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Secção 1
ENSAIOS E MONOGRAFIAS
Nº2
Aos Amigos de Outros
ad ENS peS
Bidon 0,58.
MENSAGEM UM
reino
É naturalmente difícil apontar os traços essen-
ciais de uma poesia cm que se exprimiram persona-
lidades tão diferentes como as de um Ênio e de um
Tibulo ou as de um Propércio e um Lucano; difícil
também separar do que seria prôpriamente latino
o que deu a cada um dos que poetaram em latim uma
linhagem oriental ou espanhola ou provençal; mais
difícil ainda o fazer uma discriminação segura dos
tempos, das circunstâncias de vida e dos imperativos
políticos, sempre tão presentes num Romano, Em
todoo caso, não seria totalmente alheio da realidade,
apresentar como uma das características da lírica
latina a idéia de que a vida se deve afrontar sempre,
senão com o ímpeto de ataque que garante a vitória,
pelo menos com aquela serena determinação da
sentinela de Pompéia: a mola essencial do Romano
não é a de vencer; não é de seu tempo nem de seu
caráter a “fúria spagnuola”: o que o mantém é o
30 se não render. Êste permanecer do homem em face
da natureza e da história, que está porv
entura na
base do desenvolvimento da administ
ração e do
direito romano,traz como conseqiiência quese assiste
ao desfilar diante do homemdo próprio temp
o, e
que é possível, portanto, ter dêle uma visã
o serena
€ histórica: romano sabe que atrás de temp
o tempo
vem, que a um deus se vemjuntar outr
o deus, tão
verdadeiro ou tão falso quanto os outr
os, pois que
tudo depende de nosso ponto de vista, Tudo,
porém,
se reflete no indivíduo, não coma alegria que,
cstra-
nhamente, nós passamos do nosso cris
tianismo para
º paganismo antigo — e o julgarmos o
cristianismo
triste é ainda um resto de nosso Paganism
o, — mas
com uma tão intensa meluncolia que os
próprios
jogos do Amor, o desabrochar das rosas c
o saborear
dos vinhos têm sempre diante de si o
homem im-
passível que já está pressentindo como hão-de os
ventos de Outono varrer amor, flore
s, aroma; que
já, mais terrivelmente, o sabe pela sua expe
riência
de gerações passadas. E é esta exatamen
te a atitude
de Ricardo Reis diante da vida que exist
e à sua
volta.
Tudo está a seu ver, como na decadênc
ia da
cultura antiga, quando já os bárbaros
transpunham
as fronteiras e uma estranha religião
ameaçava
aquela tão compreensiva, tão segura e tão
realmente
inexistente religião dos romanos; agora tudo é talv
ez
Pior ainda: porque, se no outro tempo, havi
a pelo
menos os bispos que se tinham afastado
de tôda 31
* corrupção de uma civilização que morria e, espe-
rando os bárbaros, tentariam comêles sepultar Ro-
ma para sempre — e foi o não terem sabido levar
sua tarefa até o fim que permitiu tudo o que de
máu, com o Renascimento. caiu sôbre a Europa —
no presente nada havia que os pudesse substituir;
nem um deus triste surgiria para juntar 20 panteon
antigo. Dentro mesmo da cidade, hordas tornavam
impossível a quieta meditação, a sossegada resig-
nação que fôra possível aos sábios antigos; os re-
publicanos, que, fiel partidário da monarquia, de-
testava, apareciam-lhe piores que bárbaros, porque
presentes e ativos. De modo que o ter adotado,
para se exprimir, pensamentos e formas da anti-
guidade romana representa efetivamente ummeio
delicado,discreto, portanto ainda portuense e inglês,
de declarar o seu desgôsto pela realidade ambiente
e de apontar qual a única atitude que poderá tomar,
como que numa última defesa de existir, qualquer
homem com noção da dignidade e da seriedade da
vida.
Em primeiro lugar, de nenhum modo se pode
admitir que, quaisquer que sejam as circunstâncias,
dê o indivíduo menos do que pode dar e se não
ponha inteiro em tôda a obra que fizer, por mais
pequena ou insignificante que seja ou pareça ser:
no fundo, acha Ricardo Reis, só é insignificante
aquilo em que não pomossignificação nossa. Escu-
32 sado será dizer que, por cutro lado, não deve o
autor de qualquer obra nela se esgotar;
pode esgo-
tar-se na vida, mas não em cada um
dos trabalhos
que durante ela realizar; fiel ao seu deve
r romano,
à contenção inglêsa e ao civismo
e artesanato por-
tuenses, fiel ainda à sua vocação de méd
ico, Ricardo
Reis é inimigo de tudo quanto signifiq
ue o roman-
tismo de morrer traduzindo-se em
obra: de certo
modo, se deve o artista manter alhe
io ao que faz,
num supremo dever crítico; e, emb
ora a obra seja
pessoal sua, como quedeveria ser real
izada de modo
que se confundisse, anônima, no
anonimato de uma
classe ou de uma época; não há
razão alguma para
“iue um poema contenha menos int
eiramente o poeta
do que uma intervenção um médico
ou um sapato
o sapateiro; mas deve ser, com
o as obras de arte-
sanato que se nomearam,
tão impessoal quanto
possível pelo querespeita à fatura; e,
para isso, nada
melhor que as exigências de processo
das métricas
antigas.
Em segundo lugar, nenhum mom
ento nem ne-
hum acontecimento da vida deve
ser tomado ao
trágico; a nossa obrigação é a de pôr
flores mesmo
nas horas mais difíceis ou naquelas
que sabemos
mais inúteis e perdidas, exatamente
como a senti.
nela põe a flor da sua dignidade no tum
ulto da
erupção, e o cortesão põe a flor de sua iron
ia na
brutalidade da ordem de suicídio, e
o namorado
põea flor de seusilêncio perante o bre
ve encanto ou
a futilidade de Lídia. Os deuses que,
movendo os 33
destinos, ou talvez a êles mesmos sujeitos, nos olha
m
indiferentes só nos poderão aceitar como de algu
m
modo dignos de sua companhia ou, pelo menos, de
sua imperturbada serenidade, quando virem que nos
não agitamos em vão nem clamamos
contra uma
sorte que nem êles próprios poderão talvez modifica
r.
Como terceira idéia fundamental, poríamos
a
de que se tem de ter na vida aquela econ
omia de
gestos que uma estética clássica reco
mendaria
para a obra de arte; temos de agir mais
com o
sentido de volumes que é, por exemplo, o da grande
escultura do que com a riqueza de linhas em que
degenerou o alexandrinismo; ocupar o mínimo de
espaço e fazer o mínimo de ruído; o melhor de
tudo seria poder passar na vida inteiramente igno
-
sado de tudo e de todos; já que tal não é
possível,
tenhamos ao menos o cuidado de tornar bem ní-
tido que não temos empenho algum em exist
ir e
que nenhuma culpa nos cabe em que nos suceda
viver.
Parecendo ser esta uma doutrina que exige do
indivíduo o mínimo de esfôrço possível, é cla exa-
tamente a que foi talhada para as almas ímpares
dos melhores estóicos e dos melhores epicuristas,
naquêle campo mais para o lado dos romanos, nêste
,
e aqui nos devemos lembrar da aiguma educação
helênica de Ricardo Reis, mais para o lado dos
gregos. Mas não era dêsse tipo, apesar do que êle
34 próprio supunha, a alma do médico poeta: contri-
riamente ao que pensava, e porque a energia lhe
era sobretudo de inteligência e não de caráter, não
tem nem a fôrça de abstenção para se não meter
em política, nem a fôrça de sofrimento necessária
para agiientar a derrota de seu partido. Sufocada
a revolução da passageira Monarquia do Norte,
Ricardo Reis emigra para o Brasil; e tão pouco fêz
que se tornasse digno de nota em seu novo campo
de ação, que Fernando Pessôa, em 1935, se limita,
numa rápida menção, a confirmar a sua ausência de
Portugal.
ALBERTO CAEIRO
. , nasça
aquele outro dia que só Jesus sabe
qual é.
Para que esta paz se estabelecess
e foram preci-
sos três milagres, e três milagres de Cristo. Nu
mundo de adultos e de adultos hab
m
ituados a pen-
sar, Jesus teria de crescer, para preg
ar, porque os
homens só entendem à Pregaç
ão e não a vida, e
para de novo ser crucificado, porque
eternamente
os homens estão crucificando, pelo que
os não vale,
o melhor de si próprios. E, num mundo
de pensado-
res, logo os metafísicos viriam com
o argumento,
já não falando de contradições, de que tôda
a filo-
sofia de Caeiro peca pela base: pensar que
se não
deve pensar é tão pensar como pensar
que se deve
pensar; chamar coisa a uma coisa, ou flor
a uma
flor ou amarelo ao que é amarelo é entr
ar imedia-
tamente no reino da abstração; e supor eter
na uma
criança, ou tê-la como Mestre sup
remo envolve,
imediatamente, uma Concepção do Univ
erso e uma
Teoria da História. A doutrina de Caeiro
é tão
frágil como a sua saúde: ambas estão ame
açadas
44 por infecções, o raciocínio e a tuberculose,
que sen-
| . -
do intecçõe -
s são fenaômenos de vid
: a a
e têm de ser
Ê]
explicados na vida, mesmo para serem des
- truidos.
| O destino do poeta foi: o de morrer como homem
| £ como pensador, embora sobreviva como
artista e
como profeta: e foi perante o desapare '
cimento do
profeta, apesar de o saber redivivo no
Futuro e de
o saber fazendo do Nada alguma coisF a de lumi' noso
E
E, e alto, que confessou a sua angústia e a
q sua tristeza
o que foi- o mai:or ami:go e o mai-or Pont
discípulo do
poeta: Álvaro de Campos.
ea
Pontif . ,
. «ca do
ALVARO DE CAMPOS
Es
destróem.
Efetivamente, a influência de Alberto Caeiro
exerccu-se em domínio muito mais profundo do que
poderia fazer supor o cxame apenas do campo da
métrica. Deu a Álvaro de Campos a lição suprema
de que a única obrigação que a alguém cabe, o
único dever a que não pode faltar, é o ser êle pró-
prio; e o único pecado que pode cemeter contra o
Espírito Santo é o de não ser êle próprio, em tôda
a sua plenitude, aceitem ou não os outros sua ma-
neira de ser. Assim, Caeiro, num mundo de refle-
xivos e de metafísicos, era, ou pelo menos pretendia
ser; 0 não-metafísico, o não-discursivo, o não-refle-
xivo; cumpria-lhe ser calmo, porque o era, cum-
pria-lhe ser, porque o era, uma coisa entre as coisas.
A coragem de ser, eis aí o que daria a Álvaro de
Campos o remédio de seus insondáveis tédios.
Tomando em pleno a lição do Mestre, Álvaro
de Campos passou a ser o que era: um cultor e um
admirador da energia e da fôrça, naturalmente no
sentido de energia aplicada; e passou a ver as gran-
des criações, no domínio da arte, da ciência ou d1
convivência, como puras e completas manifesta-
ções de energia. Passando ao partido de existir, co-
mo seu Mestre Caeiro, Álvaro de Campos totalmen-
te se afasta de um Ricardo Reis, cuja arte admira,
como manifestação de energia e como expressão da
fôrça - Ricardo Reis; ou de um Fernando Pessoa,
que lhe parece inteiramente votado às potências
destrutivas do raciocínio e ao absurdo gôsto, à es-
tranha preocupação, de provar. Ricardo Reis, ao
que lhe parece, realmente não existe; se vê sempre
como histórico, e daí a sua ficção de falso paga-
nismo; se vê sempre em função de um Passado ou
de um Futuro, e por conseguinte sem plenitude de
vivência no Presente. Quanto a Fernando Pessoa,
acha-o inerte e tímido: prova porque não tem uma
de duas coragens, ou a de afirmar sem provas, dei-
xando aos outros o encargo de as buscarem, se qui-
serem, ou a de ficar calado; uma prova, crê Álvaro
de Campos, é, pelo que respeita ao caráter do indi- 51
víduo, sempre « de qualquer forma uma desculpa.
E êle, pelo menos, êle, Álvaro de Campos, veio à
vida como um núcleo de energia para explodir em
emoção e em arte,
Ficl discípulo de seu Mestre Caeiro, Álvaro
de Campos sente perfeitamente que não seria êsse
fiel discípulo se concordasse com o Mestre, Se a
doutrina de Caeiro tem como um de seus pontos
fundamentais que cada coisa o é por ser, Álvaro de
Campos só poderá distinguir-se de Caeiro e ser o
objeto-discípulo de um sujeito-mestre na medida
em que seguir as suas opiniões ou as suas tendên-
cias ou as suas emoções sem se importar com o que
sucede, nos mesmos domínios, com Alberto Caeiro.
Ao contrário dêste, que não tem metafísic: ao con-
trário de Ricardo Reis, para quem no fundo, como
para todo o epicurista e todo o estóico, a metafí-
sica, de resto muito mal pensada, é apenas, por tra-
dição escolar, o alicerce de regras de comportamento;
ao contrário de Fernando Pessoa, para o qual a
metafísica é uma arte, Álvaro de Campos acha que
se deve ter metafísica, que a metafísica tende a
ser uma ciência, e nisto se revela vocacionalmente
engenheiro, e que, enquanto a metafísica não é uma
ciência, se deve ter, a cada dia que passa, a meta-
física que apetecer, isto é, aquela que estiver mais
de acôrdo com a modalidade pessoal do momento.
Tôdas as preocupações de corerência vêm provã-
52. velmente de uma covardia, de caráter predominan-
temente social; mesmo quando a metafísica fôr uma
ciência, não está provado que se não possa, a cada
novo dia, inventar uma metafísica, digamos a ou-
tra dimensão, como se inventaram as goemetrias
não-euclidianas.
Porque o importante é que a energia se não
limite e o que é verdade é que a energia é essen-
cialmente livre; o seu sôpro é o sôpro do Espírito
e o que convém a homens é como que um novo voto
monástico de obediência, ou melhor, de disponibili-
dade: estará sendo essencialmente homem aquêle
que estiver, todos os dias, disposto a seguir nas di-
reções a que novo surto de energia o fizer rumar.
Não tenhamos por fundamentais as precauções
que apenas nos faz tomar o nosso mêdo de nos
magoarmos na vida, e de sermos tão pouco respei-
tados pelo nosso próximo que nos venha a faltar o
pão do corpo, e aquêle pão do espírito que consiste
em gozar na nossa praça da mais profunda consi-
deração e confiança. Poderia dizer-se, levando a
idéia ao ponto extremo, que teremos atingido o
máximo de nós próprios quando ninguém tiver em
nós a menor confiança; quanto a respeito, a histó-
ria é outra: porque teremos o respeito dos grandes,
dos que reconhecem e adoram a energia; e só, como
um louvor, o desrespeito dos fracos.
É em virtude de inteiramente exprimirem estas
idéias que as duas composições máximas de Álvaro
de Campos são a Ode Triunfal e a Ode Marítima: 53
numa o engenheiro comanda o mun
do, com o impé-
rio da matéria além de todosos escrúpulos que po-
deriam pôr uma interrogação religiosa sôbr
e a uti-
lização divina ou diabólica da ciên
cia e da técnica;
na outra, o corsário comanda os homens
, igualmen-
te sem se interrogar, religiosamente,
sôbre a fron-
teira até que se pode estender ésse domíni
o imperial.
Mas, na própria Ode Marítima, outr
a nota irrompe
que tudo lança de novo em confus
ão e perigosa-
mente faz regressar ao ambiente de Opiá
rio ou ex-
Plica um pocma, novamente regular, como o de
Cruz na porta da Tabacaria: a energia não resplan-
dece, como lhe competia, para que pudess
e real-
mente agir, num fluxo uno e contínuo; e
aqui não
pode ela ser quântica, como no resto do Uni
verso;
porque o mundo dos homens continua, pela
memó-
ria, a existir enquanto o outro se int
errompe e se
volta sôbre Alvaro de Campos, derruindo-o,
com Í
suas ondas de nostalgia e, mais dolorosas para que
m |
se quer afirmar, de anonimato. Não import
a que
em caprichos, sobressalto, histerias ou sonhos, ÁI-
varo de Campos se veja herói; falta-lhe, para cons
-
truir mundos, a persistente consciência de um
In-
fante em Sagres e na Córte: falta-lhe talvez o
heroismo de, por amor de seu sonho, ser cruel, e
de em seguida, ainda como o Infante, usar cilícios.
De qualquer modo, o que sempre há, depois de
tôdas as exaltações, é o inútil círculo se gravan
do
54 nosilêncio comovido de sua alma; do mais pro-
fundo de seu ser não surge, perante um barco, o
“Ahoy!”, grito de águia precedendo abordagem:
surge a murmurada prece de que passe e lhe deixe
apenas a distância; e, destruidoramente, sabe que,
por sua morte, as cidades não mudam. Pode ima-
ginar, proclamar, gritar o que quiser: no fundo tem
a certeza suicida de que o seu destino civil é o de,
cortêsmente, dizer “Adeus, ó Esteves!”,
MENSAGEMDOIS
Págs.
9 — Mensagem um
19 — Fernando Pessoa
27 — Ricardo Reis
37 — Alberto Caeiro
47 — Álvaro de Campos
37 — Mensagem dois