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Gladston, MAMEDE ,.

 Direito Empresarial
Brasileiro - Falência e Recuperação de
Empresas . Grupo GEN, 2020. [Grupo GEN].1

Administrador Judicial
1EFETIVAÇÃO DE ATOS

A efetivação dos atos da falência e da recuperação judicial pressupõe a prática de atos


trabalhosos que, por seu volume e complexidade, não devem ser praticados pelo próprio juiz.
Para auxiliá-lo, criou-se a função do administrador judicial, escolhido pelo juiz, que o nomeará
na sentença que decretar a falência (artigo 99, IX, da Lei 11.101/05) ou no mesmo ato em que
deferir o procedimento da recuperação judicial (artigo 52, I). Essa escolha deverá respeitar os
critérios (artigo 21): profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista,
administrador de empresas ou contador, embora também aceite a figura da pessoa jurídica
especializada.
Não mais se prefere um comerciante, entre os maiores credores, como fazia o Decreto-lei
7.661/45, conduzindo à escolha de pessoa sem conhecimento suficiente para um procedimento
técnico-jurídico. A Lei 11.101/05 opta por profissional tecnicamente idôneo para o desempenho
da função, sendo pessoa da confiança do juiz. Na definição das qualidades do administrador
judicial, três elementos chamam a atenção e merecem exame: (1) idoneidade para o
desempenho da função; (2) a preferência por advogado, economista, administrador de empresas
ou contador; e (3) a possibilidade de escolha de pessoa jurídica para administrar a falência ou
recuperação judicial da empresa.
Ouça-se o que disse o Superior Tribunal de Justiça no acórdão que solucionou o Recurso
Especial 1.163.143/SP: “O administrador judicial cujos atos são submetidos à fiscalização do
juiz – este orientado, em especial, pelos princípios da celeridade e da economia processual – e
do comitê de credores, ao qual cumpre zelar pelo bom andamento do processo e pelo
cumprimento da lei (art. 27, alínea “b”), investe-se, no ato de sua nomeação, de uma série de
prerrogativas e deveres, sujeitando-se às formalidades e prazos prescritos na LRE, sob pena de
desobediência e, até mesmo, de destituição de suas funções (art. 23). Equivale dizer que o
administrador judicial e demais interessados, principalmente credores, sem apego à índole
simples ou complexa da recuperação judicial ou da falência, devem buscar a prevalência, em
todos os estágios procedimentais, de expedientes mais céleres e econômicos que, consentâneos
com as normas de regência, possam legitimar o devido deslinde desses especiais processos.”

2IDONEIDADE

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Em primeiro lugar, o administrador judicial deverá ser um profissional idôneo. Idôneo é o
que é apropriado, adequado, conveniente, capaz, suficiente, merecedor. Idoneidade profissional,
portanto, é capacidade e adequação profissional, conveniência e suficiência para o desempenho
da função. Essa constatação leva, de imediato, à exclusão da idoneidade financeira, outrora
listada no artigo 60 do Decreto-lei 7.661/45, já que tal qualificação não torna a pessoa mais
capaz, adequada ou merecedora para o desempenho da administração judicial. É idoneidade
técnica e moral. A moral, assim como o Direito, é uma referência que guarda relações com o
tempo e o lugar, havendo profundas distinções quando considerados épocas e/ou lugares
distintos. Mas, afora situações limites, as sociedades tendem a compreender, com maior ou
menor precisão, o que se entende por negativo, mal, condenável e viciado, em oposição ao que
se considera bom, digno e virtuoso. No que tange ao administrador judicial, há um conjunto de
virtudes morais mínimas dele esperadas, sem as quais não se pode aceitar que desempenhe a
função. É preciso ter em vista a finalidade da investigação (o desempenho da função de
administrador judicial) e reconhecer que os próprios valores morais são contestáveis e que a
moral é evolutiva, embora haja um núcleo comumente aceitável.
Há uma referência moral que é própria do Direito Empresarial, cuidando daqueles que estão
impedidos de ser empresários ou administradores societários (artigo 1.011, § 1 , do Código
o

Civil), não devendo ser aceitos como administradores: condenados a pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou
suborno, concussão, peculato, crimes contra a economia popular, contra o Sistema Financeiro
Nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé
pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. Somem-se os
impedimentos dispostos em lei especial: magistrados, membros do Ministério Público e
militares. De resto, a própria Lei 11.101/05 lista uma hipótese objetiva de ausência de
idoneidade moral. O artigo 30 veda o exercício das funções de administrador judicial a quem,
nos últimos cinco anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do
Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas
dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.
Para além da falta de idoneidade moral, o § 1  do artigo 30 da Lei 11.101/05 lista hipóteses
o

de impedimento. De acordo com esse dispositivo, está impedido de exercer a função de


administrador judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3  grau com o
o

devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo,


inimigo ou dependente. Essas relações de parentesco, afinidade, amizade, inimizade ou
dependência serão melhor estudadas quando do estudo, no Capítulo 5, do comitê de credores,
para o qual vige a mesma regra.

3PREFERÊNCIA POR ADVOGADO, ECONOMISTA, ADMINISTRADOR DE


EMPRESAS OU CONTADOR

O administrador judicial ainda deverá ter idoneidade técnica para a função, ou seja,
capacidade técnica para o desempenho dos atos que a lei lhe atribui, o que não se confunde, em
nada, com o exercício das funções de empresário ou comerciante. Por isso o artigo 21, caput, da
Lei 11.101/05 afirma que a escolha deverá recair preferencialmente em advogado, economista,
administrador de empresas ou contador. Não se trata, porém, de uma imposição, mas apenas de
uma sugestão, já que a norma usa o termo preferencialmente. Não há, sequer, uma preferência
em sentido estrito, a implicar que, havendo na localidade profissional de qualquer uma daquelas
áreas, o juiz estará obrigado a escolhê-lo e, somente se não houver ninguém que exiba uma
daquelas qualificações, poderá escolher quem não as tenha. Apenas se considerou que tais
profissionais, pela formação que em tese tiveram, estariam mais aptos ao exercício das funções
de administrador judicial. No caso concreto, pode ser bem diferente.
Em algumas circunstâncias, todavia, essa preferência deve ser considerada com mais rigor,
tendo em vista o princípio da economia processual, conforme previsão do artigo 75, parágrafo
único, da Lei 11.101/05. Na falência de empresas de pequeno porte, a nomeação de um
advogado para desempenhar a função de síndico oferece a grande vantagem de permitir a
cumulação da representação civil da massa falida com a sua representação processual (em
situação análoga à advocacia em causa própria), dispensando a contratação de advogado para
auxiliar o administrador, o que pode elevar as despesas da massa, créditos extraconcursais que
são, segundo previsão do artigo 84, I, da Lei 11.101/05. Trata-se de uma vantagem que não
pode ser desconsiderada pelo Judiciário, a quem cumpre a preservação de todos os direitos e
interesses que se enfeixam no juízo universal.

4PESSOA JURÍDICA

A Lei 11.101/05 permite que uma pessoa jurídica seja nomeada para a administração
judicial da falência ou da recuperação judicial. O legislador usou a expressão pessoa jurídica
especializada, e não sociedade especializada, deixando claro que podem ser nomeadas
sociedades, associações e fundações, desde que mostre capacidade para enfrentar os desafios da
administração judicial da falência ou recuperação judicial. No que toca às sociedades, não
houve limitação de natureza (simples ou empresária), nem de tipo societário: sociedades em
nome coletivo, em comandita simples, limitadas, anônimas ou, até, cooperativas. Apenas devem
ser pessoas jurídicas com existência regular e revelar especialização para o desempenho da
atividade, requisito que será atendido sempre que seu objeto social seja afim às áreas que
o caput do artigo 21 lista como preferenciais para o desempenho da função: advocacia,
economia, administração de empresas (incluindo objetos afins, como consultoria, assessoria
etc.) e contabilidade. Isso implica reconhecer que mesmo as sociedades de advogados podem,
sim, ser nomeadas para o desempenho da função, já que se trata de ato de advocacia, atendendo
aos requisitos da Lei 8.906/94. 1

Por fim, sabe-se que as pessoas jurídicas podem ser nacionais ou estrangeiras, o que se afere
por sua sede e pela legislação que foi seguida para a sua constituição – e não pela nacionalidade
de seus membros ou pela origem do dinheiro empregado para a formação de seu capital social
ou fundos sociais. Observando atentamente a Lei 11.101/05, bem como o Código Civil, não se
vê norma que exija que a pessoa jurídica nomeada para desempenhar a função de administrador
judicial seja nacional, isto é, que tenha sede no Brasil e tenha sido constituída segundo as leis
brasileiras; em oposição, não há vedação, nas normas gerais, para que pessoa jurídica
estrangeira, devidamente autorizada a funcionar no Brasil (quando necessário), desempenhe tal
função. Assim, é possível a nomeação para a administração judicial de uma falência ou
recuperação de empresa de pessoa jurídica estrangeira – vale dizer, constituída com base em
legislação estrangeira e com sede no exterior e apenas filial, sucursal ou agência no Brasil.
Também não há qualquer limitação sobre a nacionalidade dos bens, fundos sociais ou capital
social, nem quanto à nacionalidade dos associados ou sócios.
Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, estabelece o parágrafo único do
artigo 21 da Lei 11.101/05 que será declarado, no termo de compromisso de bem e fielmente
desempenhar o cargo, que deve ser assinado logo após a nomeação, o nome de profissional
(uma pessoa natural, portanto) responsável pela condução do processo de falência ou de
recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz. Esse profissional
não deve ser considerado o administrador judicial, mas o responsável pela administração
judicial, atuando em nome da pessoa jurídica responsável, e assumindo, solidariamente àquela,
a responsabilidade pelos atos de administração que venham a ser praticados comissiva ou
omissivamente. Pode ser um sócio ou um associado da pessoa jurídica, da mesma forma que
pode ser apenas seu empregado, o que é indiferente. Mas é pessoa que deve atender aos
requisitos do caput do citado artigo 21, o que inclui, por certo, idoneidade moral e técnica para
o desempenho da função, nos termos acima estudados.

5POSSE, SUBSTITUIÇÃO, DESTITUIÇÃO E RESPONSABILIDADE

A escolha do administrador judicial não é ato que exija fundamentação, já que não há
controvérsia jurídica. Logo após a nomeação, o escolhido será intimado pessoalmente para, em
48 horas, assinar, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o
cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes (artigo 33 da Lei 11.101/05). O ato de
posse na função e a assunção da competência e dos poderes de administração judicial estão
diretamente vinculados à assinatura tempestiva do termo de compromisso, ato que, dessa
maneira, assume condição análoga a um termo de posse na função. O juiz nomeará outro
administrador judicial se não for assinado o termo de compromisso no prazo legal de 48 horas,
contado da intimação pessoal da nomeação (artigo 34).
Verificado que a nomeação do administrador judicial desobedeceu aos preceitos da Lei
11.101/05, o empresário, o administrador da sociedade empresária, qualquer credor ou o
Ministério Público poderá requerer sua substituição ao juiz (artigo 30, § 2 ). O pedido de
o

substituição dirige-se contra a nomeação do administrador, não contra a sua atuação. Em se


tratando de pessoa jurídica, o pedido poderá impugnar tanto sua escolha, quanto a escolha da
pessoa natural indicada como responsável para a condução do processo, assim como ambos,
pelas mesmas razões ou por razões distintas. Aliás, a substituição do profissional indicado pela
pessoa jurídica para a condução do processo pode ser determinada, de ofício, pelo magistrado,
antes da assinatura do termo de compromisso.
Recebendo o pedido de substituição, o juiz o decidirá em 24 horas (§ 3 ); aqui, sim, tem-se
o

uma questão controversa, razão pela qual esta decisão deverá ser fundamentada, sendo
impugnável por meio de agravo. Esse agravo não é alcançado pela limitação do artigo 1.015 do
Código de Processo Civil e deve ser compreendido como alcançado pelo seu inciso XIII. Pensar
o contrário seria permitir que uma eventual revisão futura invalidasse todos os atos praticados
pelo administrador judicial, incluindo alienações, com prejuízos inconcebíveis para a segurança
jurídica. Embora a lei não o preveja, é direito do impugnante requerer a produção de provas
para provar seus argumentos, não se limitando a documentos. Esse requerimento deverá ser
apreciado e, se for deferido, abrir-se-á uma instrução sumária para a produção da prova
deferida: testemunhas, ofício a autoridades etc.
Ao longo do processo, o juiz poderá determinar a destituição do administrador judicial, de
ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado. A destituição decorre da
desobediência aos preceitos legais, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática
de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros. Em se tratando de pessoa jurídica, o
magistrado poderá destituí-la da função de administrador ou simplesmente determinar a
substituição do profissional indicado como responsável perante o juízo, se tal medida for
suficiente. No ato de destituição, o juiz nomeará um novo administrador judicial.
A decisão que determina ou indefere a substituição (artigo 30, § 2 ) ou a destituição (artigo
o

31) do administrador encerra questão processual relevante, caracterizando-se, portanto, como


interlocutórias, a exigir fundamentação, ainda que sucinta. A decisão que indefere o pedido de
substituição ou de destituição pode ser objeto de agravo, interposto pelo devedor, por qualquer
credor ou pelo Ministério Público, mesmo não sendo o autor do pedido de substituição ou
destituição, já que a decisão afeta a tese exposta no pedido e esta, por seu turno, afeta todos, não
apenas aquele que a formulou. Contudo, ninguém tem legitimidade para pedir a manutenção do
administrador judicial, já que é pessoa da confiança do juiz. Uma vez mais, acredito que o
agravo, nessa hipótese, não é alcançado pela limitação do artigo 1.015 do Código de Processo
Civil e deve ser compreendido como alcançado pelo seu inciso XIII.
O administrador judicial não pode recorrer da decisão que o substituiu ou o destituiu já que
não tem direito à função, nem é parte do processo; é auxiliar que deve merecer a confiança do
juiz. No entanto, para além do afastamento da função, o ato de destituição tem por efeito vedar
o exercício das funções de administrador judicial por cinco anos (artigo 30 da Lei 11.101/05).
Portanto, os fundamentos da destituição podem, sim, constituir uma ilegalidade ou abuso de
autoridade, lesando direito do destituído, já que o impediriam de ser nomeado administrador em
outros feitos. A solução é o oferecimento de mandado de segurança pelo administrador judicial
destituído, cujo pedido será apenas para desconstituir a fundamentação desabonadora e o
impedimento para nomeação futura, ainda que não possa haver pretensão de retornar à função.
Se a destituição se deu em processo de falência, o administrador judicial substituído prestará
contas no prazo de 10 dias, listando todos os atos praticados, com documentos comprobatórios.
Esse material será autuado em autos apartados, apensados aos autos da falência (artigo 154 da
Lei 11.101/05). Recebendo as contas, o juiz ordenará a publicação de aviso de que foram
entregues e se encontram à disposição dos interessados, que poderão impugná-las no prazo de
10 dias. Essa publicação será feita preferencialmente na imprensa oficial e, se o devedor ou a
massa falida comportar, em jornal ou revista de circulação regional ou nacional, bem como em
quaisquer outros periódicos que circulem em todo o país (artigo 191 da Lei 11.101/05). A
publicação conterá a epígrafe “recuperação judicial de”, “recuperação extrajudicial de” ou
“falência de”. Ao fim dos 10 dias, realizadas as diligências necessárias à apuração dos fatos, o
juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de cinco dias, findo o qual o
administrador judicial será ouvido se houver impugnação ou parecer contrário do Ministério
Público. Cumpridas todas essas providências, o juiz julgará as contas por sentença. Se as contas
forem rejeitadas, o juiz fixará responsabilidades, podendo determinar a indisponibilidade ou o
sequestro de bens; a sentença servirá como título executivo para indenização da massa. Com
efeito, por previsão do artigo 32 da Lei 11.101/05, o administrador judicial responde pelos
prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa. Dessa
sentença cabe apelação.

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