com os conflitos externos
Isto viria a mudar somente a partir de 451 a.C., quando e o domínio de outros povos, em vez dos problemas
Péricles colocou em prática um pagamento diário pela sociais internos.
presença na heliaea e na boule, permitindo aos cidadãos Além dessa vinculação do sucesso da democracia
mais pobres e aos moradores distantes da cidade partici- ao império, não se deve esquecer que o sistema ate-
parem das funções cívicas e públicas. niense não era verdadeiramente democrático, uma vez
As reformas de Clístenes e Péricles reforçaram o cará- que apenas os cidadãos dela participavam, excluindo-se
ter democrático de Atenas. O centro político foi transferido as mulheres, os estrangeiros (metecos) e os escravos.
do Conselho dos Quinhentos para a Assembleia Popular, Assim, embora o sistema se tornasse cada vez mais
democrático para os cidadãos, mantinha-se como ga- A luta pela hegemonia grega
rantidor dos direitos e soberania destes sobre os escra-
Uma vez que a aliança entre as cidades gregas
vos, as mulheres e, durante o período do Imperialismo
derrotou os invasores persas, a tendência ao particu-
Ateniense, as cidades “aliadas” da Liga de Delos.
larismo e à independência voltou a vigorar na Grécia
continental e Ilhas Egeias. Atenas passou a enfrentar
A “Era de Péricles” rebeliões entre as cidades-membro da Liga de Delos,
HISTÓRIA
Péricles (495-429 a.C.) foi um estadista ateniense que dominou enquanto Esparta e Tebas organizavam, elas mesmas,
a política da cidade entre os anos 460 e 430 a.C., sendo eleito as respectivas confederações do Peloponeso e da
estratego por quinze vezes consecutivas entre 444 e 430 a.C. Beócia, e as cidades ao norte do Monte Olimpo eram
Sobrinho de Clístenes e membro da família aristocrática dos submetidas ao reino da Macedônia.
Alcmeónidas, Péricles foi defensor da democracia desde suas
primeiras iniciativas políticas. Os atenienses lutavam em diversas frentes simul-
Sob sua direção Atenas adotou a política imperialista taneamente. Entre 460 e 454 a.C., uma expedição
descrita acima, embora se desconheça sua responsabilidade foi mantida no Egito para ajudar forças contrárias
direta na política que levou Atenas a entrar em conflito com ao domínio persa, mas acabou sendo derrotada. Em
Corinto, Esparta, Egina e Tebas no período de 459-446 a.C.
Posteriormente, com o início da Guerra do Peloponeso (ver
457 a.C., as cidades de Egina e Tanagra finalmente
item seguinte), Péricles caiu em desgraça entre os cidadãos capitulavam frente ao poder ateniense, e em 440-
atenienses, sendo obrigado a abandonar a vida política e 439 a.C., uma revolta em Samos foi sufocada e a
morrendo um ano depois. cidade obrigada a pagar uma pesada indenização
Péricles foi também um grande incentivador das artes, e um de guerra. Sentindo as inimizades crescentes, em
grande construtor. Por sua iniciativa iniciou-se em 447 a.C. a
construção do Partenon (concluída dez anos depois), do Propileu
458 a.C. iniciou-se a construção dos longos muros
e de outros edifícios importantes na Acrópole (para o que não circundando a cidade e ligando-a ao porto. Poucos
hesitou em usar o tesouro da Liga de Delos). Na cultura, Péricles anos depois ocorreram os primeiros enfrentamentos
atraiu para Atenas sábios e artistas que em outras cidades não com Esparta, levando as duas cidades a assinar um
tinham liberdade ou apoio, fazendo da cidade a capital cultural da tratado de paz em 447 a.C. Entretanto, o crescimento
Grécia. Ao redor de Péricles e de sua mulher Aspásia – conhecida
por discutir em pé de igualdade com os homens – organizou-se
do império ateniense e sua crescente oposição à Liga
um círculo intelectual, do qual os nomes mais importantes foram do Peloponeso, liderada por Esparta, acabou por levar
Anaxágoras (filósofo e preceptor de Péricles em sua infância), a um novo choque entre as cidades que dividiam a
Fídias (escultor), Protágoras (filósofo), Heródoto (historiador) e hegemonia política na Grécia: a Guerra do Peloponeso,
Sófocles (autor de tragédias). relatada em detalhes pelo historiador Tucídides, ele
A importância de Péricles na constituição política e cultural da
Atenas Clássica faz com que o período iniciado em meados
próprio participante da guerra.
do século V seja também conhecido como “Era (ou Século) A Guerra do Peloponeso iniciou-se em 431 a.C.
de Péricles”. Seu motivo imediato foi o apoio dado por Esparta às
cidades que procuravam se libertar da dominação
ateniense – especialmente Corinto, Potideia e Mega-
ra, cidades que controlavam o istmo que liga a Ática
ao Peloponeso. Segundo Rostovtzeff: “a explicação
para o conflito deve ser encontrada não apenas no
ponto de vista político fundamentalmente diferente
assumido por duas potências praticamente iguais na
Grécia, mas também numa série de incidentes que o
acompanhavam e que amadureceram e apressaram o
choque armado.” (ROSTOVTZEFF, 1986, p. 163).
Reunida a Liga do Peloponeso, decidiu-se pela
declaração de guerra a Atenas a não ser que esta
concedesse autonomia às cidades da Liga de Delos,
isto é, se fosse desfeito o Império Ateniense. Com a
Péricles - Cópia romana de original grego de cerca de 430 a.C. recusa ateniense iniciou-se a guerra. A Ática foi inva-
Museu Pio-Clementino, Roma, Itália. dida por espartanos e beócios, e os seus cidadãos se
encerraram nos limites dos Grandes Muros, esperando Enfraquecidos e desunidos, não puderam fazer frente
receber suprimentos por meio da poderosa frota grega. a um inimigo de outro tipo que surgiu na segunda
A cidade permaneceu sitiada por seis anos, até os metade do século IV: o reino macedônico, destinado
atenienses conseguirem aprisionar 120 homonoioi a unir os gregos sob uma única bandeira – ainda que
(cidadãos da aristocracia espartana) e 420 soldados uma bandeira estrangeira.
lacedemônios, negociando um acordo de paz com os
HISTÓRIA
espartanos (Paz de Nicias, 421 a.C.).
O acordo não impediu que em 418 a.C. Atenas 2.2 As contribuições culturais da Grécia
tentasse um novo ataque ao Peloponeso por meio de Clássica
suas aliadas Argos, Elis e Mantinea, porém Esparta foi
Não foi apenas na política e na arte militar em que os
novamente vitoriosa. Quatro anos depois, era Esparta
gregos propuseram inovações que vieram a se tornar
que relançava a guerra, invadindo a Ática e pedindo o
parte da cultura ocidental. É bem verdade que suas
auxílio dos persas para derrotar a frota ateniense. Após
contribuições técnicas para a agricultura e a indústria
algumas vitórias atenienses os espartanos conseguiram
foram escassas e embora no período homérico tenha
finalmente contar com o auxílio dos persas, destruindo
havido alguns desenvolvimentos notáveis (sobretudo
a frota ateniense em Aigos Potamos em 405 a.C., e
na indústria da cerâmica e do ferro), a partir do período
levando Atenas a se render em 404 a.C. Tebas e Corinto
clássico as técnicas agrícolas e industriais tornaram-se
exigiram a destruição de Atenas, porém Esparta preferiu
obsoletas. Foi no âmbito cultural, porém, em que os
integrá-la à sua aliança, iniciando o breve período da
gregos apresentaram seus maiores triunfos, que se
hegemonia espartana. O historiador M.I. Finley faz uma
tornaram parte integrante e fundamental das sociedades
avaliação das consequências da guerra:
ocidentais – tratamos especificamente da poesia, do
A guerra foi uma catástrofe não só para Atenas, como teatro, da história e da filosofia. Além disso, artes como
para toda a Grécia: desfez a única via possível para uma
a escultura, a arquitetura e a pintura, embora não tenham
certa unificação política, embora, reconhecidamente, uma
sido inventadas pelos gregos, foram por eles refinadas,
unidade imposta aos outros por uma cidade ambiciosa.
tornando-se, em diversos momentos da história das
Esparta conduziu a guerra sob o lema de restituir às ci-
dades gregas a sua liberdade e autonomia, mas, na re-
artes (como nos períodos do Renascimento e do Neo-
alidade, acabou por, primeiramente, devolver os gregos
Clássico) os modelos a serem seguidos.
da Ásia Menor à soberania da Pérsia (como pagamento Como vimos acima, foi por meio dos gregos que a
do ouro persa de que tinha necessidade para ganhar a escrita fenícia transmitiu-se a Roma e a todo o Ocidente.
guerra); depois, tentando estabelecer um império próprio, Com a escrita transferiu-se também a forma primitiva
com pagamento de tributo, com governadores militares e e por muito tempo predominante de redação entre os
guarnições, sobre o cadáver do Império Ateniense. O seu gregos: a poesia. Para nós é curioso que os gregos
esforço incompetente não durou uma década. Durante o redigissem em versos não apenas a própria poesia lírica
século quarto, o vazio do poder foi constante na Grécia.
(para ser cantada com acompanhamento da lira), mas
(FINLEY, 1988, p. 60).
também suas ideias políticas e filosóficas. Isto se deve
não apenas à importância da literatura oral na formação
Iniciado o século IV a.C., a confusão entre as cida- da identidade grega, mas à contínua importância da ex-
des gregas permanecia. A noção de hegemonia desa- pressão oral na formação da própria cidadania, expressa
parecia em meio aos constantes conflitos e às alianças nos edifícios públicos construídos especialmente para
de curta duração. Primeiro Esparta, depois novamente o diálogo e o debate. Segundo Finley, embora a grande
Atenas e então Tebas lutavam para conseguir restaurar maioria dos cidadãos das pólis gregas soubesse ler e
algo do Império grego que existira no século anterior, escrever, não se deve realçar a importância da palavra
ao passo que as cidades submetidas lutavam para se escrita:
tornar independentes. Os detalhes dos enfrentamentos
Os gregos preferiam falar e ouvir: a sua própria arquitetura
são muitos para que possamos reproduzir aqui. Por é a de um povo que gostava de falar; não apenas os gran-
volta do ano 360 a.C., não havia cidade grega que diosos teatros ao ar livre e os recintos de reuniões, mas
pudesse postular o título de hegemônica. também as mais características de todas as estruturas
O século de constantes guerras, entretanto, acabou gregas, a stóa ou colunata tapada. Por cada pessoa que lia
por ter consequências duradouras para os gregos. uma tragédia, havia dezenas de milhares que as conheciam
HISTÓRIA
teatros. Procure conhecê-las nas diversas edições impressas
disponíveis, ou, se tiver oportunidade, numa apresentação
de originalidade foi procurar desvincular a história do
teatral. Eis algumas delas: mito, separando aquilo que aparentava ser realidade,
• Ésquilo: Os Persas; As Suplicantes; Prometeu daquilo sobre o que não dispunha de comprovações
Acorrentado, Oréstia; evidentes. Para isso, não era suficiente lidar com os
• Sófocles: Antígona; Édipo Rei; Electra; documentos e tradições já existentes, sendo necessário
• Eurípides: Electra; As Orestes; Helena; As Troianas;
Hécuba;
um trabalho de “investigação”, realizada não apenas
• Aristófanes: As Vespas; Lisístrata; As Nuvens por meio de conversas com testemunhas dos fatos
(comédias). históricos e conhecedores de outras regiões, porém
com visitas de caráter etnológico e geográfico às pró-
prias regiões em questão. A obra resultante, embora
A partir do século IV, Atenas se estabeleceria como
tenha como tema central as guerras persas, acabou por
o centro de praticamente toda a produção intelectual
portar características de uma verdadeira enciclopédia,
grega. Na origem de duas importantes criações, entre-
trazendo descrições de caráter etnográfico, geográfico e
tanto, a primazia coube à região da Ásia Menor – mais
histórico sobre os gregos e os povos antagonistas. Não
especificamente as cidades de Mileto e Halicarnasso.
por acaso o autor deu-lhe o título de “Investigações” –
Foi ali que a história e a filosofia deram seus primeiros
em grego: historiai.
passos, para depois instalarem-se definitivamente em
Atenas.
Durante muito tempo, o interesse dos gregos pelo
seu passado satisfazia-se com lendas e mitos que eram
tomados como verdadeiros (nesse sentido os gregos
não se distinguiam dos demais povos em estágios equi-
valentes de desenvolvimento). O interesse no passado
tinha o objetivo de reforçar a consciência e o orgulho
regionais ou helênicos, a solidariedade comunitária, a
sanção ao poder de determinado grupo ou individuo,
etc. Os mitos eram inúmeros, e “explicavam” cada as-
pecto da existência cotidiana. Durante o século VI a.C.,
entretanto, deu-se uma mudança nas cidades gregas da
Ásia Menor. Ali os gregos conviviam em contato intenso
com outros povos, como os lídios e os persas, e sen-
tiam que seus mitos não podiam explicar a existência
e as particularidades destes desconhecidos. Surgiram
assim livros procurando responder à necessidade de
conhecimento destes povos, com informações e ob-
servações geográficas, históricas e sociológicas (ainda
que muitas vezes erradas ou imprecisas, pois obtidas Busto de Heródoto
indiretamente por meio de testemunhos distantes). O Stoa de Attale, Museu da Ágora Antiga de Atenas, Grécia.
número desses escritores – conhecidos como logógra-
fos – não é muito significativo, nem a qualidade de suas Na Grécia Antiga, o termo ‘história’ estava mais
obras, porém deve-se ressaltar sua originalidade, pela próximo da sua raiz original indo-europeia, weid - ‘ver’
primeira vez procurando explicações exteriores às suas -, da qual vem o sentido de ‘eu vi’. Mas aquele que vê
próprias tradições. Hecateu de Mileto, por exemplo,
afirmava: “o que aqui escrevo é o relato que julgo ser 8
Cidade da Ásia Menor.
é também aquele que sabe: historein em grego antigo e nas afirmações auto-evidentes de autoridades estabe-
é ‘procurar saber’, ‘informar-se’. Do ponto de vista lecidas – embora Aristóteles possa ter sido um modelo
etimológico, portanto, o historiador surge como uma de pensamento na Idade Média, tal não aconteceu na
pessoa que se informa por si mesma da verdade; um Grécia, que não outorgou esse direito a ninguém.
verdadeiro pesquisador de campo, que viaja, interroga, A originalidade grega encontra-se na forma como
não se limitando a transcrever os dados à sua disposi- se procurou responder algumas antigas questões: “O
HISTÓRIA
ção, sem estabelecer relações entre os acontecimentos que é o mundo?”, “Quem somos nós?”, “Para onde
ou distinguir fatos reais de relatos imaginários. É neste vamos?” etc. Enquanto outros povos recorriam a
sentido que Heródoto é considerado o primeiro histo- respostas míticas, a “revolução jônica” consistiu em
riador, pois apesar de bastante crédulo em relação aos se propor respostas gerais, racionais e impessoais a
oráculos e à religiosidade, manifestava cuidado com aquelas perguntas – respostas muitas vezes ingênuas,
as informações, distinguindo o que ele mesmo viu do porém inovadoras na tentativa de se estabelecer princí-
que apenas ouviu, e questionando a veracidade das pios de funcionamento da natureza e da mente humana
narrações de outros. Nos trechos seguintes, Heródoto independentes das vontades dos deuses. A tentativa de
indica quais foram os critérios para a investigação e a encontrar princípios inteligíveis e coerência por trás das
redação de suas historíai, dando verdadeiros conselhos aparências do cosmos era a tentativa de substituir o
de prudência aos historiadores que o sucederam: mito pela filosofia. A compreensão começa quando se
Quanto a mim, meu objetivo ao longo de toda a obra é regis- colocam as perguntas certas e se discerne a necessi-
trar tudo que me foi dito tal como ouvi de cada informante. dade de generalização; nestes aspectos, considera-se
[...] Em verdade, minha obrigação é expor o que se diz, mas correto iniciar a história da filosofia com Tales de Mileto
não sou obrigado a acreditar em tudo (essa expressão deve (c.635-556 a.C.). Ainda no século VI, desenvolveu-se
aplicar-se a toda a minha obra). (HERÓDOTO, 1985. Livro II, uma escola de pensamento nas cidades gregas da
123; Livro VII, 152).
Itália, em que brilhou a originalidade de Pitágoras. No
A Heródoto seguiu-se Tucídides (c.460-400 a.C.), século seguinte, Atenas tomaria a primazia no pensa-
militar e historiador ateniense, ele próprio participante mento filosófico grego, e para ali se dirigiam muitos
da Guerra do Peloponeso, que foi o objeto de seu estudo dos pensadores da Ásia Menor ou da Magna Grécia. As
histórico. Tucídides foi mais longe pois não se preocu- contribuições desses filósofos – em que se destacaram
pou apenas em distinguir a fábula da realidade, ou de as figuras de Sócrates, Platão e Aristóteles – são tema
identificar e criticar as fontes de seus conhecimentos: da disciplina Filosofia, portanto não iremos tratar desse
seu objetivo era encontrar as relações causais entre os assunto neste módulo.
acontecimentos, explicando-os não de maneira teológi- Para finalizar, é importante destacarmos algumas
ca, como ainda fazia Heródoto em alguns momentos, características importantes das artes plásticas e da
mas de maneira racional e lógica. Com esse objetivo arquitetura grega. O primeiro fato importante a se no-
em mente, acabou por compreender o papel que a tar é estreita ligação entre as artes e a comunidade.
personalidade desempenha na história e também sua A Grécia clássica era um mundo que quase não tinha
impotência em face de movimentos de cunho econômi- palácios; a arquitetura grega, assim como a pintura e
co e social. Compreendeu a “psicologia das massas” e a escultura, eram artes públicas. Dentre os edifícios,
o papel que ela desempenhou na história. Além disso, sobressaíam o templo e o teatro – ambos ligados ao
pode ser considerado o pai do pensamento realista nas culto. Também havia altares espalhados junto às portas
Relações Internacionais ao compreender as relações de das muralhas, nos locais de assembleia e nas ruas. O
poder como centrais nas relações entre os Estados, e Estado, assim, era quase o único patrono das artes
ao formular o conceito de equilíbrio de poder. monumentais, geralmente atuando por meio das assem-
No século VI, em Mileto, também na Ásia Menor, bleias, conselhos e magistrados – os mesmos homens
iniciou-se o pensamento filosófico grego – um gênero que lançavam impostos e aprovavam a guerra e a paz,
totalmente original de investigação da natureza do também ordenavam, supervisionavam e mantinham as
universo. A partir daí a filosofia desenvolveu-se con- obras públicas.
tinuamente até o final da Antiguidade. Abarcava uma A arte infiltrava-se na vida cotidiana, encontrava-se
vasta área, englobando ciência e teologia, e conseguiu nos templos, teatros, cemitérios e não em museus.
fugir ao perigo de se fixar num pensamento tradicional Nas casas, embora não houvesse “objetos de arte”,
existiam jarras e taças, espelhos, jóias, bonecas em ideais clássicos perderam importância e durante sé-
terracota para crianças e outros objetos de uso cotidiano culos a arte ocidental afastou-se dos modelos criados
elaborados com muito cuidado estético – embora em pelos gregos. Seria apenas ao final da Idade Média,
algumas regiões da Grécia tenham persistido produ- no período denominado Renascimento, em que houve
tos de qualidade inferior, historiadores da arte têm a uma revalorização da herança clássica, retornando a
impressão de que em todos os campos a qualidade arte grega ao lugar de preeminência da qual nunca
HISTÓRIA
era muito elevada. Isso se devia não apenas devido ao deveria ter saído.
elevado padrão de habilidade artesanal, mas sobretudo
à qualidade canônica das obras, fundamentada nas
relações matemáticas. Muito antes de Platão, e talvez 2.3 A expansão macedônica e a civilização
mesmo antes de Pitágoras, havia se estabelecido nas helenística
artes a noção de que o número era a chave da harmo- Macedônia é o nome da região imediatamente ao
nia. Templos, esculturas, pinturas e cerâmicas, assim, norte do Monte Olimpo, que historicamente marcou o
seguiam regras de proporção bem estabelecidas, que limite setentrional da civilização grega. Era habitada por
ao mesmo tempo conferiam certa identidade às obras povos de mesma origem que os gregos, cuja evolução,
gregas e permitiam ao artista escapar da monotonia e porém, não conseguiu acompanhar a de seus distantes
da uniformidade por meio de outros aspectos presentes parentes da Ática, do Peloponeso, do Mar Egeu, da
nas obras. Pode-se dizer que os artistas gregos acei- Anatólia e da Magna Grécia. Por volta do século V a.C.,
tavam os cânones, mas exploravam totalmente suas a Macedônia constituía-se ainda de tribos vivendo da
possibilidades, permitindo a manifestação de seu poder agricultura e do pastoreio, sob o comando de prínci-
inventivo e imaginação. pes locais. Progressivamente formou-se na cidade de
Pela uma corte relativamente rica, que tinha contatos
econômicos e culturais com o mundo grego, e progres-
sivamente tornou-se dona de toda a Macedônia.
Em 359 a.C. subia ao trono Filipe II, com apenas 23
anos. Encontrando um reino ameaçado por vizinhos
mais fortes, aceitou de início tornar-se vassalo do rei
da Ilíria e fazer um acordo de paz com Atenas, enquanto
ganhava tempo para iniciar uma vasta reforma do exér-
cito, com o aumento no número de soldados e oficiais,
a melhoria do equipamento e renovação das táticas.
Partenon de Atenas, Grécia. Foto: Sérgio Holanda. Antes de se tornar rei, Filipe havia vivido três anos em
Tebas, onde estudou a arte militar grega. Uma vez no
As transformações políticas e sociais do período poder, adaptou os ensinamentos gregos, alterando o
helenístico (ver item seguinte) iriam provocar mudan- equipamento do guerreiro hoplita para torná-lo mais
ças enormes também na arte. O patrocínio passou a leve, embora igualmente eficiente.
ser, em grande parte, de governantes autocratas ou Fortalecido com o novo exército, Filipe iniciou suas
de ricos mecenas particulares, o que o transformava conquistas, pretendendo tornar-se senhor de uma Gré-
praticamente num patrocínio individual – em certo cia unificada, com o propósito final de invadir o Império
sentido, o indivíduo substituiu a comunidade como Persa. Inicialmente garantiu o domínio da Macedônia
centro de atenção em toda a comunidade. Isso refletiu e da Tessalia (356-348 a.C.), subjugando cidades de
especialmente na Arquitetura, em dimensões cada vez pretensões autonomistas; conquistou em seguida o
maiores e na crescente ornamentação dos edifícios, antigo reino soberano da Ilíria (343-342 a.C.) e a Trácia
como forma de demonstrar o poderio do patrono. (343-342 a.C.). Por fim, em 338 a.C. (já tendo seu filho
Posteriormente, a arte grega se tornaria modelo Alexandre como regente) derrotou uma coalizão entre
para os romanos (ver capítulos 3 e 4), especialmente Atenas e Tebas na batalha de Queroneia, tomando o
na arquitetura e na escultura (grande parte da estatuá- controle de quase toda a Grécia continental. Sob sua
ria grega é conhecida apenas pelas suas reproduções liderança organizou-se a Liga de Corinto, união de todas
romanas). Com a chegada da Idade Média, porém, os as cidades gregas (à exceção de Esparta, que perma-
neceu independente), destinada a fazer a guerra contra ordenou a reconstrução do templo de Bel Marduk.
a Pérsia. No ano seguinte, continuou sua marcha para o leste,
Com a morte de Filipe em 336 a.C., o jovem Ale- derrotando em Persépolis os exércitos remanescentes
xandre assumiu o trono, tornando-se um dos maiores do Império Persa e seguindo a conquista de regiões
conquistadores da história. Ao cabo de treze anos de antes pertencentes a este império: Média, Partia, Ária,
reinado, seu domínio estendia-se da Grécia ao Rio Bactriana, Sogdiana, Vale do Indo, e Gedrosia (regiões
HISTÓRIA
Indo, e mais de 70 cidades haviam sido fundadas. Sua que atualmente compõem os países da Ásia Central:
morte prematura, porém, deixou inacabados (e sequer Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia). Em 325 a.C. estava
conhecidos) seus planos, e o extenso império rapida- de retorno à Pérsia e Babilônia, onde permaneceu até
mente se dividiu. sua morte em 323 a.C. (provavelmente de malária ou
Alexandre Magno (magno = “grande”) dedicou os febre do Nilo, conforme avaliações de historiadores
dois primeiros anos de seu reinado a eliminar todos modernos). Veja nos mapas adiante a evolução das
os potenciais competidores, incluindo primos e meio- expedições militares de Alexandre:
irmãos, e a reforçar o domínio sobre as duas confede-
rações gregas sob seu domínio (Tessalia e a Liga de
Corinto). Em 334 a.C. partiu em sua expedição militar
rumo ao Oriente e nunca mais retornou à Macedônia.
Entre 334 e 332 a.C. caíram sob seu domínio a Ásia
Menor, a Fenícia, a Palestina, o Egito e a Mesopotâmia
– regiões antes sob domínio persa, que em muitos
casos acolheram Alexandre como libertador (embora
este anexasse a seu império cada uma das regiões
conquistadas). No Egito, Alexandre fez-se proclamar
faraó, e determinou, na costa do Mediterrâneo, o local Expedições de Alexandre Magno
da futura cidade de Alexandria, construída após sua 334-333 a.C.
partida rumo à Ásia Central.
333-330 a.C.
Muitos aspectos são fascinantes na vida de “bárbaros” (aqueles que não falavam a língua grega)
Alexandre. Tendo a opção de se estabelecer num e, em alguns casos, de alianças matrimoniais e fusão
palácio dotado de todas as amenidades que pudesse cultural. O fenômeno helenístico, porém, foi diferente,
ter um príncipe poderoso, optou por passar sua vida qualitativa e quantitativamente, pois legiões imensas
em expedições militares e batalhas, sendo ferido de macedônios e gregos passaram décadas a lutar
várias vezes, e estando sujeito a doenças e à fadiga, em terras da Ásia, acabando por se estabelecer
HISTÓRIA
que acabaram por provocar sua morte prematura. nas regiões conquistadas onde formariam, junto
Percorreu enormes distâncias com suas tropas, em com outros imigrantes da Grécia, uma nova classe
territórios inóspitos que até hoje representam desa- dirigente – enquanto a população nativa permanecia
fio para qualquer aventureiro. Não deixou, porém, subordinada. Criou-se ainda uma grande classe média
nenhum tipo de indicação clara sobre seus propósi- de soldados-colonos, que recebiam terras do rei em
tos, não se sabendo como pretendia governar uma troca do serviço militar.
área tão extensa ou se havia outras regiões a serem
conquistadas. À sua morte seguiu-se meio século
de lutas entre seus generais, levando à divisão das
possessões de Alexandre.
Estabeleceram-se três grandes reinos (e outros
menores) que couberam aos seguintes comandantes
macedônicos:
• Macedônia e Grécia, controladas por Antígono;
• Síria, Mesopotâmia, Pérsia e Ásia Central, con-
troladas por Seleuco; Moeda cunhada com a efígie e o nome de Alexandre.
Museu Britânico, Londres, Inglaterra.
• Egito e Palestina: controladas por Ptolomeu.
Outro fator importante na divulgação da cultura
Os três reinos principais lutaram incessantemente helenística foi que Alexandre e seus sucessores fun-
para aumentar os seus territórios à custa dos outros, daram cidades por todas as regiões que caíram sob
enquanto alguns reinos menores buscavam manter seu domínio. Muitas eram denominadas igualmente
uma existência independente tentando usar a seu “Alexandria” – algumas ainda mantêm o nome, como a
favor as diferenças entre os três grandes reinos. In- famosa cidade egípcia; outras vieram a adotar outros
ternamente também havia violentas lutas dinásticas, nomes, tais como Kabul, Herat e Kandahar, todas elas
fazendo com que muitos dos reis e imperadores mor- no atual Afeganistão. As cidades adotavam o modelo
ressem assassinados em conspirações palacianas. das cidades gregas, sendo transplantados os ele-
Além disso, regiões submetidas procuravam a todo mentos arquitetônicos característicos da polis grega
momento libertar-se do domínio estrangeiro – como – como a Ágora (praça central), as stoas (pórticos ou
a própria Grécia, completamente anexada à Macedô- colunatas destinados vários usos públicos), os tem-
nia. Por fim, todos estes reinos acabaram bastante plos e ginásios. Os imigrantes falavam grego (na forma
enfraquecidos, facilitando o trabalho de conquista de um dialeto ático modificado que se uniformizou em
empreendido pelos romanos a partir do século II a.C. todo o mundo helênico, conhecido atualmente como o
(sobre o que trataremos no capítulo seguinte). grego do Novo Testamento), assim como as classes
O mais importante legado da atividade expansio- dirigentes dos povos conquistados, que rapidamente
nista de Alexandre, entretanto, não foi de cunho militar procuravam adotar elementos da cultura grega. Por
ou político, mas cultural, com a expansão da cultura outro lado, as classes inferiores apegavam-se com
dita helenística (a cultura grega, em sua variante ate- tenacidade à própria língua e escrita, evidenciando
niense, conforme reelaborada pelos macedônicos, e uma separação fundamental entre “os muitos” e “os
incorporada de elementos orientais, tais como persas poucos” na população conquistada.
e sírios). Os gregos já tinham uma longa experiência Na experiência política grega, porém, nada havia
de fixação entre os povos por eles denominados que se assemelhasse ao governo de estados de
livres para tomar as decisões arbitrárias que afeta- continuar suas pesquisas sobre a Grécia. Infelizmente alguns
deles estão em Inglês, mas no Tradutor Google você pode
vam a vida de todos. Embora houvesse uma grande
traduzir automaticamente as páginas desses sites.
burocracia, responsável por conduzir os negócios do
Em Português:
Estado, a soberania dos reis era tão absoluta que os www.nea.uerj.br (Núcleo de Estudos da Antiguidade da UERJ)
países por eles governados não tinham nome próprio, www.classica.org.br (Sociedade Brasileira de Estudos
sendo conhecidos por reinos Antigônida, Selêucida e Clássicos)
Ptolomaico (nomes dos primeiros reis macedônicos www.antiguidadeclassica.com (revista eletrônica)
www.greciantiga.org (portal educativo)
e das dinastias por eles inauguradas). Termos como
Em Inglês:
“Egito” ou “Síria” eram, assim, apenas referências www.ancientgreece.com (site da University Press Inc)
geográficas. www.greece-museums.com (guia online de museus na
Historicamente, as raízes deste sistema estavam nos Grécia)
regimes monárquicos há muito estabelecidos no antigo www.ancientgreece.co.uk (site do British Museum)
Próximo-Oriente, automaticamente adotados pelos con-
quistadores macedônicos. Esta era a realidade primordial
(excetuando os Antigônidas), e embora se tivesse intro-
duzido o modelo das cidades gregas como um elemento, 3. Roma Antiga: a República
a sua vida necessariamente diferia de períodos anteriores
da história grega. A cidade helenística não era uma organi-
A história de Roma Antiga é geralmente dividida em
zação política, mas um centro administrativo. Assegurava
dois grandes períodos: República e Império (também
vários serviços da comunidade, ligados ao fornecimento
denominado Principado). A República estendeu-se de
de alimentos e de água, por exemplo, ou à religião e à edu-
cação; era responsável também pela coleta de impostos,
508 a 27 a.C., e o Império de 27 a.C. até 476 d.C. Um
pela administração da justiça e por outras tarefas que lhe período formador, denominado Monarquia Romana,
eram impostas pelo rei. [...] Nas cidades, o estatuto de antecedeu a República.
cidadãos era altamente considerado, [...] porém não tinha Durante a fase republicana houve a expansão territo-
conteúdo político: nenhuma cidade tinha autonomia, ou rial de Roma – inicialmente pela Itália, em seguida sobre
mesmo qualquer iniciativa autêntica, nas áreas decisivas os territórios pertencentes a Cartago (na Espanha, Sicí-
da legislação e das finanças; as decisões judiciais esta- lia e norte da África), e finalmente sobre a Macedônia,
vam sujeitas à jurisdição apelatória do rei; os negócios a Grécia, e os territórios pertencentes aos três grandes
estrangeiros estavam inteiramente em suas mãos. (FIN-
reinos helenísticos no Oriente. Ou seja: a face imperial
LEY, 1988, p. 149).
de Roma surge já durante a República – lembre-se que
este termo representa a forma de governo, o que não
A exceção a este modelo é a própria Grécia, que impede que em sua política externa adote uma postura
embora sob o controle da Macedônia, pode desfrutar imperialista, isto é, conquistadora de outras regiões.
de uma situação distinta. Ali não havia população que
Na segunda fase, a preocupação central foi manter
não fosse grega, uma vez que não houve nenhuma
coeso o grande império que se formara ao longo dos
espécie de “colonização” macedônica da região, e
séculos anteriores, e lutar contra sua desintegração.
os reis Antigônidas jamais exerceram um controle
Embora este período seja denominado Principado, pois
ao estilo oriental. Pode-se dizer, assim, que a polis
o poder era formalmente exercido por um princeps (“pri-
grega continuou viva, embora modificada, até meados
meiro cidadão”), acabou por se tornar mais conhecido
do século II a.C. – quando os reinos macedônicos,
pelo nome genérico de Império. Comecemos analisando
enfraquecidos devido às constantes guerras, acabam
o desenvolvimento de Roma a partir de suas origens,
por ser subjugados por uma nova potência, destinada
para depois compreendermos as implicações de sua
a superar antigos impérios orientais: a República de
política de expansão imperial.
Roma.
HISTÓRIA
montanhas a norte, leste e sul. Do Lácio, os romanos
estenderam-se por toda a Itália e depois conquistaram
grande parte da orla do Mar Mediterrâneo e da Europa
ocidental. É, entretanto, uma civilização basicamente
italiana, uma vez que a pequena população do Lácio não
foi suficiente para controlar áreas tão vastas, tornando
necessária a incorporação dos habitantes das outras
cidades da Itália à cidadania romana (e à correspon-
dente participação no exército).
?? SAIBA MAIS
?
Os habitantes da região do Lácio eram denominados latinos.
A Itália antes da expansão de Roma
A língua por eles falada era o latim, uma das muitas línguas
itálicas antigas, que acabou por prevalecer sobre as demais
devido à força política de Roma. A herança da língua do Lácio Tratando especificamente da região do Lácio, o
se faz notar nas atuais línguas denominadas românicas (ou historiador M.I. Rostovtzeff nota a importância de sua
latinas): italiano, espanhol, português, francês e outras de situação geográfica para o desenvolvimento poste-
menor expressão. rior, destacando a ligação com o mar e a situação de
“Estado-tampão” entre as cidades-Estado à época mais
Assim, as seguintes unidades geográficas se im- desenvolvidas:
põem ao estudo de Roma antiga: Essa independência e ligação com o mar, conservadas
durante séculos, foram de intensa importância para o de-
• Roma: a cidade sede do poder republicano e depois
senvolvimento do Lácio e da raça latina. A corrente de civi-
imperial.
lização vinda da Grécia, Etrúria e Cartago, ajudou a elevar o
• Lácio: a primeira região integrada à República roma- nível da vida econômica e social. Ao mesmo tempo, o perigo
na; de seus habitantes provém a aristocracia gover- constante de ataque de três, senão quatro, direções ensinou
nante durante a República; as regiões que circundam o povo a considerar-se como uma unidade só, ligada pelos
o Lácio são Etrúria (ao norte) e Campânia (ao sul) laços de sangue e da religião. E, finalmente, a luta árdua
• Itália: a península que adentra o Mar Mediterrâneo, contra o solo traiçoeiro da planície temperou o espírito dos
que acabou por constituir a base populacional para primeiros habitantes, prendendo-os fortemente à terra que
a expansão imperial romana (ver mapa adiante); haviam dominado à custa de esforços ingentes. (ROSTOVT-
ZEFF, 1983, p. 26)
• Mar Mediterrâneo: em seu entorno desenvolveu-
se grande parte da atividade imperialista romana.
No sentido horário, a partir da Itália, continha as As origens e a Monarquia
seguintes regiões: Grécia; Ásia Menor (Anatólia); Os primeiros séculos da existência de Roma estão
Síria, Fenícia, Palestina, Egito, Cirenaica, Cartago, envoltos em lendas, e mesmo os autores que preten-
Espanha e sul da França (veja mapa à página 87). deram fazer um relato histórico da fundação da cidade
• Europa central: ao final da República e início do não conseguem escapar ao mito. Foi apenas com os
Império, Roma estendeu seus tentáculos também achados arqueológicos do século XX que algumas
ao norte, conquistando as regiões que compõem a hipóteses realmente históricas foram levantadas sobre
atual França, parte da Alemanha e da Inglaterra. a origem da cidade.
A tradição principal a respeito da fundação da cidade importantes contribuições ao conhecimento dos pri-
foi relatada pelos historiadores Tito Lívio e Dionísio de meiros séculos da história de Roma. Estas escavações
Halicarnasso, ambos do século I a.C. Segundo a lenda, comprovaram a presença de aldeias espalhadas pelas
a origem de Roma remete ao herói grego Enéas, que sete colinas de Roma desde o século X a.C., com uma
após fugir de Troia fundou no Lácio a cidade de Lavinio; cultura semelhante à denominada Vilanova, da Etrúria.
posteriormente, seu filho fundaria a cidade de Alba Longa, Embora durante muito tempo tenha se procurado iden-
HISTÓRIA
na mesma região. No século 8ª a.C. o rei desta cidade, tificar cada colina com a ocupação de latinos, sabinos
Numitor foi destronado por seu irmão, Amulio. A filha de ou etruscos, as evidências não permitem afirmações
Numitor, Rea Silvia, foi obrigada a fazer voto de castidade, conclusivas, ainda mais devido ao intenso intercâmbio
tornando-se uma sacerdotisa, enquanto seus irmãos humano e cultural entre tais povos.
foram mortos por Amulio. Entretanto, o deus Marte Esses povoamentos dispersos evoluíram lentamente
apaixonou-se pela sacerdotisa, que deu à luz os gêmeos sem que se possa indicar uma ruptura marcada que
Rômulo e Remo. O rei Amulio condenou os bebês a serem teria refletido uma mudança brusca no povoamento.
jogados no rio Tibre, mas os servidores encarregados Arqueólogos identificam porém quatro fases: a primeira
dessa tarefa decidiram abandonar as crianças num cesto fase, iniciada no décimo século a.C., marcada pelo início
às margens do rio. Recolhidos e amamentados por uma da Idade do Ferro; uma segunda fase (de 900 a 770
loba, os gêmeos foram posteriormente adotados por um a.C.), em que surgem novos tipos de vasos, indicando o
pastor e por sua esposa, que os educaram. Anos depois, contato com a Etrúria e a Campânia; a terceira fase, ocu-
Rômulo e Remo decidiram fundar uma nova cidade, po- pando os meados do século VIII a.C., em que aparecem
rém logo se desentenderam e Rômulo acabou por matar cerâmicas gregas de estilo geométrico, imitadas pela
o irmão enquanto escolhiam o local para erguer a cidade. produção local; e a quarta fase, de fins do século VIII a
Este rito fundador é seguido de diversos acontecimentos início do século VI a.C., em que as cerâmicas gregas e
que concorrem para o povoamento inicial de Roma: o etruscas ocorrem em todo o Lácio e túmulos suntuosos
rapto das sabinas, a guerra contra o rei sabino Tito Tatius evidenciam a existência de uma aristocracia guerreira,
com o apoio etrusco e finalmente a paz e partilha do contemporânea à que se desenvolve na Etrúria.
poder com os sabinos. Em meados do século VIII a.C., assim, houve uma
aceleração da diferenciação social, e o início de uma
sociedade com uma aristocracia mais rica, em contato
com a expansão grega, que se iniciava também neste
período. Esse movimento atingiu a Etrúria, a Campânia
e o Lácio. O fórum romano (planície localizada em
meio às colinas de Roma) deixava de ser um cemitério,
passando a ser habitado. No século seguinte, o fórum
se tornaria um espaço público, com a colocação de
um piso de pedras.
Autores recentes consideram que embora as colinas
de Roma tenham sido ocupadas desde o século X a.C.,
é possível que tenha realmente ocorrido um rito de
fundação da cidade na segunda metade do século VIII,
quando a planície começava a ser povoada. Quanto à
Estátua da Loba Capitolina amamentando os gêmeos Rômulo e origem etrusca ou latina destes ocupantes originais, não
Remo. Escultura do século XIII d.C. Palazzo dei Cosnservatori, Roma. há consenso entre historiadores – embora geralmente
se admita que a ocupação etrusca da aldeia no final
A data geralmente atribuída para a fundação da ci- do século VII foi a causa efetiva de sua transformação
dade é 753 a.C. À origem lendária da cidade, baseada em cidade, dotada de muralha, com a organização do
em relatos pretensamente históricos, os historiadores espaço público do fórum e a construção do santuário do
contemporâneos contrapõem as evidências descober- Capitólio. Dos etruscos, os romanos herdaram ainda es-
tas nas escavações arqueológicas, que se tornaram tilos de arquitetura, técnicas de construção de estradas,
especialmente numerosas a partir de 1948, trazendo instalações sanitárias e de engenharia hidráulica (inclu-
sive tubulações subterrâneas), metalurgia, cerâmica e numa verdadeira cidade, construindo muralhas, sistema
escultura de retratos. Os gregos, que passaram a ocupar de esgotos (cloaca maxima) e diversos templos. Houve
a região sul da Itália contribuiriam com muitos outros ainda uma reorganização político-administrativa com
conhecimentos, dos quais a escrita foi um dos mais a introdução do princípio censitário na repartição das
importantes (voltaremos a esse tópico adiante). Iniciou- tribos, criando-se cinco classes econômicas e a assem-
se então em meados do século VIII a.C., de acordo bleia Centuriata, ou das Centúrias (Comizi Centuriati).
HISTÓRIA
com a lenda e a comprovação arqueológica, o período A tradição republicana narra que o reinado do último
denominado Monarquia Romana, que se estendeu até rei estrusco, Tarquínio o Soberbo (535-510 a.C.), foi um
509 a.C. Segundo a tradição, houve sete reis durante período de violência e terror, ao fim do qual a monarquia
esse período – sendo os três últimos etruscos. foi abolida e substituída pela República.
O rei era na Roma arcaica o magistrado supremo,
eleito pelos patrícios (patres), os chefes de família dos
clãs familiares que existiam no momento da fundação
A constituição da República
da cidade (gentes originarie). Não existia o princípio Res publica Populi Romani – assim se denominava
hereditário, sendo este adotado apenas pelos reis etrus- o novo sistema de governo romano, indicando que o
cos, que estabeleceram um princípio de descendência sistema agora não estava mais nas mãos de um só
matrilinear. Segundo a tradição, portanto, os reis eram homem (o monarca), porém, nas de todos (res publica
eleitos por sua virtude. Historiadores atuais discutem = “coisa pública”). O sistema estendeu-se por quase
sobre o poder efetivo dos reis, uma vez que aparente- metade de um milênio (509 a 27 a.C.,), indicando sua
mente sua atribuição era concedida pelo “povo” (isto eficiência na gestão dos assuntos dos romanos. Foi
é, os patrícios). O mais provável, entretanto, é que o somente no período final (cerca de um século), em
rei unisse as funções de supremo sacerdote, legislador, que frequentes e violentas guerras civis conduziram
juiz e executivo, à maneira dos reinados orientais, nos à instalação do regime do Principado, levando ao
quais provavelmente os etruscos buscaram inspiração. poder imperial formalizado a partir de 27 a.C. Mesmo
O senado (composto pelos patrícios) e a assembleia então, as instituições republicanas permaneceram
Curiata (ou curial) não eram instituições independentes, vivas, ainda que desprovidas de poder efetivo diante
pois não possuíam o poder de se auto-convocar para da autocracia imperial.
discutir as questões de Estado, sendo apenas instala- A República representou uma fase complexa e deci-
das a pedido do rei para julgar os assuntos que este siva na história romana: constituiu-se num período de
propuser. A única coisa que o rei não podia fazer sem enormes transformações para Roma, que deixava de
a aprovação do Senado e da Assembleia era declarar ser a pequena cidade-Estado do final do século VI a.C.,
guerra contra uma nação estrangeira. para tornar-se a capital de um vasto e complexo Esta-
A monarquia romana durou quase dois séculos e do, formado por povos de diversas origens, marcando
meio, durante os quais se estabeleceram as bases para de modo decisivo a história da Europa Ocidental e do
o posterior desenvolvimento econômico de Roma. Os Mediterrâneo. Nesse período ocorreu a maior parte das
quatro primeiros reis estabeleceram, além do sistema grandes conquistas romanas na Itália, no Mediterrâneo
político citado acima, os colégios sacerdotais, um ca- e na Europa. Para que tais conquistas ocorressem, po-
lendário solar, a organização de Roma e a área vizinha rém, era necessário constituir-se um Estado forte, que
em distritos para facilitar a administração pública, as unisse os interesses das diversas classes de maneira
primeiras cooperativas profissionais, além da construção a obter os resultados positivos nas lutas de conquista.
de templos e da Cúria, sede das reuniões do senado. Isso ocorreu ao longo dos dois primeiros séculos da
Nesse período houve também os primeiros conflitos de República, e incluiu um conflito denominado Luta de or-
Roma com cidades próximas, tais como Fidene, Veio e dens, em que as pessoas comuns, ou plebeus, lutaram
Alba Longa, derrotadas em meados do século VII a.C. contra os patrícios por mais direitos políticos, obtendo
Durante o último século da monarquia, porém, Roma a progressiva redação de leis definidoras do papel dos
caiu sob influência estrusca, e os três últimos reis (da indivíduos e dos grupos no Estado.
dinastia Tarquínio) foram dessa origem. Esses reis Quando de formou a República, o governo, controlado
fortaleceram o exército, combatendo os sabinos, os pelos patrícios, era composto pelos dois cônsules, pela
latinos e os próprios etruscos, e transformaram Roma Assembleia das Centúrias e pelo Senado. Os cônsules
eram eleitos pela Assembleia para mandatos de um ano, que agora detinha o poder era formada por patrícios e
em sistema de colegiado (sempre o poder era dividido plebeus influentes e enriquecidos, que uniram suas for-
entre dois cônsules simultâneos). Seu mandato não era ças às da antiga nobreza, inclusive por meio de arranjos
remunerado, o que fazia esta posição acessível apenas a matrimoniais (em que as mulheres entravam apenas
indivíduos de posses. Das antigas atribuições do rei, os como moeda de troca nos acordos políticos fechados
cônsules mantiveram os poderes executivo, judiciário e entre os homens). Isto ocorria basicamente pelo fato
HISTÓRIA
militar. A Assembleia das Centúrias, embora teoricamente de que os cargos públicos não eram remunerados,
popular, também era controlada pela nobreza; a ela cabia fazendo com que apenas plebeus ricos (e patrícios)
eleger os cônsules e elaborar as leis, que precisavam pudessem ocupar as altas posições. Nestas, acabavam
também da aprovação do Senado. Este era o principal ór- por representar mais seus próprios interesses do que
gão do poder patrício, pois além de fornecer os cônsules, os das classes pobres e trabalhadoras. Pela prática
controlava as finanças públicas e a política externa, além do suborno, a oligarquia mantinha o controle sobre a
de aconselhar a Assembleia. O poder era complementado Assembleia, e o Senado continuava a ser o centro do
por uma série de magistrados (edis, questores, litores, poder aristocrático. De qualquer forma, é inegável que
censores, pretores etc.), responsáveis por atribuições o sistema constitucional estabelecido em Roma era
mais específicas da burocracia estatal. fundamentado nas necessidades civis (e não mais reli-
Com o controle total do sistema político nas mãos giosas, como na origem dos governantes das primeiras
dos patrícios, a tensão entre estes e os plebeus tornou- cidades-Estado) e no interesse público (embora de um
se crescente. Os plebeus ressentiam-se de injustiças setor limitado). A redação das leis passou para uma
tais como escravidão por dívidas, discriminação nos classe de juristas profissionais, que buscavam solu-
tribunais, proibição de casamentos entre membros das ções racionais e de senso comum para os problemas
duas classes, falta de representação política e ausência apresentados. A constituição desenvolveu-se de modo
de um código de leis escrito. A única arma dos plebeus gradativo, guiada pelas preocupações de ordem prática
era ameaçarem desligar-se de Roma – isto é: deixarem e não por um pensamento abstrato que objetivasse uma
de pagar impostos, servir o exército ou trabalhar nas sociedade ideal. Aos poucos, assim, desenvolveram-
propriedades dos patrícios. E, efetivamente, em diversos se os processos da política pública e o Estado jurídico
momentos da história romana os plebeus abandonaram que estão entre as principais contribuições de Roma à
a cidade, acampando nas colinas fora das muralhas, civilização ocidental.
como forma de pressão para obter suas reivindicações. Paradoxalmente, os conflitos internos favoreceram a
Podemos dizer que talvez a primeira greve na história da expansão externa. Os patrícios reconheceram de forma
humanidade tenha sido a secessão aventina, em 494 pragmática que a conquista de novos territórios permitia
a.C., quando os plebeus obtiveram o direito de formar distribuir terras para a plebe, além de canalizar as tensões
sua própria assembleia e eleger dois tribunos (oficiais para as “aventuras” externas, estimulando a coesão
investidos de poderes para proteger a plebe). social.9 Este contexto, unido ao forte crescimento de-
Em 450 a.C. ocorreria uma nova agitação plebeia, mográfico resultado da melhoria da oferta de alimentos,
tendo como reivindicação a definição legal de seus deve- fez com que se iniciasse um processo de expansão e
res e direitos, levando à redação das Doze Tábuas da lei colonização que levaria Roma, em dois séculos, a ser a
e à ampliação do número de tribunos da plebe para dez. principal potência da Península.
Em ocasiões seguintes, os plebeus conquistariam outros
direitos, tais como a permissão de casar com patrícios, 3.2 A expansão territorial da República
o acesso aos mais altos postos políticos, judiciários e
religiosos do Estado, e o fim da escravidão por dívidas. A A história da expansão territorial da República romana
última etapa das conquistas plebeias ocorreu em 287 a.C., pode ser dividida em três fases: num primeiro momento,
com a aprovação da Lei Hortênsia, que concedia força de
lei ao voto do Conselho da Plebe (concilium plebis). 9
Vimos no capítulo sobre o imperialismo ateniense
O resultado final dessas conquistas políticas não como os governantes de Atenas utilizaram-se de con-
levou ao objetivo desejado pelos plebeus, pois embora flitos internacionais e da expansão externa como for-
ma de diluir as diferenças internas e superar conflitos
estes tenham obtido a igualdade jurídica, Roma con- sociais. Em momentos futuros da história da humani-
tinuava a ser governada pela classe alta. A oligarquia dade isto tornou a acontecer diversas vezes.
superior a dois séculos (496-275 a.C.), Roma estendeu ões vizinhas, o que ocorreu ao longo do século V a.C.,
seu domínio a toda a Itália (ao mesmo tempo em que naturalmente Roma despertou a atenção de seus vizi-
procurava solucionar seus próprios conflitos internos e nhos mais poderosos, os etruscos ao norte e os gregos
estabelecer um Estado relativamente justo e estável). ao sul, além dos celtas (ou gauleses), que invadiram
Na segunda fase, marcada pelas guerras contra Car- e saquearam a cidade em 390 a.C., num dos eventos
tago, (275-201 a.C.), concretizou-se a expansão pelo mais traumáticos para a história de Roma. A cidade,
HISTÓRIA
Mediterrâneo Ocidental. A terceira fase, a partir de 205 entretanto, recuperou-se rapidamente, e ao longo do
a.C., marcou-se pela conquista do reino da Macedônia século IV consolidou seu controle sobre todo o centro
(incluindo a Grécia) e a intensificação dos contatos com da Itália, superando samnitas, etruscos e úmbrios, entre
a civilização helenística. É interessante notar como, após outros povos itálicos. Estes acabariam por se tornar parte
ter superado seus problemas internos, Roma levou pouco importante na constituição dos exércitos romanos que
mais de um século para tornar-se senhora do Mediter- conquistariam outras partes do mundo.
râneo, ao passo que havia levado mais de dois séculos Nos séculos seguintes a expansão continuaria mais
apenas para conquistar a totalidade da Itália. ou menos ao acaso dos acontecimentos, sem um
Descreveremos a seguir, de maneira bastante resu- planejamento consciente e racional por parte de seus
mida, alguns dos principais momentos desse processo executores. Para Rostovtzeff, “os romanos não agiram
de expansão. Não se preocupe em decorar as datas e deliberadamente para conquistar tal situação, nem a
nomes apresentados, pois nosso objetivo é apenas dar desejaram – foi o resultado natural de uma série de inci-
uma ideia geral da dinâmica da expansão romana. Os dentes, cujas consequências ninguém em Roma previu
detalhes são muitos para que possamos reproduzir aqui, nem podia prever” (ROSTOVTZEFF, 1983, p. 75).
e há muitos livros detalhados disponíveis para a consulta Na primeira metade do século III a.C., as vítimas fo-
dos estudantes mais interessados. ram os gregos instalados no sul da Itália e na Sicília, em
Durante a primeira fase, Roma submeteu a seu domí- importantes cidades como Taranto, Siracusa, Cuma e ou-
nio não apenas as tribos italianas semi-civilizadas (como tras. O controle sobre essas regiões, que há três ou quatro
seus vizinhos équos, volscos e latinos), mas também os séculos se encontravam sob domínio grego, trouxe uma
etruscos ao norte e as cidades-Estado gregas ao sul – importante contribuição intelectual ao desenvolvimento
que antes da ascensão de Roma disputavam a hegemonia subsequente da civilização romana – reforçado no século
na Península Itálica e nas ilhas da Sicília, Córsega e seguinte, com conquista da própria Grécia continental.
Sardenha. Suas vitórias contra esses povos mais adian- Em 272 a.C., com a derrota da cidade de Taranto, toda a
tados deveram-se sobretudo à sua organização militar, Península Italiana havia caído sob o domínio romano. As
inspirada no modelo grego, em que os combatentes ilhas da Córsega, Sardenha e a parte ocidental da Sicília,
lutavam em formações bem organizadas e disciplinadas entretanto, permaneciam sob controle de Cartago.
(além de bem armadas), conseguindo vantagens mesmo
sobre exércitos numericamente superiores.
Uma característica fundamental dessa primeira fase
de expansão é que em vez de submeter os povos con- ? VOCÊ SABIA?
quistados à escravidão e confiscar-lhes todas as proprie-
dades, Roma procurava obter a lealdade dos derrotados A cidade de Cartago surgiu como uma colônia fenícia em
800 a.C. Logo se tornou uma próspera cidade comercial,
por meio de um tratamento relativamente generoso, formando um império que se estendeu pela África do Norte,
inclusive com a cessão de cidadania. A maior parte das o litoral mediterrâneo da Espanha, a Sardenha, a Córsega e
cidades podia manter seus governos locais, embora a parte ocidental da Sicília. Durante os anos da expansão de
cedessem aos romanos a condução da política externa. Roma, esta cidade mantinha tratados com Cartago, limitando
as respectivas zonas de influência.
A contrapartida à obtenção da cidadania, porém, era a Em latim, os cartagineses eram conhecidos como punici (de
obrigatoriedade de participação no exército romano, que poenici, ou fenício), por isso as guerras contra este povo são
assim foi se tornando mais forte e numeroso. chamadas de Guerras Púnicas.
para o consumo da crescente população romana. A a terceira guerra contra Cartago é um sinal da deteriora-
ocasião de intervir na ilha ocorreu após uma série de ção do poder dos senadores, que em outros momentos
conflitos envolvendo Cartago e Siracusa pelo controle tinham levado Roma a impor uma “dominação branda”
da cidade de Messina, levando os romanos a intervir sobre os povos vencidos.
nessa cidade de maneira a evitar o controle cartaginês. Outro aspecto interessante a se notar é que a ex-
Em 264 a.C., com a invasão de Messina por soldados pansão territorial romana criou uma nova organização
HISTÓRIA
romanos, iniciava-se a Primeira Guerra Púnica, que política, uma vez que a República dos cidadãos não
marcou o início da expansão mediterrânea da República era adequada a um império de vastas proporções. Os
Romana. A guerra se estendeu até 241 a.C., e teve povos conquistados não poderiam receber a cidadania
como resultado a conquista da Sicília, da Sardenha e romana, sob risco de descaracterizar o núcleo aristo-
da Córsega pelos romanos, que as transformaram em crático e latino do sistema, porém tampouco podiam
suas primeiras províncias. ser tratados como simples escravos (como ocorria
Após o término da Primeira Guerra Púnica, Cartago em outras guerras de conquista no Oriente Próximo,
deu início à sua recuperação, preparando-se para uma ou como fez a própria Roma em alguns momentos de
possível “revanche” contra Roma quando seus exérci- sua história). Era importante para os romanos terem
tos estivessem recuperados. Comandados pelo gênio aliados para poder fazer frente a todas as ameaças de
militar do general Aníbal, os cartagineses transferiram um território tão extenso.
seus exércitos para a Espanha, de onde iniciaram o Roma e os aliados italianos formavam, como antes, o nú-
avanço sobre a Itália, iniciando a Segunda Guerra Púnica cleo do Estado, mas a aliança romana se ampliara. Havia
em 218 a.C. Embora tenham derrotado os romanos na novos aliados, e em número considerável, fora das fron-
batalha de Canas (216 a.C.), os exércitos cartagineses teiras da Itália. Muitos se localizavam em países conside-
não tiveram força suficiente para capturar a cidade de rados como províncias de Roma, nos quais a autoridade
Roma. Os romanos, por sua parte, invadiram a África militar e civil do pretor era absoluta. Não é portanto de
do Norte, ameaçando a própria Cartago e obrigando surpreender que esses aliados pouco se distinguissem de
Aníbal a retornar com seus exércitos à pátria, onde súditos, e que a tendência de Roma fosse degradá-los a
essa situação inferior e não elevar os súditos à condição
foram derrotados em 201 a.C.
de aliados. A mesma tendência predominava nas relações
Além de assegurar para Roma o controle do Mediter- de Roma para com seus amigos e aliados que ainda po-
râneo Ocidental, a segunda guerra com Cartago acabou diam ser considerados como unidades políticas indepen-
por levar a cidade a envolver-se também em guerras dentes. [...] Roma dava ordens a ambas e geralmente o
no Oriente. A primeira vítima foi o reino da Macedônia, fazia através do governador da província mais próxima, e
que havia se aliado com Cartago, levando os romanos não diretamente. (ROSTOVTZEFF, 1983, p. 82)
a invadirem-no em 205 a.C. e depois novamente em
meados do século II a.C. Em 146 a.C., os romanos Concluía-se assim a fase republicana da expansão
derrotaram definitivamente os herdeiros de Alexandre, romana. Quando a República se iniciou, em 508 a.C.,
fundando a Província da Macedônia, com governador Roma era ainda uma acanhada cidade-Estado. Em
militar e exército permanente. A intervenção em Ma- 275 a.C., já era senhora de toda a Itália, passando a
cedônia e Grécia levou os romanos a se envolverem competir com as potências da época. Em 146 a.C.,
também com os reinos helenísticos de Pérgamo (Ásia havia conquistado todo o entorno do Mediterrâneo
Menor), Selêucida (Síria) e Ptolomaico (Egito), que (veja mapa na sessão 4.2.).
facilmente acabaram tornando-se reinos vassalos de A expansão romana teve impor tantes conse
Roma, perdendo sua liberdade de ação nos negócios quências para a própria cidade e para todo o mundo
externos e sendo obrigados ao pagamento de tributos. mediterrâneo. Chegaram a Roma milhares de gregos,
Por fim, Roma empreendeu uma nova guerra contra muitos deles homens cultos que haviam sido escra-
Cartago entre 149 e 146 a.C. (Terceira Guerra Púni- vizados, que aceleraram o processo de helenização
ca), embora esta cidade não representasse mais uma de Roma, iniciado séculos antes com o contato desta
ameaça. Cartago foi completamente destruída, seus cidade com os gregos das cidades do sul da Itália.
habitantes escravizados e a região foi transformada Guiados por extremo pragmatismo, os romanos aca-
na província romana da África. Para alguns autores, o baram por incorporar elementos de outros povos a
comportamento irracional e cruel de Roma ao declarar suas próprias leis, constituindo de modo gradativo e
empírico o jus gentium, o direito das nações ou dos lutar contra outros povos. Quando deixou de existir a
povos, que foi aplicado a todo o Império. ameaça externa, porém, com a derrota de cartagineses
Além disso, centenas de milhares de indivíduos e macedônios, a antiga cooperação se deteriorou,
provenientes de outras regiões chegavam a Roma e à levando à luta civil pelo poder. Escritores da própria
Itália, fossem como escravos ou como homens livres. época notaram a decadência dos antigos valores es-
Os escravos que tivessem mais sorte trabalhavam pirituais dos cidadãos romanos, como o historiador
HISTÓRIA
como artesãos ou empregados domésticos, e muitas Salústio (86-34 a.C.), que criticou a “sede do dinheiro”
vezes acabavam por obter sua liberdade; os menos e o “amor ao poder” de então.
afortunados eram destinados às plantações ou minas, Os conflitos civis iniciaram-se a partir de 133 a.C.,
onde as condições de trabalho eram deploráveis e o quando o tribuno da plebe Tibério Graco propôs uma
abuso dos senhores ilimitado. Já os homens livres reforma agrária que limitaria a posse de terra sob o
nem sempre tinham melhor sorte, ficando sujeitos à domínio dos latifundiários. Seu intento era substan-
arbitrariedade dos aristocratas. A grande quantidade cialmente conservador, pois acreditava que a penúria
de escravos e homens livres pobres está na raiz dos dos homens em várias partes da Itália era uma ameaça
conflitos sociais que se iniciaram logo após as vitórias ao ordenamento social que mantinha o funcionamento
militares narradas acima, e que levariam à queda da do exército. A aristocracia latifundiária, entretanto,
República (como veremos logo adiante). obcecada pela manutenção dos seus interesses
Quanto à própria administração do Império, não particulares, colocou-se contra o projeto de Tibério,
ocorreram as adaptações que seriam necessárias, corrompendo um outro tribuno da plebe para vetá-lo.
mantendo-se práticas aplicáveis a uma pequena No ano seguinte, Tibério candidatou-se novamente
cidade-estado mas não a um grande império. Os a tribuno, porém foi assassinado, junto com 300 de
governadores das províncias e outros funcionários seus seguidores, por um bando a serviço dos sena-
responsáveis por fiscalizá-las, aos quais geralmente dores. Oito anos depois seu irmão Caio Graco seria
se atribuía um curto mandato de um ou dois anos, eleito tribuno da plebe. Conseguindo o apoio da classe
aproveitavam-se desse período para extorquir a região equestre (ou cavaleiros), tentou novamente colocar em
o máximo que pudessem, para depois se retirarem prática as propostas do irmão, desencadeando uma
enriquecidos. Por outro lado, a manutenção da paz nova guerra civil em que ele próprio e 3.000 de seus
por um longo período de tempo (ao contrário das seguidores foram mortos. Com o assassinato dos
constantes guerras anteriores ao domínio romano) irmãos Graco e seus seguidores, o Senado substituía
e a liberdade para a condução de práticas religiosas a razão pela violência na condução dos assuntos
e costumes locais faziam com que a hegemonia de públicos, inaugurando uma das mais escuras eras da
Roma fosse relativamente bem aceita. história romana.
Os anos que se seguiram foram marcados por
intrigas, rivalidades, ambição pessoal e violência
3.3. Os últimos anos da República
política. O Senado, que se considerava o guardião da
Enquanto as províncias se curvavam ao poder liberdade e tradição republicana, na realidade expres-
romano, a sede do Império passou a enfrentar crescen- sava os desejos de algumas centenas de famílias que
tes dificuldades. Simultaneamente à manutenção da se agarravam ao poder, comportando-se como uma
ordem aristocrata-senatorial, notava-se o crescimento oligarquia decadente. A Assembleia Tribal, que poderia
do poder dos militares e o empobrecimento geral lhe fazer frente, havia sido tomada por indivíduos que
da população, extremado pela ocorrência de crises colocavam seus interesses acima daqueles que repre-
agrárias. A isto se somaram as lutas fratricidas entre sentavam, aceitando subornos por parte do Senado
os líderes militares, levando a um período de pouco para manter a decadente ordem social e política. Para
mais de cem anos marcado pela guerra social e civil, agravar a situação, iniciaram-se diversos conflitos
e que se encerrou com o fim da República e o início entre os generais romanos, ao mesmo tempo em que
do Principado (ou Império) em 27 a.C. novas levas de celtas invadiam o norte da Itália e os
Alguns historiadores notam que durante a cami- escravos se levantavam em revolta.
nhada de Roma para o Império, todas as suas classes Os conflitos entre os generais passaram a ocorrer
sociais demonstraram espírito cívico e de unidade ao quando estes perceberam que poderiam usar a auto-
ridade adquirida sobre seus soldados para interferir pirou para tomar o poder. Num acordo realizado entre
nos rumos políticos da República. O precedente foi os três, Pompeu permaneceu em Roma, Crasso foi
aberto por Caio Mário, que se tornou cônsul em 107 destinado a lutar contra os partos no Oriente Próximo
a.C.: sem as tropas necessárias para uma campanha e a Júlio César coube a condução da guerra contra os
na África, revogou a tradicional exigência de proprie- celtas e gauleses na França.
dade para ingressar no exército, formando legiões com Entre os três, a figura de César era a mais emblemática
HISTÓRIA
voluntários provenientes das classes baixas urbanas, das novas relações de poder que estavam emergindo.
atraídas pela promessa de distribuição de terras após Sobrinho de Mário, havia aderido, ainda jovem, ao partido
um determinado período de serviço. Voltaremos a este popular. Entretanto, César sabia da importância das vitó-
tema adiante. rias militares como pré-requisito para o sucesso político
Enquanto os generais disputavam os comandos dos e demonstrou, na Gália (França) toda a sua habilidade
postos mais proveitosos, um novo conflito ocorreu, como chefe militar, conquistando seguidas vitórias entre
contribuindo para o colapso da República: a chamada os anos 59 e 53 a.C., e afastando de vez o perigo das
Guerra Social, em que os povos itálicos entraram em “invasões celtas” (na verdade um intenso movimento mi-
guerra contra Roma com o intuito de obter a cidada- gratório em direção ao sul, que César soube transformar,
nia integral. Após três anos de conflitos (91-88 a.C.) aos olhos dos romanos, numa grande ameaça militar).
que arrasaram a Península, Roma acabou por ceder Além disso, conseguiu estabelecer com seu exército
a cidadania aos italianos. A esses conflitos seguiu-se uma relação de fidelidade pessoal que o fortaleceu para
a Guerra Civil entre os partidários de Mário e de Sila, as batalhas que ainda estavam por vir.
ocorrida em 83-82 a.C. – o primeiro representan- Em 53 a.C., quando Crasso morreu em campanha
do a facção popular e o segundo representando a militar no Oriente, tornou-se inevitável que as ambições
aristocracia. O vencedor do conflito foi Sila, que se pessoais de César e de Pompeu se chocassem. O Sena-
tornou ditador (magistrado apontado pelo Senado do, temendo o crescimento de César, preferiu dar apoio a
em períodos de guerra, para governar com poderes Pompeu, que se mostrava mais próximo dos aristocratas,
extraordinários). Iniciou-se então uma violenta per- garantindo a manutenção dos privilégios senatoriais
seguição aos derrotados, o que infelizmente acabou (embora alguns políticos mais atentos, como Cícero,
por se tornar prática comum nos anos seguintes. No notassem que a vitória de qualquer um dos dois generais
poder, Sila promoveu reformas para recuperar o poder comprometeria totalmente o poder e independência do
do Senado e da aristocracia, limitando o poder dos Senado). Em 49 a.C., o Senado intimou Júlio César a
tribunos e da assembleia e reduzindo o poder militar devolver o comando de suas legiões e retornar a Roma
dos governadores de província. Ao concluir suas re- como cidadão desmilitarizado, porém o vitorioso general
formas, Sila afastou-se da vida pública, morrendo no retornou à Itália no comando de suas tropas, dando início
ano seguinte (78 a.C.). a uma nova guerra civil (conhecida como Guerra civil de
Na década seguinte, mais um sério conflito ocor- César). A luta entre os partidários de César (populares) e
reria na Itália: a revolta dos escravos liderados por os partidários de Pompeu (optimates), estendeu-se por
Espártaco. Durante quase três anos, cerca de 70.000 quatro anos e envolveu combates na Itália, Grécia, África
escravos fugidos, agrupados no sul da Itália, consegui- e Espanha. Em 45 a.C., com a vitória final de César sobre
ram enfrentar as legiões romanas contra eles enviadas. Pompeu na Batalha de Munda, encerrava-se um ciclo da
Em 71 a.C., entretanto, o general Marco Licínio Crasso, história romana, que tivera o Senado como principal ator
com seis legiões, massacrou a rebelião. Os escravos político, definindo os rumos e políticas a serem seguidas
em fuga foram interceptados e massacrados pelo pelos magistrados por ele nomeados. Mais alguns anos
exército do general Pompeu, que retornava da Espa- seriam necessários para a derrubada formal do sistema,
nha. Cerca de 6.000 escravos foram crucificados ao mas o caminho estava aberto para o poder monocrático
longo de toda a Via Ápia, que ligava Cápua a Roma, dos imperadores.
provavelmente em um dos mais terríveis espetáculos Encerrada a guerra civil, o Senado (ainda existente,
do passado histórico de Roma. mas vazio de poder) nomeou César como ditador por
Os problemas internos em Roma, porém, ainda não dez anos, com a função de encerrar as guerras que
haviam cessado. Em 60 a.C., um triunvirato, composto estavam destruindo Roma. César iniciou então algu-
por Crasso, Pompeu e o habilidoso Júlio César, cons- mas políticas de cunho popular, visando evitar novas
HISTÓRIA
O crescimento da popularidade de César e seu hostilidade da classe dirigente romana. Sua genialidade
descaso pelo poder da antiga aristocracia levou ao seu consistiu em conciliar a monarquia militar com as ins-
assassinato, por membros do próprio Senado, em 44 tituições republicanas, estabelecendo um sistema que
a.C. Sua morte, entretanto, não levou à restauração mantinha estas instituições vivas, mas esvaziadas de
da República, mas a um novo período de conflitos e poder: as assembleias e o Senado ainda se reuniam, os
guerra civil. Inicialmente, dois oficiais da confiança de magistrados eram eleitos, o Senado administrava parte
César, Marco Antônio e Lépido, uniram-se a Otávio (filho das províncias e controlava suas finanças, etc. Augusto
adotivo de César) para derrotar as tropas de Bruto e camuflava seu poder absoluto, contendo a oposição
Cássio, os dois articuladores (e executores) do assas- do Senado e evitando mais derramamento de sangue.
sinato de César. Quando estes foram derrotados, porém, Para o grande historiador do império romano, Edward
iniciou-se o conflito entre Marco Antônio e Otávio pelo Gibbon (1737-1794): “o sistema do governo imperial,
controle de Roma. Estes dois generais não represen- tal como instituído por Augusto e mantido por aqueles
tavam nenhum grupo em particular, e não pretendiam soberanos que compreendiam seus próprios interesses
restaurar a República: era simplesmente uma luta pelo e do povo, pode ser definido como uma monarquia
poder. A guerra encerrou-se em 31 a.C., com a derrota absoluta disfarçada em forças republicanas”. (GIBBON,
de Marco Antônio na batalha naval de Ácio, na Grécia. 1989, p. 78).
Com o resultado, Otávio assumiu de fato, embora ainda
Apesar de ter iniciado um governo autocrático, Au-
não de direito, o poder imperial. Quatro anos depois,
gusto não era um tirano ambicioso e egoísta, mas um
o senado lhe conferiria o título de princeps (primeiro
“déspota esclarecido”, que acreditava no ideal clássico
cidadão) e o nome semi-religioso de Augusto (pelo
do Estado como promotor da felicidade e da civilização.
qual se tornou conhecido, e que será adotado daqui
Durante seu governo, promoveu reformas e melhorias
por diante nesta narrativa). Encerrava-se formalmente
em todo o Império: reformou o exército, oferecendo
a República, iniciava-se o Principado – mais conhecido
terras na Itália e nas províncias aos veteranos; cons-
simplesmente como Império Romano.
truiu aquedutos e sistemas de canalização de água e
esgotamento sanitário; organizou uma força policial
4. Do Império à decadência para reprimir a violência urbana etc. Duas medidas em
particular geraram aquilo que se tornou conhecido como
A subida de Augusto ao poder autocrático marcou
a política do pão e circo: aumentou a distribuição de
o início do Império Romano – formalmente denomi-
cereais aos pobres e patrocinou com recursos pessoais
nado Principado e, a rigor, ainda com a presença de
os espetáculos de gladiadores, conseguindo assim
instituições republicanas, esvaziadas de poder. Em
manter a fidelidade dos setores pobres da população.
seu primeiro século de existência, o Império Romano
Na Itália, Augusto reformou e construiu estradas, deu
beneficiou-se da expansão territorial ocorrida durante
início a obras públicas, corrigiu a tributação excessiva,
a República, e com o encerramento da maior parte das
combateu a corrupção dos governadores e atribuiu aos
operações militares, iniciava-se um período de relativa
italianos um papel mais importante na administração,
paz e prosperidade. Tal situação, entretanto, não estava
conquistando assim sua gratidão. Aos poucos, não
destinada a durar, e após o breve período denominado
apenas os italianos, mas os cidadãos destacados de
pax romana, iniciaram-se os problemas que acabariam
outras províncias assumiam papéis mais importantes
por levar à queda do mais poderoso dos Impérios. Co-
no Estado.
mecemos narrando o período do apogeu da civilização
romana, iniciado com o reinado de Augusto, para depois Augusto morreu no dia 14 do mês Sextilis do ano
analisar os motivos que levaram à decadência e queda de 12 d.C. Pouco tempo depois o Senado incluiu seu
do Império Romano. nome entre os deuses de Roma.
chegar à forma atual. O calendário criado (segundo a lenda) Reno e Danúbio; ao leste, o rio Eufrates; e ao sul, os
por Rômulo, à época da fundação de Roma, era lunar, e tinha desertos arenosos da Arábia e África. Assim, durante
dez meses. Ainda nos tempos antigos, foi alterado por Numa
este período cessou a atividade expansionista romana,
Pompílio (713 a.C.), que inseriu dois meses ao final e aumentou
o tamanho do ano para 355 dias (a cada dois anos um mês
procurando-se apenas reforçar as fronteiras citadas –
extra era acrescido para adequar o calendário ao ciclo solar, única exceção foi a conquista da Grã-Bretanha, que se
que tem 365,242 dias). Os nomes dos meses eram: Martius, tornou a província da Britânia no reinado de Cláudio,
Aprilis, Maius, Iunius, Quintilis, Sextilis, September, October, após muitos anos de guerra.
November, December, Ianuarius, Februarius. Note que há nomes A dinastia Júlio-Claudiana se encerrou com o suicídio
que fazem homenagens a deuses (Marte, Juno, Jano, Februs)
de Nero, o que deu início a um novo conflito civil entre
e outros que se referem à própria ordem numérica dos meses
(de Quintilis a December). Não há consenso sobre a origem
os pretendentes ao poder imperial. Em função desses
do nome Maius. Quanto a Aprilis, refere-se provavelmente à conflitos, o ano de 69 ficou conhecido como o ano
germinação, ocorrida no início da primavera. Este calendário dos quatro imperadores. O último destes, Vespasiano,
era no entanto impreciso, e com o tempo, o mês de Aprilis conseguiu consolidar seu poder, dando início à dinastia
(início da primavera) estava caindo em pleno inverno. Júlio Flaviana (69-96 d.C.), que contou ainda com os impe-
César promoveu então uma nova reforma (Calendário Juliano, radores Tito e Domiciano (filhos de Vespasiano). Estes
46 a.C.) em que os meses de Januarius e Februarius foram
imperadores conseguiram sanar os problemas financei-
deslocados para o início do ano, que passou a ter 365 dias (mais
ros de Roma, decorrentes da guerra civil de 69 d.C., e
um dia intercalar a cada três anos). Após a morte de César, o
mês Quintilis teve seu nome alterado para Iulius (Julho). Anos iniciaram um vasto programa de construção de obras
depois, Augusto modificaria novamente o calendário (que no públicas, tais como o Coliseu, o Foro de Vespasiano e
entanto manteve o nome de Juliano), passando o ano bissexto o Templo da Paz. Entretanto, durante este período os
a ocorrer a cada quatro anos. Após sua morte, o mês Sextilis romanos e italianos tiveram que enfrentar desastres
teve o nome alterado para Augustus (Agosto). Uma última como a erupção do vulcão Vesúvio, que destruiu Pom-
reforma foi realizada em 1582, pelo papa Gregório XIII, que peia e Herculano em 79 d.C., e o incêndio que no ano
suprimiu a diferença de 13 dias que havia se acumulado entre
seguinte destruiu grande parte de Roma.
o Calendário Juliano e o ciclo solar, instituindo uma nova regra
para os anos bissextos. É este calendário, dito Gregoriano, que Quanto ao governo das províncias, foram sufo-
utilizamos atualmente. cadas rebeliões em diversas regiões, ao passo que
ATENÇÃO: somente no século VII d.C. foi adotada a datação a cidadania romana foi concedida aos habitantes da
dos anos a partir da vida de Jesus Cristo (há polêmica entre Espanha. Na Judeia, o governo entrou em choque com
os teólogos sobre a data de seu nascimento, que teria ocorrido os sentimentos religiosos dos judeus, cuja relação
entre 8 e 4 a.C.). No tempo dos romanos, utilizavam-se outros
com os romanos vinha se deteriorando desde os im-
sistemas, tais como a datação a partir do ano do governo dos
cônsules ou do dos imperadores, da fundação da cidade, da
peradores júlio-claudianos. Em 66 d.C., os habitantes
pacificação de uma região, etc. da Judeia lançaram uma guerra de libertação contra
os romanos, sendo derrotados em 70 d.C., quando os
exércitos romanos invadiram Jerusalém e destruíram
As instituições e práticas criadas por Augusto foram seu templo. Anos depois, o imperador Domiciano
tão eficientes que mesmo os imperadores de caráter iniciaria a perseguição aos cristãos. Este último
problemático que lhe seguiram não conseguiram mi- imperador, voltando a agir despoticamente contra a
nar as características essenciais da pax romana. Os própria aristocracia romana, provocou seu próprio
quatro primeiros, da dinastia Júlio-Claudiana, eram assassinato em 96 a.C.
parentes de Augusto ou de sua terceira esposa, Lívia, Com o fim da dinastia Flaviana, o Senado esco-
e governaram entre os anos de 14 e 68 d.C. Foram lheu um de seus membros, Nerva, para assumir o
eles: Tibério, Calígula, Cláudio e Nero. Seus reinados principado. Seu reinado foi curto e tranquilo, sendo
se caracterizaram por conspirações e assassinatos, no estabelecida uma prática que se tornou comum no
século que se iniciava: adotou como filho e herdeiro consolidar seu poder, Adriano realizou viagens em que
um homem de comprovada capacidade, visando evi- percorreu praticamente todo o império, observando
tar ao mesmo tempo os problemas intrínsecos das in loco a presença romana, providenciando as ações
monarquias hereditárias e as guerras civis de caráter necessárias para aumentar a segurança das fronteiras e
sucessório. Esse sistema de adoção possibilitou que melhorando a vida dos habitantes das províncias e dos
durante o período de 98 a 180 d.C. a transição de soldados romanos. Para não deixar o exército relaxar,
HISTÓRIA
poder fosse feita sem grandes sustos, e que homens promovia constantes exercícios, dos quais participava
competentes assumissem o governo imperial. Foram pessoalmente, convivendo com os legionários em sua
eles: Trajano, Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio, vida rude. A pax romana, assim, era obtida mediante a
geralmente designados como “Imperadores Adotados” demonstração constante da força militar (conceito que
ou “Dinastia Antonina” (embora não se tratasse da nas Relações Internacionais contemporâneas ganhou o
transmissão dinástica tradicional, de pai a filho). nome de poder de dissuasão). Segundo as palavras de
Trajano, o escolhido de Nerva, era um homem Gibbon (1989, p. 85), “o terror das armas romanas dava
oriundo da administração pública, tendo sido questor, peso e dignidade à moderação dos imperadores. Eles
pretor, tribuno militar, cônsul e finalmente governador preservavam a paz mediante uma constante preparação
da Germânia. Era reconhecido como um dos melhores para a guerra; e ao mesmo tempo em que regulavam
comandantes militares do Império, e mesmo o fato de sua conduta pelos ditames da justiça, anunciavam às
ter nascido na Espanha não foi empecilho para sua no- nações dos seus confins que estavam tão pouco dis-
meação como Imperador. Trajano retomou a atividade postos a suportar como a cometer uma injúria.” Quando
expansionista do império de maneira a melhor proteger necessária, a força era empregada.
as “fronteiras naturais” propostas por Augusto, e em As mais importantes contribuições de Adriano, po-
seu reinado o Império atingiu sua máxima extensão. rém, relacionam-se à grande reforma que realizou na
Além disso, tornou a tributação das províncias mais administração pública – parte de um plano complexo
suave e deu início a diversas obras públicas, incluindo envolvendo a estrutura do exército, a defesa das fron-
importantes estradas na Itália. teiras, a política externa e a política econômica. Adriano
tinha uma visão de conjunto do império, e procurava
adequar as menores partes a seu conjunto. Promoveu
uma reforma legislativa para aliviar a situação dos es-
cravos e mesmo no confronto com os cristãos mostrou
maior tolerância do que os sucessores – embora o
mesmo não possa ser dito dos judeus, que ao entrarem
novamente em revolta contra a construção dos templos
romanos em sua terra, acabaram por provocar a reação
do exército de Adriano, que os massacrou em 135 d.C.,
após três anos de guerra. Adriano foi ainda um grande
patrono das artes – especialmente da arquitetura, o que
o levou a promover construções monumentais e até a
construção de novas cidades.
O Império no tempo de Trajano
Adriano foi sucedido por Antonino Pio e Marco Auré-
Seu sucessor, Adriano, é considerado um dos mais lio, que mantiveram a situação de paz e desenvolvimento
esclarecidos imperadores, e o seu reinado foi marca- cultural e social do Império, antes que uma nova fase
do por fatos significativos para a manutenção da pax de conflitos civis viesse a encerrar a sequência dos
romana e para o desenvolvimento cultural do Império imperadores adotados. O período que se encerrava
e de sua capital. No aspecto externo, seu principal foi considerado a época mais feliz do Império romano
feito foi solidificar a fronteira setentrional do Império, – ou pelo menos assim era reconhecido pelos con-
abrindo mão de novas conquistas, e construindo for- temporâneos, tanto que Nerva e seus sucessores são
tificações defensivas ao longo dessa fronteira. Após conhecidos como os cinco bons imperadores.
google.com/rome. ela já não era mais uma forma de servidão relativa entre
muitas, no decorrer de uma continuidade gradual, e sim
No lado oposto da moeda do período clássico uma condição polarizada de perda completa de liberdade,
justaposta a uma nova liberdade sem impedimentos. Pois
romano (do século II a.C. ao século II d.C.) – assim
foi exatamente a formação de uma subpopulação escrava
como também do período clássico grego (séculos V e
nitidamente delimitada o que, inversamente, elevou a cida-
IV a.C.) – não podemos deixar de destacar uma insti-
dania grega a alturas até então desconhecidas de liberdade
tuição que estava na base de todo o desenvolvimento jurídica consciente. (ANDERSON, 1998, p. 23).
político, social e cultural. Falamos da escravidão, na
qual se baseava grande parte do trabalho agrário em
Um indício da importância do trabalho escravo na
Roma (assim como também na Grécia). O historiador
economia romana vê-se nos séculos da decadência
Perry Anderson nos ajuda a compreender a importância
do Império, de que trataremos adiante. Com o fim
da escravidão para estas duas sociedades. Para ele, a
da expansão militar tornava-se difícil conseguir mais
Antiguidade greco-romana sempre constituiu um univer-
escravos para o trabalho agrícola, o que não apenas
so centralizado em cidades, onde se desenvolveram a
debilitou a economia do império, como também levou
filosofia, a ciência, o direito, a administração, a poesia, a
à instauração das relações feudais de produção que
história, a arquitetura, a democracia – a lista é extensa.
marcariam a idade média europeia.
Por trás de toda e essa organização e cultura, entretanto,
não havia uma economia urbana equivalente: ao con-
trário, a riqueza que sustentava a opulência material e a 4.2 Declínio e queda do Império Romano
criatividade intelectual era extraída do campo, por meio
de trabalho escravo. As cidades greco-romanas, assim, O título deste capítulo foi escolhido em homenagem
não eram comunidades de artesãos ou mercadores: ao livro homônimo de Edward Gibbon, que embora
elas eram conglomerados urbanos de proprietários de tenha sido escrito entre os anos de 1776 e 1788, ainda
terras. A principal parte do trabalho produtivo era feita é referência importante sobre este período. Em sua
por escravos – daí se denominar o sistema econômico obra, Gibbon relata detalhadamente como a grande
de então como modo de produção escravista. expansão do império acabou por tornar inevitável seu
próprio esfacelamento.
Para Anderson, esse sistema foi uma invenção do
mundo greco-romano, uma vez que nos impérios do Durante os anos que vão de 180 a 476 d.C., ocor-
Oriente Próximo o que existia não era exatamente a reu uma deterioração constante da situação política e
escravidão, mas situações mais ou menos nítidas de social em diversas partes do Império Romano e em
servidão. Os sistemas jurídicos desses Estados não ti- sua própria sede, entremeada por algumas tentativas
nham concepção explícita da propriedade sobre outras efêmeras e infelizes de se restaurar a ordem. O esface-
pessoas, pois de modo geral só havia distinção jurídi- lamento dos impérios é no entanto uma característica
ca entre o soberano e os súditos – por isso muitas ve- inevitável à existência dos mesmos, e desde os roma-
zes se fala em trabalho compulsório para definir certa nos no século III até os estadunidenses no século XXI,
situação servil ou semi-servil. Já na Grécia clássica passando por árabes, turcos, espanhóis e ingleses,
e em Roma no auge republicano e imperial, embora entre outros, os poderes imperiais buscaram solucio-
o trabalho escravo fosse combinado com outros mo- nar essa aparente contradição. O estudo dos diversos
dos específicos de produção, pode-se afirmar que o impérios na história da humanidade evidencia que não
modo de produção dominante era a escravidão, com há nada de surpreendente na decadência e queda de
um novo caráter: as cidades-Estado gregas tornaram impérios outrora tão poderosos. Geralmente verifica-se
a escravidão absoluta, e nisso foram copiadas pela um ciclo que se inicia com o desenvolvimento social e
legislação romana. A escravidão foi o substrato que econômico de uma nação, sua expansão militar (que
enquanto ocorre fornece recursos para a manuten- dos, visigodos, francos, lombardos, anglos, saxões e
ção da mesma), o encerramento da expansão militar outros povos, que se aproveitaram da anarquia reinante
devido ao esgotamento dos recursos necessários para atravessar as fronteiras do Império.
para policiar uma área muito extensa, e finalmente a Com a debilidade do poder central, as províncias,
retração com a independência progressiva dos povos sob o domínio de governadores inescrupulosos, aca-
nas periferias do império. Se Roma apresenta uma bavam por se tornar praticamente independentes de
HISTÓRIA
característica distinta dos demais impérios citados é a Roma, rejeitando as ordens emanadas da sede do Im-
longa duração de todo o ciclo, estendendo-se por mais pério. Para Gibbon, “durante esse período calamitoso,
de mil anos, enquanto outros impérios não duraram cada instante do tempo foi marcado, cada província
mais do que dois ou três séculos. do mundo romano foi afligida por invasores bárbaros
O século III foi um período de crise no sistema e tiranos militares; o império arruinado parecia próxi-
imperial romano. O exército, que durante o século mo do momento derradeiro e fatal de sua extinção.”
II havia sido uma instituição disciplinada e eficiente, (GIBBON, 1989, p. 105).
deteriorou-se rapidamente, deixando de prestar lealda- Após a rápida sucessão de inúmeros imperadores
de a Roma, usando sua força para depor imperadores e pretendentes, a crise do século III foi relativamente
e atacando cidades em busca de saques. Os motins contida durante os reinados de Diocleciano (284-305
militares e guerras civis eram constantes, e muitos d.C.) e Constantino (306-337 d.C.). Notando a dificul-
imperadores (e pretendentes a imperador) foram dade em se administrar império de tamanha extensão,
assassinados. Segundo Rostovtzeff: Diocleciano realizou uma nova reforma do Estado
O Império tornou-se joguete dos soldados. Os diferentes instituindo um regime de colegiado, composto por dois
exércitos, um após outro, proclamavam seus comandan- Augustos e dois Césares, cada qual responsável pela
tes imperadores, depondo-os ao menor pretexto, e usavam administração de um número limitado de províncias
sua força para saquear sem piedade as pacíficas e prós- reunidas em cada uma das quatro dioceses em que foi
peras províncias. Entre 235 e 285 de nossa era, houve 26 dividido o Império. O sistema foi chamado de tetrar-
imperadores romanos, dos quais apenas um teve morte
quia, e teve como uma das principais consequências
natural. [...] Seu caminho era sempre barrado por motins
a progressiva marginalização das áreas mais antigas
militares, e eram obrigados a negligenciar a segurança e a
do Império em benefício do oriente, cuja economia
integridade do império a fim de defender-se contra rivais
[...]. Tais condições internas não eram de molde a fazer
mercantil estava mais bem consolidada, não sendo
do Estado o vencedor de inimigos externos. A fronteira foi
afetada pelas invasões bárbaras ou guerras civis na
invadida em quase todos os pontos. (ROSTOVTEFF, 1983, Europa e Itália. Ficava evidente a separação do império
p. 256). não em quatro, mas em duas áreas bem definidas: o
Ocidente, com sede em Roma, e o Oriente, com sede
Muitos destes imperadores e pretendentes eram em Nicomédia e depois em Constantinopla (veja mapa
originários não apenas de províncias latinizadas (como mais abaixo).
a Espanha), mas também de províncias orientais, que Os desafios desses dois imperadores foram mui-
ao contrário das ocidentais, jamais se latinizaram e tos: tinham que alimentar os pobres de Roma e um
geralmente lutaram com maior vigor para defender exército de 500.000 soldados espalhados por todo
suas antigas civilizações. Foi nesse período que Roma império, numa época em que a produção agrícola
teve imperadores como o sírio Heliogábalo (218-222 estava decadente. Além disso, tinham que combater
d.C.) e Felipe “o Árabe” (244-249 d.C.), entre outros as ameaças internas ao trono, além das ameaças
de origem não latina. externas tais como as investidas dos bárbaros e dos
Ao mesmo tempo começaram a ocorrer novas persas. A solução que encontraram foi aumentar
invasões germânicas, que desde os tempos de César os impostos cobrados dos cidadãos, e governar de
haviam cessado. Essas invasões ocorriam em função maneira forte e despótica, por meio de um estado
dos novos deslocamentos de povos indo-europeus no burocratizado e militarizado. As cidades perderam sua
sentido leste-oeste, o que gerava um efeito dominó, antiga autonomia, e os trabalhadores eram obrigados
com os povos que chegavam “empurrando” outros a transmitir seus ofícios aos filhos. Os camponeses,
povos mais para o oeste e sudoeste. Assim penetraram assim, tornavam-se verdadeiros servos, presos à terra
nos domínios romanos os hunos, vândalos, ostrogo- que cultivavam (um dos processos que acabou por
vocando escassez de alimento. O exército também com populações não identificadas com a cultura
sentia a carência de novos soldados, tornando-se romana. Com o enfraquecimento do exército, ficava
cada vez mais difícil lutar contra os movimentos a cada dia mais difícil manter a coesão do Império,
autonomistas nas mais distantes províncias do e progressivamente as províncias começaram a
império. buscar sua própria independência.
• baixo desenvolvimento tecnológico industrial e agrí- A segunda causa importante para o declínio do
HISTÓRIA
cola: assim como na civilização grega, a civilização império foram as invasões bárbaras, que se tornaram
romana não procurou utilizar, para a construção de mais frequentes a partir das décadas finais do século
máquinas, os conhecimentos teóricos a que chega- IV, quando os godos foram deslocados em direção
vam os pensadores. E embora em alguns momentos ao Império Romano pelos hunos. No início do século
tenha havido tentativas de melhorar a produtividade V, vândalos, alanos, suevos, godos e outras tribos se
agrícola, esta não foi a norma, e as principais ativida- uniram para ocupar as províncias ocidentais do império.
des econômicas continuaram a ser a agricultura ba- Em contato com instituições da cultura romana, estes
seada no trabalho escravo, complementada (e cada povos acabariam por constituir as nações europeias
vez mais superada) pelo empréstimo de dinheiro a modernas. Em 410, Roma foi saqueada pelos visi-
juros. Como não se criavam sistemas de produção godos, e quarenta anos depois, pelos Vândalos. Em
mais eficientes, e mantinha-se a escravidão como 476, comandantes germânicos derrubaram finalmente
mola mestra da produção agrícola, persistia a miséria o último imperador, Rômulo – que numa ironia do
das baixas classes sociais, rurais e urbanas. destino tinha o mesmo nome do fundador de Roma.
• pequeno peso da indústria e do comércio na econo- Encerrava-se o Império Romano, e a Europa entrava
mia: com a falta de opções à agricultura escravista, na idade Medieval.10
acabou ocorrendo uma sobrecarga tributária sobre
os moradores das cidades, a perda de importância
econômica de Roma e de outras capitais de província
e o crescimento dos latifúndios, com a transforma-
ção de camponeses independentes e pobres urbanos
em servos ligados à terra.
• dificuldades financeiras do Estado: a República
pudera fazer frente às grandes necessidades finan-
ceiras do Estado, pois saqueava as terras que eram
conquistadas, reforçando o tesouro de Roma ao
mesmo tempo em que esgotava e comprometia o
crescimento das regiões transformadas em provín-
cias (o que acabou por reforçar os problemas do A divisão do Império Romano e as invasões bárbaras
fim do Império). Durante o Império, com a cessação
quase completa de novas conquistas, ficou difícil Na face oriental do império, porém, a situação era di-
para o Estado manter o superavit, o que só era obtido ferente, com uma monarquia absoluta bem estabelecida,
por breves momentos, com o confisco das riquezas beneficiando-se das fortes conexões comerciais com
de particulares riquíssimos ou com alguma vitória as regiões do Oriente Próximo e da Ásia Menor, além
sobre um rei ou uma cidade estrangeira. Isso levou do alto nível civilizatório dos povos que ali habitavam,
o estado a instituir um pesado sistema fiscal que já organizados em Estados letrados e com grandes
incidia principalmente sobre os moradores das cida- cidades, enquanto as tribos europeias mal saíam do
des. A isso somava-se a obrigação de alimentar uma neolítico. Nessa região, área outrora ocupada pelos
ampla fração do proletariado urbano, e uma custosa
política de construções monumentais – práticas 10 São fatores complementares apontados pelos estudiosos para
iniciadas ainda sob a República e que acabaram por explicar o declínio romano: considerações espirituais (enfra-
ter um custo elevado durante o Império, refletindo quecimento da mentalidade clássica e retorno ao espiritualis-
mo), militares (dificuldade em se manter o controle sobre as
principalmente na deterioração da qualidade e do províncias), políticas (perda da iniciativa popular diante dos
compromisso do exército, cada vez mais formado governos autocráticos)
tantinopla, a capital imperial) que teria mais um milênio Inglês, mas se quiser você pode traduzir automaticamente as
de vida até ser destruído pelos invasores turcos em páginas desses sites com o tradutor do Google.
meados do século XV. Em Português:
Referências bibliográficas
ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao
feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998.
HISTÓRIA
GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano.
Edição abreviada. São Paulo: Companhia das Letras/Círculo
do Livro, 1989.