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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÕES
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL

Eduardo Zaffari
Pressupostos falimentares
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar o rol de pressupostos falimentares.


„„ Definir insolvência e impontualidade segundo o Direito Falimentar.
„„ Descrever os atos falimentares.

Introdução
Em certas ocasiões, o estado falimentar não é constatado pelo empre-
sário devedor, que acredita em seu poder de recuperar a empresa que
administra. O devedor que reconhece a sua dificuldade poderá requerer
a autofalência, confessando sua insolvência. Entretanto, quando o em-
presário não quer reconhecer a sua dificuldade econômico-financeira,
os credores poderão requerer a sua falência, evitando que o empresário
cause ainda mais prejuízos a terceiros.
Neste capítulo, você verá como identificar os pressupostos falimen-
tares e o estado falimentar, em que o devedor poderá ter a sua falência
declarada. Estudará, também, os requisitos para requerer a falência em
razão da impontualidade, assim como verá os atos que demonstram a
bancarrota do empresário devedor que está insolvente.

1 Os pressupostos falimentares
Ao longo do tempo, diversos foram os métodos desenvolvidos pelos ordena-
mentos jurídicos para que os credores pudessem satisfazer seus créditos ante
a devedores inadimplentes, indo desde a coerção pessoal até seu sucedâneo
de coerção patrimonial. O direito romano, em seus primórdios, admitia que
os diferentes credores levassem o devedor à feira, vendendo-o como escravo
para a satisfação de seus créditos; não sendo vendido o devedor, poderiam
os credores matá-lo e repartir seu corpo em tantas partes quantos fossem os
credores (REQUIÃO, 1995).
2 Pressupostos falimentares

Da severidade daquele procedimento, evoluiu-se até a expropriação ape-


nas dos bens do inadimplente para o pagamento de suas dívidas. Já naquele
período, destacou-se o princípio conhecido como par conditio creditorum, que
significa a necessária igualdade de condições entre os diferentes credores e
que vigora até a atualidade. Em um estágio em que o devedor inadimplente se
encontra com um grande número de credores, no entanto, melhor será afirmar
que há a igualdade de condições nas perdas, pois dificilmente o patrimônio
do devedor será suficiente para satisfazer todos os credores. Mesmo tendo
por princípio a igualdade de condições, há diferentes naturezas de créditos e
interesses, como os créditos alimentares (de trabalhadores), tributários e de
credores comerciais. Haverá a igualdade de condições na comparação entre
credores de mesma natureza creditícia.

A falência apresenta diferentes classes de credores, conforme a natureza de seu crédito;


entre esses, haverá igualdade de condições. São exemplos de classes de credores
previstas no art. 83, da Lei nº. 11.101/2005:

I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento


e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes
de trabalho; […]
III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo
de constituição, excetuadas as multas tributárias; […]
VI - créditos quirografários. (BRASIL, 2005, documento on-line).

Atualmente, não há dúvida na doutrina de que a falência é um instituto


de natureza eminentemente pública, embora trate de questões de interesse
privado, haja vista seu fim mediato de satisfazer o crédito dos credores.
A divergência está na natureza jurídica da falência, apontando-se duas correntes
doutrinarias. A primeira corrente de opiniões afirma que a falência busca
assegurar a igualdade de condições entre credores da mesma classe (créditos
de mesma natureza), criando regras falimentares para garantir a par conditio
creditorum. Em outras palavras, a falência tem um procedimento marcadamente
de ordem pública, voltado a satisfazer o interesse dos credores.
Pressupostos falimentares 3

Outra perspectiva recusa que o procedimento falimentar tenha por escopo


a igualdade de condições entre credores da mesma natureza, mas que a lei
falimentar tem por objetivo a retirada de empresas econômica e financeira-
mente arruinadas, que poderiam trazer prejuízos ao mercado como um todo.
Neste viés, o ordenamento jurídico visaria à manutenção apenas de empresas
saudáveis, retirando aquelas que possam trazer danos à economia. Rubens
Requião, talvez um dos maiores estudiosos sobre a área, afirmava que a lei
falimentar tem os dois objetivos, ao sanear o meio empresarial e garantir a
satisfação dos créditos, o que acaba sendo uma importante ferramenta de
fomento econômico (REQUIÃO, 1995).
A doutrina e o legislador compreenderam que a empresa ultrapassa o mero
somatório de bens com fim de produção de bens e serviços, reconhecendo-se
a chamada função social da empresa, em que esta não tem por finalidade
exclusivamente a produção, mas se insere em um contexto econômico de
geração de divisas, empregos e tributos e desenvolvimento social. Nos dizeres
de Gladston Mamede,

[…] compreendendo a empresa como algo mais do que simplesmente um


conjunto de bens, a liquidação do patrimônio do falido pode fazer-se com a
preservação da empresa, ou seja, alienação do somatório do estabelecimento
(conjunto organizado de bens para o exercício da empresa) e atividade (MA-
MEDE, 2019, p. 246).

Requião previra essa evolução, hoje constante na atual Lei nº. 11.101, de 9
de fevereiro de 2005, de recuperações de empresa e falência, ao afirmar que
“[...] vivemos, assim, em pleno terceiro estágio, no qual a falência passa a se
preocupar com a permanência da empresa e não apenas com sua liquidação
judicial” (REQUIÃO, 1995, p. 11).

A Lei nº. 11.101/2005 prescreve, além da falência, o benefício legal da recuperação


judicial, em que o devedor poderá apresentar e requerer o deferimento, de um plano
especial de pagamentos de credores.
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A doutrina diverge quanto aos pressupostos falimentares, alguns afir-


mando que estes seriam (REQUIÃO, 1995):

„„ a qualidade de empresário comercial do devedor;


„„ a insolvência do devedor;
„„ a declaração judicial da falência.

Outros afirmam que os pressupostos falimentares seriam (MAMEDE,


2019):

„„ a impontualidade no adimplemento de obrigações;


„„ a verificação de execução frustrada;
„„ a prática de atos falimentares.

A melhor alternativa, ao que parece, será adotar a conjunção desses pressu-


postos, pois a falência apenas poderá ser concedida se o devedor inadimplente
for empresário, por expressa disposição legal (Lei nº. 11.101/2005, art. 1º. Esta
lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência
do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente
como devedor). É correta a compreensão da qualidade de empresário como
pressuposto, pois não poderá o juízo declarar a falência de quem não exerce
a atividade empresarial. Ademais, outro ponto importante a se destacar é que
não poderia considerar a declaração judicial da falência como pressuposto,
pois os pressupostos antecedem a sua própria declaração. Em outras palavras,
a declaração da falência apenas se dará quando presentes os pressupostos
falimentares, o que tornaria desnecessária a sua inclusão como pressuposto.
Igualmente não parece correto compreender como pressuposto a pluralidade
de credores, o que já foi muito discutido na doutrina. A discussão se assenta na
possibilidade de o credor único ajuizar uma execução singular em face de seu
devedor, não precisando fazer uso do processo falimentar para a satisfação de
seu crédito. Outorgar essa possibilidade ao credor único poderia consistir em
lhe permitir fazer uso de instrumento de pressão demasiadamente oneroso para
a satisfação de seu crédito, além de desnecessário. Por outro lado, como refere
Requião, não é dado ao juízo questionar, antes do deferimento da falência,
quantos credores tem o devedor inadimplente (REQUIÃO, 1995).
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Aderindo-se à desnecessidade da pluralidade de credores para que se faça


necessário o deferimento de falência do devedor, pode-se sustentar que a Lei
nº. 11.101/2005 prescreve expressamente que se declarará a quebra da sociedade
empresária que não paga, sem relevante razão de direito, obrigação constante
em título executivo protestado cuja soma ultrapasse o valor de 40 salários
mínimos. Quer dizer, a lei não determina que se reúnam mais de um credor
ou que haja uma pluralidade de credores (art. 94, I, da Lei nº. 11.101/2005).
Imagine o credor que executa o devedor inadimplente e este, na execução
singular, não paga, não deposita a importância, não nomeia bens à penhora,
embarga e frustra a execução. Nesse caso estará perfeitamente configurada a
hipótese constante no art. 94, II, da Lei nº. 11.101/2005. Evidentemente o juízo
examinará a hipótese concreta, podendo indeferir o requerimento de falência
naqueles casos em que o credor ajuíza o requerimento de falência e o histórico
demonstre que o devedor paga suas obrigações tempestivamente, consistindo
em caso único o ajuizado pelo credor requerente. Por essas razões, embora na
grande maioria dos casos haja uma pluralidade de credores, poderá o credor
único requerer, e ter deferida, a falência do devedor inadimplente, caso reste
demonstrado o estado falimentar do devedor.

2 A insolvência e a impontualidade
segundo o Direito Falimentar
Antes de estudarmos a insolvência e a impontualidade nos termos da lei
falimentar, é importante compreendermos o chamado estado de falência, que
antecede a declaração de falência do devedor. Trata-se de um estado de fato, de
ruína, em que o devedor não mais consegue pagar as suas dívidas ou dá sinais
exteriores de que não o conseguirá fazer. Observe que algumas empresas têm
patrimônio líquido negativo, pagando pontualmente suas dívidas por anos,
sem caracterizar estado falimentar. O estado de falência, conforme Requião,
“[...] pertence ao domínio dos fatos econômicos no âmbito da empresa.
O Direito Falimentar dele não conhece, a não ser quando, transpondo-se do
campo fático, ingressa no terreno jurídico” (REQUIÃO, 1995, p. 36).
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Mas como esse estado falimentar ingressa no mundo jurídico como forma
de viabilizar a declaração da falência? Pedro Lenza afirma que (LENZA,
2019, p. 1131):

Entre nós, é a lei que define quais situações fáticas autorizarão a decretação da
falência, sua caracterização, portanto. O que importa para essa caracterização
é o enquadramento do devedor empresário em uma das 15 hipóteses legais
de conformação do estado falimentar. Isso torna as hipóteses de falência, no
Brasil, situações típicas, ou seja, previamente definidas em lei e limitadas a
elas. É possível afirmar que não existe falência sem lei anterior que a defina.

A insolvência é um fato que caracteriza o estado falimentar, podendo-se


afirmar que “[...] o devedor que usou de crédito e este está em condições
de solver as obrigações, dele se diz solvente; ao revés, o que se encontra na
impossibilidade de fazê-lo se chama insolvente” (REQUIÃO, 1995, p. 57).
Os ordenamentos jurídicos adotaram diferentes fórmulas para a aferição do
estado falimentar pelo insolvente, quais sejam:

„„ do estado patrimonial deficitário;


„„ da cessação de pagamentos;
„„ da impontualidade;
„„ dos atos enumerados em lei.

O primeiro desses sistemas, do estado patrimonial deficitário, permite a


caracterização do estado de insolvência para a declaração da falência a partir
da demonstração de que o empresário não tem ativo patrimonial suficiente para
efetuar o pagamento de suas dívidas. Adotado na Itália, o empresário poderá
ser chamado ao Poder Judiciário para ser confrontado com seus credores,
situação em que se discutirá seu déficit patrimonial. O grande problema desse
sistema, além de sua complexidade operacional, é que é muito difícil para
credores de outras áreas (fornecedores, por exemplo) terem conhecimento
suficiente para contestar os dados apresentados pelo empresário supostamente
insolvente. Ademais, as empresas da última geração têm ativos gigantescos
sem ter, muitas vezes, bens materiais em valor significativo. Bastaria pensar
nas grandes empresas de transporte ou hospedagem que não têm veículos ou
imóveis próprios (um exemplo é a empresa Uber, que não tem frota própria).
Nesses casos, fica demasiadamente complexo comprovar o estado falimentar
pelo déficit patrimonial.
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O segundo sistema é o de cessação de pagamentos, que se caracteriza pela


simples suspensão dos pagamentos pelo empresário. Oriundo da legislação
francesa e constante no Código Napoleônico, inspirou a maioria das legislações,
inclusive constando no art. 797, terceira parte, do antigo Código Comercial,
em que constava que “[...] todo o comerciante que cessa os seus pagamentos,
entende-se quebrado ou falido” (BRASIL, 1850, documento on-line).
Rubens Requião afirmava a complexidade desse sistema, pois se relegava
à jurisprudência dos tribunais o papel de definir quais os critérios. Isso porque
inúmeros problemas podem advir da necessidade de comprovação dessa
situação, pois poderá o devedor continuar o pagamento apenas de algumas, en-
tre inúmeras de suas dívidas, descaracterizando o estado falimentar. Ademais,
é penoso ao credor comprovar que o devedor não está pagando todas a suas
dívidas, quando, muitas vezes, sequer tinha conhecimento das dificuldades
financeiras do devedor quando lhe forneceu crédito (REQUIÃO, 1995).
Outro ponto que deixa vulnerável este sistema é que o devedor pode ser
solvente, mesmo tendo cessado os pagamentos por falta momentânea de
liquidez, como o empresário que tem mercadoria em estoque para a venda,
mas teve que cessar os pagamentos em razão da compra desses produtos.
A momentânea desorganização pelo empresário não o tornou insolvente, pois
assim que vendidos os produtos, terá condições de pagar suas dívidas. Para
demonstrar porque o sistema brasileiro abandonou esse sinal de insolvência,
Rubens Requião buscou julgamentos da época para demonstrar o pensa-
mento das cortes brasileiras na ocasião. Em um julgamento do ano de 1873,
o Conselheiro Orlando julgara uma demanda em que afirmava que “[...] não
pode ser declarada a falência pela falta de um ou outro pagamento, sendo de
necessidade também a prova da insolvabilidade” (REQUIÃO, 1995, p. 60).

Existe a insolvência civil de pessoa física, conforme previsto no revogado Código de


Processo Civil de 1973, art. 748. Equiparado à falência do empresário, essa insolvência
não veio regulada no Código de Processo Civil de 2015, que preferiu dispor, no art. 1052,
que permanecem válidas as regras do antigo Código de Processo Civil nesta matéria.
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O Brasil adota, atualmente, um sistema misto, composto pela impontua-


lidade e pelos atos enumerados em lei, como demonstração da insolvência
pelo devedor. A impontualidade consta expressamente no art. 94, I e II, da Lei
nº. 11.101/2005, que prescreve que será decretada a falência do devedor que:

I - sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida


materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse
o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II - executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não
nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal); […]. (BRASIL,
2005, documento on-line).

Tratam-se de espécies de impontualidades, uma extrajudicial e uma judicial


(LENZA, 2019). A impontualidade judicial vem prescrita na primeira hipó-
tese, em que dois requisitos são necessários para a sua configuração: um ou mais
títulos executivos cuja soma ultrapasse 40 salários mínimos na data do pedido
de falência; e o protesto especial para fins de falência. Apenas habilitarão o
pedido de falência títulos que estão sujeitos ao concurso universal, ou seja,
não poderá a obrigação a título gratuito (mesmo que superior a 40 salários
mínimos) ensejar o pedido de falência, conforme prescreve o art. 5º, da Lei
nº. 11.101/2005. O credor poderá reunir títulos de crédito de outros credores
e somar aos seus para requerer a falência do devedor, caso o valor que tem a
receber não seja superior a 40 salários mínimos. O apontamento a protesto para
fins de falência deverá ser feito no Cartório de Títulos e Documentos, para
oportunizar ao devedor o pagamento das dívidas antes de ser requerida a sua
quebra, dando igualmente exigibilidade ao título, que deverá ser apresentado
em sua forma original no pedido de falência.
A segunda hipótese prescrita na Lei nº. 11.101/2005 é chamada de impon-
tualidade judicial porque há uma prévia tentativa de execução judicial, a qual
resta frustrada. Nesta situação, o credor ajuizou previamente uma execução
singular, para receber o valor que lhe seja devido, mas o devedor não paga o
valor devido, não deposita a quantia e não nomeia bens à penhora. O devedor
demonstra que não tem condições patrimoniais de pagar o valor que deve,
frustrando a execução singular. Nesta hipótese, não importa o valor do título
exequendo, podendo ser inferior aos 40 salários mínimos.
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Também bastará a certidão emitida pelo juízo da execução singular, afir-


mando que a execução restou frustrada, dispensando, assim, o protesto do
título. Em outras palavras, para o ajuizamento do pedido de falência com base
na impontualidade judicial (art. 94, II, da Lei 11.101/2005), bastará o prévio
ajuizamento da execução singular, que tenha sido esta frustrada, com o título
de qualquer valor e munido de certidão de execução frustrada emitida pelo
juízo singular. A previsão de instrumentalização do pedido de falência com a
certidão vem prescrita no § 4º do art. 94 da Lei nº. 11.101/2005, que determina
“[…] o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em
que se processa a execução” (BRASIL, 2005, documento on-line).

3 Atos falimentares
Considerando que o Brasil adotou um sistema misto para caracterizar a insol-
vência da sociedade empresária, agregando à impontualidade a enumeração
de atos falimentares, vale compreendermos quais atos caracterizarão o estado
falimentar. Esses atos, prescritos no art. 94, III, da Lei nº. 11.101/2005, auto-
rizam que se presuma uma grave situação econômico-financeira, permitindo
que se previna o desfazimento completo do patrimônio por meio do pedido
de falência.
A venda precipitada dos bens da empresa, o pagamento por meios ruinosos,
entre outros atos, apenas são adotados quando o empresário está em desespero
e começa a liquidar seu patrimônio. O pedido de falência poderá ser a única
alternativa aos credores para impedir o desaparecimento completo dos bens
pelo devedor. Obviamente, por se tratar de uma presunção, comportará prova
em sentido contrário, com ampla defesa ao devedor, que poderá comprovar não
estar em estado falimentar. Examinemos cada um dos sete atos considerados,
pela lei, como falimentares.
O primeiro dos atos considerados falimentares será quando a sociedade
empresaria proceder à liquidação precipitada de seus ativos ou lançar mão
de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos. Estas três
hipóteses, previstas na alínea a do inciso terceiro do citado art. 94, têm em
comum o pagamento de obrigações pelo devedor. Mas não se trata de mero
adimplemento; a liquidação precipitada significa que o devedor está vendendo
seus bens muito abaixo de seu preço, sem se importar que estes consistem na
garantia de seus credores. Verifica-se essa situação quando os bens são vendidos
a qualquer preço, como forma de arrecadar valores para pagar contas. E essa
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alienação de bens comporta a liquidação (essa entendida como a venda de bens


pelo valor muito abaixo de seu real preço) com a conjugação da precipitação.
Um devedor solvente poderá vender um bem seu por valor abaixo do preço,
mas, na hipótese de um estado falimentar, há uma desnecessária pressa,
que Gladston Mamede recorda que:

[...] para que se caracterize como ato falimentar, é preciso que haja precipitação,
quero dizer, é preciso que se trate de operação apressada, desordenada ou,
mesmo, que se apresente como inexplicavelmente ampla, a alcançar parcela
significativa do ativo patrimonial da empresa (MAMEDE, 2019, p. 257).

O devedor será caracterizado como insolvente de lançar mão de meios


ruinosos ou fraudulentos para pagar seus credores, usando de artimanhas para
pagar alguns em detrimento de outros, quebrando a necessária igualdade de
condições entre aqueles que lhe concederam crédito.

Um exemplo dessa prática seria o devedor pagar uma obrigação a um fornecedor no


valor de R$ 50.000,00, acrescendo-se “um bônus” de R$ 25.000,00. O que poderia ser
um ato de reconhecimento (pagar um bônus), pode caracterizar um ato fraudulento
para um devedor que tem um grande número de outras obrigações a pagar.

Outra hipótese, prevista na alínea b do artigo em comento, será quando o


devedor realizar, por atos inequívocos, ou tentar realizar, com o objetivo de
retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação
de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não. Nesta
situação há um negócio simulado em que o devedor tenta, ou efetivamente o
faz, vender o seu patrimônio ativo para terceiros ou outros credores. Como
afirmava Requião, “[...] com o negócio simulado o devedor arquiteta a trans-
ferência aparente de bens ou de todo o seu patrimônio para terceiro, de sua
confiança, furtando-os da garantia comum dos credores” (REQUIÃO, 1995,
p. 75). Neste caso, há um elemento específico que leva à decretação da quebra
do empresário, que é a má-fé do empresário que tenta desfazer-se de seus bens
e que garantiam os demais credores.
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O Código Civil brasileiro trata, em seu art. 167, sobre a simulação dos negócios jurídicos,
prescrevendo a nulidade quando

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas


às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
(BRASIL, 2002, documento on-line).

Uma hipótese semelhante à anterior vem prescrita na alínea c da Lei de


Recuperação Judicial e Falências (Lei nº. 11.101/2005), que consiste em quando
o devedor transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o con-
sentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para
solver seu passivo. Aqui, há a transferência do estabelecimento comercial
sem qualquer simulação ou fraude, mas em prejuízo aos seus credores. Dife-
rentemente na situação em que o devedor vende os seus bens, total ou parcial-
mente, nesta situação de ato fraudulento ele aliena o próprio estabelecimento
empresarial, conforme definição do art. 1.142 do Código Civil brasileiro, em
que “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para
exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” (BRASIL,
2002, documento on-line).
Deve-se considerar, também, que a transferência de um dos estabelecimen-
tos do empresário (suponha-se que ele tenha uma matriz e uma filial) poderá
ser considerada um ato falimentar, pois poderá estar reduzindo drasticamente
a garantia dos credores. Entretanto, nem sempre o empresário estará impedido
de vender um de seus estabelecimentos, prescrevendo a doutrina duas hipóteses
em que são admitidas a venda sem caracterizar ato falimentar:

1. Que o devedor obtenha a anuência de todos os seus credores.


2. Que restem bens suficientes ainda ao devedor, mesmo alienando a
terceiros um de seus estabelecimentos.
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Um exemplo deste caso seria a empresa Microsoft vender uma de suas fábricas, pois
a empresa, reconhecidamente, tem patrimônio para pagar as suas dívidas.

A transferência simulada do estabelecimento, prevista na alínea d, III,


do art. 94 da Lei nº. 11.101/2005, traz os mesmos caracteres da transferência
irregular (não simulada), prevista na hipótese anterior. Entretanto aqui há
duas situações que a distinguem: a primeira delas se refere ao fato de que a
transferência é geográfica, ou seja, trata-se de uma transferência realizada,
sem a concordância de seus credores, do estabelecimento principal do devedor
de uma cidade (ou Estado) para outra. A segunda está no caráter malicioso
realizado pelo devedor, que transfere o estabelecimento comercial apenas para
evitar a fiscalização ou alcance pelos seus credores. O problema não está na
mera transferência da sociedade de um local para outro, mas na transferência
maliciosa para evitar que seus credores o alcancem.
A Lei nº. 11.101/2005 prescreve, ainda, que será considerado insolvente
o devedor que der ou reforçar garantia a credor por dívida contraída
anteriormente, sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para
saldar seu passivo. Neste ato falimentar, o devedor compromete seu patrimônio
em detrimento à garantia dos demais credores, pois, conforme prescreve o
art. 83 da Lei nº. 11.101/2005, os credores com garantia real terão preferência em
relação aos demais. Qualquer outra espécie de garantia concedida (uma fiança,
por exemplo) não preencherá a hipótese normativa, ou seja, para consistir
em ato falimentar, faz-se necessário que uma dívida contraída anteriormente
receba garantia real, alterando a sua classificação em caso de eventual falência.
O legislador pretende, nesta hipótese, evitar que o devedor prestes a ter de-
clarada a sua falência, passe a conceder garantia real a credores como forma
de retirar tais bens do patrimônio da falida.
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A ausência, o abandono e a ocultação pelo devedor é a hipótese prevista


no art. 94, III, f, da lei. São as situações clássicas em que o devedor busca
desaparecer de seu estabelecimento comercial como forma de evitar que seus
credores o encontrem. Ou seja:

O legislador não compreende a empresa anencéfala, ou seja, a empresa sem


um responsável jurídico com poderes suficientes para sua condução, seja seu
titular, seja representante habilitado, face ao risco que tal situação ofereceria
ao negócio, a seus trabalhadores, aos credores, à comunidade em geral e ao
Estado (MAMEDE, 2019, p. 265).

Entretanto, se o devedor tem bens suficientes para arcar com o pagamento


de suas dívidas, não haverá ato falimentar. O que pretende o legislador coibir
é a fuga do devedor, que desaparece sem ter como pagar as suas dívidas.
Por derradeiro, a última hipótese considerada como ato falimentar é quando
o empresário deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida
no plano de recuperação judicial. O plano de recuperação judicial concedido
em um procedimento de recuperação consiste em um benefício, no qual os
credores concordam com certas condições na esperança de que o devedor
insolvente se recupere. Se este não tem condições de cumprir com as condições
propostas e acertadas com os seus credores em plano homologado pelo juízo,
haverá a sua transformação em falência.

BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Brasília: Presidência, 1850.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LIM/LIM556compilado.htm.
Acesso em: 10 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil. Brasília: Presidência,
2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.
htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudi-
cial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência, 2005.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.
htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
LENZA, P. (org.). Direito Empresarial esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
14 Pressupostos falimentares

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2019.


REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. 2 v.

Leituras recomendadas
COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MARTINS, F. Curso de Direito Comercial. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
TEIXEIRA, T. Direito Empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2019.
TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3.

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