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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

15.05.11

Bom dia para o pessoal do presencial e para o pessoal que nos

assiste pela rede do Praetorium. Na aula passada nós terminamos a aula

falando de princípios e regras. Eu quero retomar a partir desse ponto e, aí,

obviamente, seguir para os outros pontos.

Então, falando sobre princípios e regras. Nós tínhamos falado

na última aula que uma das principais características dos princípios seria

quanto ao conteúdo e, que os princípio são vagos, indeterminados, são

abertos e, portanto, eles tem um alto grau de generalidade.

Ainda, no que diz respeito ao conteúdo, os princípios são

valorativos, são valores que devem ser alcançados, devem ser buscados. Os

valores estabelecem um ponto ideal, os valores têm a ver com o bem ou com

a justiça.

Quando eu digo que o princípio é valorativo, e o princípio, como

norma, estabelece um dever ser, então, eu vou ter um princípio valorativo

que vai estabelecer um dever ser, no sentido de alcançar aquele valor,

aquele bem ou aquela justiça, ou aquele valor de justiça. Isso é o conteúdo

que o princípio traz.

Enquanto, que as regras são descritivas. Descritivas no sentido

de que elas apresentam uma conduta ou um fato e a consequência jurídica

dessa conduta ou desse fato.

Agora, um ponto importante que diz respeito aos princípios e

regras é o seguinte. Os princípios apresentam a necessidade de uma

mediação concretizadora.

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Então, eu tenho aqui, o princípio, o fato. Para esse princípio se

tornar aplicável, é necessária uma mediação concretizadora.

O que é uma mediação concretizadora? A mediação

concretizadora é um ato praticado pelo Poder Público, com a finalidade de

concretizar o princípio. Eu falo mediação, porque é algo que está no meio do

caminho.

Então, entre o princípio e o fato, entre o princípio e a sua

concreta aplicação sobre a realidade, seria necessária uma mediação

concretizadora. Essa mediação concretizadora, em regra, vem da Lei. Em

regra, é a Lei que estabelece como esse princípio será aplicado

concretamente.

Exemplo, quando eu falo em princípio da igualdade, quando eu

aplicar esse princípio da igualdade, sobre a realidade, sobre os fatos

concretos. Então, para isso existem várias Leis que mediam esse princípio,

com previsão sobre a realidade.

Como, por exemplo, a Lei que estabelece o PROUNI que, o

Programa Universidade para Todos, como mecanismo de promoção da

igualdade, para determinados grupos.

Quando eu promovo a igualdade para determinados grupos, é a

Lei ou a política pública que estabelece essa medida, essa eu vou chamar de

mediação concretizadora.

Ou, quando eu falar ainda que, as pessoas com deficiência, têm

uma reserva de vagas em concursos públicos. Aqui, também, estamos diante

de uma mediação concretizadora.

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Quando eu falo que, as mulheres têm uma reserva, um número

de cotas, um número mínimo de candidaturas dentro de um determinado

partido político, dentro de uma legenda.

O que é isso? São medidas que mediam o princípio vago, de

modo a tornar o princípio aplicável ou concretizado, na realidade.

Agora, o problema que se coloca é: se, por ventura não

encontrarmos, não houver a mediação concretizadora, é possível a aplicação

direta do princípio sobre os fatos? Pode o juiz aplicar, diretamente, um

princípio sobre o fato.

O problema da aplicação direta do princípio sobre o fato é

exatamente, aquilo que eu comentei que, o princípio é vago, o princípio é

relativamente indeterminado ou incerto. É o que nós chamamos de

plasticidade, é a plasticidade dos princípios, porosidade dos princípios que, é

a mesma coisa.

Ou, alguns entendem como ductilidade. Plasticidade,

porosidade, ductilidade, vagueza, a imprecisão do princípio, a

indeterminabilidade quanto ao princípio, a fragmentalidade do princípio.

Então, o problema do princípio ser aplicado, diretamente, pelo

juiz sobre a realidade, decorre principalmente, desse aspecto, dessa

vagueza, dessa indeterminabilidade do princípio.

Por quê? Porque como aplicar, por exemplo, o princípio da

dignidade humana sobre a realidade? É um princípio por demais vago, o que

conferiria ao juiz intérprete e aplicador do princípio, um amplo grau de

conformação na aplicação do princípio.

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O que poderia acarretar algumas consequências danosas para o

direito. Como, por exemplo, um acentuado casuísmo, na medida em que o

princípio por ser válido, pode ser aplicado de diversas formas pelo juiz

intérprete e pelo juiz aplicador.

Então, isso possibilitaria um certo grau de casuísmo acentuado

na ordem jurídica. Cada juiz poderia chegar a uma decisão diferente,

baseado no mesmo princípio, já que o princípio é indeterminado, ou ele é

vago, ou é incerto. Então, o primeiro problema seria esse acentuado grau de

casuísmo.

Decorrência desse acentuado grau de casuísmo. Isso poderia

acarretar, também, uma acentuada instabilidade ou insegurança na ordem

jurídica. E, uma terceira consequência, também, relacionada, seria o risco de

ditadura do juiz.

Podendo alegar, inclusive, o seguinte que, dependendo da

aplicação do princípio, pelo juiz, isso poderia violar o princípio da legalidade.

E, por exemplo, o juiz ao aplicar diretamente o princípio, isso

poderia impor para particulares determinadas restrições ou, impor para a

Administração Pública, determinadas obrigações ou impedimentos, sem que

haja Lei.

Ora, pode o indivíduo ser restringindo na sua liberdade, sem

Lei? É aquilo que nós vemos no art. 5º, inciso II, ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo, se não em virtude de Lei. Então, se não há

Lei, eu posso ser impedido ou restringindo de agir?

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Por outro lado, o Estado pode ser obrigado a agir ou impedido

de agir, sem que haja Lei?

Ora, a aplicação direta do princípio pelo juiz intérprete ou

aplicador, sem que haja Lei mediando a concretização desse princípio, pode

acarretar uma situação de violação do princípio da legalidade.

Eu estou colocando os problemas. Agora, quais são as possíveis

respostas desses problemas? Quando eu digo que, o princípio precisa dessa

mediação concretizadora, e levando em consideração que essa mediação

concretizadora, em regra, se dá por meio de uma Lei, isso poderia levar a

uma confusão, também, prejudicial, no sentido de que, a direta aplicação do

princípio demanda uma Lei, o que subordina o princípio a Lei.

Então, o princípio constitucional se, ele precisa de uma Lei para

ser concretizado. Então, na verdade, esse princípio está subordinado a Lei.

E, pior, subordinado a vontade do legislador.

Ora, subordinar o princípio a existência de uma Lei, implica

subversão da hierarquia constitucional.

Então, foi fundado nesse argumento, entre outros que, o

Supremo analisando os princípios constitucionais da moralidade, da

impessoalidade e da eficiência, o Supremo entendeu que, uma aplicação

direta desses princípios pelo juiz, implicaria à vedação ao nepotismo ou a

prática do nepotismo.

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Então, uma aplicação direta desses princípios, levou o Supremo

a entender que, o nepotismo é uma prática decorrente diretamente dos

princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência. O que significa dizer

que, com essa aplicação direta aqui, sem que haja Lei.

Então, o Supremo falou, independentemente, da existência

dessa Lei que, vede, completamente, o nepotismo, por aplicação direta

desses princípios pelo juiz, pode se determinar que no Estado, e aí, nos Três

Poderes está vedada a prática do nepotismo.

É por isso que, Supremo, então, editou a Súmula Vinculante 13,

vedando o nepotismo. Então, está aqui um exemplo de uma concretização

direta do princípio pelo juiz, independentemente, de uma mediação

concretizadora.

Eu cito o exemplo da fundamentação do Ministro Levandovski.

O Ministro Levandovski vem falando o seguinte, olha entender que a prática

do nepotismo só poderia ser completamente vedada, a partir da existência

de Uma Lei formal, significaria submeter ou subordinar os princípios da

moralidade, impessoalidade e eficiência, a existência de uma Lei.

E, consequentemente, inverter a hierarquia. Não seria o

princípio superior a Lei ou, superior ao próprio Estado, ou um princípio que

se impõe ao Estado. Mas, na verdade, um princípio que depende de uma Lei

ou que depende da mediação concretizadora, para que ele então, pudesse

ser concretizado.

Então, aqui é um exemplo de que, a mediação concretizadora,

por vezes, pode se converter numa argumentação contrária ao próprio

princípio.

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Se, é verdade que o princípio é vago, incerto, poroso, se isso

aqui é verdade, a consequência é que, em regra, para eu aplicar o princípio,

eu vou precisar, realmente, de uma política pública, de uma Lei que,

concretize o princípio.

Mas, por outro lado se, eu entender que o princípio só pode ser

concretizado a partir dessa mediação, dessa Lei, poderia levar a uma

consequência de que, o princípio estaria subordinado a existência da Lei.

Dessa forma, eu estou procurando fugir dos dois extremos. Eu

estou fugindo do extremo que nega a necessidade da mediação

concretizadora, porque ela é necessária.

Mas, também, estou fugindo do extremo no sentido de que o

princípio pode ser concretizado, a partir de uma mediação concretizadora.

Há casos em que o juiz intérprete, o juiz aplicador pode chegar

a consequência de que, como é o caso do nepotismo, pode chegar ao

entendimento de que, como consequência direta do princípio, você pode

determinar consequências concretas.

Essa argumentação vai ser uma das argumentações

relacionadas à questão dos quilombolas. Então, grave isso. Eu não vou falar

dos quilombolas agora, porque tem uma ADI relacionada a isso e, eu vou

comentar sobre essa ADI.

Já as regras, como as regras são descritivas, elas apresentam

uma conduta ou fato e a consequência jurídica dessa conduta ou desse fato,

as regras, então, eu posso dizer que elas tem aplicação tudo ou nada.

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O que é aplicação tudo ou nada, nas regras? Ou a regra é válida

e se aplica, ou a regra é inválida e não se aplica.

Então, um exemplo muito simples, para vocês perceberem seria

a seguinte situação. O indivíduo matou uma pessoa. Tem uma regra, matar

alguém tem reclusão de tanto a tanto. Só que, essa pessoa matou em

legítima defesa. Então, tem a regra da legítima defesa que, exclui a regra

do homicídio.

Então, eu tenho duas regras que, em tese, poderiam ser

aplicadas no caso. Eu analiso o caso e vejo qual das duas regras é aplicável.

Uma regra válida e se aplica, outra regra é inválida e não se aplica. Ou tudo

ou, nada.

Nesse caso, eu posso chegar à conclusão que, na colisão ou no

conflito entre regras, há a exclusão de uma pela outra.

Agora, quando eu falo que na colisão entre regras, há a

exclusão de uma por outra, isso levanta alguns debates. Como por exemplo, a

possibilidade de o juiz se deparar com um caso complexo que, nós chamamos

de ride incaise em que, nesse caso, não há uma regra específica ou uma

regra clara que, se aplique sobre aquele complexo.

E aí, o questionamento que se levanta é: é possível em

determinados casos de alta complexidade, a combinação de regras? E aí, eu

não teria, necessariamente, a exclusão de regras por outras regras, mas

sim, a combinação. Então, eu pego parte de uma regra, com parte de outra

regra e aí, eu chego a uma conclusão.

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Aqui, a questão é mais complicada. Porque há quem entenda

que, a combinação de regras, para uma solução concreta, implicaria a

atuação do legislador positivo. Imagine que o juiz queira, na verdade, incluir

uma terceira regra.

O exemplo dessa combinação de regras, pode se dá numa

questão que vocês sabem que, é problemática que, é a combinação de Leis

penais, no tempo.

Poderia o juiz pegar parte benéfica da Lei anterior com a parte

benéfica da Lei posterior e, aplicar a parte benéfica da Lei anterior com a

parte benéfica da posterior e, ter, na verdade, uma terceira solução? É o

problema da atuação do juiz enquanto mediador positivo.

A priori, há uma certa resistência nesse sentido, inclusive, do

Supremo. O Supremo atua criativamente?Atua. Mas, criar uma terceira

norma, uma terceira solução, a partir de combinação de Leis penais, no

tempo, a priori, ia ser atuar criativamente como legislador positivo.

Então, só para mostrar a problemática que envolve a aplicação

de regras. Se, a aplicação de regras que, apresenta maior grau de

especificidade se, a aplicação de regras implica complexidade, a aplicação

de princípios, também, implica complexidades ainda maiores.

O que leva, por exemplo, aquele problema da colisão de

princípios. Se, princípios estão em colisão, se normas de conteúdo

principiológicos estão em colisão, como resolver essa colisão desses

princípios? Nós resolvemos isso através da ponderação de valores.

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Mas, o que é, exatamente, ponderação de valores? A

ponderação de valores é o sopesamento dos valores em jogo, em

determinado caso concreto, para determinar no âmbito daquele caso

concreto, qual dos valores deve preponderar.

E aí, alguns dizem o seguinte. Nessa preponderância de certos

valores em relação a outros que, se dá pelo sopesamento, essa

preponderância se dá, de modo que um princípio não implique o sacrifício

total do outro princípio. Ou, um valor não implique um sacrifício total do

outro valor.

Agora, vamos dar uma problematizada nessa ponderação. O

objetivo é levar o intérprete a identificar, com precisão que valores estão

em jogo. Então, o primeiro ponto é: o intérprete tem que identificar, com

precisão, quais os valores em jogo.

E aí, o primeiro questionamento que pode ser feito é: é

razoável que o intérprete identifique todos os valores que estão em jogo?

Ainda que ele supere esse problema, outro problema seria o seguinte.

O intérprete vai identificar os valores em jogo, isso poderia

ser problema, mas superado esse problema, ao identificar os valores em

jogo, ele vai sopesá-los, para verificar qual a maior dimensão de peso deve

ser dada a um e ao outro.

E a atribuição de peso a determinado princípio, pode levar a um

grau, relativamente, alto de subjetividade do intérprete. Porque de repente,

aquele valor que para mim pode ter maior peso, para você pode não ter tanto

peso.

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Uma situação clássica de colisão entre normas de natureza

principiológica que, a doutrina comenta é, de um lado, a intimidade, a

liberdade de imagem, e de outro lado a liberdade de pensamento, a

liberdade de informação e a liberdade de imprensa.

Até que ponto a liberdade de imprensa, informação e de

pensamento, prevalece sobre a intimidade e liberdade de imagem, ou o

contrário?

O caso que é bastante famoso, horroroso é o caso da Daniela.

Vai para uma praia deserta com o namorado, em outro país. Vai para dentro

da água, se, é que teve relações sexuais ou não. Alguém pega aquilo ali e

coloca na internet para o mundo todo ver.

É razoável esperar que, uma pessoa que pratique o que ela

praticou na praia, a coletividade em volta, possa identificar? É razoável, ela

correu esse risco. Agora, é razoável colocar isso na internet, para o mundo

todo ver, ainda que ela seja uma pessoa pública? Não seja razoável.

A meu ver não é razoável. Ainda que ela seja uma pessoa

pública, ela estava num lugar público. Mas, dentro daquele espaço, eu não

acho razoável que ela fosse esperar que, fosse divulgado para o mundo

inteiro. Eu acho que há uma desproporção entre os dois aspectos.

Uma coisa é o que aconteceu e, outra coisa é o mundo inteiro

ver, com detalhes o que aconteceu. São duas coisas, inteiramente,

dissociadas.

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Agora, é altamente questionável o que eu estou falando.

Quando eu digo que não é razoável, eu estou valorando os dois princípios e,

dentro daquilo que eu, obviamente, entendo ter certo grau de subjetividade

pessoal, eu acho que não é razoável. O que leva o intérprete, também,

dependendo do caso, entender se, é ou não, razoável.

Então, há um certo de grau de subjetividade do intérprete, na

atribuição de peso dos valores em torno do caso concreto. Esse é um

problema da ponderação.

Outro problema que nós podemos identificar na ponderação é

quando eu falei o seguinte. A ponderação é o sopesamento de valores em

jogo, com a preponderância de certos valores em jogo, desde que, não haja

sacrifício total.

E aí, eu quero dar um exemplo de uma decisão do Supremo, já

antiga que, é a questão da farra do boi em Santa Catarina. A questão chegou

ao Supremo.

A questão da farra do boi é a seguinte, a farra do boi é uma

manifestação cultural entranhada na cultura ibérica e, aí, com a migração

bastante grande para Santa Catarina, eles trazem consigo, obviamente, as

suas tradições e suas culturas e, dentre elas a farra do boi.

Então, a farra do boi é uma manifestação cultural de

determinado grupo. Posso eu, limitar, restringir ou até mesmo impedir essa

manifestação cultural? Vejam que, de um lado a Constituição é clara e

explícita ao garantir os direitos culturais, inclusive, a manifestação cultural.

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Esses direitos culturais, essa manifestação cultural, dentre

outros aspectos significa uma salvaguarda do grupo, em relação à sociedade

envolvente.

Ou seja, ainda que a sociedade envolvente não adote, não

concorde, ou não adira aquela manifestação cultural, aquele grupo tem o

direito deles, fora da sociedade envolvente.

De um lado você tem o direito cultural, mas de outro lado você

tem na ordem constitucional, está lá, proteger o meio ambiente, a fauna e

flora, protegendo inclusive os animais.

Então o embate aqui era de um lado os valores culturais, as

manifestações culturais. E, de outro lado a norma constitucional que fala do

entendimento contra a crueldade praticada contra os animais.

E como é que fica essa questão? De um lado tem o Ministro

Marco Aurélio entendendo que, aquela manifestação cultural implica sim, um

tratamento cruel e, portanto deve ser impedida.

E, de outro lado, o Ministro Mauricio Correia que, entendeu que

haveria ali uma manifestação cultural clássica que, a Constituição

salvaguarda isso. E, que o Estado deveria, então, tomar medidas para evitar

os abusos na farra do boi.

O Ministro Marco Aurélio, chega a falar o seguinte, nessa

farra do boi eu não consigo vislumbrar uma situação intermediária, em que

se mantenha a prática, sem que haja crueldade.

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Na verdade, o que ele está dizendo é o seguinte. Olha ou, se

permite a prática e, essa prática vai levar a crueldade. Ou não se permite

essa prática.

Só que, se você entender que a prática deve ser impedida por

causa da crueldade com os animais, isso implicaria num impedimento de uma

manifestação cultural. A decisão do Supremo no sentido de que, a farra do

boi deve ser impedida.

Isso revela bastante essa questão do embate entre os direitos

culturais em determinado grupo minoritário e, a maioria da sociedade

envolvente.

Essa decisão do Supremo foi criticada por quê? Porque a

valoração do que é ou não, cruel, ela está carregada de uma dominância da

sociedade envolvente. Nós sociedade envolvente, nós maioria, entendemos

que aquela forma de conduta, implica manifestação cultural. Mas, aquela

minoria, não.

Então, isso depende muito de uma valoração quase que,

subjetiva ao grau de subjetividade do intérprete. O que levaria nesta

questão dos direitos culturais e a restrição as manifestações culturais, a

outro debate que, eu vou comentar, também, que é o que os autores chamam

de constitucionalismo mono-cultural.

O constitucionalista mono-cultural é a interpretação, a leitura

dos valores constitucionais, a partir de uma única cultura dominante. Só que,

nós somos uma única cultura? Ou, dentro da realidade brasileira, nós somos

uma única cultura? Nós vamos estudar isso daqui a pouco.

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Na verdade, não. Nós não somos uma única cultura que,

prevalece de forma universal sobre a sociedade. Na verdade, nós somos um

complexo de culturas, e que a salvaguarda é da diversidade cultural.

Nesse caso, nos bastidores o que eu encontro aqui, é a solidão

entre valores, em que o que se questiona é, pode haver o sacrifício total de

determinados valores? Dizer que, a ponderação deve ser feita, sem que haja

sacrifício total, por vezes, se manifesta algo inviável completamente.

Aí, alguns para tentar solucionar essa questão do sacrifício

total que, por vezes, na prática é o que ocorre, dizem o seguinte, o sacrifício

pode ocorrer em determinado contexto, reduzido. O que não poderia é os

direitos culturais lato sensu ou, os direitos culturais objetivamente falando,

serem sacrificados no plano constitucional.

Agora, objetivamente, em determinados casos concretos e

situações específicas, vai ter sacrifício sim. Então, teria uma diferença

entre um sacrifício total, abstrato, objetivo e, o sacrifício específico, para

determinados casos. Seria a solução que alguns aqui dão.

Agora dizer que não há sacrifício, não é verdade. Não há um

sacrifício no plano constitucional. Você tirando da Constituição ou abolindo

da Constituição não tem direito. Mas, no caso concreto tem o direito.

Então, nós vimos à aplicação de princípios e regras e, inclusive,

a colisão dos princípios entre si. Agora, outra questão que se coloca aqui,

também, é a colisão entre princípios e regras.

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É possível que haja colisão entre princípios e regras? A colisão

entre princípios e regras, não é o maior problema. O maior problema é

quando se dá a solução para a colisão entre princípios e regras?

Eu poderia falar o seguinte, como a regra apresenta maior grau

de especificidade e, os princípios são mais abstratos, a priori a regra

deveria ser aplicada, já que os princípios são vagos. Se, a regra for

estabelecida e, os princípios são vagos, a priori aplica-se a regra.

Mas, se, a estrita aplicação daquela regra violar o princípio,

aplica-se ainda assim, a regra? Alguns dizem o seguinte, não há ponderação

entre princípios e regras.

Por que não há ponderação entre regras e conflitos? Porque

eventual conflito entre a regra e o princípio, na verdade, é apenas a

aparência é, aquilo que se manifesta na colisão entre princípios. Na medida

em que, por trás de toda regra existem certos princípios que a legitima.

Então, verificar que uma regra viola um princípio é verificar

que, na verdade, o princípio que legitima a regra está em conflito com outro

princípio. Então, na verdade, o que nós temos aqui, é uma ponderação de

princípios. É o que alguns argumentam.

Agora, está correto dizer, toda colisão entre princípios e

regras é, na verdade, uma colisão entre princípios e princípios? Na prática

não. Evidentemente, há uma regra está por trás do princípio.

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E se, essa colisão entre princípios e regras se, manifestar

explicitamente, na própria Constituição? Ou a aplicação dessa regra

constitucional importa violação de princípios constitucionais? Como é que

fica nesse caso? Aplicam-se os princípios ou, aplicam-se as regras?

Por exemplo, uma operação da Polícia Federal, no Estado de

Rondônia, diversas autoridades públicas foram presas pela prática de

diversos crimes, corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e

por aí, vai.

Várias autoridades dos Três Poderes estavam envolvidas no

mesmo fato, Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Vários

foram presos em flagrante.

Dentre essas diversas autoridades presas, foi preso, também,

o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado que, portanto, era

Deputado Estadual e era o Presidente da Assembléia Legislativa.

Há uma regra na Constituição que, o que se aplica aos

Deputados Federais se estende, expressamente, por determinação

constitucional aos Deputados Estaduais diz o seguinte, que a prisão do

parlamentar só pode se dá em flagrante delito ou por crime inafiançável.

E não somente isso, a prisão deve ser comunicada a respectiva

Assembléia Legislativa, que vai deliberar sobre a manutenção ou, não da

prisão. Aconteceu que o Deputado foi preso em flagrante, crime

inafiançável.

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O inquérito corria junto ao STJ que, é da sua competência.

Então, o cara está solto, corre o inquérito perante o STJ, e o STJ entende

que não cabe responsabilização objetiva, e, que, portanto, não pode

deliberar sobre a manutenção ou não, da prisão.

Obviamente, ele vê ali na atuação do STJ uma atuação da

responsabilidade civil, o que é óbvio e, aí, então, impetra um HC no Supremo.

Ministra Relatora Carmem Lúcia. A Carmem Lúcia falou o seguinte, mediante

a especificidade do caso concreto.

E aí, ela discorre sobre o que eu acabei de falar, o problema o

fenômeno, afeta os Três Poderes, com diversas autoridades dos Três

Poderes envolvidos. Só que, na organização criminosa, o suposto chefe da

organização criminosa seria, exatamente, o Presidente da Assembléia

Legislativa.

E, a maioria dos parlamentares estaduais, portanto, à maioria

dos membros da Assembléia Legislativa estavam, também, supostamente

envolvidos na mesma organização criminosa. Portanto, eles não teriam

isenção, nem autonomia suficiente, para deliberar ou não, pela prisão do

parlamentar.

Então, a prisão poderia, inclusive, ser afastada pela Assembléia

Legislativa o que, poderia se converter numa forma de impunidade, na

medida em que poderia estimular a evasão do indivíduo, o indivíduo dificultar

a ação penal.

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Então, a Ministra Carmem Lúcia tem uma frase no Julgado dela,

que ela diz o seguinte, a excepcionalidade do quadro importa a

excepcionalidade da interpretação da aplicação dos princípios e regras

constitucionais.

Então, em muitos valores constitucionais que, o próprio texto

constitucional diz quais são, foram afastados na regra constitucional. Olha

que situação dramática para o direito.

Dramática por quê? Porque você tem um órgão de soberania,

que é um órgão de Cúpula do Poder Judiciário, interpretando a Constituição,

sendo na verdade, o último intérprete da Constituição, definindo que

determinada regra constitucional não se aplicaria, num determinado

contexto do Congresso, porque a estrita aplicação, a literal aplicação

daquela regra constitucional, implicaria na violação de certos princípios

constitucionais.

Ainda que, a justiça intrínseca daquele caso concreto. Ou seja,

ainda que a justiça intrínseca da decisão pareça ser evidente naquele caso

concreto.

Vendo o caso concreto, pensando na questão hermenêutica, na

questão da atuação do Supremo, o que você tem é um órgão estabelecido

pelo Constituinte, portanto, um órgão que exerce um poder constituído e não

constituinte, interpretando a Constituição de modo a afastar a aplicação de

uma regra constitucional, se portando, na verdade, como verdadeiro Poder

Constituinte.

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E há aqui, uma séria crítica a atuação do Supremo, na medida

em que o Supremo interpreta a Constituição da sua própria maneira e, por

vezes, chegam alguns mais ávidos, dar uma certa manipulação constitucional.

Na manipulação constitucional, o juiz constitucional ele define

o que ele quer, e aí, cria o que a Constituição entendeu ser necessário para

legitimar a decisão que ele tomar. É diferente. Ele não constrói a decisão e,

chega à conclusão. Ele define o que ele quer e aí, constrói a base para aquilo.

Não há manipulação constitucional.

Outro tema é quanto à função. As regras têm uma função bem

definida que, é descrever uma conduta e sua consequência. Então, a função

da regra é uma função descritiva, ela descreve uma conduta e a sua

consequência.

Função dos princípios. Aqui, nós podemos enquadrar quatro

funções possíveis. A primeira função dos princípios é a função

normogenética. Então, o princípio pode ser o ponto de origem de novas

normas. Ou seja, com base em determinados princípios, eu estabeleço novas

normas, novas regas e até mesmo, novos princípios.

A segunda função seria a função hermenêutica. Os princípios

orientam a interpretação de determinadas normas. Vejam que, as normas

constitucionais, mesmo as normas que estabelecem direitos, apresentam um

certo grau principiológico.

Se, uma norma constitucional quando ela descreve, ou define

um direito, apresenta um grau principiológico. Então, eu posso dizer que,

toda norma constitucional ou, pelo menos, as normas materialmente

constitucionais, elas apresentam uma função hermenêutica.

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Na medida em que as normas constitucionais são parâmetros de

interpretação de outras normas. Ou normas constitucionais entre si, ou das

normas constitucionais com interpretação constitucional.

Quando eu digo, então, que os princípios constitucionais, as

normas constitucionais lato sensu, especificamente, os princípios

constitucionais apresentam uma função hermenêutica, falando a mesma

coisa de outra maneira, eu posso dizer que, os princípios constitucionais

apresentam uma eficácia irradiante sob a ordem jurídica.

O que vale para as normas constitucionais como um todo, mais

especificamente para os princípios constitucionais e, de forma ainda mais

específica para os direitos fundamentais.

Então, os direitos fundamentais apresentam essa eficácia

irradiante, o que significa que toda ordem jurídica deve ser interpretada a

partir da perspectiva dos direitos fundamentais.

Ora, se toda ordem jurídica deve ser interpretada a partir da

perspectiva dos direitos fundamentais, nós temos que considerar que os

direitos fundamentais formam um sistema normativo próprio. E, esse

sistema normativo próprio dos direitos fundamentais, tem um ponto central

de fundamentação.

Qual o ponto central de fundamentação de todos os direitos

fundamentais? É o princípio da dignidade da pessoa humana.

O sistema normativo como um todo deve ser interpretado

dentro das perspectivas dos direitos fundamentais.

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Agora, os direitos fundamentais formam um sistema próprio

que, apresenta como princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana.

Então, a conclusão que eu chego é de que, ao entender essa

eficácia irradiante, eu posso chegar ao ponto central da Constituição

Brasileira, e dizer que, o valor fonte que irradia para toda a Constituição e

para todo sistema normativo é a dignidade da pessoa humana.

Então, tudo isso para explicar a hermenêutica dos princípios,

para chegar naquele princípio que, é, na verdade, que funda todos os demais

que, é a dignidade da pessoa humana.

Terceira função dos princípios seria a função integrativa ou

função integradora. Essa função integrativa ou integradora define que os

princípios constitucionais orientam a formatação de lacunas.

Formatação você sabe, ele preenche lacunas. E essa questão de

lacunas, fazendo uma análise mais compacta.

Nessa questão, o Supremo decidiu na questão da relação

homoafetiva. O Ministro Ayres Brito, que era o Relator, na sua

manifestação, no seu voto, ele entende que, a união homoafetiva para todo

direito, equivale à união heteroafetiva e, portanto, é união estável, como a

união heteroafetiva. Nos dois casos haveria entidade familiar.

O Ministro Levandovski fala o seguinte, ele concorda que a

união homoafetiva deve ter seus direitos, concorda que os direitos devem

ser considerados, mas a partir de uma linha de interpretação toda distinta

do Relator.

22
INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Ele fala o seguinte, a união estável, entendida ela por si mesma,

é união entre pessoas de sexos diferentes. Agora, isso não estima a

exclusão a proteção jurídica da união homoafetiva.

Como a Constituição e o direito como um todo é ato novo, em

relação à união homoafetiva, então, por um processo de integração do

direito, e por extensão extensiva ou analógica, se equipara a união

homoafetiva à união estável que é a união homoafetiva.

Então, todos os direitos decorrentes da união estável

heteroafetiva se, estenderiam por integração analógica do direito. O que é

uma perspectiva, ainda que o resultado talvez, na prática enquanto proteção

do direito efetivo, na fundação teórica e hermenêutica da decisão, tem um

ponto diferente.

Uma coisa é dizer que a união homoafetiva é união estável, ou

união homoafetiva e heterossexual são equivalentes e, que, portanto, ambas

se consideram união estável.

Outra coisa é dizer que, a união estável é própria da união

heteroafetiva e que o direito é lacunoso em relação à união homoafetiva e,

por extensão analógica, eu equiparo a união homoafetiva a união estável. Não

é porque ela esteve união estável, ela é equiparável a união estável.

Isso com base nos princípios constitucionais, como a liberdade

do indivíduo. Se, o indivíduo tem liberdade, óbvio que o direito universal a

liberdade, inclui o direito a liberdade sexual. Então, estabelecendo as suas

relações e relacionamentos sexuais, livremente, não podendo o Estado criar

qualquer discriminação pelo exercício da liberdade sexual do indivíduo.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Só que, isso a partir de uma construção de integração da

lacuna. Esse é o entendimento do Levandovski que, foi acompanhado numa

linha semelhante pelo Gilmar Mendes.

Isso é mais uma questão de debate que eu estou colocando

para vocês. Na prática a extensão dos direitos é a mesma coisa. Agora, no

que diz respeito ao reconhecimento teórico e na aplicação dos princípios

você tem uma fundamentação distinta.

Então, essa é a função integrativa dos princípios.

Outra função dos princípios seria a função sistêmica. E, nessa

função sistêmica, então, os princípios orientam a harmonização da ordem

jurídica, na formação do sistema.

Agora, nós ouvimos falar muito em sistema, sistema normativo,

sistema jurídico, sistema isso, sistema aquilo outro. Agora, o que é um

sistema, propriamente, dito? Um sistema pode muito genericamente, pode

ser entendido como uma espécie de conjunto de elementos, elementos que

interagem entre si, com determinada finalidade.

Se, eu estou dizendo que um sistema pode ser entendido como

um conjunto de elementos que, interagem entre si, com a mesma finalidade.

Vejam que é necessário, na idéia, na formação do sistema, é necessário um

elo de integração ou um elo de interação entre os elementos desse sistema.

Há nesse caso, um elo de interação entre os elementos, para

alcançar aquela finalidade determinada.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Se, eu disser que o sistema normativo pode ser entendido,

como, na verdade, um conjunto de normas e valores que são estabelecidos

que, são entendidos para alcançar determinada finalidade.

Quais são os elos de interação entre os elementos desse

conjunto, para chegar àquela finalidade? São os princípios.

Eu não vou entrar na discussão se, o sistema normativo é

sistema fechado de normas ou se, é um sistema aberto de normas. Na

verdade, na doutrina até hoje, se mostra como prevalente no sistema

brasileiro é no sentido de que, o nosso sistema é um sistema aberto de

princípios e regras. Onde os princípios têm a função de liberação da

reforma, da reforma geral.

Então, os princípios têm essa liberação na relação entre

princípios e princípios; ou regras e princípios; ou regras e regras, a

interação. E é um sistema aberto, na medida em que existe um canal de

fluxo de dentro para fora, de fora para dentro, em relação à realidade

social.

Então, o sistema normativo não é um sistema fechado, é um

sistema que está inserido com a realidade, conectado com a realidade,

então, há fluxos e contra fluxos nessa relação entre o sistema normativo e

a realidade. Daí se falar sistema aberto.

Então, quando se fala sistema aberto, é na essência, no

reconhecimento da existência da conexão do sistema com a realidade social.

E, essa conexão se faz sentir através da comunicação e do efeito recíproco.

Então, é um sistema aberto de princípios e regras.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

E uma das funções dos princípios é de promover a interação

entre as regras, para formação de um sistema que seja relativamente coeso,

que seja relativamente harmônico. Daí, porque eu comecei falando, os

princípios orientam a harmonização da ordem jurídica.

E um dos pressupostos dos princípios e regras seria quanto à

finalidade. Quanto à finalidade, os princípios visam promover o valor da

justiça e, a regras, visam promover a segurança jurídica.

Segurança jurídica aqui deve ser entendida a partir de um

binômio. Que binômio? De um lado objetividade e, de outro lado

previsibilidade.

Objetividade, no sentido de que as normas estabelecidas

devem ser normas de fácil apreensão intelectual pelos indivíduos. Quanto

maior o grau de objetividade das normas nesse sentido, maior é a sua

utilidade para sua utilização, para sua aplicação.

Aliás, nós sabemos que, o legislador, por vezes, claramente,

adota uma postura não objetiva, na enunciação das normas, com a finalidade

evidente de dificultar a utilização e, dificultar a sua própria aplicação. Isso

é evidente, isso é uma prática manifesta na atividade administrativa

brasileira.

O Nelson Jobim que, foi Ministro do Supremo, inclusive. Ele foi

Constituinte. Ele chega a dizer claramente, em determinado momento, ele

apresenta a redação de uma determinada norma.

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E aí, ele coloca assim, ele chegou com essa norma, com o

enunciado de um texto daquela norma. E aí, o Ministro Relator disse o

seguinte, olha está muito boa, está muito bem redigida, mas está muito

clara. Faz um enunciado um pouco menos claro, para não ter problema na

hora de aprovar.

Ou seja, faz o texto normativo ser mais obscuro, porque aí, vai

ser mais fácil de aprovar. Olha que loucura. Enquanto que, se entende que o

direito, para ser aplicado pretende ter as suas regras ou as suas normas

enunciadas de forma objetiva e que se torne de fácil apreensão intelectual

pela sociedade. Dificultar a apreensão intelectual da norma, tornando-a

obscura, faz com que ela na prática se torne pouco aplicável ou de difícil

aplicação.

E, a previsibilidade é a máxima de que, a regra do jogo tem que

ser mantida durante o jogo. No meio do jogo não é prevista mudança.

Agora, um tema pontual e relevante é o seguinte. Há como

decorrência imediata e óbvia, de fácil percepção no aspecto jurídico são

três pontos: direito adquirido, coisa julgada e ...

Agora, há outro ponto aqui, que está na fase de segurança que,

no direito brasileiro é pouco enfrentado e, que começa a ser enfrentado

recentemente, que é o princípio da proteção da confiança.

O Valter Shuenquener, por exemplo, tem um livro que foi o

doutorado dele que, é o princípio da proteção da confiança que, é referência

no assunto.

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E esse princípio da proteção da confiança, poderia ser

entendido da seguinte forma. Por vezes, o indivíduo ou a sociedade nutre

legítimas expectativas em relação ao Poder Público. São expectativas

legítimas que, se são oriundas ou da própria Constituição, ou da ordem

jurídica ou da própria regulação do Poder Público.

Não são direitos adquiridos no sentido de direito que tenha

sido incorporado ao patrimônio jurídico da pessoa. Mas, é uma legítima

expectativa desse direito.

Ora, o Poder Público, no entanto, não poderia agir contra essas

expectativas legítimas ainda, que não estejamos diante de direitos

adquiridos.

Onde fica mais evidente isso. É só um exemplo. É no âmbito do

direito constitucional previdenciário, onde a mudança de uma regra

previdenciária implica o reconhecimento de um período de transição. Onde

pessoas que, por vezes, estavam próximas de cumprir as condições da regra

atual, mas não tinham cumprido, portanto, não tinham direito adquirido.

E, aí vem uma mudança do modelo previdenciário que, se torna

talvez, um modelo mais rigoroso do que o modelo anterior. E aí, para o

indivíduo que estava próximo de obter o direito, mas não obteve ainda, é

criada uma regra intermediária, em que ele não tem direito adquirido, mas

em contrapartida ele não é afetado pelo novo modelo.

Esse modelo de transição são modelos estabelecidos com

fundamento no princípio da proteção da confiança, em que há uma

expectativa de direito, não há direito adquirido ainda. Juridicamente, em

tese, é possível a mudança, sem que o indivíduo seja beneficiado.

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Mas, para proteger a confiança, então se estabelece uma regra

de transição.

Voltando, então, para princípios e regras. Não é difícil verificar

e perceber que, por vezes, a busca pela justiça pode importar uma violação

ou um sacrifício da segurança jurídica. Ou, pelo contrário, o

estabelecimento da segurança jurídica, pode importar uma violação do

sentimento ou da busca pela justiça.

Exemplo que fica bastante evidente é a hipótese em que o

indivíduo praticou um crime. Você encontra uma prova cabal da prática

daquele crime. A prova é cabal, quanto à autoria e quanto à materialidade, só

que aquela prova foi adquirida por meio ilícito.

O indivíduo, então, culmina por não ser condenado, porque

apesar da certeza da autoria e da materialidade, aquela prova que, é a única

prova, mesmo sendo cabal, é ilícita ou então, está contaminada. E aí, nesse

caso, não há com condenar o sujeito.

Ora, nesse caso, em nome da segurança jurídica, ou seja, em

nome do respeito às regras do jogo, se toma decisão que é contrária ao

sentimento de justiça.

Por isso que, na sociedade se verifica, por vezes, uma certa

repulsa a algumas atuação do Supremo. Então, o Supremo faz prevalecer

certos direitos fundamentais, mesmo em favor daquelas pessoas que, parece

que são pessoas que não merecem.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Ou mesmo em situações que você vê que, o sentimento de

justiça não queria aquela realidade social. Mas, no sistema normativo aquela

é a solução adequada.

Então, essa é a conclusão que eu queria fazer sobre princípios

e regras.

Vamos adiante. Eu tinha prometido que hoje, a idéia era dar a

aula um aspecto mais prático, mais pontual. Pontuar mais a atuação do

Supremo, ver decisões importantes. E eu vou fazer isso agora.

Então, eu começo primeiro pelas decisões do Supremo. Como eu

falei, algumas decisões que eu acho relevantes são atuais e, outras não são

tão atuais, mas mesmo assim eu acho relevante extrair alguns pontos.

Primeiro, então, seria a ADI 3510 que, trata do tema células

tronco embrionárias, pesquisa com células tronco embrionárias. Nós

sabemos que, o Supremo admitiu à pesquisa, de células tronco embrionárias.

Nós vamos ver alguns pontos interessantes e relevantes no

plano do direito constitucional. É óbvio que essa decisão é uma decisão que,

afeta outros planos, especialmente, o direito civil. Eu não quero fazer uma

abordagem completa do tema, eu quero fazer uma abordagem que nos

interessa em direito constitucional.

O debate estabelecido aqui era relacionado ao início da vida e,

se nesse início da vida, ou dependendo de quando você marca o início da vida

se, a pesquisa com célula tronco embrionária gera uma violação da vida ou

não.

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Então, há duas correntes principais. Uma que diz que, a vida

começa com a fecundação. E, a outra com a nidação. A nidação é aquele

fenômeno que, a célula tronco embrionária, portanto, já fecundada, ela se

prega a parede do útero, então, começa ali os primeiros impulsos nervosos.

A nidação ocorre no décimo segundo, décimo terceiro, décimo

quarto dia, após a fecundação. E, portanto, considerar a fecundação como

sendo início da vida, a pesquisa com célula tronco embrionária viola a vida.

Por quê? Porque a célula tronco embrionária é resultado da

fecundação e é congelada cinco dias após a fecundação. Ela fica congelada.

Se, eu usar aquela célula tronco embrionária, congelada para pesquisa,

entendendo que a vida começa na fecundação, então, há violação a vida. É

uma linha de pensamento.

Outra linha de pensamento é: não, a vida não começa com a

fecundação, a vida começa com a nidação. Portanto, a nidação ocorre no

décimo segundo, ao décimo quarto dia, pós-fecundação a célula tronco

embrionária foi congelada antes da nidação, obviamente.

E, portanto, não há vida ainda. Se, não há vida ainda, a pesquisa

com célula tronco embrionária não viola a vida, então, ela é plenamente

possível.

O problema de enfrentar esse tema, a partir dessa perspectiva

que eu estou dando agora, de quando começa a vida, qual é? É que nem a

ciência consegue definir com precisão quando começa a vida.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Ou seja, no próprio âmbito científico há uma controvérsia séria

que, não é uma controvérsia jurídica, é uma controvérsia científica se, a vida

começa na fecundação ou na nidação.

Então, não parece razoável o Supremo se dá ao trabalho de se

colocar como sendo o último cientista. Ele é o último intérprete, ele é o

último cientista, também? Não. Então, o Supremo tem que definir de forma

absoluta ou rígida se, a vida começa no momento da fecundação.

E aí, o Ministro Ayres Brito, a meu ver, faz um raciocínio

bastante relevante em que, ele tenta contornar o problema, ele tenta

buscar uma posição conciliadora que, vai afastar um pouco, vai tangenciar

esse problema do início da vida.

Ele vai dizer o seguinte, qual é o contexto do congelamento do

embrião da fecundação? O contexto é: aquela célula embrionária é

congelada no processo fertilização in vitro, com a finalidade de reprodução

humana. Então, a idéia é a partir da fertilização in vitro, gerar uma gravidez

e, portanto possibilitar a mulher a ter filho, o casal ter filho.

O direito de ter filho deriva do planejamento familiar. O

planejamento familiar significa não apenas, o direito de não ter filho, não

apenas, o direito de limitar quantos filhos se quer ter, mas, também, o

direito de ter filhos.

Para as três situações: não ter filho; ter o número determinado

de filhos; ou ter filhos, nessas três situações, as pessoas envolvidas podem

utilizar todos os métodos científicos disponíveis para isso. Isso é um direito

constitucional.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Então, você pode se valer de métodos contraceptivos, para não

ter filho e, você pode se valer de métodos indutivos para ter filhos, dentre

estes a fecundação in vitro.

Para que o processo de fertilização in vitro seja bem sucedido,

é necessário, então, que se produzam várias células embrionárias ou, todas

elas sejam congeladas. Porque, não necessariamente, a primeira tentativa dá

resultado. Então, se congelaria algumas células embrionárias.

Olha o raciocínio dele. Se, você entender que aquela célula

embrionária já é vida. Vamos admitir essa tese, só para fins de

apresentação. Se, entendermos que já há vida, então, aquela célula

embrionária tem que ficar congelada.

Só que, cientificamente falando, a utilização de célula

embrionária para fins de reprodução humana, para gerar a vida em si, ela se

dá até três anos de congelamento.

Passados três anos, mais de noventa e nove por cento, dos

casos, aquela célula se torna inútil para reprodução humana. Podendo se

tornar ainda útil, para a pesquisa, mas é inútil para a reprodução humana.

Esse é um dado relevante.

E, é exatamente aqui que, entra a pesquisa, porque o que a Lei

determina é que, passados três anos e, desde que haja autorização das

pessoas envolvidas. Passados três anos, então, aquela célula que não é mais

útil para reprodução humana, então, nesse caso se poderia utilizá-la para a

pesquisa.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

O que ele falou? Se, admitirmos que aquela célula embrionária

já é uma vida, passados três anos de congelamento, ela se tornaria inviável

para a gravidez.

Então, deixar passar os três anos se, encontraria uma violação

da vida, porque se teria prejudicado a utilidade da própria célula

embrionária. Então, você não poderia deixar passar de três anos.

Jogar fora, essa célula tronco violaria a vida. Ou seja,

descartar material violaria a vida. Usar como pesquisa, também, violaria a

vida.

Ou seja, deixar passar os três anos ou deixar congelado ad

eterno violaria a vida; descartar violaria a vida; ou, usar para pesquisa

violaria a vida. Então, restaria que possibilidade? No período de três anos,

às células tronco embrionárias congeladas, deveriam ser obrigatoriamente

utilizadas para fim reprodutivo.

Isso obrigaria a mulher, e a expressão não é minha, é do

Ministro Ayres Brito, Relator, obrigaria a mulher a ter uma verdadeira

ninhada. Obrigar a mulher a ter uma ninhada, viola o planejamento familiar,

viola o direito constitucional de planejamento familiar.

Ah, então, vamos adotar a seguinte forma, que se impeça o

processo de fertilização in vitro e, consequentemente, você o problema pela

raiz. Só que, impedir o processo de fertilização in vitro, impede a mulher, as

pessoas envolvidas, o próprio direito de reprodução, o direito de ter filhos.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Então, você não poderia impedir a fertilização in vitro, como

também, não poderia obrigar a mulher a ter uma ninhada. Então, o resultado

prático que se encontra, qual é? Haverá o processo, desse processo haverá

células tronco embrionárias, nem todas serão utilizadas e, portanto, algumas

passarão de três anos.

O que fazer com essas células tronco? Entre descartar e

deixar congelada. Deixar congelada é a última possibilidade, porque teria

custo que nenhum laboratório quer.

Deixar congelada, descartar ou mandar para pesquisa, das três

soluções possíveis, a melhor solução, aquela que promove melhor a vida seria

a pesquisa. Porque com aquele material você salvaria outras vidas humanas.

Então, parece uma construção bastante coerente. Porque ele

fecha e coloca uma sinuca de bico. Porque ele diz, ou você impede a

fertilização in vitro ou você obriga a ter uma ninhada, nos dois casos está

violando a Constituição.

Então, na verdade, vai para o processo, vai haver sobra. O que

fazer com essa sobra? Usar para pesquisa.

Outra linha de raciocínio desenvolvida por ele é que, a

capacidade que nós estamos falando, concreta, do nascimento com vida, o

que não significa que o direito não proteja o estado intra-uterino, porque o

direito protege.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Mas, a proteção do direito que se dá sobre a existência intra-

uterina se daria numa gradação de níveis. Em que você poderia encontrar

aqui, em determinado nível, o feto que, seria o nível mais avançado, o último

nível antes do nascimento com vida; num estágio anterior, o embrião; e, num

estágio anterior, a célula tronco embrionária.

Ora, essa proteção está em níveis. Então, a proteção que se dá

a criança que nasceu com vida, é plena. A proteção sobre o feto existe, mas

em menor grau. A proteção sobre o embrião, também, é menor.

E, sobre a célula tronco embrionária, independentemente, de

ela ser considerada vida ou não, ela vai ter uma certa proteção, mas,

obviamente, muito mais restrita do que a proteção que existe sobre o feto

ou mais ainda, sobre ainda a criança que nasceu com vida.

Então, não se poderia igualar o nível de proteção jurídica ou a

disciplina jurídica que se dá sobre a célula tronco embrionária, com a

proteção que se deve dar ao feto e acriança que nasceu com vida. São

figuras tanto biologicamente, quanto juridicamente, distintas. Então, a

proteção deve ser distinta.

Usar a célula tronco, para pesquisa não violaria a vida na sua

concepção plena e, portanto, seria plenamente possível.

Ainda nessa linha envolvendo vida e gravidez, outro caso

relevantíssimo da ADPF 54. A ADPF 54 trata da antecipação terapêutica do

parto, de feto anencefálico. É tradicional que vá ter um aborto do feto,

aborto na hipótese de feto anencefálico.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Tecnicamente falando, a melhor expressão eu sugiro que seja,

talvez, numa prova discursiva, você evite o termo aborto do feto

anencefálico, e prefiram usar o termo interrupção da gravidez ou,

antecipação terapêutica do parto.

A ADPF foi proposta pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde. O advogado foi o Barroso. O PGR manifesta o seu

parecer contra a antecipação da gravidez de feto anencéfalo.

E, o que me interessa é, a Débora Duprat que, exerceu

interinamente a função de Procuradora Geral da República, e atualmente é

Vice PGR, ela se manifesta favorável a antecipação de gravidez do feto

anencéfalo.

E aqui, eu listei os principais tópicos de defesa dela, os

principais argumentos dela. Então, o primeiro argumento, a primeira via de

argumentação seria o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana se manifesta aqui,

no sentido de que, obrigar a mulher a conduzir até o final uma gravidez de

feto anencéfalo, seria impor um sofrimento desmedido, na medida em que a

vida, em cem por cento, dos casos é inviável.

Na maioria das situações de gravidez de feto encefálico, na

maioria dos casos, a gravidez não chega ao final. Nos casos em que a

gravidez chega ao final e há o nascimento, a criança nasce e, ela pode se

manter respirando durante alguns minutos, no máximo algumas horas e que é

certo que, haverá a morte, efetivamente, falando.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Há um caso na medicina brasileira de uma menina, o nome da

menina é Marcela de Jesus. Ela conseguiu chegar até um ano e oito meses. E

a medicina coloca que, na verdade, esse caso foi um caso de feto anencéfalo

ou de uma criança anencéfalo, porque a anencefalia é a inexistência do tubo

geral e periféricos.

Há alguns resquícios do tronco cerebral que, permitiriam que

alguns órgãos se mantivessem funcionando por alguns minutos ou por

algumas horas. No caso dessa menina, foi outra má formação, também, fatal,

mas não tão grave quanto à anencefalia em seu sentido clássico.

Por isso que essa menina teria chegado até um ano e oito

meses. Então, ela não poderia servir como referência, nesse caso.

Outra linha de argumentação que, está diretamente ligada a

essa, é o princípio da proporcionalidade. Eu falei obrigar a mulher a levar a

gravidez até o final, implicaria impor a essa mulher, um sofrimento

desmedido.

E aí, portanto, se eu estou falando desmedido, por ser

desmedido, eu estou falando da violação da desproporcionalidade, seria um

sofrimento desproporcional.

Esses dois argumentos são interessantes, porque no direito

brasileiro não se ignora o fato de que, uma gravidez que imponha a mulher

um sofrimento desmedido, é hipótese ...

Qual é a hipótese, juridicamente, reconhecida em que a

gravidez pode ser interrompida, por violação da dignidade humana e pela

imposição do sofrimento desmedido? É a gravidez decorrente de estupro.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Ainda que nesse caso, tanto a saúde da mulher, quanto a saúde

do feto esteja perfeita, se legitima a interrupção, exatamente, porque

aquela gravidez é fruto de uma violência, de estupro que, impõe a mulher um

sofrimento desmedido.

Então, em nome dessa dignidade e, em nome desse sofrimento

desmedido. Ou seja, em nome do princípio da proporcionalidade, desse

sofrimento desmedido, se reconhece a legitimidade da interrupção da

gravidez fruto de estupro.

Ora, se nesse caso, ainda que haja vida saudável, se legitima,

com maior razão ainda, se deveria legitimar a interrupção da gravidez no

caso de feto anencefálico. Por quê? Além do sofrimento desmedido e da

violação da dignidade humana, a vida é, em cem por cento, dos casos,

inviável.

É como se disse o seguinte, não faz sentido se legitimar a

interrupção da gravidez decorrente de estupro e, não se legitimar a

interrupção da gravidez de feto anencefálico.

Ela chega a complementar, dizendo o seguinte que, o legislador,

quando em 1.940 faz o Código Penal, ele só prevê essas duas hipóteses,

porque aquela época, não se tinha mecanismos tecnológicos para se definir

com precisão os casos de anencefalia ou, fazer qualquer tipo de diagnóstico

preciso relacionado à anencefalia.

Então, se hoje o legislador fosse reconhecer isso, o mesmo

reconhecimento para a gravidez fruto de estupro, também, o legislador

hoje, iria legitimar essa gravidez. No mesmo caso. Não reconheceu a época,

porque a época não tinha o contexto tecnológico que nós temos hoje.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Outro argumento utilizado por ela é a saúde da gestante.

Entendida a saúde da gestante aqui, numa acepção ampla. Quando eu falo

acepção ampla, eu estou falando da saúde na sua acepção biológica e na sua

acepção psicológica.

A gravidez de feto anencefálico gera, por causa dessa má

formação, gera alguns riscos para a saúde biológica, mas também, gera risco

para a saúde no seu sentido psicológico.

A OMS, por exemplo, reconhece que a saúde não é só biológica

ou fisiológica, mas também, a saúde psicológica integra o conceito de saúde.

Outra argumentação dela, essa me parece mais complicada é

que ela fala da autonomia reprodutiva da mulher. Essa argumentação dela é

mais complicada.

E aqui, ela faz uma argumentação que não se fundamentaria

apenas, na interrupção da gravidez de feto anencefálico, mas legitimaria o

próprio direito da mulher ao aborto.

Ela diz o seguinte, que num contexto de liberdade, a mulher

não poderia ser obrigada ou, não poderia haver imposição sobre o corpo da

mulher de como ela deva agir, quando essa gravidez fosse indesejada pela

mulher, mas segundo a questão de valoração moral da sociedade envolvente,

ela seria obrigada a conduzir aquela gravidez até o final.

Então, ela teria uma autonomia reprodutiva, tanto no sentido

de querer reproduzir, com no sentido de não querer reproduzir.

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INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Essa argumentação dela legitima não a imposição da gravidez

nesse caso, mas em qualquer tipo de gravidez. Por isso que eu falei que, essa

argumentação é mais polêmica, mais complicada.

E, aí ela faz uma contraposição dizendo o seguinte se, a mulher

tem o direito, tem autonomia reprodutiva, que decorre da sua própria

liberdade. Não poderia, então, a sociedade ou coletividade lhe impor uma

obrigação que afete o seu corpo.

Então, ela teria o direito de interromper a gravidez em

qualquer situação.

Ela parte, a Débora Duprat explica isso, entende dessa forma,

parte desse ponto dizendo o seguinte, se a mulher tem autonomia

reprodutiva em sentido amplo, quando mais ela teria autonomia reprodutiva

no caso de feto anencefálico. Porque a vida é inviável.

A argumentação dela é essa se, a mulher tem o direito a não se

ver obrigada a conduzir uma gravidez até o final, porque isso violaria a sua

liberdade, a sua autonomia reprodutiva, a sua liberdade como direito

fundamental.

Isso que ela está falando é totalmente questionável e

criticado. Mas, para fins de argumentação, concordando com ela se,

realmente, a mulher tem essa liberdade, então, é óbvio ou é mais do que

óbvio que, leva a conclusão de que a mulher, claramente, teria direito a

interromper a gravidez no caso de feto anencefálico.

41
INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Eu disse que essa argumentação dela é problemática, porque há

uma argumentação fora que, vai prejudicar ou não, o debate. É óbvio que ela

colocou aquilo ali, na defesa da tese dela.

Ou seja, é aquela idéia de que há o debate. Você expõe a tese e

vai expondo a tese e vai debatendo, até que num determinado momento,

aquilo que eu apresento, reforça o debate. Isso, também, faz parte do

contexto democrático.

Agora, de certa forma, se, de um lado ela coloca essa tese que

tem um lado de reforçar o debate, é favorável ao direito amplo da mulher a

interromper a gravidez em qualquer situação.

Por outro lado, isso termina gerando um problema. Porque ao

argumentar dessa forma, isso gera para os opositores desse direito da

mulher, um reforço de argumentação contra a interrupção da gravidez,

inclusive, do feto anencefálico, o que talvez, pudesse ser sido resolvido de

forma mais pacífica.

A meu ver, eu acho que foi meramente, uma estratégia jurídica

aqui, para defender uma tese. Nesse caso, eu acho que ter colocado essa

tese, nesse contexto pode ter prejudicado o debate. Não vai prejudicar

definitivamente, mas eu acho que dá mais argumentação para quem não

concorda nem mesmo com a interrupção da gravidez de feto anencefálico.

Porque mesmo que eu não concorde com a autonomia

reprodutiva da mulher, com a liberdade, mesmo eu não concordando com

esse direito dela, amplo, eu posso admitir ainda, a interrupção da gravidez

de feto anencefálico, por causa do contexto específico dessa gravidez, em

razão da saúde, dignidade da pessoa humana, sofrimento e tudo mais.

42
INTENSIVO MPF - Aula 17 – Constitucional – João Mendes

Eu acho que colocar as duas coisas na mesma argumentação é

problemático.

E o último argumento que ela coloca é que, essa interrupção da

gravidez de feto anencefálico, não se confunde com o chamado aborto

eugênico. O aborto eugênico é um aborto seletivo em que, o critério

utilizado aqui é a má formação do feto ou, determinadas características do

feto.

Quando eu falo má formação do feto, é assim, ainda que o feto

não apresente má formação, mas ele não tem as características que eu

quero, ou que o Estado quer ou, que os pais querem ou, que a coletividade

quer, então, isso legitimaria esse aborto eugênico.

Então, se o feto tem uma síndrome qualquer, uma má formação

qualquer, isso legitimaria a interrupção da gravidez pela má formação. É o

aborto eugênico. Não é o caso aqui.

Porque aqui não se está selecionando a vida que se quer

salvaguardar ou não, por causa de uma má formação ou de uma má

característica. Aqui se está legitimando a interrupção da gravidez, por

força da inviabilidade da vida. Então, não seria, propriamente, um aborto

eugênico.

Aí, sim, eu acho que é uma argumentação muito importante ser

feita, para diferenciar as duas coisas. O aborto eugênico, por causa até da

história da humanidade. Você tem na história, momentos em que se defende

a idéia de uma raça pura, e aí, o racismo talvez, seja o maior ícone desse

fenômeno, isso gera certa repulsa a alguns indivíduos.

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Então, você faz um aborto eugênico, na questão da seleção dos

melhores. Então, rejeita o feto com má formação ou o feto que não tem as

características que se quer ter, que os pais, ou a coletividade quer que

tenha. Então, esse aborto é legitimado.

Aliás, nós temos um caso recente, no Sul. A mulher teve

trigêmeas, duas meninas são saudáveis e uma nasce com problemas

respiratórios. Esses pais, simplesmente, falaram o seguinte, nós queríamos

ter um. A mulher fez gestação assistida, e nesse caso, a mulher se viu

grávida de mais de um.

Eles queriam um, mas aceitavam ter dois. E aí, a mulher estava

grávida de três. Nós queremos ter dois é o nosso planejamento. E aí,

nasceram as três meninas, uma delas com má formação respiratória. E, aí, na

hora de sair da maternidade, falaram não, nós queremos essa e essa, aquela

ali, não. Como é que pode? Isso chega causar perplexidade.

Eu vi aquela maciça crítica da sociedade e, eles vão voltar lá,

porque se arrependeram. E aí, foram lá pegar, mas parece que o Ministério

Público entrou com uma ação e o juiz determinou o afastamento.

No primeiro momento, o contato seria uma hora por dia e,

agora, parece que ele autorizou o contato diário, mas as crianças vão ficar

na casa dos tios maternos. Não deixou as crianças com os pais. Nenhuma

delas, as três crianças com os tios maternos.

Então, essas duas questões aqui, a ADPF 54 e a ADI 3510 que,

trata de feto anencefálico.

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Outro caso que eu quero comentar com vocês, é da ADPF 132 e

a ADI 4277. Essa ADI3277, na verdade, foi proposta como ADPF e aí, ela

foi convertida em ADI.

E aqui eu quero fazer um comentário de controle, um

comentário processual, para depois entrar na questão em si.

Vocês sabem que, a ADPF, enquanto ação é um mecanismo de

controle de abstrato. Portanto, o processo da ADPF é um processo objetivo,

tem natureza objetiva. Processo objetivo pela ausência de interesse

subjetivo em jogo, ausência de interesse subjetivo em concreto a ser

discutido.

Só que, como o objeto da ADPF, em muitos pontos engloba o

objeto da ADI. Porque a Lei da ADPF pode ser atacada contra ato do Poder

Público lato sensu. Enquanto a ADI é Lei ou Ato Normativo Federal ou

Estadual. Obviamente, que Ato Normativo Federal ou Estadual é tipo de ato

do Poder Público.

Então, há pontos em que determinado ato do Poder Público

pode ser caracterizado como Ato Normativo Federal e, pode ser objeto de

ADI. Por isso que a Lei da ADPF que, é a Lei 9.882/99, no seu art. 4º,

parágrafo 1º, determina lá, o princípio constitucional que, é o princípio da

subsidiariedade da ADPF.

Então, a ADPF é cabível quando não houver outro mecanismo

eficaz para sanar a violação ao preceito fundamental. A ADPF foi proposta

e, na própria ADPF houve o pedido se, o Supremo entendesse que não fosse

caso de ADPF ela seria convertida em ADI. E o Supremo fez isso.

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Então, se a ADPF é proposta e o objeto apresentado na ADPF

for passível de ADI, na verdade. Há uma controvérsia se, seria ADI ou se

seria ADPF.

O autor resolve propor a ADPF, mas depois o Supremo

enquadra como ADI, porque o objeto seria de ADI e, portanto, não cabível a

ADPF, ele recebe a ADPF como ADI, convertendo a ADPF em ADI.

Aqui eu não sei se, seria adequado falar em princípio da

fungibilidade na ADPF, porque o Supremo não permite. A ADPF pode ser

convertida em ADI se, os requisitos ali estiverem satisfeitos. Mas, o

Supremo até agora, eu não vi converter nenhuma ADI em ADPF.

Então, na verdade, foram duas ADPFs propostas. Uma como

ADPF e, a outra convertida como ADPF. Porque a outra que foi convertida

como ADPF, foi ADPF proposta pelo Governador do Estado do Rio de

Janeiro, relacionada a uma Lei anterior a 88. No caso, como não cabe ADI

contra Lei anterior a 88, a Constituição de 88, só ADPF, então, ela foi

convertida em ADPF.

E esses dois casos, são duas ações relacionadas à união

homoafetiva. A primeira abordagem aqui foi o comentário mais processual

das ações. Como as duas ações, o objeto de uma está englobado no objeto da

outra, as duas foram julgadas em conjunto.

Isso vale não apenas, para ADI e ADPF, mas vale para qualquer

caso do Supremo. O Supremo conjugar várias ADPFs sobre a mesma questão

jurídica, várias ADIS sobre a mesma jurídica, vários REs sobre a mesma

questão jurídica. Enfim, é questão regimental.

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Se, verificar que há questões jurídicas idênticas, pode haver o

julgamento em conjunto. Mesmo que sejam relatores diferentes. Que, não

foi o caso aqui, porque como foi proposta, primeiro uma ADPF e, depois a

outra ADPF, por prevenção foi o mesmo relator que é o Ayres Brito.

Intervalo.

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