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UNICAMP
2017
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CAMPINAS, 2017
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180
Título em outro idioma: An interpretative view of Camargo Guarnieri's sonatas for piano
based on historical and analytical assumptions
Palavras-chave em inglês:
Guarnieri, Camargo, 1907-1993
Sonatas (Piano)
Music appreciation
Music - Interpretation (Phrasing, dynamics, etc.)
Music - Performance - History Performance practice
(Music) Área de concentração: Música: Teoria, Criação e
Prática
Titulação: Doutor em Música
Banca examinadora:
Mauricy Matos Martin [Orientador]
Fernando Crespo Corvisier
Nahim Marun Filho
Carlos Fernando Fiorini
Ângelo José Fernandes
Data de defesa: 23-02-2017
Programa de Pós-Graduação: Música
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MEMBROS:
DATA: 23.02.2017
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AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho, quero agradecer a todos aqueles que, de algum modo,
contribuíram para a realização desta tese de doutorado, e especialmente, às seguintes
pessoas e instituições:
- aos meus colegas da Escola de Música da UEM que me apoiaram a cada renovação de meu
afastamento integral para pós-graduação, a saber, os professores, Bernhard, Goreti,
Hideraldo, Jairo, Marcos, Roberto, Salomão e Solange;
-ao Prof. Dr. Maurícy Matos Martin, por sua orientação tanto na prática instrumental quanto
na parte escrita;
- ao Prof. Dr. Alexandre Zamith Almeida, por sua co-orientação valiosa e pacienciosa,
principalmente no último ano do curso;
- à Profª Dra. Adriana Giarola Kayama, Profª Dra. Denise Gracia e Profª Dra. Yara Caznok e aos
Prof. Dr. Emersom De Biaggi, Prof. Dr. Luiz Amato e Prof. Dr. Achille Picchi pelas disciplinas
ministradas;
- ao Marcos Batistuzzi, músico amigo pelas conversas e conselhos principalmente referentes aos
exemplos musicais editados;
- à minha querida esposa Rafaela por estar sempre comigo e por quem estarei sempre grato por sua
dedicação não só aos inúmeros exemplos musicais editados e nas constantes formatações de textos e
etc, etc, mas também e principalmente pelo companheirismo e por estarmos sempre abertos um para o
outro, incondicionalmente. Eternamente grato.
6
Resumo
Abstract
Brazilian composer, Camargo Guarnieri wrote eight Sonatinas for piano over a
period of 54 years, from 1928 to 1982, that covers most of his creative lifetime. This thesis
provides historical and theoretical information that gives insight into the interpretation of
these Sonatinas. Based on Ensaio sobre a música brasileira [“Essay on Brazilian music”] by
Mário de Andrade (1887-1945) and ideas from Analise e (ou) Performance [“Analysis and
(or) Performance”] by the pianist and musicologist, John Rink, I intend to understand the
historical influences and Guarnieri’s and compositional techniques to help build a
performance of his cycle of Sonatinas.
8
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2.3. Melodia..................................................................................................... 48
INTRODUÇÃO
A realização deste trabalho partiu de uma necessidade que acredito ser comum
entre músicos instrumentistas de procurar sistematizar de alguma forma o processo
interpretativo na nossa relação com o repertório: neste caso especifico, com as sonatinas para
piano do compositor paulista Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993), obras que já venho
estudando há algum tempo. Meu interesse pelo estudo do conjunto destas obras se dá pelos
estudos anteriores que realizei no mestrado – sobre as Sonatina no3 e a Sonatina nº6 – e a
intenção de promover uma visão mais ampla por meio de um estudo mais sistemático de todas
as sonatinas, pois a concepção destas obras percorre boa parte da vida criativa do compositor.
Logicamente que este estudo foi acompanhado de uma admiração crescente tanto pela obra
pianística de Guarnieri quanto pelo seu modo peculiar de tratar o instrumento.
Meu primeiro contato com as Sonatinas de Guarnieri, assim como muitas outras
do meu repertório, se deu pelo estudo prático e direto no instrumento através da execução
interpretativa, a partir de uma análise muito superficial e um tanto quanto subjetiva da
partitura, sob o ponto de vista de sua estrutura formal. Este primeiro contato, a princípio,
revelou-se satisfatório sob a perspectiva da prática instrumental, a qual apresenta
particularidades que só ela própria pode responder. Entretanto, este contato foi aos poucos se
tornando limitado quanto a questões mais específicas às relações entre execução instrumental
e a estrutura objetiva da obra. Isso porque acredito que a análise auxilia o intérprete na
detecção de que aspectos musicais salientar em sua execução instrumental.
A partir, então, de uma análise tanto de seu conteúdo estrutural quanto de seu
contexto histórico, pude perceber uma mudança de concepção interpretativa geral que
corroborou e influenciou em algumas decisões interpretativas que haviam se sedimentando
com o tempo de estudo. Certas especificidades do discurso musical do compositor vieram à
tona e deram suporte à interpretação das obras como um todo. A minha concepção geral das
peças, de certa maneira, foi afetada positivamente. Esse tipo de análise me auxiliou em muitas
tomadas de decisões interpretativas práticas, mas, também, em muitas outras coisas que não
se refletem de imediato na execução interpretativa, mas que auxiliam o intérprete no processo
de execução instrumental, tais como saber os tipos de escalas, de acordes e da estrutura
formal.
O objetivo de se fazer um estudo interpretativo extensivo à série das sonatinas
para piano de Camargo Guarnieri é propor uma visão interpretativa destas obras, a partir de
10
pressupostos analíticos e históricos, e que tenha como meta final a proposição de subsídios e
diretrizes para sua execução interpretativa.
Inicialmente, faço uma descrição sumária das sonatinas para piano do compositor
paulista a partir de uma visão geral do seu conjunto, suas características gerais, incluindo
observações de Verhaalen, Mendonça, Bencke e do compositor Lacerda.
Como contextualização histórica e estética (ou poética), abordo as sonatinas tendo
como base o “Ensaio sobre a música brasileira” de Mário de Andrade. Este livro, bem como
a própria figura de Mário de Andrade, foi fundamental para a carreira musical de Guarnieri,
além da figura de Mário de Andrade, como o próprio compositor afirmou várias vezes em sua
vida. Não foi intenção fazer uma análise crítica em relação às referências ao compositor no
Ensaio, mas sim procurar identificar reflexos desta obra do poeta nas composições das
sonatinas para piano. Vale lembrar que a composição da primeira sonatina ocorreu no mesmo
ano que o compositor conheceu o poeta, ano também do lançamento do Ensaio. Busco uma
relação entre Guarnieri e o nacionalismo musical a partir da sistematização, proposta por
Mário de Andrade, da música artística brasileira concebida e desenvolvida através do
“aproveitamento inteligente do nosso populário”, segundo expressão do próprio Mário. No
Ensaio, Andrade estabelece cinco elementos da música que julga importantes para o
compositor: ritmo, melodia, polifonia, instrumentação e forma. Dentro destes elementos,
procuro enfocar o que de mais importante o poeta nos chamou a atenção e que são questões
básicas para o desenvolvimento do discurso musical de Guarnieri nas suas Sonatinas para
piano.
Na sequência, analiso aspectos do pianismo no conjunto das sonatinas e suas
imbricações com o pianístico e a relação de ambos os conceitos com a escrita e a escritura
pianística. Nas análises de cada uma das Sonatinas, veremos que as observações referentes ao
pianismo estão ligadas ao estilo do compositor e à maneira como ele aborda o instrumento.
No capítulo referente à análise musical e execução interpretativa, desenvolvo
algumas ideias a respeito da importância relativa da análise musical para o músico intérprete
visto que nem tudo o que está na grafia da partitura pode ser expresso no ato da execução
interpretativa. Cito considerações de Laboissière, Picchi, Boulez, Dunsby e Whittall a respeito
da relação entre análise musical e execução interpretativa e como cada um pensa essa relação.
Destaco a análise musical para instrumentistas, segundo John Rink, como um dos
enfoques do meu trabalho, pois as análises das sonatinas foram baseadas em parte nos
11
parâmetros analíticos contidos no texto Analysis and (or”?) performance1. Nesse texto, Rink
propõe alguns parâmetros baseados no conceito de temporalidade para a análise
especificamente destinada aos intérpretes instrumentistas. A partir dos parâmetros
apresentados nesse texto, fazemos uma adaptação livre dos conteúdos dos tópicos na análise
do conjunto das Sonatinas para piano, procurando ajusta-la ao contexto das obras e de seu
autor.
Com isso, na medida do possível, procuramos evitar uma abordagem analítica
onde prevalecesse critérios técnicos analíticos somente e que não levasse em conta aspectos
inerentes especificamente às particularidades da execução instrumental propriamente dita.
Destaco três importantes trabalhos que analisam a obra completa e,
especificamente, a coletânea das Sonatinas para piano de Guarnieri e que foram fontes
importantes para meus estudos; “Camargo Guarnieri: Expressões de uma vida” de Marion
Verhaalen, musicóloga estadunidense e amiga pessoal do compositor e de sua família, que fez
uma extensa biografia sobre o compositor. “Camargo Guarnieri – O Tempo e a Música”,
outro importante trabalho biográfico e analítico organizado pelo musicólogo Flávio Silva, o
qual reúne textos escritos por diversos músicos próximos ao compositor, bem como um
estudo sobre a obra pianística realizado pela pianista e professora Belkiss Carneiro de
Mendonça. Mais recentemente, em 2010, a pianista e professora Esther Bencke empenhou-se
em importante pesquisa sobre as sonatinas para piano do compositor paulista resultando em
sua dissertação de mestrado pela Universidade do Estado de Santa Catarina intitulada
“Música e Expressão do Nacional nas Sonatinas para Piano de Camargo Guarnieri”. Essa
dissertação enfoca estas obras sob o ponto de vista histórico do nacionalismo musical
brasileiro e realiza uma análise de cada uma delas onde a estrutura musical é observada à luz
dos elementos musicais importantes aos nacionalistas.
1
Rink, J. Analysis and (or) performance. In: Rink, John (Ed.). Musical Performance:a guide to
understanding. Cambridge: CUP, 2002, p.35-58.
12
2
A Sonatina nº1 data de 1928 e a sua última nº8 é de 1982.
3
A Sonatina nº1 foi uma das primeiras obras de estreia do compositor e teve crítica muito
favorável tanto de Mário de Andrade quanto de Sá Pereira, renomado professor de música e crítico musical da
época. Segundo o musicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo (1905-1992), esta sonatina foi a primeira que se
propagou pelo repertório dos concertistas.
14
Cego, construída no modo lídio. Essa citação direta do folclore é a única em todo o conjunto e
uma das raras vezes em que o compositor se utiliza explicitamente de um tema popular.
Podemos observar opinião semelhante em Bencke a respeito da linguagem
harmônica utilizada no conjunto das sonatinas:
A linguagem musical das Sonatinas varia bastante, partindo do tonal (Sonatina n.1),
passando por experiências atonais (Sonatina n.2)¸ afastando-se gradualmente da
tonalidade (Sonatinas n.3, 4 e 5) até uma linguagem diferenciada encontrada nas três
últimas Sonatinas, na qual os elementos de fonte popular são bem menos óbvios que
nas cinco primeiras. (BENCKE: 2010, p.58)
Sonata of Camargo Guarnieri.” Nesta tese, a professora se propõe a uma reflexão sobre as
ideias e o estilo composicional de Guarnieri nas Sonatinas e na Sonata para piano com o
intuito de chegar a algumas conclusões a respeito de seu desenvolvimento estilístico no piano.
Freire analisa as Sonatinas de 1 a 7 baseados nos elementos da melodia, harmonia, ritmo,
textura, forma e tonalidade, além de considerações pianística. Faz um breve estudo sobre o
desenvolvimento das tradições musicais no Brasil e na América Latina e suas diversas
influências. Freire ainda faz um interessante agrupamento das Sonatinas de acordo com certas
similaridades estilísticas e técnicas composicionais, tais como as Sonatinas nº2, 6 e 7 e as
Sonatinas nº1, 3, 4 e 5. A autora contou ainda com a preciosa colaboração do compositor para
a realização de sua pesquisa.
Em 2001, surgiram dois trabalhos importantes sobre a vida e a obra de Camargo
Guarnieri que, por suas extensões, se complementam: “Camargo Guarnieri: expressões de
uma vida” de Marion Verhaalen e “Camargo Guarnieri: o tempo e a música” organizado
pelo historiador Flávio Silva. O primeiro deles se originou da tese de doutorado na
Universidade de Colúmbia, em 1971, por Marion Verhaalen sobre a obra pianística do
compositor. A estadunidense Marion Verhaalen é pianista e professora de piano na Cardinal
Stritch University em Milwaukee, além de compositora e grande pedagoga. Tinha uma
amizade muito próxima com o compositor e sua família e suas pesquisas tiveram total
respaldo de Guarnieri. É uma verdadeira biografia do compositor, com análises de suas
principais obras. Na parte referente às obras para piano solo, Verhaalen faz uma análise
sucinta e muito pessoal das oito Sonatinas e da Sonata para piano, entre outras. Sua análise se
baseia principalmente na estrutura formal de cada uma, além de informações a respeito das
edições existentes, ano de publicação e algumas gravações. O prefácio desta obra é do
musicólogo José Maria Neves.
O trabalho realizado pelo historiador Flávio Silva – “Camargo Guarnieri: o
tempo e a música” reúnem textos de músicos e musicólogos que tiveram amizade com o
compositor. A pianista e professora Belkiss Carneiro de Mendonça (1928 – 2005) foi a
responsável pela obra pianística de Guarnieri neste livro. Também faz uma análise sucinta de
cada uma das Sonatinas do compositor paulista, observando a forma além de aspectos
característicos de cada um dos movimentos. A pianista também teve um contato muito
próximo com o compositor e chegou a gravar várias de suas obras para piano.
O mais completo trabalho realizado da coletânea das sonatinas para piano do
compositor paulista é da pianista e professora Esther Bencke, uma dissertação de mestrado
defendida na Universidade Estadual de Santa Catarina, intitulada “Música e expressão do
16
nacional nas sonatinas para piano de Camargo Guarnieri”. Defendida em 2010, esta
pesquisa foi orientada pelo profº Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade. Segundo sua autora,
a “...dissertação trata da relação entre discurso nacionalista e prática composicional no
contexto do nacionalismo musical brasileiro...”. Trata-se de uma importante pesquisa da área
da musicologia e da etnomusicologia, com reflexos até nas práticas interpretativas. Bencke
discute as origens e definições do nacionalismo, faz uma análise mais pormenorizada de cada
uma das Sonatinas através de seus elementos estruturais de forma e conteúdo. Aborda
aspectos da harmonia, do ritmo, da melodia, timbre, dinâmica, entre outros, procurando
demonstrar como o compositor desenvolveu seu discurso musical diante a ideologia
nacionalista.
Existem alguns outros artigos acadêmicos que abordam alguma das Sonatinas
específicas de Guarnieri para piano, abordagens essas ora com viés analítico-interpretativo,
ora abordando alguma característica histórica ou estilística. Estes trabalhos estão todos
mencionados na bibliografia.
17
4
Para este texto, nos baseamos na 3ª edição de 1972 pela editora Martins Fontes.
18
5
Achille Picchi, um de seus alunos, afirma que o próprio compositor chamava de Escola Paulista
de Composição a reunião de seus discípulos: portanto, segundo Picchi “a história e os discípulos consagraram a
“Escola Guarnieri.” (PICCHI: 2012)
6
A. L. de Sá Pereira, pianista, pedagogo, escritor e compositor em artigo de 1929 dizia a época da
publicação da Sonatina de Guarnieri: “(...) No Brasil cabe a Villa-Lobos o título de vanguardista desse
movimento nacional, em que agora, e já completo, se enfileira o jovem C. Guarnieri. (...)”(SÁ PEREIRA, 1929).
O musicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo em artigo de 1935 enfatiza a independência criativa de Guarnieri:
“(...) já se nota a sublimação do caráter nacional, tendendo para uma expressão geral e menos
pormenorizadamente popular (...) ele nada tem de comum com o niilismo transbordante de gênio de Villa-Lobos
(...)” (AZEVEDO, 1950).
7
Acrescenta-se ainda Agostino Cantù. Vale lembrar que E. Braga e S. Pereira eram compositores partidários do
movimento nacionalista.
8
Jorge Coli é professor titular em História da Arte e História da Cultura no Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
19
já trazia uma sensibilidade como artista desde cedo. Coli, estudioso da obra de Andrade,
afirma a importância simbólica deste encontro, ressaltando a coincidência das obras
apresentadas por Guarnieri com o lançamento de Macunaíma e Ensaio sobre a música
brasileira, duas das obras mais influentes do poeta:
9
Segundo Mário de Andrade “...os indivíduos como a Arte nacionalizada, tem que passar por três
fases: 1ª a fase da tese nacional; 2ª a fase do sentimento nacional; 3ª a fase da inconsciência nacional. Só nesta
última a Arte culta e o indivíduo culto sentem a sinceridade do hábito e a sinceridade da convicção
coincidirem...”
20
portanto, não deve ter sido nada difícil para ele aprimorá-las através dos ensinamentos de
Mário de Andrade. Aliás, Guarnieri sempre foi considerado pelos estudiosos de sua obra,
inclusive por intérpretes que tiveram um contato pessoal e frequente com o artista10, um
compositor privilegiado, dono de uma intuição artística invejável, com certa independência
dos ensinamentos de seus mestres.
O Ensaio sobre a música brasileira foi publicado em 1928 e constitui-se num
documento no qual o poeta expõe suas reflexões sobre a música brasileira e suas
problemáticas de concepção geral. Constitui-se num livro basilar para compreendermos como,
na prática, o compositor deveria conceber o elemento nacional na sua música, sob o ponto de
vista do carácter, da estética e da prática. Guarnieri conhecia muito bem essa obra e a tinha
como um guia. Numa carta datada de 2 de julho de 1980 endereçada ao musicólogo e
pesquisador Vasco Mariz, Guarnieri confirma:
...No Brasil, o problema do nacionalismo consciente tem a sua base no livro do meu
inesquecível amigo Mário de Andrade, Ensaio sobre a música brasileira, que todos
conhecemos, onde ele, com aquela sua característica premonição, estabelece três
fases...11
10
Podemos citar Osvaldo Lacerda (1927-2011) e Marlos Nobre (1939) entre seus alunos
compositores e ainda Belkis Carneiro de Mendonça (1928-2005) e Marion Verhalen (1930) entre as intérpretes
de suas obras que o reverenciavam pelas qualidades de suas obras e de seu inegável talento.
11
Trecho do anexo da carta de Camargo Guarnieri a Vasco Mariz, em “Camargo Guarnieri: o
tempo e a música”, org. Flavio Silva, p.389.
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Ritmo:
Neste item, M. de Andrade nos chama a atenção para o problema exclusivo da
síncopa. Segundo ele, embora a síncopa seja uma constante em nossa música, ela não é
imprescindível e geralmente chamamos de síncopa o que não é. (ANDRADE, 1972, p.30)
Diferentemente da subdivisão dos compassos que fizeram os europeus, principalmente os
portugueses, em nossa música, “...o cantador vai seguindo livremente, inventando
movimentos essencialmente melódicos...sem nenhum dos elementos dinamogênicos da
síncopa e só aparentemente sincopados, até que num certo ponto...coincide de novo com o
metro...”. (Ibid, p.36) Isso significa dizer que deve existir no ritmo caracteristicamente
sincopado certa flexibilidade de execução da métrica percebida pelo compositor e, de certa
forma, representada graficamente na escrita musical com o intuito de se evitar a banalização,
através de uma grafia rigidamente quadrada e presa à métrica. Denota certa impossibilidade
da escrita em relação à prática (PICCHI, 2012). Avesso à banalização da rítmica brasileira,
principalmente e especificamente na utilização da síncopa, Andrade enaltece a beleza e a
riqueza de possibilidades expressivas e de aproveitamento da síncopa, “...porém desprovidos
de acento, respeitosos da prosódia, ou musicalmente fantasistas, livres de remeleixo (“sic”)
maxixeiro, movimentos enfim inteiramente pra fora do compasso ou do ritmo em que a peça
vai...” (Ibid., p.37) Um dos principais argumentos era o conflito entre o mensuralismo da
música portuguesa frente aos “processos de rítmica oratória” desprovido de métrica quadrada:
...Se deu pois na música brasileira um conflito entre a ritmica diretamente musical
dos portugueses e a prosodica das músicas ameríndias, também constante nos
africanos aqui. E a gente pode mesmo afirmar que uma ritmica mais livre, sem
medição isolada musical era mais da nossa tendencia, como provam tantos
documentos já perfeitamente brasileiros que exponho em seguida a êste Ensaio.
Muitos dos cocos, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando á quadratura
melodica, funcionam como verdadeiros recitativos...(“sic”) (ANDRADE; 1972,
p.31)
colcheias divididas em duas vozes e agrupadas de 3 em 3 alternadamente para cada voz. Esses
desenhos das colcheias se repetem até o final do movimento:
Melodia:
Segundo Andrade, as especificidades melódicas são mais difíceis do que as
rítmicas ou as harmônicas e “...o compositor deve conhecer quais são as nossas tendencias e
constancias melodicas (“sic”) ...”12. Para ele, todo o problema girava em torno da “invenção
melódica expressiva”. E essa invenção melódica expressiva deveria partir da música popular,
da melódica popular, do folclore. E estabelece: “E não só empregar diretamente a melodia
integral que nem faz frequentemente Luciano Gallet como a modificando num ou noutro
detalhe (processo comum em Villa-Lobos), ou ainda empregando frases populares em
melodia própria (L. Fernandez na “Berceuse da Saudade”)13.
As peculiaridades, as “constâncias melódicas nacionais” que, segundo M. de
Andrade, o músico pode lançar mão para nacionalizar a sua obra, devem partir dos vários
elementos oriundos da música popular ou da música folclórica, tais como os modos escalares,
saltos melódicos de terça, repetição de notas, melodias utilizando-se de movimentos escalares
descendentes que, segundo Andrade, é comum nesse tipo de música.
A “dinamogenia” (“sic”), termo empregado por Andrade, seria então essa
percepção da dinâmica de funcionamento dos elementos musicais contido nas manifestações
musicais populares e que deveriam ser absorvidas através da inspiração e empregadas pelo
músico.
O tratamento da melodia nas Sonatinas de Guarnieri nos leva a perceber uma
preocupação, por parte do compositor, em alcançar a expressividade melódica defendida por
Andrade. Destacamos algumas características que são comuns aos preceitos contidos no
Ensaio. O emprego da melodia folclórica da Canção de Cego como 2º tema do primeiro
movimento da Sonatina nº3 destacado anteriormente, exemplifica uma das maneiras de como
M. de Andrade determinava a utilização de temas folclóricos. O modalismo empregado para
esse tema (dó lídio) é moldado, como vimos anteriormente, pelo deslocamento rítmico
causado pela articulação das notas da m.e. (de 3 em 3) e pela nota pedal (dó central) ainda da
m.e. dando suporte harmônico. O resultado sonoro final não se resume simplesmente ao
emprego de um tema folclórico único e exclusivamente, mas pela elaboração que o
compositor dá na apresentação desse tema, utilizando-se de intervenções pelo ritmo,
harmonia, dinâmica, entre outras, que auxiliam no seu direcionamento e no seu
comportamento.
12
Ibid., p.44.
13
Ibid., p.44.
25
sonatina é distorcido pelas dissonâncias provocadas por essas alterações de notas que,
auditivamente, pode nos dar uma falsa ideia de ser uma obra atonal.
Destacamos ainda o tratamento dado aos intervalos de terças, recorrentes em
quase todas as sonatinas. Na Sonatina nº6, II movimento, diferentemente do I movimento da
Sonatina nº4 onde também temos o emprego de terças no segundo tema da obra e entremeada
de ritmo sincopado, este II movimento da Sonatina nº6 apresenta basicamente em sua linha
melódica terças e décimas em ambas as mãos em movimento contrário:
Polifonia:
M. de Andrade alardeava sobre o problema da utilização da harmonia. Segundo
Andrade, o processo de harmonização não poderia ficar refém da harmonização oriunda da
música popular, simplória, apesar das influências externas. A “música artística” requeria um
desenvolvimento erudito desses processos de harmonização. A saída encontrada por ele seria
a utilização da polifonia como um procedimento composicional para a nossa música artística.
Andrade via a polifonia como um direcionamento adequado para os processos de
harmonização de nossa música. Segundo ele, o nosso populário estava repleto do “tonalismo
harmônico europeu herdado de Portugal”. Portanto, a única saída era a polifonia:
14
PICCHI: 2012, p.38.
28
Forma:
Andrade via as formas consagradas pela tradição, como o allegro de sonata, por
exemplo, com certa inutilidade à música brasileira, pois, neste caso, a forma já se apresentava
saturada e dificilmente poderia o compositor nacional dar alguma nova contribuição. Andrade
critica os compositores brasileiros por não se aproveitarem das formas advindas do populário:
segundo ele, os inúmeros ritmos de danças populares contêm no seu embrião, possíveis
formas autênticas para serem desenvolvidas na nossa música. “Sambas maxixes cocos
chimarritas catiras cururus...Tudo isso está aí pra ser estudado e pra inspirar formas artísticas
29
nacionais.”15. Via na forma variação uma das principais características advindas do nosso
populário e como embrião para a nossa música instrumental de caráter dançante:
A Suíte (conjunto de danças muito em moda na música barroca europeia), por não
ser patrimônio de nenhum povo, poderia assumir perfeitamente feições nacionais, segundo
Andrade. Para ele, a métrica binária, os ritmos, o caráter e movimentos variados das formas
de danças isoladas eram ingredientes para uma suíte brasileira. Com isso, segundo Picchi,
“Mário de Andrade propõe a adaptação e conformação do material europeu às necessidades
do nacional...” (PICCHI: 2012, p.44) quando Andrade elege a Suíte de Danças como exemplo
que se adaptaria muito bem entre os nossos compositores.
Concordamos com a crítica que Picchi faz a respeito da vagueza com que Andrade
critica nossos compositores pelo seu poder de criação limitado e por não se aproveitarem do
nosso populário:
...já que Mário de Andrade não estabelece limites claros entre a utilização da forma
clássica e as utilizações retiradas da análise do populário. Onde se constituem os
elementos estruturais fixos? Ou, será que o desenvolvimento pelos compositores dos
motivos dos cocos, parlendas, pregões, etc., enquanto melodias que são do
repositório popular coletivo, levariam à criação formal individual?...(Picchi: 2012,
p.44).
A suíte de danças proposta por Andrade aos moldes da suíte barroca é um espelho
desta, o que confere certo tradicionalismo nos compositores do movimento nacionalista,
incluindo o próprio Andrade, a partir das dificuldades que estes tinham de se desvencilhar da
tradição das formas musicais e da tradição da música tonal. Muitas das nossas danças
folclóricas seguem uma estrutura formal baseada na tradição da música ocidental.
Embora não recomendasse e achasse uma inutilidade o emprego de certas formas
tradicionais, como a forma sonata e seus derivados, Andrade não via problema o compositor
nacional fazer uso delas. Na realidade, o que mais interessava para ele era como o compositor
faria uso das formas tradicionais através daquilo que o populário apresentava. O que seria a
15
Ibid., p.67.
16
Ibid., p.66.
30
suíte de danças imaginada por Andrade e descrita no seu Ensaio senão uma adaptação da
formatação europeia às nossas particularidades?
Andrade cita no seu Ensaio o Trio Brasileiro de Oscar Lourenzo Fernández
(1897-1948) escrito em forma-sonata cíclica. Neste trio, Lourenzo Fernández se utiliza de um
tema popular no qual Andrade tece elogios a maneira como o compositor o distribui dentro do
seu discurso musical, citando que apesar do tradicionalismo formal da obra, ela alcançou uma
“unidade indissolúvel... de lógica admirável”. (ANDRADE: 1972, p.62) Se por um lado o
poeta evitava as formas tradicionais que eram, segundo ele, desvirtuadas, por outro ele não via
problemas se o compositor soubesse utilizar de maneira consciente os elementos musicais
oriundos do populário nas formas consagradas pela tradição.
O que podemos concluir é que embora exista uma preocupação por parte de
Andrade em reestabelecer as bases da criação musical brasileira no que tange as formas
musicais, suas alternativas para a criação a partir do populário nada mais são do que um
aproveitamento do legado da tradição da música tonal adaptado às necessidades do nacional.
Instrumentação:
A Instrumentação, de acordo com o Ensaio de Mário de Andrade, versa sobre o
sentido de adaptação ou aclimatização dos instrumentos como sedimentação do
caracteristicamente nacional na música. Os instrumentos são tanto aqueles oriundos da
tradição sinfônica (os naipes de uma orquestra sinfônica tradicional) quanto aqueles
instrumentos típicos de culturas populares (instrumentos de cordas ou sopros aqui construídos
ou adaptados e os diversos instrumentos de percussão utilizados em aldeias ou povoados).
Esta mimese instrumental que Andrade defende através de uma “transposição”17
instrumental, ou seja, de um instrumento rudimentar, por exemplo, para um instrumento
tradicional não podem ser feitas no intuito de uma simples imitação. A preocupação de
Andrade com a transposição se dá tanto no âmbito da sonoridade quanto no idiomático:
17
Logicamente que a palavra transposição, utilizada várias vezes no Ensaio, tem o sentido aqui de
adaptação ou aclimatização e não em relação à harmonia ou à melodia, por exemplo.
31
de o conceber...Ernesto Nazaret soube nalguns dos tangos dele transpor pro piano os
processos flautisticos e a tecnica do cavaquinho sem que perdesse por isso o
pianistico excelente da obra dele... (“sic”) (Andrade; 1972, p.58 e 60)
Ao mesmo tempo em que o poeta nos chama atenção para a adaptação erudita, por
parte do compositor, da maneira peculiar com que o povo trata seu instrumento, ele também
manifesta uma preocupação com os processos técnicos pelos quais essa adaptação se
desenvolve, em uma referência ao tipo de tratamento ou abordagem instrumental que respeite
as características próprias do instrumento.
A ideia de uma orquestra típica é vista com cuidado, pois isso facilmente
incorreria no exótico, mas, ao mesmo tempo, Andrade de certa forma enaltece as
características rudimentares na feitura dos instrumentos de cordas da “orquestrinha” dos
colonos, conforme descrito abaixo:
Aqui, Andrade faz uma analogia ao som anasalado característico dos conjuntos
vocais brasileiros com o timbre produzido na fabricação rudimentar dos instrumentos de
cordas da zona rural, o que equivaleria naturalmente a uma aproximação desses instrumentos
de cordas ao anasalado da voz cantada do povo brasileiro. De certa forma, Andrade deixa
transparecer o exótico quando enaltece essa sonoridade típica da orquestrinha dos colonos que
ele classifica como fisiologicamente brasileira.
Com relação especificamente a utilização do piano como instrumento de
sonoridade nacionalizante, veremos no próximo subcapítulo mais detalhadamente, como se
deu em Guarnieri o tratamento instrumental nas Sonatinas, ressaltando como o compositor
desenvolveu sua escrita pianística, idiomática e o que está por trás desta escrita idiomática,
definida como escritura (pianismo).
32
...falar de pianismo é falar de escrita para piano e sua respectiva escritura pianística,
isto é, aquilo que se esconde por detrás dessa escrita que é o êmulo da execução por
um executante que naturalmente domine todas as técnicas mecânicas de seu
instrumento. Assim, a escrita (grifo do autor) pianística diz respeito à ideia de
escrever de maneira típica, apropriada, idiomática a execução pelo piano,
envolvendo os recursos técnico-instrumentais (toque, dedilhado ao teclado, o uso
dos pedais) como expressivos e decorrentes. Diz igualmente respeito à
exequibilidade dessa escrita, contando com a tradição do instrumento, mesmo que
não paradigmática. A escritura diz respeito à intenção de escrita pianística, isto é, o
que representa de um ponto de vista que vai do instrumental sugestivo (timbres) até
o estilo composicional (uso de clichês, ou constâncias técnicas), além de tentativas
relacionais do instrumento, enquanto escrita, com outras ideias musicais, às vezes
extramusicais. Explicitando melhor, diríamos que escrita está para técnica assim
33
como escritura está para a expressão pianística, de forma que a escrita não
representa exatamente o potencial expressivo do instrumento. Indo mais além
diríamos que a escrita pode ser decodificada sem o concurso da escritura; já para a
escritura é necessário que se realize uma análise. (PICCHI: 2010, p.27 e 28)
Pode-se remeter tanto ao gesto físico como ao mental. Sendo o físico basicamente a
expressão do intérprete, isto é, o compositor enquanto intérprete da obra realiza um
posicionamento pianístico, ou um grupo de posições geográficas e a transfere para a
codificação; sendo o mental se remete tanto à referência ao gesto físico quanto ao
caminho sonoro, ou seja, o pensamento propriamente musical ou estilístico musical,
se isto representar uma constância composicional. (ZAGONEL, 1992 apud
PICCHI, 2010)
Dessa forma, pode se estabelecer uma correlação entre o gesto físico com o gesto
mental, ou seja, a escrita com a escritura como complementares: da escrita enquanto
representação surge a escritura enquanto organização do pensamento musical. O pianismo
como processo diz respeito então à ligação entre a escrita (código) e a escritura (pensamento e
intenção).
A observação do fenômeno do pianismo, segundo Picchi, leva em consideração
dois fatores: o estilo do compositor através de costumes de escrita e escritura e, também, pelo
uso funcional da escrita pianística. Estes fatores se traduzem na maneira como o compositor
aborda o instrumento, o qual se pode até distinguir se uma obra para piano foi escrita por um
compositor pianista ou foi escrita por um compositor não pianista.
34
Existe uma maneira ou intenção como Guarnieri trata a sonoridade do piano nas
Sonatinas que valoriza as concepções interpretativas e que eram também importantes como
elemento afirmador de estilo nas obras dos compositores nacionalistas.
No caso específico do tratamento do piano por Guarnieri podemos observar um
compositor pianista escrevendo para o seu instrumento e, portanto, conhecedor da técnica
instrumental pianística e da melhor forma de atingir a sonoridade de que precisava. Vemos,
no conjunto das Sonatinas, uma íntima interpretação do compositor, ora mais explicita, ora
mais velada, dos elementos musicais provenientes do popular e do folclórico no seu discurso
musical. Digamos: uma adaptação de atmosferas dentro de uma unidade formal que é a forma
sonata. Além disso, observamos nesta coletânea uma constância no desenvolvimento do seu
discurso musical traduzindo-se num estilo musical próprio. Tanto as inspirações advindas do
populário quanto o uso de clichês ou constâncias técnicas dizem respeito ao seu pianismo.
Segundo o musicólogo Ênio Squeff, em seu comentário sobre a Sonatina nº6, por
exemplo, enfatiza suas feições nacionalistas veladas:
18
Fórmula rítmica derivada do ritmo da habanera e especialmente presente na música cubana e
que influenciou um conjunto de gêneros musicais tanto na América central como na do sul. Basicamente
constitui-se da divisão rítmica proporcionada pela proporção 3:3:2.
37
Os trechos acima são três situações onde o tresillo se manifesta como uma
maneira do compositor pontuar determinado tema, ou seção, constituindo uma forma de variar
e manter a atenção no seu discurso. Unidades de tempo irregulares, como observamos nos
exemplos acima, a utilização de fórmulas de compassos irregulares tais como 5/8 ou 7/8, ou
mesmo subdivisões binárias escritas como se fossem ternárias são elementos constantes da
sua escrita que levam a uma escritura pertinente à dança ou a ritmos característicos, ou
mesmo como elemento dinâmico do seu discurso musical, caracterizando-se como estilo
composicional.
Outra característica de seu pianismo particular é observada na maneira como ele
finaliza muito dos seus movimentos, principalmente os primeiros e terceiros. Guarnieri quase
sempre desloca a acentuação natural do compasso através de acordes ou golpes de oitavas em
regiões extremas do teclado:
38
Interessante notarmos, nos exemplos acima, que a tensão nas cadências finais
ou conclusivas dos movimentos, que na sua maioria estão em dinâmicas e tessituras
extremas, é aumentada ainda mais com o deslocamento que estes ataques produzem em
relação às métricas em que estão inseridas. Como podemos observar, estes deslocamentos
são provocados ou por síncopa ou por contratempo ou por mudanças de fórmula de
compasso. O gesto musical provocado pela escrita em stacatto, produzindo uma
sonoridade propositalmente seca, deve ser executado estritamente no tempo para,
justamente, produzir o efeito do deslocamento métrico, como uma quebra definitiva no
discurso musical. Nestes casos, a escrita pianística leva a uma escritura estilística própria
do compositor, cujo efeito está em percebermos a cadência final ritmicamente fora da
pulsação normal do compasso.
41
De maneira geral, dentro do universo que compõe suas oito Sonatinas para
piano, Guarnieri se mantém coerente quanto à estrutura formal da sonata e apresenta certa
complexidade crescente no tratamento instrumental do ponto de vista técnico e crescente
também principalmente quanto ao tratamento dispensado à melodia e à harmonia, sendo a
dissonância a principal característica destes.
Neste capítulo, abordaremos como se desenvolve a linguagem musical nas
Sonatinas para piano de Guarnieri a partir de cinco elementos musicais: forma, ritmo,
harmonia, melodia e som (textura e dinâmica). Alguns destes elementos já foram
abordados no primeiro capítulo, enfocados de acordo com o Ensaio sobre a Música
Brasileira de Mário de Andrade. Aqui, estes mesmos elementos serão analisados segundo
o entendimento do intérprete de como estes fenômenos influenciam na formação da
concepção interpretativa das obras.
De maneira geral, analisaremos como cada elemento se apresenta ao longo do
conjunto das Sonatinas. O compositor mantém as mesmas características no uso de cada
um dos elementos ou há alguma transformação (evolução) na linguagem musical? Há
alguma padronização ou utilização de elementos comuns em cada uma das sonatinas?
Como se apresentam caracteristicamente estes elementos?
Estas e outras questões mais específicas, referentes a estes elementos da
linguagem musical utilizada pelo compositor no conjunto das 8 Sonatinas, serão
importantes para os aspectos interpretativos e constituem uma introdução ao capítulo
referente à análise das sonatinas propriamente dita.
2.1. Forma
Como vimos anteriormente, M. de Andrade via a sonata e todos os seus
derivados (a sinfonia, o concerto, etc) com certa inutilidade para a música nacional devido
ao fato de as formas consagradas pela tradição se apresentarem já saturadas e sem
possibilidade do compositor brasileiro dar novas contribuições. Isso não impediu que
Guarnieri explorasse estas formas à sua maneira nas mais diversas combinações
instrumentais.
Em 1933, Guarnieri compõe a Sonata nº2 para violino e piano. Tornaram-se
conhecidas as cartas de 1934 trocadas entre Andrade e Guarnieri a respeito desta obra
especificamente. Andrade faz duras críticas no que diz respeito a diversos fatores técnicos,
42
de criação, estéticos, de concepção geral, entre outros. Em uma dessas cartas, datada de 22
de agosto de 1934, Andrade critica o compositor quanto a sua maneira de tratar as formas
estereotipadas:
...Você repare agora no seu desleixo formalístico (também a forma por si pode
ser uma criação inspirada, vinda do subconsciente...), suas peças instrumentais
pra piano são todas um dormir na rede duma forma já estereotipada que você
jamais se preocupou de transformar. Um eterno ABA que está na Canção
Sertaneja, como na Toada ou na Dança Selvagem. Pra você um alegro de sonata
tem que ter a forma fixa, e nem ao menos você se amola em sutilizá-la,
transformá-la, de forma que, sendo a mesma de todos, tenha a modalidade sua...
Você dorme nas formas já feitas... (SILVA: 2001, p.217)19
19
Trecho da carta retirado do livro organizado por Flávio Silva. As palavras em itálico estão
como apresentadas no livro.
43
01-27 27-33 33-48 48-51 52-85 86-93 93-119 119-125 125-140 140-143 144-163
Tabela 4 – Sonatina nº4
Exposição Reexposição
1–15 15–26 26-35 35-46 47–60 60-62 62–81 81-94 94-97 98-101 102-113 114 – 124
Tabela 7 – Sonatina nº7
44
Exposição Reexposição
A B C B A Coda
01-08 08-16 16-20 20-28 28-34 34-38
Tabela 9 – Sonatina nº1 – II mov.
A A' Coda
01-19 19-32 32-37
Tabela 10 – Sonatina nº2 – II mov.
A Coda
01-33 33-35
Tabela 11 – Sonatina nº3 – II mov.
45
A B A Coda
01-17 18-37 38-50 51-57
Tabela 12 – Sonatina nº4 – II mov.
A
01-16
Tabela 13 – Sonatina nº5 – II mov.
A B A
01-29 29-56 57-84
Tabela 14 – Sonatina nº6 – II mov.
A TR A' Coda
01-18 19-20 21-37 38-48
Tabela 15 – Sonatina nº7 – II mov.
A TR A Coda
01-15 16-26 27-42 43-49
Tabela 16 – Sonatina nº8 – II mov.
A B A’ Coda
01-32 33-57 58-73 74-83
Tabela 17 – Sonatina nº1 – III mov.
A B A C A Coda
01-25 26-42 43-56 57-94 95-118 119-129
Tabela 18 - Sonatina nº2 - III mov.
Reexp.
Seções Exp. 1º Eps. Reexp.I 2º Eps. Reexp.2 3º Eps. Reexp.3 Ponte
Final
Compassos 01-11 11-19 20-30 30-40 41-52 52-64 65-74 75-81 82-90
Tabela 19 - Sonatina nº3 - III mov. – Fuga
46
A B A' C A C’ Coda
01-34 34-62 62-78 78-109 109-137 137-145 145-153
Tabela 21 - Sonatina nº5 - III mov.
Reexp.
S Exp. 1º Eps. Reexp.I 2º Eps. Reexp.2 3º Eps. Reexp.3 4º Eps Ponte Coda
Final
Cc 01-11 11-16 16-27 27-35 35-45 45-54 54-64 64-73 74-80 81-97 98-114
Tabela 22 - Sonatina nº6 - III mov. - Fuga
A Tr B A Coda
01-43 44-45 46-89 90-107 108-117
Tabela 23 - Sonatina nº7 - III mov.
A B A Coda
01-17 17-34 34-50 51-58
Tabela 24 - Sonatina nº8 - III mov.
2.2. Ritmo
A questão do ritmo em Guarnieri está diretamente relacionada mais com a
construção da linha melódica dos temas do que propriamente com o desenvolver um ritmo
de dança característico. Embora haja no conjunto das Sonatinas menção a certos ritmos de
dança e ostinatos rítmicos frequentes, a melodia se desenvolve em pé de igualdade com o
ritmo.20 Com exceção da Sonatina nº1, que apresenta em seus três movimentos certa
20
Na música tradicional ocidental, é sabido que ritmo, melodia e harmonia estão intimamente
relacionados ou conjugados para dar significado ao discurso musical. Neste tipo de música, toda melodia
apresenta um ritmo implícito e, de certa forma, também uma harmonia implícita. Fica claro que a divisão
47
destes três elementos aqui se dá para fins analíticos, com o intuito de estudar particularidades inerentes a cada
um destes elementos.
48
2.3. Melodia
Lembramos que a melodia ou a linha melódica não anda sozinha sem o amparo
do ritmo e da harmonia que lhe dê um sentido. Portanto, observações das características da
linha melódica, seus contornos e direcionamentos, não podem prescindir de intervenções
harmônicas ou rítmicas importantes e que dão suporte à melodia.
Nas Sonatinas para piano de Guarnieri a linha melódica de alguns dos temas é
moldada pelas flexibilizações que ocorrem no ritmo. As assimetrias rítmicas
proporcionadas pela polimetria e pela utilização de diferentes fórmulas de compassos
proporcionam uma linha melódica caracteristicamente livre, contínua e quase sem
repetições, o que dá um ar de espontaneidade ao discurso musical.
Com exceção da Sonatina nº1, Sonatina nº3 e parte da Sonatina nº4, que
apresentam linhas melódicas e temas mais padronizados ou dentro de uma métrica
uniforme, onde podem ser identificadas facilmente perguntas e respostas ou frases
antecedentes e consequentes, as demais apresentam assimetrias, como podemos observar
nos exemplos abaixo, onde destacamos apenas as linhas melódicas.
O exemplo 23 mostra o tema em desenvolvimento contínuo, cujas notas não se
repetem, uma sucessão de figuras disposta de maneira variável e alternância dos
49
compassos 4/8 e 6/8. Nestas condições, há uma liberdade discursiva, pois estão ausentes a
repetição ou motivos que se destacam pela repetição:
frase inicial (cc.5-6) tem seu complemento na semi-frase seguinte a partir da nota si
(anacruse do c. 6 até o mi inicial do c.9). Portanto esse padrão irregular de frases e semi-
frases com as constantes mudanças de fórmula de compassos dá uma liberdade ou
espontaneidade que caracterizam o tema, o que deverá refletir na sua execução.
O exemplo 25, referente ao primeiro tema da Sonatina nº6, apresenta uma linha
melódica nos primeiros nove compassos dentro de uma métrica regular, mas a maneira
como o compositor agrupa as notas através de articulações que atravessam a divisão
natural do grupo das quatro colcheias faz com que o sentido métrico se torne algo difícil de
ser notado:
Com exceção dos cc. 5-7, onde o motivo inicial é exposto com certa
uniformidade, toda a linha melódica restante é fragmentada e formada por saltos. As frases
irregulares aqui se tornam mais evidentes pelas notas acentuadas e pela destituição de
sentido tonal do trecho.
O mesmo ocorre no exemplo 27 onde os dez primeiros compassos em 2/2
apresenta uma única linha melódica não acompanhada. Esta linha melódica mostra certo
padrão nos quatro primeiros compassos devido ao desenho melódico onde as intervenções
da m.e. ocorrem nas mudanças de compassos. A partir do c.5, a linha melódica passa a ser
agrupada em frases de tamanhos diferentes, com pequenas intervenções da m.e. nos
contratempos:
52
Como vimos, para falar sobre o desenvolvimento melódico nas Sonatinas para
piano de Guarnieri se torna imprescindível levarmos em consideração os aspectos rítmicos
embutidos na melodia, pois esses aspectos dão a natureza irregular, assimétricas das frases,
características de seu estilo. Essas frases assimétricas, de certa forma, coincidem com o
exposto no Ensaio, mencionado no capítulo 1 sobre a ideia de ritmo, onde, segundo Mário
de Andrade, a música popular brasileira ou mesmo a música folclórica tem processos de
rítmica oratória desprovidos de métrica quadrada e, com isso, os compositores brasileiros
deveriam se inspirar na prosódia do canto. Independente deste fato, esta flexibilidade
melódica se torna um fator importante no entendimento de como essas frases deverão ser
executadas pelo instrumentista.
2.4. Harmonia
O desenvolvimento da harmonia nas sonatinas para piano de Guarnieri, ou seja,
as transformações harmônicas verificadas no seu discurso musical sugerem uma ampliação
dos elementos utilizados21 e, consequentemente, um aumento progressivo da dissonância.
Freire (1984) separa sua análise harmônica das Sonatinas para piano em dois
grupos: sonatinas nº1, 3, 4 e 5 onde as relações tonais ainda são mais evidentes, com uso
21
Elementos da harmonia tais como: tipos de acordes utilizados, tipos de escalas, diatonismo,
cromatismo, progressões, entre outros.
53
mais intenso do modalismo e, num segundo grupo22 as Sonatinas nº 2, nº6 e nº7, onde seu
estilo é atonal livre, com muita utilização do cromatismo, mais preocupado com o
desenvolvimento intervalar e para além da funcionalidade harmônica. (FREIRE, 1984,
p.137)
As análises das Sonatinas para piano feitas por Verhaalen (2001), Mendonça
(2001) e Bencke (2010) corroboram a percepção de um distanciamento gradativo da
tonalidade até precisamente a Sonatina nº5, quando o compositor transforma sua
linguagem harmônica através de um atonalismo livre a partir da Sonatina nº6,
acompanhado por uma utilização mais ampla da tessitura instrumental.
De fato, suas três últimas sonatinas apresentam-se mais complexas em termos
harmônicos e estruturais em relação às anteriores: utilização mais acentuada do
cromatismo, de acordes por superposição de quartas e quintas e, também, segundas e
nonas. Isso, de certa forma, faz da dissonância um elemento comum no seu discurso,
permitindo que outros elementos da estrutura musical reforcem pontos culminantes ou de
relativo repouso.
22
A pesquisadora não inclui a última Sonatina de Guarnieri, a de nº 8, provavelmente por
questão de tempo da publicação da obra com a conclusão de sua tese.
54
De certa forma, essa divisão nas vozes dos baixos deixa mais claro ao
instrumentista a possibilidade de diferenciação de toques para uma hierarquização sonora
do trecho.
Na Sonatina nº5, início do I movimento, temos o tema inicial na m.d.
acompanhado por outra linha melódica independente na m.e.. Esse tipo de escrita a duas
vozes é muito comum entre os movimentos das sonatinas, em que a segunda voz,
normalmente tocada pela m.e, é praticamente um contracanto da melodia principal, além
de dar suporte harmônico a ela:
23
A fuga da Sonatina nº3 data de 1937 e a da Sonatina nº6 é de 1965.
57
Boulez fala claramente sob o ponto de vista específico dele como compositor e,
por extensão, do compositor analista, já que um método analítico ativo deve conter “uma
lei de organização interna que dê conta” dos fatos musicais contidos na partitura. Por fim,
segundo Boulez, a interpretação das estruturas musicais seria então o objetivo principal de
60
todo esquema analítico e também de todo o processo analítico. Por outro lado, esta
afirmação de Boulez não contempla o ponto de vista específico do intérprete instrumentista
que, por natureza, apresenta no seu fazer musical questões específicas referentes à
execução instrumental que a análise, por si só, não dá conta, tais como a maneira como
projetamos a sonoridade de uma determinada passagem ou acorde, por exemplo. Questões
acústicas e de performance (gestos de execução, por exemplo) não podem ser
contempladas numa análise, mas influem na execução instrumental como um todo e,
consequentemente, na execução interpretativa.
Sob o ponto de vista do intérprete, reiteramos que acreditamos que essa
interpretação das estruturas musicais promovida pelo processo analítico tenha sua
importância no campo da execução instrumental. Por outro lado, a finalidade da análise
difere entre um analista e um intérprete, ou até mesmo entre um compositor: se para um as
palavras têm que dar conta do resultado de sua análise, para outro o resultado sonoro deve
advir de alguma forma de sua abordagem analítica, ou mesmo, sua análise deve influir
positivamente nas suas tomadas de decisões interpretativas na execução instrumental.
A análise musical em si é uma disciplina autônoma e, por si só, quando bem
realizada e fundamentada, tem sua importância dentro da musicologia. Segundo Dunsby e
Whittall, dois dos maiores especialistas em análise musical da atualidade, a análise
musical:
...não é somente uma disciplina de pleno direito, mas faz parte de um todo maior
chamado musicologia, o estudo sério da música, e porque “estudo” é uma
atividade intelectual, há sempre a impressão de que está sempre na contramão de
certos aspectos da música como uma arte criativa e de performance, com a
inspiração do compositor, com a intuição, estética e recepção crítica do ouvinte,
e com as reações instintivas e interpretativas do executante. Muitos que estão
envolvidos no ensino da música concordarão que os aspectos relativamente
intelectuais e não intelectuais da sua disciplina são aspectos criativos, e de fato
complementares. Necessita-se que não haja conflitos irreconciliáveis, mas sim
uma interação proveitosa... (DUNSBY & WHITTALL: 2011, p.19) 24
24
Tradução de Norton Dudeque, 2011.
61
análise e vai diferenciar o seu modo de fazer daquele do analista, na qual a sua percepção
sonora da partitura como uma estrutura real estará sujeita às suas técnicas de análise.
Recentemente, a relação entre análise e execução interpretativa enquanto
atividades autônomas têm sido repensada e reconsiderada principalmente por musicólogos
com forte ligação com a prática instrumental e também por músicos instrumentistas que
sentem uma necessidade maior de refletirem de maneira mais sistematizada sobre suas
escolhas interpretativas. Aos poucos, a importância dada à análise musical sobre a
execução interpretativa deixa de ser de subordinação desta em relação àquela: a
constatação de que ambas são atividades igualmente complementares e independentes
permite resultados mais interessantes e criativos oriundos desta importante interação entre
a escrita musical e a execução instrumental.
A “intuição informada”, termo cunhado por John Rink e que deriva de um
engajamento entre análise e execução interpretativa contém dois vieses que são caros a esta
relação: a importância da intuição musical como algo original à criação artística e,
igualmente, a importância da informação contida no texto musical como intenção
composicional.
Para o intérprete o importante é saber lidar com a dinâmica que existe entre a
sua intuição e o pensamento consciente que caracteriza o ato analítico. Neste processo
entre o pensamento intuitivo e o consciente, o histórico de aprendizagem e vivências
musicais e não musicais do intérprete, entre outros fatores, influi positivamente no
resultado de sua execução e na sua lida com os elementos paramétricos de sua análise.
25
“I also proposed the term ‘informed intuition’, which recognises the importance of intuition
in the interpretative process but also that considerable knowledge and experience generally lie behind it – in
other words, that intuition need not come out of the blue, and need not be merely capricious.” Tradução deste
autor.
62
um exame mais pormenorizado de como os vários elementos opera na peça requer algo
além dessa intuição.
De qualquer forma, determinar quais são os aspectos da música que devem ser
destacados ou colocados em evidência e aqueles que devem ficar em segundo plano é a
função básica da análise e, para tanto, deve entrar em jogo a razão, a experiência e a
intuição do intérprete.
Como forma de atender às necessidades dos intérpretes quanto à maneira de
expor o que acontece na música de forma mais consciente e que esteja de acordo ou o mais
próximo possível com a natureza prática da execução instrumental, Rink elenca seis
parâmetros de análise como forma de enriquecer o processo analítico. Estes parâmetros
analíticos estão baseados na temporalidade e no contorno musical como fundamentais para
uma investida analítica:
- Preparação a uma redução rítmica: Rink sugere aqui uma espécie de técnica
de redução rítmica para auxiliar na percepção relacionada às estruturas de frase, períodos
ou seções. Desta técnica reducionista surgiria um diagrama que mostraria o nível de
extensão, contração, elisão dessas frases, períodos ou seções dentro do discurso musical.
(I movimento) - Molengamente
Estrutura Formal
Subseções Tema A Tema B Tema A Tema C Tema A Transição Tema B Tema A Coda
Compassos 01-33 33–61 62-77 78-87 88-104 105-109 109-122 122-138 138-145
Desenv.
Centros D-C D-G D-F F escalar de G D-G-C C
tons inteiros
Expressividade molengamente Com alegria molengamente Marcado o canto Com alegria molengamnte
Tempo e Dinâmica
Em relação ao tempo, a mudança na velocidade dos tempos por mudanças
metronômicas entre os temas tem sua importância não apenas por permitir flexibilização na
pulsação, mas também por caracterizar os diferentes estados de ânimo ou de humor entre
eles. Como vimos, essas mudanças estão associadas aos contornos melódicos, às mudanças
na rítmica, aos sinais de dinâmica e às mudanças harmônicas:
Subseções Tema A Tema B Tema A Tema C Tema A Transição Tema B Tema A Coda
Compassos 01-33 33–61 62-77 78-87 88-104 105-109 109-122 122-138 138-145
Pianismo
A utilização de ostinatos na apresentação dos temas A e B desta Sonatina é um
procedimento composicional fundamental ao pianismo deste movimento. Estes ostinatos
têm características comuns, tais como seu movimento quase que ondular, as semínimas
pontuadas na linha superior, além das notas mais graves que caracterizam a linha do baixo
pela qual os centros harmônicos se deslocam. Estas notas mais graves, caracterizando-se
como notas pedal, produzem maior efeito no ostinato do tema B (cc.33-60). Aqui, a
utilização do pedal tonal possibilitaria o prolongamento da sonoridade das notas pedais do
baixo, dando mais liberdade na utilização do pedal sustain nas frases da m.d.,
principalmente no trecho entre os cc. 53-60 onde a m.d. executa duas vozes com
sobreposição de sinais de articulação (marcatos e tenutos):
No trecho acima, o gesto de escrita para piano com os marcatos das notas
pedais e as terças sincopadas, por exemplo, nos remetem a uma escritura que lembra uma
típica escrita violonística, algo com característica de sonoridade de um violão através das
terças caipiras, tão comum ao estilo do compositor.
A partir do c.89, na seção de desenvolvimento, uma mudança repentina de
escrita quebra momentaneamente a textura do movimento como um todo: a textura passa a
ser coral, onde uma variante do tema A é apresentada sob uma escala de tons inteiros.
Existe, portanto, uma interrupção passageira na utilização dos ostinatos dos temas A e B
que são preponderantes neste movimento para a entrada dessa variante de A:
72
Estrutura Formal
Seções A B C B’ A Coda
Tonalidade e B B B – (C – F) - B e e
Dinâmica e Tempo
A extensão dinâmica deste movimento permanece em níveis intermediários,
como no movimento anterior. O ff do c.24 a 25 está associado muito mais a uma
intensidade melódica, de carga expressiva, do que propriamente harmônica, ainda que o
surpreendente dó maior tenha aparecido no c.24, dando novo sentido a melodia. Na tabela
abaixo, expomos o percurso da dinâmica e as mudanças ocorridas em relação ao tempo:
Seções A B C B’ A Coda
Compassos 1–8 8 - 16 16 - 20 20 – 28 28 – 34 34 - 38
Tonalidade e B B B – (C – F) - B e e
Dinâmica p mf mf ff-f-mf p pp
Tempo = = =
Tabela 28 - Dinâmica e Tempo - Sonatina nº1, II mov.
74
Pianismo
De todos os segundos movimentos das sonatinas para piano de Guarnieri, este
é o mais diretamente saudosista no sentido de conter fortes referências a elementos
musicais oriundos da música popular sem uma eruditização excessiva no tratamento desses
elementos.
O compositor, em uma nota interpretativa escrita na própria partitura sobre este
movimento, esclarece como deve ser concebida a agógica da peça e o seu caráter: “Esta
modinha deve ser tocada sem rigor no tempo, mas bem cantada a melodia, e os
contracantos imitando o bordonejo do violão”.
O próprio compositor menciona como ele quer que soe este movimento, ou
seja, de acordo com uma modinha. Alguns fatores da escrita pianística levam a uma
escritura que nos remete à expressividade característica da modinha ou mesmo de uma
seresta:
- mudança de tessitura melódica: seção A (Si1 ao Lá3) e seções B, C e B’ (Mi3
ao Lá5). Funcionando como uma moldura ao tema da modinha, os cc. 1-8 e 28-38 da seção
A e da Coda respectivamente introduzem e encerram a canção. A execução da melodia nos
graves nesta seção, de acordo com os dizeres “Bem fora o bordonejo”, dá a dica de
diferenciação timbrística em relação à melodia que se inicia no c.8, ou seja, a sugestão de
uma sonoridade violonística dessa seção A deve-se contrapor a cantoria sugerida pela linha
melódica a partir do c.8;
- aumento de linhas melódicas: Seção A (cc.1 a 8) a três vozes e seções B, C e
B’ (cc. 8 a 27) a quatro vozes. Nas seções centrais B, C e B’ as quatro vozes estão
intimamente interligadas entre si. Nestas seções centrais o mais importante de ser
destacado é o diálogo entre a linha superior e os contracantos das vozes intermediárias.
75
Estrutura Formal
Seções A B A’ Coda
Compassos 1 - 32 33 - 57 58 - 73 74 - 83
Centros A A-C A A
Esse padrão fica ainda mais evidente a partir do c.13 com as terças alternadas:
intermediárias misturadas pelo pedal sustain. Esse tipo de sonoridade perdura por toda a
seção B.
Dinâmica e Tempo
Como dissemos anteriormente, este movimento tem características de uma
dança ritmada, parecendo-se até mesmo com uma tocata, por seu caráter fortemente
articulado das semicolcheias ininterruptas. Sua dinâmica, com sonoridade entre o f e o ff,
além dos diversos acentos, acompanha o tempo, que não se altera, como observamos na
tabela abaixo:
Seções A B A’ Coda
Compassos 1 - 32 33 - 57 58 - 73 74 - 83
Centros A A-C A A
Dinâmica f f-ff f ff
Pianismo
Segundo Bencke (2010, p.73), este movimento sugere uma Catira, dança do
folclore brasileiro de influência sertaneja, onde o ritmo é marcado pela batida dos pés e das
mãos dos dançarinos, ou até mesmo, segundo Mendonça (2000, p.406), um Cateretê
paulista.
Este movimento, pela sua característica regularidade rítmica, é constituído por
pulsos ininterruptos de semicolcheias. Estas semicolcheias produzem uma rítmica
percussiva fortemente acentuada e se apresentam de diversas formas, tais como em quintas
na m.d. e alternâncias das semicolcheias entre a m. e. e m. d. do pianista:
79
Um dos mais curtos primeiros movimentos de toda a série das oito Sonatinas,
seu caráter breve é sentido pelo número reduzido de notas, projetada apenas em duas linhas
e por uma diminuição no tamanho das seções em relação a outras Sonatinas. Este
movimento apresenta dois temas contrastantes: o tema A marcado pelo ostinato da m.e e o
tema B, a duas vozes, de caráter mais movido e apresentando uma polifonia se comparado
ao tema anterior, homofônico. A seção do desenvolvimento trabalha processos imitativos
de material proveniente do Tema A e apresenta quase sem modificação o Tema B numa
região mais aguda sem desenvolvê-lo. A reexposição é ainda mais breve: os dois temas são
reapresentados incompletos.
De maneira geral, as dimensões reduzidas desta obra, inclusive no aspecto da
dinâmica, com níveis sonoros em torno do p e f e os andamentos rápidos impostos ao
primeiro e terceiro movimentos, respectivamente - 144 e - 152, dão certo caráter de
leveza a obra como um todo, devendo o interprete evitar maiores contrastes dinâmicos e
até mesmo de andamento entre as seções como um todo.
Tempo e Dinâmica
Existe um gradativo crescendo de intensidade sonora que perpassa toda a seção
expositiva e culmina no desenvolvimento nos cc.71-76 em ff, a parte mais intensa do
movimento. Na reexposição ocorre outro crescendo de menor intensidade que vai do tema
A para o tema B, subitamente terminando em ff na Coda de dois compassos, conforme
tabela:
Pianismo
Um aspecto rítmico importante nesta Sonatina como um todo é que seus três
movimentos contém ostinatos. Neste primeiro movimento, vimos que as notas superiores
do ostinato, na apresentação do tema A, projetam escalas em tons inteiros e cromatismo
que nos remetem a um tipo de sonoridade característica da música do início do séc.XX (ver
exemplo 45). Além disso, a linha melódica do tema é modal. A utilização do pedal sustain
auxiliaria na projeção da sonoridade dessas notas superiores do ostinato para destacar as
escalas de tons inteiros e o cromatismo junto à linha melódica das frases da m.d..
Utilizamos o trêmulo de meio pedal para não misturar as notas da linha melódica e para
que as notas superiores do ostinato saiam mais ligadas. Portanto, as escalas de tons
inteiros, o cromatismo e o modalismo presentes na seção do tema A são elementos
importantes para ser evidenciados na execução.
Na transição, cc.47-51, existe, a cada compasso, uma mudança nas fórmulas de
compassos para acomodar um gradativo aumento no número de notas da escala de dó,
provocando momentaneamente a perda do sentido métrico do trecho. Aqui a utilização do
pedal sustain, da mesma forma que na apresentação do tema A, estaria de acordo com o
tipo de sonoridade difusa que se quer na execução das escalas descendentes.
86
Estrutura Formal
S. A A’ Coda
Cc. 1-19 19-32 32-37
Ce. A A A
Tabela 33 - Estrutura formal da Sonatina nº2 - II mov.
nº 1
nº 2
87
nº 3
nº 4
nº 5
nº 6 Início da seção
A’
Tempo e Dinâmica
A dinâmica em sempre pp contribui com o caráter estático deste movimento,
reforçado ainda pelo andamento. O mais importante aqui para o pianista está em manter a
regularidade do ostinato da m.d. em pp ao mesmo tempo que a linha melódica na m.e. em
p oscila entre pequenos crescendos e decrescendo, de acordo com o sentido das frases
destacadas acima de acordo com seu contorno melódico. Uma pequena oscilação no tempo
pode ser evidenciada pelos cedendo que existem nos cc.18 e 31, respectivamente
auxiliando na articulação das seções.
Pianismo
Como sugestão, este pequeno movimento, muito próximo a uma cantilena,
como bem lembrou Mendonça, pode ser melhor interpretado utilizando-se do pedal sustain
para auxiliar principalmente na projeção da sonoridade de tons inteiros da m.d.
Para se evitar que as frases da m.e. sejam prejudicadas pelo excessivo uso deste
pedal, o trêmulo ou até mesmo o meio pedal faria com que o cromatismo das notas mais
agudas da m.d. (em tenutos) sejam projetadas e ressoem por mais tempo, já que essas notas
são levemente mais destacadas que as demais. A correta articulação destas notas culmina
no c.35 onde a última colcheia da sequencia (si4) é sustentada até o acorde final,
concluindo, então, o desenho cromático projetado por tais notas. Além do cromatismo esse
ostinato da m.d. projeta também uma sonoridade proveniente do agrupamento de notas em
tons inteiros o que está de acordo com um dos tipos de sonoridade que caracteriza a música
feita no séc.XX.
Estrutura Formal
S. A tr B A’ tr C A tr Coda
Cc. 1-23 24-25 26-42 43-52 53-56 57-94 95-116 117-118 119-129
Ce. C D e F# C G G C C
Tabela 34 - Estrutura formal da Sonatina nº2 - III mov.29
29
Determinamos que a contagem dos compassos deste movimento seja feita pela pauta
superior da m.d. por causa das duas fórmulas de compasso utilizadas simultaneamente.
89
Portanto, nos trechos acima, onde destacamos somente a m.d., nos orientamos
dividindo os trechos de acordo com suas configurações melódicas. Assim, procuramos dar
um sentido fraseológico para a execução de toda essa seção, caracterizada, como vimos,
pela fragmentada linha melódica e também pela polimetria entre ambas as mãos. Delimitar
esta seção a partir do desenho melódico desses trechos permitiu uma interpretação
fraseológica mais clara.
A seção B tem como centros o ré na m.d.(que não aparece no exemplo abaixo)
e o fá# na m.e.. Este fá# será o referencial para a demarcação das frases da linha melódica
da m.e.. As cinco frases desta seção estão divididas da seguinte maneira:
frase 1 frase 2
Como na seção anterior, deve-se hierarquizar a condução das vozes: m.e. em evidência e
em f ; as semínimas pontuadas da m.d. (tenutos) em segundo plano; como pano de fundo as
colcheias arpejadas da m.d.
A seção C apresenta-se sem a intervenção da polimetria, em compasso binário
simples. Esta seção se desenvolve a partir dos elementos temáticos já apresentados nas
seções anteriores. O tema principal desta seção está na m.e.. Guarda semelhança com a
frase inicial do segundo movimento e com o tema da seção B:
Tempo e Dinâmica
Neste terceiro movimento o nível de intensidade na dinâmica gira em torno do
f, principalmente entre as seções B e C onde aparecem sff em algumas notas e ff apenas
onde aparecem os trinados, contrastando com a seção A, em p e mf. O andamento, bem
mais rápido que o primeiro movimento, não oscila em nenhum momento: interessante
notar que alguns compassos antes dos retornos do tema da seção A (c.43 e c.95 contados
pelos compassos da m.d.) há um crescente aumento na atividade melódica e na dinâmica,
principalmente os trinados antes do c.95 sem nenhuma indicação de flexibilização na
pulsação. O mesmo ocorre na Coda (cc.119-129), onde um crescendo sempre, compassos
antes do final, termina em sfff. Essa não oscilação no andamento imprime dinamismo ao
movimento como um todo e caracteriza bem a indicação expressiva Depressa, Espirituoso.
Pianismo
Em que pese o fato da agógica ser muitas vezes uma questão interpretativa
pessoal do intérprete, a ausência de rall. ou riten. ou qualquer outros sinal de flexibilização
93
da pulsação faz com que a ideia de se manter um andamento ou pulsação regular do início
ao fim do movimento seja importante para a execução. Sugerimos anteriormente uma
relativa flexibilização nos compassos de transição (cc.24-25, cc.53-56 e também cc.117-
118) como forma de destacar ou preparar a entrada das diferentes seções. Portanto, com
exceção desses compassos de transição, a ausência de qualquer sinal que modifique o
andamento nas demais seções do andamento, demonstra a necessidade de uma execução
sem sublinhar ou fazer sobressair qualquer outra passagem ou gesto de escrita, mesmo as
de maior ímpeto, como é o caso do exemplo abaixo. Trata-se especificamente das
passagens para os compassos cc.43 e 95, ou seja, final das seções B e C respectivamente,
para o retorno da seção A:
B
______________________
(I movimento) Allegro
Estrutura Formal
Neste tema, todo ele a três vozes, um dos aspectos interessantes a ser destacado
é a relação rítmica dos dós (nota pedal) com a melodia: além de a nota dó ser o centro da
harmonia, ela acaba quebrando a relação métrica de quatro colcheias por unidade de tempo
estabelecida desde a seção anterior. Com isso a execução da linha melódica da canção se
torna mais flexível ou menos monótona em relação a sua métrica.
Outro aspecto a ser levado em consideração diz respeito ao contraste deste
tema B em relação à subseção do tema A no que diz respeito às notas em legato,
principalmente na voz intermediária e na linha melódica do tema.
Na seção de desenvolvimento (cc.43-92), o importante está em diferenciar a
sonoridade que caracterizou o tema A do tema B e que foi apresentado na seção da
exposição. Desse modo, o pianista deve ressaltar os diferentes sinais de articulação nas
ininterruptas colcheias que caracterizam o tema A do cantabile do tema B que ocorre com
nova roupagem harmônica e rítmica, especificamente entre os cc.66-77 onde novamente os
legatos estão em evidência.
Tempo e dinâmica
A dinâmica permanece entre o p e o f por todas as seções da Sonatina.
As diferentes articulações de notas muitas vezes incidem também sobre a
métrica dos compassos, mudando suas características. Abaixo mostramos um trecho onde
essas articulações quebram o sentido métrico dos compassos:
Pianismo
Na Cantiga de Cego do tema B o compositor sugere na escrita pianística uma
sonoridade que lembra um canto de lamento, característico dos cânticos de pedir esmolas,
cantigas tristonhas e monótonas (ALVARENGA, 1950). A nota pedal que aparece
repetidamente no baixo (dó na exposição e fá na reexposição) é uma clara alusão a
instrumento de corda, no caso provavelmente a um bordão de viola caipira, ligeiramente
acentuada: na partitura essas notas são marcadas em tenuto:
100
Estrutura Formal
S. A Coda
Cc. 01/33 33-35
Ce. F F
Tabela 36 - Estrutura formal da Sonatina nº3 - II mov.
Pianismo
Uma modinha com nostálgicos devaneios, afirma Verhaalen (2000, p.158): esta
afirmação representa bem o caráter deste segundo movimento. Guarnieri capta na sua
escrita pianística, no que diz respeito ao modo como são divididas as vozes, uma
sonoridade que lembra alguns instrumentos de uma roda de choro, como, por exemplo,
uma flauta e um violão: a maneira como estão escritos as partes de cada uma das claves do
piano faz lembrar uma flauta e um violão, respectivamente a clave de sol e a de fá.
Principalmente a escrita da m.e., dividida em duas vozes, é caracteristicamente
violonística. Portanto, a sugestão dessas sonoridades instrumentais torna-se fator
interpretativo importante, advindo de sua escritura particular, para a execução
instrumental.
102
Estrutura Formal
Reexp.
S. Exp. 1º Eps. Reexp.I 2º Eps. Reexp.2 3º Eps. Reexp.3 Ponte
Final
Cc. 01-11 11-19 20-30 30-40 41-52 52-64 65-74 75-81 82-90
Ce. F- C D-A C-G Bb - F F
Tabela 37 - Estrutura formal da Sonatina nº3 - III mov.
Dinâmica
Na fuga, a dinâmica apresenta-se de maneira escalonada, estendendo-se
gradativamente do p ao ff final: a elevação de intensidade dinâmica se dá a cada nova
reexposição do sujeito:
ff
f reexp. Final
mf reexp.2 reexp.3
p reexp.1
exp.
Pianismo
As articulações de notas que ocorrem nos episódios, principalmente legatos e
staccatos, além de estruturas rítmicas sincopadas, imprimem um ritmo gingado
característico a esta fuga.
De acordo com o âmbito de registro desta Sonatina que utiliza apenas a clave de
sol, a fuga está construída dentro da reduzida extensão que abrange fá2 e dó5, o que lhe
confere um caráter leve e alegre. Portanto, sua escrita sincopada leva a uma escritura
caracteristicamente típica da música brasileira.
Destacamos ainda uma particularidade inerente ao próprio tema da fuga que
pode muito bem ser levado em consideração na execução instrumental: como vimos, no
exemplo 64 o tema da fuga é formado, quase na sua totalidade, por ininterruptas
semicolcheias em staccato. Em alguns pontos, podemos sentir certos padrões rítmicos
subjacentes à sequencia de semicolcheias proporcionados pelos saltos da linha melódica do
tema. Estes saltos delineiam certas estruturas rítmicas sincopadas que são típicas da música
brasileira. No exemplo abaixo, destacamos essas estruturas rítmicas implícitas colocando
as hastes para baixo nas notas equivalentes:
106
Estrutura Formal
Cc. 1/27 27-33 33-48 48-51 86-93 93-119 119-125 125-140 140-143 144-163
C. C D G G Cm-Ab-D G C D C G C
(Tempo I)
Poco Com alegria - (Tempo I) Poco (Tempo I)
Esp. Com alegria
meno Com Alegria meno Com Alegria
Poco meno
Tabela 39 – Estrutura formal da Sonatina nº4 – I mov.
O compositor reitera neste movimento a forma sonata, com seus temas e seções
bem definidos. Basicamente uma mudança expressiva de andamento vai diferenciar as
características entre os temas A e B, como mostra a tabela acima: Com Alegria para o tema
A e Poco Meno para o tema B. A indicação metronômica de = além de estar
relacionada a subseção do tema A é a principal pulsação que caracteriza o movimento
como um allegro de sonata.
Além da mudança de andamento que está ligada mais a mudança de caráter dos
dois temas, outros elementos entram em ação na diferenciação deles nesta Sonatina e que
são importantes para a execução: o fluxo de semicolcheias da linha melódica da subseção
do tema A dando a essa subseção um forte caráter rítmico, contra a melodia em terças da
subseção do tema B mais cantabile, como veremos.
O primeiro padrão rítmico que destacamos acima (ex.69) repete três vezes,
entre os cc.1-8. O segundo (ex.70) duas vezes seguidas (cc.11-15) e o terceiro padrão
(ex.71), quatro vezes (cc.16-24), formando assim, estruturas rítmicas reincidentes.
Destacamos esses padrões implícitos na escrita como importantes para a execução
instrumental porque por mais que executemos as sequencias de semicolcheias com o
mesmo peso, as notas mais agudas se destacam, principalmente no trecho onde os saltos
são mais evidentes, como no exemplo 71 acima.
O pianista tem nesses padrões rítmicos destacados a motilidade, ou mesmo um
guia, para a execução das semicolcheias da m.d. junto às intervenções sincopadas da m.e..
A precisão e o equilíbrio na execução dessas estruturas rítmicas que se formam são
importantes, pois existe uma dificuldade na execução dessas passagens por causa
justamente do entrosamento das semicolcheias, principalmente em uma pulsação rápida,
como é o caso do início deste movimento.
O tema B, por sua vez, mais lírico, apresenta-se em terças, as características
terças caipiras do compositor. Aqui o mais interessante são as relações dialógicas entre o
motivo rítmico-melódico ascendente com as semi-frases em terças descendentes que
seguem ao motivo. Destacamos as sete frases curtas onde, em cada uma dela, existe a
relação antecedente – consequente ou pergunta – resposta:
111
frase 1
frase 2
frase 3
frase 4
frase 5
112
frase 6
frase 7
Pianismo
O caráter sincopado do tema A, como vimos acima, proveniente da escrita das
semicolcheias, gera uma escritura onde está implícito o jogo rítmico oriundo da interação
de ambas as mãos do pianista, sendo um importante elemento interpretativo. O destaque
das notas mais agudas evita que as ininterruptas semicolcheias da m.d. sejam executadas
com o mesmo peso, mesmo que o compositor não tenha utilizado acentos nessas notas
mais agudas. Portanto, acreditamos que tais destaques devem ser encarados de maneira
natural na execução.
No caso do tema B, o pianismo de Guarnieri aparece implícito em uma escrita
que gera uma escritura expressiva que nos remete às terças caipiras, comentadas
anteriormente no subcapítulo 1.1: o uso das terças para criar uma sonoridade de inspiração
nacionalista que nos reporta indiretamente às terças paralelas das modinhas e canções. As
mudanças métricas constantes na linha melódica das terças do tema B conferem a elas
flexibilidade de execução, a qual deve se refletir na expressividade da própria execução
113
Tempo e Dinâmica
Cc. 1-27 27-33 33-48 48-51 86-93 93-119 119-125 125-140 140-143 144-163
= Accel.
Tp. = 120 Dim. e rall. Poco meno Accel. Poco = Accel. =
a poco
Poco meno
Din. p – mf - f mf p p p – f – mf - p p-f f - ff
Estrutura Formal
S. A B A’ Coda
Cc. 01-17 18-37 38-50 51-57
Ce. F C F F
Tabela 41 - Estrutura formal da Sonatina nº4 – II mov.
114
Dinâmica
S. A B A’ Coda
Estrutura Formal
G–B C–E
G# - B
Tabela 43 - Estrutura formal da Sonatina nº4 – III mov.
116
início da 1ª frase
118
início da 2ª frase
início da 3ª frase
Estes compassos que iniciam cada uma das três frases acima são importantes
pontos de referências da seção, já que elas sinalizam cada um dos centros e estabelecem o
ritmo harmônico e são realçados ainda pelo nível da dinâmica como podemos observar nos
crescendos que antecedem o início de cada frase.
A seção B’ é caracterizada pelo movimento contrário a partir das terças
executadas pelos polegares. Tem a mesma configuração fraseológica da seção B. O que
podemos acrescentar nesta segunda versão da seção B é o rall que antecede a frase iniciada
no c.182 em Poco meno:
Como podemos observar acima, existem três vozes com articulações distintas
entre si e onde se lê bem ritmado: a linha melódica, a nota pedal em ré que dura apenas um
tempo do compasso e a rítmica das colcheias em stacatto. Estas vozes se estendem até o
c.110.
A partir do c.112 a segunda parte da seção C mantém a mesma rítmica e a
seção passa a se desenvolver numa região mais grave se comparada a primeira parte da
seção. As três vozes aqui se desenvolvem de maneira diferente: as duas primeiras formam
uma polifonia quase em contraponto entre si e a voz inferior estabelece a rítmica e a base
harmônica. A seguir, destacamos um trecho desta segunda parte da seção C:
Pelo tipo de textura apresentada nessa seção C onde existem vozes com
articulações diferentes, a não utilização do pedal sustain é importante, principalmente se
120
ele já estiver sendo utilizado nas seções anteriores. Uma sonoridade mais seca e que
privilegie os staccatos e sua rítmica deve ser considerada na execução.
Pianismo
Algumas observações referentes ao pianismo são importantes neste terceiro
movimento, principalmente quando nos remete a sugestões interpretativas importantes para
a execução instrumental. É o caso, por exemplo, das apojaturas da m.e. logo no início do
movimento. Estas apojaturas são constantes na seção A (cc.1-37), pois incidem na nota
pedal, que é o centro da harmonia da seção:
Estrutura Formal
Ce. A B A A A
Dolce
Com
Esp. Com Humor dolce ma
Humor
sonoro
Tabela 44 - Estrutura formal da Sonatina nº5 - I mov.
1ª frase
2ª frase
3ª frase
frases e dos contracantos sejam, de fato, bem delineados, separados pelas articulações das
frases (respirações). Nesse sentido, é importante a não utilização do pedal sustain, pelo
menos na apresentação das três frases iniciais, pois o controle de toque se torna mais
preciso.
Outro momento da subseção do Tema A em que é muito clara a importância
das articulações de frases e semi-frases sem a utilização do pedal sustain se dá entre os
cc.20-27. Este trecho de oito compassos encerra esta subseção do tema A, pois delimita o
centro na nota lá por causa das sucessivas repetições das primeiras notas do tema inicial
que ocorrem nos cc.20, 23, 25 e 27. Destacamos aqui a importância dos stacattos da m.e.
em contraste com as notas em legato:
Pianismo
Já expusemos sobre o emprego do pedal sustain e sua utilização ou não em
relação aos dois temas apresentados nessa Sonatina. Lembramos que na coda, a partir do
c.133, o tema A reaparece numa nova versão, diferente do tratamento estritamente linear
apresentado anteriormente. A m.e. nessa versão final percorre algumas notas arpejadas e
também acordes, com uma função mais harmônica à linha melódica da m.d. Portanto, a
utilização do pedal sustain nesse trecho final seria interessante no sentido de destacar esses
acordes e arpejos da harmonia e também sinalizar a chegada da coda, diferenciando-a das
demais seções e subseções do movimento.
129
Estrutura Formal
S. A
Cc. 01-16
Ce. E
Tabela 45 - Estrutura formal da Sonatina nº 5, II mov.
Mendonça (2001) comenta em sua breve análise deste segundo movimento que
esta obra foi executada nos Estados Unidos pelo pianista norte-americano Joseph Battista,
a quem Guarnieri a dedicou, e que o pianista Eugene Liszt, ao ouvi-la, afirmou: “Nunca se
escreveu tanta música com tão pouca nota.”30 Tal afirmação demonstra o grau de
expressividade deste breve movimento, talvez um dos menores segundos movimentos de
todo o ciclo juntamente com o segundo movimento da Sonatina nº 2. Este caráter
expressivo, que mais se parece com um lamento, escrito em breves dezesseis compassos,
torna este movimento um tanto quanto complexo para a execução interpretativa
30
MENDONÇA: 2001, p.408.
130
exatamente pela sua brevidade, onde quase num único fôlego o pianista precisa saber
controlar vários elementos expressivos importantes ao discurso musical: agógica, dinâmica
e as articulações de notas, tais como os legatos, tenutos, marcatos e as respirações de
frases.
Mendonça afirma que a imprecisão tonal não permite a sensação de repouso
(MENDONÇA: 2001, p.408) e, com isso, nos dá uma dica de que a harmonia constitui um
dos mais importantes elementos expressivos para a interpretação deste movimento.
Aspecto Rítmico-Melódico
Este movimento guarda certa semelhança de execução com o segundo
movimento da Sonatina nº3 no que diz respeito à distribuição das vozes e a importância da
relação entre linha melódica e baixos. Podemos estabelecer três vozes que atuam em
oitavas diferentes do teclado: levando em consideração o centro em mi, a linha melódica
gira em torno do mi3 e mi4 e constitui-se quase sempre da melodia formada pela rítmica da
colcheia seguida da semínima pontuada, como no exemplo abaixo:
evidentes e o terceiro plano como pano de fundo harmônico. Mas para a execução
instrumental o importante é a relação entre os dois primeiros planos, ou seja, as bordaduras
da linha melódica junto com os semitons descendentes dos baixos.
Segundo Bencke (2010), este movimento pode ser dividido em duas frases: a
primeira que compreende os cc.1-8 e a segunda frase entre os cc.9-16. Ainda, segundo
Bencke, a primeira frase apresenta-se de um modo geral ascendente e a segunda,
descendente. O que estabelece a divisão entre as duas frases exatamente no c.8 é
justamente a cadência para f#m e que perdura até o compasso seguinte, diferentemente das
tonalidades passageiras que ocorrem a cada tempo do compasso em quase todo o
movimento. Como essa divisão em duas frases incide no meio do movimento onde há uma
permanência maior na tonalidade de f#m e a existência de um ponto culminante, ainda que
discreto, podemos determinar que entre os cc.8-9 seja o limite em termos de dinâmica e de
tensão do discurso musical, devendo o pianista construir seu discurso sonoro baseado nessa
divisão de forças que ocorre entre o desenho da linha melódica com o encaminhamento
harmônico.
S. A B A' C A Coda
Ce. A D A F# A F# - A
Exp. Com Alegria (con spirito) Súbito (scherzando) (com spirito) Tempo Primo (con spirito) marcato
Tabela 46 - Estrutura formal da Sonatina nº5 - III mov.
Aspecto rítmico-melódico
O tema inicial da seção A abrange os cc.1-8 e constitui-se de duas frases: a
primeira frase entre os cc. 1-5 e a segunda entre cc.5-8. O que caracterizam essas frases,
além de seu desenho melódico, são as notas pedais em lá, tanto da m.e. quanto as tocadas
com o polegar da m.d.:
1ª frase
2
2ª frase
Esta seção, por ser toda segmentada, apresenta quatro pequenos trechos de
diferentes características expressivas: o primeiro a partir do c.34, o segundo a partir do
c.38, o terceiro iniciando no c.47 e o quarto no 54. Abaixo destacamos apenas os três
primeiros compassos de cada um deles:
134
A seção C que se inicia no c.78 tem outro tipo de escrita que dá uma outra
característica ao Rondó: a alternância de oitavas na m.d. com acordes de quartas na m.e.
136
com apojaturas é a seção mais impetuosa, que requer uma interpretação mais veemente
por parte do instrumentista. Esta seção está dividida em três partes que são recorrentes
entre si: cada uma das partes formam o que poderíamos chamar de diálogo entre duas
frases. Destacamos abaixo apenas a primeira parte da seção onde, de um lado temos a
impetuosidade das oitavas da m.d. entre os cc.78-83 e, por outro lado, a ressonância da
última oitava (lá#) por quatro compassos e meio que corresponde a uma resposta das
oitavas em f e o comentário das notas intermediárias a oitava:
Pianismo
A utilização especifica do pedal sustain e também a sua não utilização neste
movimento como um todo será importante como recurso interpretativo no sentido de
reforçar as características inerentes a cada uma das seções do Rondó. Isso porque existem
elementos da escrita, diferentes estados de espírito, mudanças de humor que ocorrem na
passagem de uma seção para outra, ou mesmo dentro de uma mesma seção, que devem ser
levados em consideração na execução interpretativa.
Vimos que as notas pedal da seção A requer a utilização do pedal sustain para,
justamente com a melodia, manter o efeito da sonoridade dessas notas em ação. A seção B,
como vimos anteriormente, apresenta-se segmentada em trechos onde é possível
estabelecer a sua utilização ou não. A seção C é outro momento em que é recomendável a
utilização desse pedal pela própria vitalidade com que as oitavas se apresentam, não
utilizando-o entre os cc.83-87, 91-95 e 101-108 para não cortar o efeito das ligaduras das
oitavas da m.d. e as pausas da m.e.
O tresillo utilizado na seção B, lembrando uma embolada segundo Mendonça
ou um sutil ritmo de samba segundo Verhaalen constitui-se num dos clichês recorrentes
principalmente em movimentos rápidos e está relacionado, como é o caso aqui, ao efeito da
síncopa sobre as estruturas rítmicas.
Dinâmica
S. A B A' C A
A Sonatina nº6 foi dedicada ao pianista Caio Pagano (1940) e estreada por ele
no mesmo ano de 1965 em São Paulo. Esta Sonatina tornou-se um dos marcos na produção
musical do compositor e também no conjunto das Sonatinas para piano. Segundo
Mendonça, “O caráter atonal dessa Sonatina demonstra uma grande evolução na criação do
compositor.”31 Verhaalen afirma:
Bencke diz que a obra ...“inaugura o segundo grupo (das Sonatinas) ... e reflete
uma mudança na escrita do compositor...”33
As críticas acima, unânimes em destacar a transformação ocorrida no âmbito
da linguagem musical de Guarnieri a partir desta obra, refletem também na execução
interpretativa uma mudança de atitude em relação ao tratamento pianístico e também ao
pianismo. Esta Sonatina apresenta uma linguagem harmônica menos definida pela
utilização mais acentuada de dissonâncias e pela perda de sentido de funcionalidade
harmônica. Esta obra está muito próxima do atonalismo, mas seus movimentos estão
estruturados por diferentes centros bem definidos: o 1º movimento tem o dó como centro;
o 2º movimento, também estruturado em dó, explora a bimodalidade (confronto entre
terças maiores e menores no tema inicial); no 3º movimento, uma fuga, a nota mi é o
centro.
Há uma abordagem muito mais extensa do teclado do piano através de uma
maior utilização das extremidades do teclado e também de passagens de notas com
utilização mais extensa das mãos (o que também ocorre na Sonatina nº7), a utilização de
um toque mais percussivo para trechos mais ritmados e trabalho motívico onde intervalos
dissonantes, tais como segundas, sétimas e nonas formam passagens de difícil execução
para ambas as mãos, seja por meio de acordes ou por meio de frases entrecortadas.
31
Mendonça: 2001, p.408.
32
Verhaalen: 2001, p.164.
33
Bencke: 2010, p.140.
140
(I movimento) Gracioso
Estrutura Formal
que está fortemente ligado a eles passa a ser importante para a execução interpretativa
como elemento condutor do discurso musical.
O contrapontismo relativo ao tema A faz com que ambas as mãos do pianista
enfrente movimentos assimétricos, saltos, grandes movimentos convergentes nunca antes
desenvolvidos nas Sonatinas anteriores.
Aspecto rítmico-melódico
Reproduzimos a seguir o motivo rítmico-melódico inicial que é a base da
construção temática da subseção do tema A:
contrário entre ambas as mãos em ff. Destacamos este clímax desta subseção a partir do
compasso anterior:
Notamos, no exemplo acima, que o movimento paralelo que existe no c.14 por
saltos de quintas em ambas as mãos, se transforma em movimento contrário no compasso
seguinte, fazendo com que a m.e. tenha que saltar quase cinco oitavas na velocidade de
uma colcheia e, além disso, atingindo um intenso ff: A partir daí, dó0 e dó6 do c.15
terminam em ré#3 e sol#3 no c.17, em um grande diminuendo. Em termos dinâmicos é
importante pensarmos que o p do primeiro compasso culmina nesse c.15, ou seja, os
constantes crescendos e decrescendos que há nesses quinze compassos iniciais devem ser
gradativamente mais intensos. Além disso, os cc.18-20 estão em relativo repouso:
conforme exemplo acima, o desenho melódico de ambas as mãos em contraponto repete-se
duas vezes numa extensão de pouco mais de uma oitava. Portanto, a última cisão que há
entre as ligaduras no c.17 separando as duas últimas colcheias de ambas as mãos das frases
anteriores (ré# - lá bequadro na m.e. e sol# - ré na m.d.) poderia muito bem ser destacada
através de um pequeno rall para a entrada do c.18 pois, assim, se evidenciaria a
momentânea calma dos compassos seguintes.
A subseção do tema B tem características diferentes da subseção do tema
anterior: apresenta-se mais percussivo, principalmente por causa das ritmadas tríades da
m.d. O tema está com o centro em dó# entre os cc.32-43, em lá entre os cc.44-46 e em mi
144
entre os cc.50-53. A seguir, destacamos apenas a sua primeira aparição, com o centro em
dó#:
O que auxilia a expressão rude para este tema, além da sonoridade das tríades e
dos marcatos do grave, são as dissonâncias entre o dó# do tema e o dó da nota fundamental
da tríade e o si da semínima seguinte, ou seja, uma relação de semitons. Ao longo da
exposição da subseção do tema B, praticamente todas as notas do tema na m.e. tem uma
relação de segunda menor com as tríades tocadas pela m.d.:
elemento melódico novo em uma textura mais homofônica em relação ao trecho anterior;
para finalizar a seção de desenvolvimento, temos entre os cc.82-90 a volta do tema B um
pouco modificado.
No caso do primeiro trecho, entre cc.57-65, a polifonia inicia-se com um
processo imitativo entre ambas as vozes e em movimento contrário até o c.61, onde a
partir do c.62 as vozes assumem desenhos totalmente livre uma da outra. Nos nove
compassos que compõem esse trecho, o tipo de escrita totalmente linear, onde não há como
estabelecer relações harmônicas e os grupos de notas ligadas que são independentes entre
si fazem com que o único momento de relativo repouso seja sentido no c.66. O exemplo
abaixo, destacamos dois compassos antes da entrada do c.66, a partir do qual se inicia um
elemento melódico novo e onde se estabelece uma melodia acompanhada:
Pianismo
No capítulo referente ao pianismo guarnieriano, destacamos através de um
comentário do musicólogo Ênio Squeff, a velada feição de choro que surge da escritura da
subseção do tema A desta mesma Sonatina nº6, principalmente das síncopas da m.e. entre
146
os cc.5-7 ou dos saltos melódicos seguidos de movimentos descendentes da m.d. nos cc.8-
10. Portanto, não vamos repeti-los aqui, mas destacaremos outro momento em que
Guarnieri, através de sua escrita, cria uma escritura típica do universo popular.
Trata-se de dois trechos da subseção do tema B que são equivalentes entre si:
Dinâmica
De acordo com a tabela acima, o contraste entre ambos os temas fica evidente:
na subseção do tema A predomina maior contraste de intensidade do que a subseção do
tema B, onde o f prevalece. Na reexposição, o tema B volta com o nível de intensidade
redobrado, culminando na coda em fff.
Assim como no terceiro movimento da Sonatina nº5, o final do primeiro
movimento dessa Sonatina nº6 apresenta-se como um dos momentos mais intensos de todo
o ciclo, onde o compositor alia intensidade sonora com passagens virtuosísticas: a partir do
c.116 o tema B retorna em oitavas na m.d. em ff contra intrincadas tríades na m.e.
culminando com uma grande cadência em rápidas oitavas que se inicia no c.131 até fff do
c. 138. Esse é um dos poucos momentos em todo o ciclo onde existe de fato uma passagem
que exige do pianista grande agilidade técnica para a execução rápidas das oitavas, onde o
processo imitativo impõem movimentos contrários e saltos para ambas as mãos,
percorrendo grande extensão do teclado.
Estrutura Formal
S. A B A
Cc. 01-29 29-56 57-84
Ce. C E C
Tabela 50 - Estrutura Formal da Sonatina nº6, II mov.
Dinâmica
S. A B A
Cc. 01-29 29-56 57-84
Dentro do contexto onde prevalece o pp, como é o caso dessa seção, deve-se
cuidar para que não haja um excesso de força na execução das décimas em f e ff.
149
Estrutura Formal
S. Exp. 1º Eps. Reexp.I 2º Eps. Reexp.2 3º Eps. Reexp.3 4º Eps Ponte Reexp. Final Coda
Cc. 01-11 11-16 16-27 27-35 35-45 45-54 54-64 64-73 74-80 81-97 98-114
Ce. E-B F#-C# G#-D# Bb-F C E-E E
Tabela 52 - Estrutura Formal da Sonatina nº6, III mov.
151
Frase 1
Frase 2
Frase 2
semi-frase contrassujeito
1 1
contrassujeito
1 Exemplo 106 - Sonatina nº6 - III mov., cc.1-11
episódios da fuga dessa Sonatina nº6 aumentam sucessivamente o nível de tensão da fuga.
Isso é importante fator de interpretação e que deve ser levado em consideração na
execução. Há dois motivos rítmico-melódicos que são amplamente utilizados e
desenvolvidos nos episódios que são geradores de tensão às sucessivas reexposições do
tema:
Exemplo 107 - Motivos rítmico-melódicos da fuga da Sonatina nº6 - III mov., c.1-2 e c.4
Portanto, como podemos observar nos trechos acima relativos aos quatro
episódios da fuga, existe um gradativo aumento de tensão que deve-se contrapor a cada
nova reexposição temática e que devem ser levados em consideração na execução
instrumental. As reexposições temáticas, por sua vez, seriam os momentos de distensão
desses sucessivos aumentos de tensão.
156
Dinâmica e Tempo
Reexp.
S. Exp. 1º Eps. Reexp.I 2º Eps. Reexp.2 3º Eps. Reexp.3 4º Eps Ponte Coda
Final
Cc. 01-11 11-16 16-27 27-35 35-45 45-54 54-64 64-73 74-80 81-97 98-114
Din. f f f f f-fff pp f-ff fff-ff-fff-ffff
Tp. = = 60 =
Humorístico
Exp. Molto Lento Grandioso
ritmato
Estrutura Formal
S. Exposição Reexposição
Rítmico
Rítmico e
Exp. Robusto Rude e Robusto Rude
Enérgico
Enérgico
Tabela 54 - Estrutura formal da Sonatina nº7 - I mov.
Existe uma diferença entre as duas subseções: na primeira existe uma forte
relação acordal entre ambas as mãos, onde as notas repetidas tocadas pela m.d. faz com
163
que a mão posicione-se entre as notas tocadas pela m.e. Na segunda subseção o
compositor explora três planos sonoros distintos. A pulsação ininterrupta das colcheias é o
elemento rítmico que liga uma subseção a outra e todo o jogo discursivo realizado por
ambas as mãos deve estar atrelado à pulsação contínua dessas colcheias.
Esta última subseção é mais intensa que a anterior e as relações intervalares de
segundas entre diferentes oitavas do piano é o que se tem de mais característico a ser
ouvido.
Dinâmica e Tempo
S. Exposição Reexposição
Sub. Tema A Tema B Tr Tema C Tema D Tr Tema A Tema B Tema C Tr Tema D Coda
98-
Cc. 01-15 15-26 27-35 35-46 47-60 60-61 62-81 81-94 94-97 102-113 114-124
101
f-ff-p-f- ff-p-ff-
Din. ff-p-f-p f-sff-ff-f ff-sff ff-p-f f-ff-p-f-ff f-sff p ff
ff-p fff
Tempo
Tp. =92
primo =92
Rítmico e Rítmico e
Exp. Robusto Rude Robusto Rude
Enérgico Enérgico
subseção anterior ou em alguns compassos antes. Por isso interpretamos que a repetição na
marcação seja aqui apenas uma lembrança para que a pulsação seja mantida.
Em relação à dinâmica observamos que, de maneira geral, este primeiro
movimento apresenta fortes níveis dinâmicos em todas as suas subseções, prevalecendo
nas subseções dos temas C e D os maiores níveis de intensidade e nas subseções dos temas
A e B níveis variáveis entre p e f: os p são reservados às partes onde há escrita linear, como
é o caso de toda a subseção A e parte da B.
Peculiaridades na utilização dos sinais de dinâmica ajudam a moldar frases em
diversos momentos e se tornam importantes detalhes para a execução instrumental. No ex.
115 (exemplo dos cc.5-11), além do antagonismo f e p na demarcação das frases
antecedentes e consequentes (ver também na reexposição da subseção do tema A entre
cc.65-70), existem as indicações de marcatos que incidem sobre algumas notas tanto da
m.d. quanto da m.e.. Na m.d. esses acentos recaem quase sempre sobre as notas mais
agudas da melodia e quase sempre são sucedidos por ligaduras. Esse tipo de articulação
destaca bastante os efeitos dos contratempos nas linhas melódicas sinuosas da subseção.
No exemplo 116 (cc.15-22) a segmentação da subseção B explora o contraste
na dinâmica onde um forte crescendo é interrompido subitamente por uma pausa seguida
de um p. Esses três níveis de sonoridade colaboram para que sintamos a subseção
segmentada, além do jogo de texturas diferentes.
As subseções C e D apresentam-se mais uniformes quanto aos níveis sonoros
que variam entre f e ff: a sobreposição de ambas as mãos no tema C faz com que ouçamos
algumas partes como blocos de acordes. No tema D estabelecem-se três planos sonoros: as
notas da linha superior em marcatos com as quartas tocadas pela m.e. devem estar na
mesma intensidade, as segundas em staccato tocadas com os polegares da m.d. em
segundo plano e as oitavas no grave em ff marcando os contratempos.
Pianismo
Mudanças frequentes de fórmulas de compassos, contrastes entre uma escrita
linear com outra mais acordal, fortes traços rítmicos entre os temas, intensa utilização de
acento em todas as seções ou subseções são algumas das constâncias técnicas utilizadas
aqui e também em outras Sonatinas.
Por outro lado as alusões advindas do populário são quase que inexistentes
neste primeiro movimento, talvez pela utilização maior de dissonâncias ou mesmo de uma
rítmica mais complexa. Bencke afirma que os elementos brasileiros não são tão óbvios:
165
“...os materiais musicais de fonte popular são tão transformados que se tornam quase
inaudíveis, mas nãos deixam de ser utilizados...”(BENCKE: 2010, p.151) Em seguida
Bencke faz um paralelo da rítmica básica do baião ao tema B, mais especificamente entre
os cc.15-18.
Estrutura Formal
S A TR A' Coda
Cc. 01-17 18-20 21-37 38-48
Tabela 56 - Estrutura Formal da Sonatina nº7, II mov.
Podemos notar no exemplo acima que a interação entre m.e. e m.d., quase que
de maneira alternada, mantém-se na velocidade de colcheias e, por isso, elas acabam sendo
o motor para balancear a pulsação do movimento de maneira geral, os rallentandos, o
retorno ao tempo normal (a tempo) e o rall final, a partir do c.46, quando começa uma
retenção ainda maior e gradativa da pulsação através da utilização das semínimas.
Dinâmica e Tempo
S A TR A' Coda
Cc. 01-17 18-20 21-37 38-48
Din. m.d. - pp m.d. – p-f-pp m.d. – pp-ppp
p-mf
m.e. - p m.e. – pp-f-pp m.e. – p-pp-ppp
Tp. Colcheia = 60
Exp. Suavemente
Tabela 57 - Dinâmica e Tempo - Sonatina nº7 - II mov.
Estrutura Formal
S. A Tr B A Coda
Cc. 01-43 44-45 46-89 90-107 108-117
Tabela 58 - Sonatina nº7 - III mov.
34
BENCKE 2010, p.163.
168
Aspectos Melódicos
Segundo Mendonça “...o perfeito realce da linha melódica é obtido pela
igualdade de ataque dos polegares e a procura de encaminhamento da linha melódica...”
(MENDONÇA: 2000, p.410) A observação acima diz respeito ao que deve ser realçado
neste movimento como um todo: ambos os polegares da m.d. e m.e. devem ser destacados,
pois é por onde se projeta a linha melódica. No exemplo abaixo destacamos essa linha
melódica incluindo as oitavas da m.d e as notas superiores dos acordes quartais:
(I movimento) Repinicado
Estrutura Formal
S. Exposição Reexposição
35
Ver comentários sobre as indicações de dinâmica do c.10 mais adiante, na parte referente a
Dinâmica.
173
intervalo de uma oitava entre a m.d e m.e.. A defasagem de frases entre ambas as mãos
destaca a sequencia de intervalos apresentados no tema B: intervalos de segundas
separados por salto de quarta, destacado no exemplo seguinte. O desenho melódico
formado apresenta certo desconforto para a execução, principalmente para o dedilhado da
m.e.:
Dinâmica e Tempo
Exposição Reexposição
S.
Cc. 01-45 46-78
Pianismo
Segundo Mendonça, “...o primeiro movimento ... é um choro, atonal, destituído
de sentido harmônico. Seu primeiro tema desenvolve-se em torno de uma célula rítmica
cromática que ... vem acompanhada por acordes também cromáticos e ritmados...”
(MENDONÇA: 2010, p.410) Mendonça vê neste movimento o caráter ritmado de um
choro, principalmente pela célula rítmica sincopada do c.12 que destacamos aqui:
S. A TR A Coda
Cc. 01-15 16-26 27-42 43-49
Tabela 61 - Estrutura Formal da Sonatina nº8, II mov.
Estrutura Formal
A B A Coda
01-17 17-34 34-50 51-58
Tabela 62 - Sonatina nº8 - III mov.
Dinâmica e Tempo
S A B A Coda
Cc 01-17 17-34 34-50 51-58
Din p f p-ff ff-f-p-pp-ppp-fff
Tp =92 Poco meno =92
Exp Dengoso cantando
Tabela 63 - Dinâmica e Tempo - Sonatina nº8 - III mov.
O efeito desta Coda diante dos 50 compassos anteriores é, mais do que uma
simulação de uma cadência conclusiva V-I (sib-mib), de súbita quebra da atividade
rítmico-melódica das colcheias e também da dinâmica: no c.5036, existe um corte abrupto
das colcheias nas extremidades do piano em ff.
Pianismo
Segundo Bencke esta Sonatina nº8 apresenta elementos de fonte populares bem
sutis e no caso do terceiro movimento, a rítmica binária traz uma vaga lembrança do choro.
(BENCKE: 2010, p.179) De fato, existem alguns elementos de escrita que nos permitem
fazer algum paralelo a procedimentos utilizados na música popular. A seguir, destacamos
36
Existe um provável erro de impressão no antepenúltimo compasso que deverá ser dividido
em dois compassos de 2/2. Portanto, deve-se considerar uma barra de compasso antes do mib e uma pausa de
mínima acima da pausa de mínima da m.e.. Com isso, o movimento completa-se em 58 compassos ao invés
dos 57 impressos.
182
alguns desses elementos, todos eles já explorados de alguma forma nas Sonatinas
anteriores.
Os saltos melódicos seguidos de movimentos descendentes como pudemos
mostrar anteriormente no primeiro movimento da Sonatina nº6, estão presentes também
aqui no seguinte trecho:
Conclusão
É possível afirmar que o conjunto das oito Sonatinas para piano de Camargo
Guarnieri sintetiza as transformações pelas quais passou o compositor em seu discurso
musical ao longo de 54 anos, desde a concepção de sua Sonatina nº1 (1928) até a Sonatina
nº8 (1982). A coletânea mostra uma complexidade crescente tanto em relação aos
elementos musicais desenvolvidos quanto para o pianista na sua execução interpretativa.
O Ensaio sobre a música brasileira, espécie de guia escrito pelo poeta Mário
de Andrade e onde ele reflete sobre a música brasileira e sua problemática de concepção
geral mostrou-se importante não só como fonte histórica de informação sobre o
nacionalismo musical brasileiro, mas principalmente, pela influência das ideias musicais
contidas no Ensaio na escrita pianística das Sonatinas em geral. Além disso, o Ensaio se
constitui também em um ponto de vista estético sobre a música brasileira e adentrar esse
universo possibilitou tirar a atenção excessiva dos parâmetros fixos da notação musical
para considerar questões contextuais, estilísticas, de caráter, que são importantes também
para as decisões interpretativas.
Em relação ao elemento ritmo contido no Ensaio, Guarnieri traduz o problema
da síncopa imposto por Mário de Andrade por mudanças frequentes de fórmulas de
compassos, polimetria e polirritmia e está ligada intimamente a uma flexibilização da linha
melódica e a exploração da sua expressividade interpretativa. Nas Sonatinas percebemos
que a rítmica está intimamente ligada ao desenvolvimento de uma linha melódica avessa a
uniformidade métrica e a banalização da rítmica em função de um discurso onde as frases
dos temas apresentem flexibilidade no seu desenvolvimento, o que vai se refletir na
agógica da execução instrumental.
Em melodia, o compositor alcança a expressividade melódica defendida pelo
poeta através de fortes intervenções da rítmica e da dinâmica e em menor grau da
harmonia, entre outras, que influenciam o poder expressivo no direcionamento e
comportamento da linha melódica. No caso da coletânea das Sonatinas, o desenvolvimento
melódico tem forte influência rítmica como mudanças frequentes de métrica, frases e
grupos de notas que não respeitam a divisão métrica dos compassos, polimetria, resultando
em frases assimétricas e/ou irregulares.
A polifonia se torna o elemento mais significativo do compositor tanto no
conjunto das Sonatinas para piano como em toda a sua obra. Guarnieri vai além da
concepção de Mário de Andrade para a questão polifônica na música artística nacional. Ao
184
longo das Sonatinas o compositor passa a dar um tratamento linear cada vez mais
sofisticado, com processos imitativos, cânones, contrapontos, strettos, culminando em duas
fugas a duas partes (Sonatinas nos3 e 6) onde a técnica é desenvolvida de modo semelhante
a uma tradicional fuga barroca.
No quesito forma podemos concluir que apesar de existir, por parte de Mário
de Andrade, uma atenção dirigida exclusivamente em reestabelecer as bases da criação
musical brasileira no tocante as formas musicais, suas alternativas para a criação a partir do
populário nada mais são do que um aproveitamento do legado da tradição da música tonal
adaptado às necessidades do nacional. Guarnieri utilizou-se e muito das formas tradicionais
da música ocidental, como é o caso aqui da utilização por ele da forma sonata e não nos
parece que as preocupações relativas à forma almejadas por Andrade no Ensaio tenham
tido efeito no compositor no sentido de evitá-las ou, de alguma forma, renová-las. A
coletânea das Sonatinas para piano contém feições neoclássicas no sentido de obedecer
aos princípios de equilíbrio formal através de uma economia de meios, a utilização da
polifonia, de técnicas composicionais tradicionais tais como a fuga e a obediência ao
princípio ternário contido na forma sonata.
Independentemente das diversas particularidades tratadas como instrumentação
por Mário de Andrade em seu livro, podemos dizer que a utilização do piano como
instrumento de sonoridade nacionalizante ou o tratamento instrumental nas Sonatinas se
manifesta no que chamamos de pianismo, ou seja, a maneira como o compositor
desenvolveu sua escrita pianística e o que está por trás dessa escrita idiomática,
conceitualizado como escritura.
O pianismo verificado nas Sonatinas para piano é um dos pontos principais
para o intérprete em suas decisões interpretativas. Existe uma maneira ou intenção como
Guarnieri trata a sonoridade do piano nas Sonatinas que valoriza as concepções do
intérprete. Nesse sentido, a coletânea se constitui em uma íntima interpretação do
compositor dos elementos musicais provenientes do popular e do folclórico que se
apresentam às vezes de maneira explícita, às vezes implícita no seu discurso musical. No
seu desenvolvimento da forma sonata, por exemplo, podemos vislumbrar uma adaptação
de atmosferas dentro de uma unidade formal. Portanto, o pianismo consistiu em uma
maneira de reconhecer pontos no discurso musical onde Guarnieri se utiliza de certas
constâncias ou costumes de escrita. Com isso, além de nos levar a identificação de um
estilo musical próprio do compositor, nos permitiu, da mesma forma, identificar elementos
musicais diversos que criam atmosferas ou tipos de sonoridades que podem influenciar a
185
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