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Desde o início dos anos 50, o Brasil vem passando por grandes mudanças nas
dinâmicas econômicas e sociais, sendo estas alavancadas, em grande parte, pelo
processo de industrialização e pelo desenvolvimento tecnológico.
Neste contexto, o Direito Tributário passou a ser utilizado pelo Estado como
instrumento regulador do desenvolvimento urbano, por meio da aplicação e ajuste
de tributos.
Tal utilização veio em decorrência do tributo, ao ser analisado quanto à sua natureza
jurídica, apresentar uma finalidade que transcende a esfera arrecadatória, de modo
que a sua utilização pode ser destinada para demandas de natureza extrafiscal, que
abarquem questões demandas sociais, políticas e econômicas, enquanto proporciona
estímulos ou desestímulos para determinadas condutas do contribuinte.
A este respeito, MAZZA se utiliza das palavras de Geraldo Ataliba para estabelecer
um conceito de tributo com base na sua plurissignificatividade.
Desta forma, é definido como tributo toda relação jurídica obrigacional instituída
por lei, na qual o cidadão, ora contribuinte, se obriga a efetuar o pagamento de uma
determinada prestação em dinheiro para o Estado, com finalidade de arrecadação de
receitas para os cofres públicos.
1
BRASIL. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25
out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm Acesso em: (04 nov. 2021).
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Lado outro, SCHOUERI, entende que “o tributo é (i) receita derivada; (ii) instituído
por entidades de direito público; (iii) nos termos da constituição e das leis vigentes;
(iv) destinando-se seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas” .2
Desta forma, sob uma síntese dos conceitos de ambos os autores, é possível
estabelecer como conceito de tributo a prestação pecuniária, ou seja, o pagamento
através de dinheiro, realizado ao Estado de maneira obrigatória, que possua previsão
expressa na legislação, destinação para o custeio de atividades gerais ou específicas da
administração pública e não se caracterize como multa por ato ilícito cometido pelo
contribuinte, devendo ser constituído e cobrado após o seu lançamento pelo fisco.
Não obstante, pontua que “todo tributo tem esse efeito na economia, de estimular
ou desestimular condutas, ainda que isso não seja conhecido ou desejado por quem
o idealiza. A extrafiscalidade consiste em utilizar deliberadamente esse efeito para
a consecução de propósitos específicos. É o caso do imposto de importação e do
imposto de exportação, que são majorados ou reduzidos para interferir no comércio
exterior, ora estimulando importações, ora desestimulando-as, para proteção e controle
do mercado interno”.3
2
SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. pag. 86.
3
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário.11. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. pág. 51.
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Lado outro, para o fisco, a isonomia tributária atua no sentido de que a entidade
administrativa não venha a praticar atos durante o exercício de suas funções de
fiscalização e arrecadação de tributos que proporcionem a incitação e/ou promoção
da desigualdade entre contribuintes.
4
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: (04 nov. 2021).
5
NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. pag. 109.
6
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário.11. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. pag.61.
82
7
SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial. 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. pág. 13.
8
Ibidem. pag. 14.
83
Neste caso, ocorre que as alíquotas são fixadas em um percentual pré estabelecido
pela legislação, tomando como base de cálculo um determinado bem que possa se
tornar suscetível a modificações em seu preço com o decorrer do tempo, cabendo à
entidade administrativa analisar e averiguar tais mudanças.
Desta forma, entende-se que a cobrança de tributos realizada pelo Estado deverá
se ater aos limites da capacidade contributiva, de modo que não ocorra o excesso
capaz de trazer prejuízos ao contribuinte.
9
Ibidem. pag. 14.
10
SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial. 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. pag. 14.
11
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. pag. 153.
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Desta forma, é necessário que o fisco se atente em realizar analisar toda a carga
tributária do país antes de realizar a cobrança de um determinado tributo, a fim de
não causar uma onerosidade excessiva perante o contribuinte, de modo que ultrapasse
os limites de sua renda e patrimônio.
Lado outro, o §2º deste mesmo artigo ainda prevê a possibilidade de abrangência
das áreas sujeitas à urbanização e à suspensão do município, conforme se verifica
“a lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão
urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à
habitação ou a comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos
do parágrafo anterior”.13
12
BRASIL. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25
out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: (04 nov. 2021).
13
Ibidem.
14
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula Nº 626. Disponível em: https://www.stj.jus.br/ publicacaoinstitucional/
index.php/sumstj/article/download/5055/5182 Acesso em: (04 nov. 2021).
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Quanto ao fato gerador do IPTU, ainda segundo o Art. 32, será a propriedade, o
domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física localizado
na zona urbana do Município.
O domínio útil, por sua vez, consiste no exercício dos direitos de uso, gozo e
fruição do imóvel, sem a possibilidade de exercer o direito de disposição.
Por fim, a posse, prevista no Art. 1.196 do Código Civil, se caracteriza como a
exteriorização da propriedade, ou seja, o exercício de algum dos poderes inerentes
à propriedade.
Observe-se que, no caso do IPTU, o fato gerador está diretamente atrelado à figura
do contribuinte e à maneira como o mesmo se relaciona com o imóvel.
Neste diapasão, o Art. 34, do CTN estabelece que será contribuinte do IPTU o
proprietário do imóvel, sendo possível, no entanto, o reconhecimento do titular do
domínio útil ou do possuidor.
O autor ainda ressalta que a posse exercida da maneira simples, como ocorre no
caso de alguns direitos reais, não possui o animus domini por parte do beneficiário,
de modo que não é capaz de ensejar a incidência do fato gerador do IPTU, recaindo
este sobre o proprietário.
Por fim, ainda pontua que na hipótese de o imóvel não estar devidamente
regularizado no que diz respeito à concessão de direitos reais, será reconhecido
como contribuinte aquele que estiver em posse do imóvel, exercendo a posse com
animus domini, ou seja, como se fosse proprietário do mesmo.
15
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: reais, volume 4. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. pág. 42.
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Desta forma, com exceção do proprietário, somente poderá ser reconhecido como
contribuinte aquele que for titular do domínio útil e da posse e utilizar do imóvel de
forma semelhante ao proprietário, sem limitações quanto ao uso ou fruição, como
no caso de determinados direitos reais.
Desta forma, nas hipóteses em que haja a relação de locação, a incidência do IPTU
recairá obrigatoriamente sobre o locador (proprietário do imóvel).
Quanto à base de cálculo do IPTU, o Art. 33, do CTN a determina como sendo o
valor venal do imóvel, sem levar em consideração o valor de quaisquer bens móveis
que sejam mantidos no mesmo.
16
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 619.827 AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 18.11.2014, DJe-
249, divulg. 17.12.2014, public. 18.12.2014. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/ paginador.
jsp?docTP=TP&docID=7504762 Acesso em: (04 nov. 2021).
17
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula Nº 614. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/ sumanot/toc.
jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27614%27).sub. Acesso em: (04 nov. 2021).
18
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula Nº 399. Disponível em: https://www.stj.jus.br/ publicacaoinstitucional/
index.php/sumstj/article/download/5433/8998 Acesso em: (04 nov. 2021).
19
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 7. ed. ,São Paulo: Saraiva Educação, 2021. pág. 285.
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A este respeito, inclusive, o STF possui entendimento pacificado para dizer que a
atualização do valor venal “[...] não se faz pela aplicação de índices inflacionários, mas
pela perquirição do mercado. Sendo impossível à Administração Municipal fazê-lo,
caso a caso, imóvel a imóvel, é admitida a chamada Planta Genérica de Valores”.20
Desta forma, entende-se que o valor venal do imóvel deverá ser apurado de
acordo com a “planta de valores”, estipulada com base em uma quantificação média
da metragem imobiliária no Município.
Ressalte-se, neste caso, que a não observância aos índices oficiais de correção
monetária induzem à aplicação da Súmula Nº 160 do STJ, no qual “é defeso, ao
Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice
oficial de correção monetária”.21
20
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE Nº 180.193. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. 30 de novembro de 2005.
Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1593172 Acesso em: (04 nov. 2021).
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula Nº 160. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_int ernet/revista/
eletronica/stj-revista-sumulas-2010_11_capSumula160.pdf Acesso em: (04 nov. 2021).
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Desta forma, a base de cálculo IPTU não poderá ser majorada sem a edição de
lei, sendo somente permitida a sua correção monetária caso a mesma siga os índices
oficiais determinados pelo Estado.
Sendo assim, “[...] quanto mais tempo mantida a situação agressiva à finalidade
social da propriedade, maior será a alíquota aplicável no lançamento do IPTU”.22
Entretanto, tal instituto possui uma limitação, prevista no Art. 7º, do Estatuto da
Cidade, no qual se estabelece o prazo máximo de 5 anos consecutivos para a aplicação
da progressividade na alíquota.
22
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
pág. 585-586.
23
BRASIL. Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2001.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm Acesso em: (04 nov. 2021).
24
NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. pág. 229.
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Neste ponto, MAZZA ressalta que “[...] a norma constitucional impõe ao legislador
o dever de combinar uso e localização para determinar a diferenciação nas alíquotas”,26
ou seja, o ente municipal deve estabelecer um critério para fixação da alíquota no que
diz respeito à forma que o imóvel é utilizado, correlacionado com uma área delimitada.
25
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019. pág. 101.
26
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. pág. 286.
27
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
pág. 586.
28
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário.11. ed. São Paulo: Atlas, 2019. pág. 102.
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Lado outro, para os imóveis que possuem finalidade residencial, na Súmula 539,
o STF decidiu que “é constitucional a lei do Município que reduz o imposto predial
urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro”.29
Neste caso, a variação de alíquota pode ser útil no sentido de que o Município
condicione e incentive o contribuinte a ocupar preferencialmente determinadas áreas,
de modo a proporcionar uma ocupação territorial sustentável.
Ademais, MACHADO SEGUNDO entende que “[...] podem ser usados outros
critérios para a seletividade, ligados à preservação do patrimônio histórico, ao meio
ambiente urbano, à arborização da cidade etc.”.31
29
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Nº 539. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/ pages/search/seq-
sumula539/false Acesso em: 04 nov. 2021.
30
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
pág. 586.
31
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário.11. ed. São Paulo: Atlas, 2019. pág. 102.
92
passou a ser utilizado no âmbito da extrafiscalidade para atuar como regulador das
condutas dos contribuintes.
A respeito do Direito Tributário, foi possível constatar que o mesmo não se limita
apenas a adquirir recursos par o Estado por meio da tributação, de modo que seus
princípios e normas também se voltam para meios de promover o bem estar social e
combater as desigualdades no âmbito econômico.
Desta forma, sob a análise do IPTU, que além de sua função arrecadatória também
possui uma finalidade extrafiscal, foi constatada a existência e aplicação de sistemas
de alíquotas diferenciadas e progressivas sob parâmetros definidos pelo Município,
dentre os quais estão o uso, localização e valor do imóvel, ferramentas estas que
passaram a ser previstas na legislação e reconhecidas pela jurisprudência.
Por fim, restou constatado que o IPTU também pode ser utilizado para trazer
benefícios tributários ao contribuinte hipossuficiente, de modo que o Município
venha a promover uma tributação através da aplicação de alíquotas menores, a fim
de combater as desigualdades sociais e econômicas.