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TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR

INTRODUÇÃO podem contar com esse tratamento parificado na


hipótese de vir o devedor a encontrar-se numa
Sabe-se que a garantia dos credores é
situação patrimonial que o impeça de honrar,
representada pelos bens do patrimônio do
totalmente, seus compromissos.
devedor. Isto quer dizer que, em ocorrendo o
inadimplemento de qualquer obrigação por parte A falência é a execução concursal do devedor
de determinada pessoa, o credor desta poderá empresário. Quando o profissional exercente de
promover, perante o Poder Judiciário, a execução atividade empresária é devedor de quantias
de tantos bens do patrimônio do devedor quantos superiores ao valor de seu patrimônio, o regime
bastem à integral satisfação de seu crédito jurídico da execução concursal é diverso daquele
que o direito prevê para o devedor civil, não
Quando, porém, o devedor tem, em seu
empresário
patrimônio, bens de valor inferior à totalidade
de suas dívidas, quando ele deve mais do que O direito falimentar refere-se ao conjunto de
possui, a regra da individualidade da execução regras jurídicas pertinentes à execução
torna-se injusta. Isto porque não dá aos credores concursal (competição, com outras pessoas para
de uma mesma categoria de crédito as mesmas pretender alguma coisa) do devedor empresário,
chances. as quais não são as mesmas que se aplicam ao
devedor civil.
Aquele que se antecipasse na propositura da
execução possivelmente receberia a totalidade do A falência, como um regime diferenciado de
seu crédito, enquanto os que se demorassem não execução concursal do empresário, importa, a
receberiam nada, posto encontrarem o patrimônio rigor, em um tratamento mais benéfico do
do devedor já totalmente exaurido. devedor exercente de atividade econômica sob
a forma de empresa em relação ao tratamento
Para se evitar essa injustiça, conferindo as
que o direito concede às demais pessoas. E isto se
mesmas chances de realização do crédito a
pode perceber pelas seguintes diferenças
todos os credores de uma mesma categoria, o
exemplificativas entre um e outro regime:
direito afasta a regra da individualidade da
execução e prevê, na hipótese, a obrigatoriedade a) Recuperação da empresa — faculdade
da execução concursal, isto é, do concurso de aberta pela lei exclusivamente aos
credores (antiga- mente denominada execução devedores que se enquadram no conceito
“coletiva”). Se o devedor possui em seu patrimônio de empresário ou sociedade empresária ou
menos bens que os necessários ao integral produtor rural (prova de exercício rural a pelo
cumprimento de suas obrigações, a execução menos 2 anos), em razão da qual podem
destes não poderá ser feita de forma individual, reorganizar suas empresas, com maior ou
mas coletivamente. Ou seja, abrangendo a menor sacrifício dos credores, de acordo
totalidade de seus credores e a totalidade de seus com plano aprovado ou homologado
bens, todo o passivo e todo o ativo do devedor judicialmente. Por meio do plano de
recuperação da empresa, o devedor pode
Isto é o que se entende por par condictio
postergar o vencimento de obrigações,
creditorum, princípio básico do direito
reduzir seu valor ou beneficiar-se de outros
falimentar. Os credores do devedor que não
meios aptos a impedir a instauração da
possui condições de saldar, na integralidade,
execução concursal. O devedor civil não tem
todas as suas obrigações devem receber do
uma faculdade, desta extensão. Na melhor das
direito um tratamento parificado, dando-se aos
hipóteses, a lei prevê a possibilidade de
que integram uma mesma categoria iguais
suspensão da execução concursal se o devedor
chances de efetivação de seus créditos.
obtiver a anuência de todos os credores
As pessoas se sentem menos inseguras em
facilitar o crédito na exata medida em que
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b) Extinção das obrigações- o devedor No passado, a lei não considera empresários os


empresário, em regime de execução profissionais liberais, artistas e, quando não
concursal, tem as suas obrigações julgadas registrado no Registro de Empresas, o explorador
extintas, com o rateio de mais de 50% após de atividade rural, porém isso foi alterado em 2020
a realização de todo o ativo (LF, art. 158, II),
Sempre que o devedor é legalmente empresário,
ao passo que as obrigações do devedor civil,
a execução concursal de seu patrimônio faz-se
em regime de execução concursal, somente se
pela falência. Em outros termos, quando o
extinguem com o pagamento integral de seu
devedor explora sua atividade econômica de forma
valor (CPC, art. 774). Um empresário que entra
empresarial — caracterizada pela conjugação dos
em falência com um patrimônio de valor
fatores de produção: investimento de capital,
superior a 50% de seu passivo poderá obter a
contratação de mão de obra, aquisição de
declaração de extinção das obrigações logo
insumos, desenvolvi- mento ou compra de
após a realização de seu ativo e rateio do
tecnologia —, não sendo capaz de honrar suas
produto apurado. (no caso normal, a execução
obrigações no vencimento (ou estando presentes
é liquidada com pagamento total do saldo
outros fatos tipificados em lei), o juiz deve
devedor, em regime falimentar as obrigações
inaugurar um procedimento de execução
poderão sem extintas por valor superior a 50%
concursal destinado à satisfação dos credores, no
do seu montante desde de que todos os seus
quanto for possível. Este procedimento é a
ativos estejam liquidados). Se, em seguida,
falência.
reconstituir o seu patrimônio, os credores
existentes ao tempo da falência não Em determinados textos, o legislador torna
poderão comprometê-lo; já o devedor civil explícito o não cabimento da disciplina do
na mesmíssima situação poderia ter o seu regime jurídico-falimentar por se tratar de
patrimônio reconstituído executado até o devedor civil, não empresário. É o caso das
integral pagamento do passivo, salvo o cooperativas, em que a lei, ao fixar que ditas
decurso do prazo de 5 anos do encerramento pessoas jurídicas não se sujeitam à falência,
do processo de insolvência limita-se, a rigor, ao mero esclarecimento de algo
que decorre já da própria inexistência de natureza
Para que se instaure o processo de execução empresarial naquelas pessoas. Mesmo se a lei não
concursal denominado falência, é necessária a falasse nada acerca do assunto, não estariam as
concorrência de três pressupostos: a) devedor cooperativas sujeitas ao direito falimentar
empresário; b) insolvência; c) sentença
declaratória da falência Em situação bastante diferente se encontram, no
entanto, algumas categorias de empresários, que
o legislador, por razões várias, determinou
DEVEDOR SUJEITO A FALÊNCIA fossem excluídas, total ou parcialmente, do
regime jurídico-falimentar. Por exclusão total do
Por ser o regime de execução concursal do regime falência entende-se a disposição de lei que
devedor empresário, em princípio, estará sujeito à reserva, para a hipótese em que o devedor
falência todo e qualquer exercente de atividade empresário tem menos bens em seu patrimônio
empresarial. do que o necessário ao pagamento de seus
O profissional que o direito considera débitos, um processo ou procedimento de
empresário, pessoa física ou jurídica, é o execução concursal diverso do falimentar. E por
executado no regime de execução concursal exclusão parcial a disposição legal que
falimentar, o empresário é o exercente de estabelece um processo ou procedimento de
atividade econômica organizada para a execução concursal do devedor empresário
produção ou circulação de bens ou serviços. alternativos ao processo falimentar. Um
empresário excluído totalmente da falência não
poderá, em nenhuma hipótese, submeter-se ao
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processo falimentar como forma de execução ao das instituições financeiras, consoante o


concursal de suas obrigações. Já o empresário disposto no art. 10 da Lei n. 5.768, de 1971;
excluído parcialmente da falência, em
d) as companhias de seguro, que, nos termos do
determinados casos discriminados por lei, poderá
art. 26 do Decreto-lei n. 73/66, devem ter sua
ser concursalmente executado por via da falência.
falência requerida pelo liquidante nomeado pela
Estão totalmente excluídos do regime SUSEP (Superintendência de Seguros Privados),
falimentar: quando frustrada a liquidação extrajudicial (isto é,
se o ativo não for suficiente para o pagamento de
a) as empresas públicas e sociedades de
pelo menos metade dos credores quirografários)
economia mista (LF, art. 2º, I), que são sociedades
ou se surgirem nesta indícios de crime falimentar
exercentes de atividade econômica controladas
(redação conferida pela Lei n. 10.190/2001, art. 1º);
direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de
direito público (União, Estados, Distrito Federal, e) as entidades abertas de previdência
Territórios ou Municípios), razão pela qual os complementar (LC n. 109/2001, art. 73) e as de
credores têm sua garantia representada pela capitalização (Dec.-lei n. 261/67, art. 4º), nas
disposição dos controladores em mantê-las mesmas condições que as seguradoras;
solventes;
f) as operadoras de planos privados de
b) as câmaras ou prestadoras de serviços de assistência à saúde, que, nos termos do art. 23 da
compensação e de liquidação financeira, sujeitos Lei n. 9.656/98, submetem-se ao regime de
de direito cujas obrigações são sempre ultimadas e liquidação extrajudicial pela ANS (Agência
liquidadas de acordo com os respectivos Nacional de Saúde), e só podem falir nas mesmas
regulamentos, aprovados pelo Banco Central; as condições das seguradoras.
garantias conferidas pelas câmaras ou prestadoras
Todos os empresários parcialmente excluídos do
de serviços de compensação e de liquidação
regime falimentar podem ter a sua falência
financeira destinam-se, por lei, prioritariamente, à
decretada, observadas as condições específicas
satisfação das obrigações assumidas no serviço
legalmente previstas. Por exemplo: a falência de
típico dessas entidades (LF, art. 193);
instituição financeira em regime de liquidação
c) as entidades fechadas de previdência extrajudicial deve ser requerida pelo próprio
complementar (LC n. 109/2001, art. 47). Entre os liquidante, autorizado pelo Banco Central se o
empresários parcialmente excluídos do regime ativo não alcançar metade do passivo
falimentar, podem ser lembradas: quirografário ou se houver indícios de crime
falimentar.
- as instituições financeiras, às quais destinou o
legislador o processo de liquidação extrajudicial INSOLVENCIA
prevista na Lei n. 6.024, de 1974, sob a
O estado patrimonial em que se encontra o
responsabilidade do Banco Central;
devedor que possui o ativo inferior ao passivo é
- as sociedades arrendadoras, que tenham por denominado insolvência. O devedor em
objeto exclusivo a exploração de leasing, insolvência é que se encontra sujeito à execução
sujeitas ao mesmo regime de liquidação concursal de seu patrimônio, como imperativo
extrajudicial previsto para as instituições da par condictio creditorum. Mas é necessário
financeiras (Res. BC n. 2.309/96); atentar-se para o fato de que o segundo
pressuposto da falência, da instauração deste
-as sociedades que se dediquem à específico processo judicial de execução, não é a
administração de consórcios, fundos mútuos e insolvência entendida em sua acepção econômica,
outras atividades assemelhadas e se sujeitem a ou seja, como um estado patrimonial. É, isto sim, a
procedimento de liquidação extra- judicial idêntico insolvência entendida em um sentido jurídico
preciso que a lei estabelece.
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Para fins de instauração da execução por ensejadora da falência. A própria lei sugere um
falência, a insolvência não se caracteriza por um elenco de hipóteses de impontualidade justificada
determinado estado patrimonial, mas sim pela
A prova da impontualidade é o protesto do
ocorrência de um dos fatos previstos em lei.
título. Qualquer que seja o documento
Ou seja, se o empresário for injustificadamente representativo da obrigação a que se refere a
impontual no cumprimento de obrigação impontualidade injustificada, deve ser protestado.
líquida (LF, art. 94, I), incorrer em execução Se for um título de crédito, o protesto cambial,
frustrada (art. 94, II) ou se praticar um ato de mesmo que extemporâneo, basta para a
falência (LF, art. 94, III). caracterização da impontualidade do seu devedor.

Se restar caracterizado a impontualidade Só caracteriza a impontualidade injustificada


injustificada, a execução frustrada ou o ato de para fins de falência se o valor dos títulos em
falência, mesmo que o empresário tenha o seu atraso for de pelo menos 40 salários-mínimos.
ativo superior ao passivo, ser-lhe-á decretada a Se o valor do débito do empresário é inferior a
falência; ao revés, se não ficar demonstrada uma esse limite legal, o credor pode cobrá-lo ou
ou outra hipótese, não será instaurada a falência executá-lo, mas não poderá pedir falência em
ainda que o passivo do devedor seja superior ao razão do seu inadimplemento. Credores do mesmo
seu ativo. A insolvência que a lei considera como empresário cujos créditos individualmente
pressuposto da execução por falência é, considerados não alcançam 40 salários-mínimos,
meramente, presumida. Os comportamentos mas cuja soma alcança, podem se reunir em
discriminados pelo art. 94 da LF são, geralmente, litisconsórcio para requererem a falência do
praticados por quem se encontra em devedor
insolvência, e esta é a presunção legal que
Em suma, para que se encontre tipificado o
orienta a matéria
comportamento descrito pelo art. 94, I, da LF, e,
A impontualidade injustificada deve referir-se a portanto, seja possível a instauração da execução
uma obrigação líquida. Para fins de decretação concursal por falência, é necessário que o
da falência, entende-se por “líquida” a obrigação devedor empresário tenha sido impontual, sem
representada por um título executivo, judicial relevante razão jurídica, no cumprimento de
ou extrajudicial. Qualquer dos títulos que uma obrigação documentada em título
legitimem a execução individual, de acordo com a executivo de valor superior a 40 salários-
legislação processual, pode servir de base à mínimos. Dita impontualidade, outrossim, deve-
obrigação a que se refere a impontualidade rá ser provada, necessariamente, pelo protesto,
caracterizadora da falência. Trata-se de um critério cambial ou especial, do título correspondente.
formal da lei: a impontualidade é considerada de
A frustração da execução se caracteriza, por sua
obrigação líquida quando documentada por um
vez, com a inexistência de pagamento, depósito
dos títulos mencionados
ou nomeação de bens à penhora por parte do
Quando, por outro lado, se fala em empresário, quando é ele executado por algum
impontualidade injustificada, tem-se em mira a credor (LF, art. 94, II). Nesse caso, a execução
inexistência de relevante razão para o deve ser encerrada e o credor, munido de
inadimplemento da obrigação líquida. Está claro certidão judicial que ateste a verificação do
que o devedor empresário, se tem fundados tríplice omissão, ingressa com o pedido de
motivos para não pagar determinado título, não falência contra o devedor. O título, nesse caso,
terá a sua falência decretada por força de sua não precisa estar protestado e pode ter valor
impontualidade. Se a obrigação estiver já prescrita, inferior a 40 salários-mínimos.
se inexistente ou nula, o seu inadimplemento não
importará em caracterização da impontualidade
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quando há mais credores interessados no


bem)
Em relação aos atos de falência:

a) Liquidação precipitada — se o empresário f) Abandono do estabelecimento empresarial


promove a liquidação de negócio de forma — sem que tenha o empresário constituído
abrupta incorre no tipo legal; também estará procurador bastante, com recursos suficientes,
praticando ato de falência o empresário que para a quitação de suas obrigações. O
emprega meios ruinosos ou fraudulentos para abandono do estabelecimento empresarial por
realizar pagamentos, como a contratação de parte do representante legal da sociedade
empréstimos a juros excessivos ou a venda de devedora importa caracterização de ato de
instrumentos indispensáveis ao exercício de falência de responsabilidade desta
seu comércio
g) Descumprimento do plano de recuperação
b) Negócio simulado — se o empresário tenta judicial — o empresário beneficiado com a
retardar pagamentos ou fraudar credores por recuperação judicial que não cumpre o
meio de negócio simulado, ou, ainda, tenta estabelecido no respectivo plano pratica ato
alienar, parcial ou totalmente, o seu de falência e deve ver instaurada a execução
estabelecimento empresarial, incorrerá em concursal de seu patrimônio
comportamento tipificado como ato de
falência

c) Alienação irregular de estabelecimento — o


empresário que aliena o seu estabelecimento
empresarial sem o consentimento de seus
credores, salvo se conservar, em seu
patrimônio, bens suficientes para responder
por seu passivo, estará incurso no tipo legal de
ato de falência

d) Simulação de transferência de
estabelecimento — incorre em ato de falência
o empresário que muda o local de seu
estabelecimento com o intuito de fraudar a
legislação, frustrar a fiscalização ou prejudicar
credores

e) Garantia real — para tipificação desta


hipótese de ato de falência, elegeu o
legislador a instituição de garantia real em
favor de um credor. Necessário, contudo, que
esta instituição se opere posteriormente à
constituição do crédito. Não há ocorrência do
tipo legal se este e a garantia real são
concomitantes. A incoincidência entre um e
outro é que revela o intuito de fraudar a par
condictio creditorum (credito com um credor e
esse credito não está garantido, e coloca uma
garantia no credito para somente um credor

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