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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÕES
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL

Gabriel Bonesi Ferreira


Recuperação extrajudicial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir recuperação extrajudicial e a documentação necessária para


a iniciar.
„„ Reconhecer os pressupostos para a aplicabilidade da recuperação
extrajudicial.
„„ Identificar os limites e os efeitos da recuperação extrajudicial.

Introdução
O instituto da recuperação extrajudicial de empresas é considerado uma
das inovações da Lei nº. 11.101/2005. Por meio da recuperação extrajudi-
cial, o empresário devedor que passa por dificuldades financeiras pode
conseguir aprovação de plano de recuperação, negociado diretamente
com seus credores, com a possibilidade, inclusive, de garantir a extensão
do plano de recuperação a outros credores não signatários.
A recuperação extrajudicial tem, basicamente, a mesma função da
recuperação judicial, que é colaborar com a recuperação econômica do
empresário por meio de, entre outras medidas, renegociação de dívidas
com credores. Trata-se, no entanto, de um instituto com diversas parti-
cularidades. Neste capítulo, você vai estudar o instituto da recuperação
extrajudicial, seus pressupostos, limites e efeitos.

1 Recuperação extrajudicial e
documentação necessária
A recuperação judicial é uma via para auxiliar as empresas com problemas
financeiros, buscando restabelecê-las para que a atividade permaneça econo-
micamente viável. Entretanto, essa não é única via que permite a recuperação
econômica de uma empresa. Uma das grandes inovações da Lei nº. 11.101,
2 Recuperação extrajudicial

de 9 de fevereiro de 2005, em relação ao Decreto-Lei nº. 7.661, de 21 de junho


de 1945, a antiga Lei de Falências, é a previsão da recuperação extrajudicial.
O art. 2º, II do Decreto-Lei nº. 7.661/1945 (BRASIL, 1945) considerava que
o comerciante que convocasse credores e lhes propusesse dilação de prazos,
remissão de créditos ou cessão de bens estava cometendo um ato de falência,
por isso a falência poderia ser decretada. Segundo Ramos (2017), o legislador
não promoveu uma ampla possibilidade de recuperação extrajudicial, o que
explicaria a sua pouca utilização em relação à recuperação judicial, mas a
previsão do instituto já representa um grande avanço em termos legislativos.
A recuperação extrajudicial nada mais é do que a negociação direta entre
devedor e credores pela via extrajudicial, com vistas a acordar melhores
condições de pagamento de suas dívidas para a manutenção da empresa e
da atividade econômica. A intervenção judicial pode ser facultativa ou obri-
gatória ao final do processo, homologando-o. Assim, trata-se da ratificação
legal da possibilidade de elaboração de um plano de recuperação elaborado
extrajudicialmente mediante a negociação direta entre devedor e credores,
que cumpram as normas de direito falimentar (art. 161, Lei nº. 11.101/2005,
BRASIL, 2005).
A recuperação extrajudicial é um procedimento especial de jurisdição
voluntária, uma vez que não há conflito entre as partes, em que o Poder
Judiciário intervém para homologar os atos das partes se forem cumpridos
todos os requisitos da legislação. Ela vai na esteira de muitos outros institutos
de direito, que buscam privilegiar a via extrajudicial como um modo de evitar
o excesso de judicialização de conflitos que podem ser resolvidos fora de
órgãos ligados ao Poder Judiciário. Assim, cabe a ele apenas a verificação
do cumprimento dos requisitos legais e a ratificação dos atos e vontades das
partes, por meio da homologação.
Existem duas espécies ou modalidades de recuperação extrajudicial.
A primeira está prevista no art. 162 da Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005)
e é comumente chamada de recuperação extrajudicial ordinária ou de
homologação facultativa. Nessa modalidade, o devedor elabora um plano de
recuperação, que é assinado por ele e por todos os credores que aderirem ao
plano. Como a homologação é facultativa, caso o plano de recuperação não
seja homologado, ele se constitui um contrato privado; caso seja homologado,
terá a natureza de título executivo judicial.
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Nos casos de homologação facultativa, a homologação judicial do plano de recupe-


ração tende a ser mais vantajosa, pois dá ao documento maior formalidade e eficácia,
além de impedir a desistência dos credores signatários ao plano sem a anuência de
todos os demais signatários, após a distribuição do pedido de homologação (art. 161,
§5º, Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).

A segunda modalidade está prevista no art. 163 da Lei nº. 11.101/2005


(BRASIL, 2005) e é comumente chamada de recuperação extrajudicial
extraordinária ou de homologação obrigatória. Nesse caso não é necessário
que todos os credores submetidos ao plano consintam como ele, mas 3/5 (três
quintos) dos credores de todos os créditos de cada espécie que abrangem o
plano de recuperação. A homologação é obrigatória porque o objetivo é que
o plano de recupera obrigue a todos, mesmo aqueles que não anuíram com o
plano, exigindo-se, para tanto, a anuência de uma maioria qualificada. Esse
plano pode envolver a totalidade de um ou mais créditos previstos no art. 83,
incisos II, IV, V, VI e VIII da Lei nº. 11.101/2005, ou mesmo de um grupo de
credores de mesma natureza e sujeitos a semelhantes condições de pagamento,
e vale para os créditos constituídos até a data do pedido de homologação (art.
162, § 1º da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).

A Lei nº. 11.101/2005 não faz uma distinção terminológica entre as modalidades de
recuperação, por isso, pode ser denominada pela literatura especializada das seguintes
maneiras (TOMAZETTE, 2017):
„„ Art. 162 da Lei nº. 11.101/2005: recuperação extrajudicial ordinária, recuperação
extrajudicial unânime ou de adesão total, recuperação extrajudicial individualizada,
recuperação extrajudicial meramente homologatória ou recuperação extrajudicial
de homologação facultativa.
„„ Art. 163 da Lei nº. 11.101/2005: recuperação extrajudicial extraordinária, recupe-
ração extrajudicial obrigatória ou forçada, recuperação extrajudicial por classes,
recuperação extrajudicial impositiva ou recuperação extrajudicial de homologação
obrigatória.
4 Recuperação extrajudicial

Essa diferenciação é importante porque os documentos necessários à


homologação serão distintos. Na recuperação extrajudicial de homologação
facultativa, a legislação exige apenas que o pedido seja feito por meio de
uma petição com o requerimento específico de homologação do plano de
recuperação. Essa petição deve estar acompanhada do acordo firmado entre o
devedor e o(s) credor(es) que aderiam ao plano, com seus termos e condições
devidamente assinados por todos que aderirem a ele. Deve também estar
acompanhada da justificativa da recuperação extrajudicial.
Como aponta Mamede (2019), essa modalidade tem a característica de ser
uma transação coletiva que é levada à homologação com o principal intuito
de torná-lo um título executivo judicial passível de execução imediata, além
de ser um instrumento que supera a simples concessão de descontos, dilação
de prazos ou termos para o cumprimento entre as obrigações das partes.
Em razão dessas características, o legislador optou pela simplicidade do pedido
e dos documentos necessários à sua homologação. Mas tanto nessa modalidade
quanto na de homologação obrigatória devem ser preenchidos os requisitos
legais para que se possa requer a homologação.
A recuperação de homologação obrigatória irá obrigar também outros
credores que não anuíram com o plano de recuperação, por isso, o legislador é
mais exigente quanto aos documentos necessários. Nessa modalidade, exige-se
(arts. 163, § 6º, incisos de I a III, e 51, II da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005):

„„ A apresentação, no plano de recuperação, de sua justificativa. Não é


necessário demonstrar o que motivou o pedido de recuperação, bem
como os seus efeitos esperados.
„„ Termos e condições “assinados por credores que representem mais de 3/5
(três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos”
(art. 163, Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).
„„ “Demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais
e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas
com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas
obrigatoriamente de” (art. 51, II da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).
Há autores que defendem serem necessárias apenas as do último ano
e as do ano corrente, a partir da hermenêutica e especificidade do
art. 163, § 6º, II da Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005):
■■ Balanço patrimonial: deve exprimir a situação real da empresa,
indicando seus ativos e passivos (art. 1.188 do Código Civil e
art. 178 da Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976).
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■■ Demonstração de resultados acumulados: trata-se do resumo das


despesas e receitas que permitem evidenciar o lucro ou prejuízo
durante cada exercício.
■■ Demonstração de resultados desde o último exercício: trata-se do
relatório contábil parcial que instrui o pedido, no qual se demons-
tra o resultado do exercício atual da empresa, considerado aquele
desde o último exercício até a data mais próxima possível ao pedido
homologação do plano.
■■ Relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção: movimento
dos recebimentos e pagamentos da empresa, que demonstrará a
capacidade ou incapacidade de a empresa gerar a receita apresentada
no plano de recuperação (MAMEDE, 2019).
„„ Relação completa de credores com as suas devidas qualificações,
a natureza do crédito, a sua classificação e seu valor atualizado, descre-
vendo ainda a sua origem e o regime dos vencimentos com a indicação
dos registros contábeis de cada transação pendente.
„„ Documentos que comprovam que os credores que assinaram o plano
de recuperação têm poderes para novar e transigir.

Como se vê, a modalidade de homologação obrigatória tem mais exigências


do que a modalidade de homologação não obrigatória, porque pretende-se que o
plano de recuperação tenha efeito mesmo aos que não anuíram com ele. Assim,
é natural que o juízo competente terá que analisar o cumprimento de diversos
outros requisitos com a finalidade de verificar a validade do procedimento.
Nessa modalidade, não se analisam apenas os aspectos e requisitos formais,
tal que é basicamente feito na modalidade de homologação facultativa, mas
aspectos relacionados à viabilidade da recuperação, ou seja, se o plano de
recuperação é condizente com os dados contábeis.
A justificativa do plano de recuperação extrajudicial não é igual à demons-
tração de viabilidade econômica da recuperação judicial (TOMAZETTE,
2017), prevista no art. 50, II da Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005), mas é
necessário que se justifique e motive o plano, com a projeção de resultados
que ele irá gerar. Deve ficar demonstrado o porquê do pedido da recuperação
e os resultados esperados. Assim, apesar de não ter as mesmas formalidades
e exigências da demonstração de viabilidade econômica, é necessário que o
plano esteja devidamente motivado para demonstrar, ainda que de modo mais
sumário, a sua viabilidade.
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Os documentos contábeis exigidos servem para que todos os credores tomem


conhecimento da situação da empresa (TOMAZETTE, 2017). De outro lado,
é necessário demonstrar a relação de todos os credores para comprovar que
os signatários têm poderes para tanto, bem como para demonstrar que houve
assinaturas suficientes, de acordo com a lei, para obrigar os que não aderiram
ao plano. A aceitação do acordo pelo número mínimo exigido pela lei impõe
a sua aplicabilidade aos demais credores, não sendo admitida a realização de
assembleia de credores, já que a assinatura dos credores em número suficiente
comprova a aceitação do acordo e é demonstrada no pedido de homologação
(TOMAZETTE, 2017).

2 Requisitos e pressupostos da
recuperação extrajudicial
A recuperação extrajudicial pressupõe o cumprimento de alguns requisitos, sem
os quais não poderá se valer do instituto. Não poder se valer da recuperação
extrajudicial não significa que o devedor não possa negociar extrajudicialmente
de outras formas, pedindo dilação de prazos para pagamentos, fazendo renego-
ciações envolvendo reparcelamentos e descontos, entre tantas outras formas.
É o que se abstrai do art.167 da Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005). Assim,
não preencher os requisitos para a recuperação extrajudicial não impede ou
limita qualquer outro tipo de acordo privado do devedor com seus credores.
O art. 161 da Lei nº. 11.101/2005 estabelece: “o devedor que preencher os
requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano
de recuperação extrajudicial” (BRASIL, 2005). O art. 48 da mesma lei trata
dos requisitos da recuperação judicial; desse modo, pela simples leitura do
dispositivo citado, é possível concluir que os requisitos básicos para o pedido
de recuperação extrajudicial são os mesmos da recuperação judicial, que
merecem ser analisados um a um. Acompanhe.
O devedor deve exercer atividade empresarial e possuir empresa re-
gularmente constituída há mais de dois anos. O instituto da recuperação
judicial é voltado à atividade empresarial, por isso, atividades “[...] conduzidas
e titularizadas por trabalhador autônomo ou sociedade simples, incluindo a
sociedade cooperativa” (MAMEDE, 2019, p. 148) não estão sujeitas ao pedido
de recuperação judicial. Além desse requisito, é necessário que haja regular
exercício da atividade há mais de dois anos no momento do pedido e sua
regular inscrição nesse período.
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Há dois objetivos nessa exigência: o primeiro é evitar a banalização do


instituto, de modo que empresas pouco viáveis não tenham acesso a essa
medida extraordinária (MAMEDE, 2019). O segundo é o de que o empresário
comprove o exercício da atividade por escriturações e documentos contábeis
acompanhado da certidão da Junta Comercial competente, que comprove
também a inscrição regular da empresa nesse tempo mínimo. Assim, não
basta a mera certidão da Junta Comercial que comprove a inscrição regular
da empresa há mais de dois anos, mas também são necessários outros docu-
mentos que demonstrem o efetivo exercício da atividade econômica nesse
tempo mínimo (MAMEDE, 2019).
Admite-se também a recuperação judicial de pessoa jurídica que exerça
atividade rural, o que deve ser comprovado por meio da Declaração de Infor-
mações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) que tenha sido entregue
tempestivamente (art. 48, § 2º da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).
O empresário que teve a sua falência decretada não pode requerer a
recuperação extrajudicial. Exceção a esta regra é o empresário falido cujas
obrigações e responsabilidades da falência estejam extintas por sentença
transitada em julgado. As obrigações do falido são extintas quando se atinge
uma das hipóteses do art. 158 da Lei nº. 11.101/2005:

I - com o pagamento de todos os créditos;


II - o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta
por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito
da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou
a integral liquidação do ativo;
III - o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência,
se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV - o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falên-
cia, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei
(BRASIL, 2005, documento on-line).

Segundo Tomazette (2017), essa medida tem a finalidade de impedir que


uma recuperação extrajudicial suspenda os efeitos da falência.
Não pode ser concedida nova recuperação judicial se o empresário
a tenha obtido há menos de cinco anos. Apesar de não haver ressalva no
art. 161, caput da Lei nº. 11.101/2005, no caso da recuperação extrajudicial,
existe uma norma específica prevista nesse artigo, § 3, que estabelece que o
devedor não poderá requer a homologação de plano de recuperação extraju-
dicial se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido
recuperação judicial ou homologação de outro plano extrajudicial há menos de
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dois anos. Assim, tendo em vista a especificidade, vale o prazo de dois anos
para o pedido de recuperação extrajudicial, em caso da existência de pedidos
de recuperação extrajudicial ou judicial anterior. O estabelecimento desses
prazos objetiva prevenir o uso indiscriminado dos institutos excepcionais da
recuperação judicial a empresários sem capacidade de gerir seus negócios.
Ressalva-se que vigora o prazo de cinco anos para a realização de recu-
peração extrajudicial se houve prévia concessão de recuperação judicial com
base no plano especial para microempresas e empresas de pequeno porte (arts.
70 a 72 da Lei nº. 11.101/2005).

O prazo de cinco anos para um novo pedido de recuperação por microempresas


e empresas de pequeno porte, contados a partir da concessão da última recupe-
ração judicial, que tenha por base o plano especial previsto nos arts. 70 a 72 da Lei
nº. 11.101/2005, deve ser observado sempre quando se trata de um novo pedido de
recuperação judicial ordinária ou que tenha por base esse mesmo plano especial, assim
como nos casos de posterior requerimento de recuperação extrajudicial. Entretanto,
caso a microempresa ou a empresa de pequeno porte tenha realizado, anteriormente,
a recuperação judicial ordinária ou a recuperação extrajudicial, deve-se observar o
prazo de dois anos para um novo pedido de recuperação extrajudicial, aplicando-se,
desse modo, o prazo previsto no art. 161, § 3 da Lei nº. 11.101/2005.

A homologação de recuperação extrajudicial somente pode ocorrer se


não houve condenação definitiva por qualquer dos crimes previstos na Lei
de Recuperação Judicial e Falências (arts. 168 a 178, Lei nº. 11.101/2005).
O impedimento somente ocorre após o trânsito em julgado da decisão conde-
natória. Caso haja a pendência de julgamento de qualquer recurso, inclusive
daqueles sem efeito suspensivo, não há trânsito em julgado de decisão condena-
tória, por isso não há impedimento à recuperação judicial. Esse entendimento
decorre do princípio da presunção da inocência previsto no art. 5º, LVII da
Constituição Federal (BRASIL, 1988; MAMEDE, 2019; TOMAZETTE, 2017).
O dispositivo também se aplica às sociedades empresárias, de modo que
não é admissível a recuperação judicial à empresa que tenha como admi-
nistrador ou sócio controlador pessoa condenada por crime previsto na Lei
nº. 11.101/2005. Essa situação deve ser apurada no momento do requerimento
de homologação da recuperação extrajudicial, de modo a não impedir a re-
Recuperação extrajudicial 9

cuperação extrajudicial nas situações em que a sociedade empresária tenha


sido, no passado, administrada por pessoa condenada por crime falimentar,
mas esse administrador não ocupa mais essa função.

A lei trata tanto dos sócios controladores como dos administradores de determinada so-
ciedade empresária, que inclui a sua diretoria e membros do conselho de administração.

Esses requisitos são requisitos considerados subjetivos, uma vez que são
ligados à pessoa, ao devedor que realiza o pedido de recuperação extrajudi-
cial (TOMAZETTE, 2017). Fala-se ainda em requisitos objetivos, ligados
ao conteúdo do acordo, e não à análise dos sujeitos envolvidos no acordo
(TOMAZETTE, 2017). Analisamos os requisitos objetivos a seguir:

„„ A concordância de um número expressivo de credores. O art. 163


da Lei nº. 11.101/2005 exige que haja a assinatura dos credores que
representam mais de três quintos dos créditos de cada classe. Assim,
é um requisito da homologação a anuência de um número expressivo
de credores. Obviamente, essa exigência não existe na modalidade de
recuperação de homologação facultativa, pois nela os efeitos do plano
de recuperação não se irradiam a todos. Por se tratar dos credores que
representam mais de três quintos do crédito de cada classe, o cômputo
desse valor leva em conta o valor do crédito de cada credor, e não a
quantidade de credores. É comum que haja credores majoritários —
imagine uma classe de crédito em que apenas um credor representa 90%
do total da dívida; nesses casos, é justo que o peso de sua representação
seja superior ao dos demais. Assim, para esse cálculo, leva-se em conta
o valor do crédito, e não a quantidade de credores.
„„ Proibição legal de antecipação de pagamento a determinados cre-
dores em detrimento de outros. Isso poderia gerar o recebimento
favorecido de alguns credores e, em caso de falência da empresa, os
outros teriam mais dificuldades para o recebimento dos seus créditos.
A impossibilidade de tratamento diferenciado, favorecendo ou des-
favorecendo credores, está expressa também no art. 161, § 2º da Lei
nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005), que estabelece que o plano de recupera-
10 Recuperação extrajudicial

ção não pode contemplar a antecipação de pagamento ou favorecimento


de credores que aderiram a ele em detrimento daqueles que não aderiam.
Tal disposição procura evitar qualquer tipo de conluio entre o devedor
e alguns credores (TOMAZETTE, 2017).
„„ Alienação de bem objeto de garantia real. Deve ser observado quando
se prevê a alienação de bem objeto de garantia real. Quando isso ocorre,
a supressão da garantia ou a sua substituição somente será admitida
mediante a expressa anuência do credor titular da garantia real (art. 163,
§ 4º da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005), inclusive se esse credor
não for um dos signatários do plano de recuperação e estiver obrigado
ao plano por força do art. 163 da Lei nº. 11.101/2005.
„„ Afastamento da variação cambial. Esse requisito vale para os créditos
em moeda estrangeira. Alguns créditos de empresas são contraídos em
moeda estrangeira, e é assegurada, por força contratual, a variação do
crédito em razão da variação cambial. Nesses casos, existe a possibi-
lidade de afastar a variação cambial, “congelando” o crédito devido,
mas, para isso, é necessário que haja expressa anuência do credor dessa
previsão no plano de recuperação (art. 163, § 5º da Lei nº. 11.101/2005,
BRASIL, 2005).

3 Limites e efeitos da recuperação extrajudicial


A recuperação extrajudicial é um procedimento mais célere e menos custoso
do que a recuperação judicial. É mais célere porque as partes vão a juízo para
requerer a homologação de um acordo já previamente estabelecido entre as
partes. Assim, o juízo competente se limitará a verificar a observância dos
requisitos legais para realizar a homologação do acordo. Contudo, a recuperação
extrajudicial tem alguns limites e diferenças em relação à recuperação judicial.
Vejamos algumas semelhanças e diferenças entra a recuperação extra-
judicial e a recuperação judicial. A primeira semelhança é a de que alguns
credores previstos no art. 49, §§ 3º e 4º da Lei nº. 11.101/2005 não estão sujeitos
à recuperação judicial ou extrajudicial, são créditos titularizados, em geral, por
instituições financeiras e pelo Poder Público. Esses credores são excluídos,
porque têm uma grande segurança no recebimento de seus créditos, pois seus
créditos se assentam em direitos de propriedade, a exemplo do credor fiduciário.
Recuperação extrajudicial 11

Além desses créditos, o art. 161, § 1º da Lei nº. 11.101/2005 prevê que
os créditos de natureza tributária, trabalhista ou decorrentes de acidente
de trabalho não podem ser objeto de recuperação extrajudicial. Assim,
os créditos que podem ser objeto de recuperação extrajudicial são aqueles com
garantia real; com privilégio especial; com privilégio geral; quirografários;
e subordinados (RAMOS, 2017).
A recuperação extrajudicial consegue obrigar todos os credores de uma
espécie de crédito quando houve a concordância da maior parte deles (3/5),
mas, para obter essa abrangência, é necessário a concordância em cada tipo de
crédito; não é possível incluir credores de créditos diferentes indistintamente
no mesmo plano de recuperação. A recuperação extrajudicial também não é
capaz de abranger os mesmos créditos e credores que a recuperação judicial,
a exemplo dos créditos trabalhistas, que podem ser incluídos na recuperação
judicial, mas não na recuperação extrajudicial. Em vista disso, a recuperação
extrajudicial não é capaz de suspender as ações e execuções de credores que
não estejam submetidos ao plano de recuperação extrajudicial (art. 161, §4,
Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).

Os credores não submetidos ao plano são aqueles que não se sujeitam à recupe-
ração extrajudicial, que não aderem ao plano de recuperação, quando se trata da
modalidade de recuperação extrajudicial de homologação facultativa (art. 162 da Lei
nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005), ou aqueles cujos créditos não estão previstos em plano
de recuperação extrajudicial de homologação obrigatória e a ele não estão obrigados
(art. 163 da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005). Como esses credores não estão submetidos
ao plano, além de poderem propor ações e execuções, podem requer, a qualquer
momento, a falência do devedor, se constatada alguma das hipóteses do art. 94 da
Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005).

A maior restrição dos créditos que podem ser objeto da recuperação ex-
trajudicial pode ser vista como um fato limitador à sua ampla utilização.
É comum que uma empresa que enfrenta dificuldades financeiras não tenha
poucas espécies de credores, assim, a exclusão dos créditos fiscais, trabalhistas
e acidentários pode fazer com que o empresário acabe buscando a recuperação
judicial como um meio de garantir que todos os seus credores, ou a maior parte
deles, acabem submetidos ao procedimento de recuperação. Isso não quer
12 Recuperação extrajudicial

dizer que o procedimento extrajudicial não tenha vantagens, especialmente


vinculadas à celeridade e aos custos do procedimento.
Com a recuperação extrajudicial se buscam efeitos variados em relação aos
credores, que vão desde uma dilação maior para o pagamento da dívida, como
seu refinanciamento ou parcelamento sob outras condições, até descontos no
valor da dívida. Os efeitos, como visto, podem ser obtidos por meio de outras
espécies de acordos privados, visto que a recuperação extrajudicial não os
exclui ou mesmo seja a via prioritária para auxiliar o devedor em um pro-
cesso de recuperação econômica de sua empresa (art. 167, Lei nº. 11.101/2005,
BRASIL 2005).
A modalidade extrajudicial de homologação facultativa tem efeitos não
muito distintos de um contrato particular. O contrato particular, tal qual o
plano de recuperação extrajudicial homologado, obrigam as partes, mas a
homologação torna o acordo um título executivo judicial e, portanto, passível
de imediata execução. A imediata execução não é, obviamente, característica
apenas dos títulos executivos judiciais, uma vez que o art. 784 do Código de
Processo Civil (CPC) elenca as modalidades de títulos executivos extrajudiciais.
Desse modo, a renegociação de uma dívida por meio de uma recuperação
extrajudicial muitas vezes pode até mesmo ser substituída por acordos privados,
formalizados por meio de instrumentos particulares ou públicos que sejam
títulos executivos extrajudiciais. Nesses casos, o descumprimento do acordado
que exija a execução judicial do título terá poucas diferenças ao credor da
dívida. Mas é verdade que a homologação da recuperação extrajudicial na
modalidade obrigatória ou facultativa terá como efeito a produção de um
título executivo judicial que, em geral, tem maior certeza e força probante do
que o título executivo extrajudicial.
Assim, um dos principais efeitos da homologação da recuperação extraju-
dicial é a produção de efeitos a todos os credores de cada espécie de crédito
ou grupo abrangido no plano, que ocorrerá com a concordância de mais de
três quintos de cada uma das espécies de crédito ou grupo. Esse efeito é
muito importante, pois, muitas vezes, alguns credores ficam impassíveis
à negociação, e sua vinculação ao plano de recuperação somente pode ser
obtida de modo forçado.
Quanto aos credores, o principal efeito é a produção da novação de seus
créditos, isto é, cria-se uma nova obrigação em substituição à obrigação
anterior e originária, ou mesmo a extinguindo. Essa novação nada mais é
do que a alteração, de alguma forma, da obrigação originária, que pode ser
a alteração dos prazos para cumprimento quanto ao seu valor, por meio de
descontos, etc. A novação modifica a obrigação originária de tal modo que,
Recuperação extrajudicial 13

caso se decrete a falência, a nova obrigação será o crédito a ser pago pela
massa falida da empresa.
A partir da recuperação extrajudicial é gerando também outro efeito,
relacionado à alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do
devedor. Nesses casos, a alienação fica submetida à mesma forma prevista na
falência (arts. 166 e 142 da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005), isto é, por meio
de leilão, propostas fechadas ou pregão. Quanto a essa forma de alienação,
Tomazette (2017) ressalta que a identidade entre a recuperação extrajudicial e a
falência é apenas quanto à forma, mas não quanto a seus efeitos. Isso significa
que o adquirente de um estabelecimento alienado decorrente de plano de
recuperação responderá por todas as dívidas do alienante previstas na lei, ou
seja, em geral, dívidas que acompanham o bem, tal qual as dívidas escrituradas
(art. 1146 do Código Civil), as obrigações trabalhistas, na condição de sucessor
da empresa (art. 448 da Consolidação das Leis do Trabalho), além das obriga-
ções tributárias (art. 133 do Código Tributário Nacional) (TOMAZETTE, 2017).
A responsabilidade do alienante sobre as dívidas tributárias será subsi-
diária se ele continuar a atividade econômica do devedor ou mesmo iniciar
outra no período de seis meses a contar da alienação. As dívidas escrituradas
integralmente pelo sucessor, as dívidas trabalhistas, serão assumidas pelo
alienante se este vier a suceder o antigo empregador/empresário, ou se o bem
for ou puder ser objeto de garantia de eventual dívida trabalhista do antigo
empresário. Assim, em resumo, o adquirente basicamente assume os principais
encargos do bem alienado.
Em regra, o plano de recuperação extrajudicial somente produz os seus
efeitos após a homologação judicial (art. 165, Lei nº. 11.101/2005, BRASIL,
2005), pois se trata do ato que efetivamente ratifica a vontade dos signatários
e de outros credores, constituindo um novo estado jurídico às relações entre
devedor e credores. O motivo de projeção desses efeitos ao período posterior
à homologação é o fato de a homologação obrigar terceiros credores que
eventualmente não sejam signatários do plano de recuperação. Assim, não
se pode aceitar que os efeitos da recuperação judicial retroajam, em regra,
a períodos pretéritos à efetiva homologação e ratificação do plano de recupe-
ração elaborado, pois isso seria o mesmo que permitir que vontades privadas
(do devedor e credores signatários) obrigassem terceiros (credores não sig-
natários) sem a sua anuência e sem que a lei ou a sua aplicação o fizessem.
O §1º do art. 165 da Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005) prevê, contudo,
que o plano pode estipular a produção dos efeitos anteriores à homologação,
mas não sobre todas as matérias ou em relação a todos os credores. Admite-se
a retroação dos efeitos do plano apenas em relação à modificação do valor ou
14 Recuperação extrajudicial

forma de pagamento dos credores signatários. Assim, mesmo que se preveja a


produção de efeitos a períodos anteriores à homologação. Tais efeitos não irão
afetar os credores não signatários, uma vez que não participaram do plano e
com ele não anuíram expressamente.
A recuperação extrajudicial é um instituto no qual os seus signatários
realizam toda a negociação prévia, não havendo qualquer tipo de intervenção
judicial nela. Isso não significa que a recuperação judicial não tenha que
cumprir diversas regras previstas na Lei nº. 11.101/2005 (BRASIL, 2005), de
tal modo que a homologação pelo juízo somente se impõe se estão cumpridas
todas os requisitos e pressupostos legais.
Assim, um plano de recuperação extrajudicial será sempre rejeitado
e, consequentemente, não homologado caso contenha defeitos insanáveis
ou descumpra qualquer uma de suas exigências. Nesses casos, o plano de
recuperação será considerado sem efeito, uma vez que os efeitos somente
são produzidos com a homologação, sendo facultado ao devedor apresentar
novo pedido de homologação, cumprindo todas as formalidades necessárias
(art. 164, § 8º Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005). Porém, caso se tenha esti-
pulado a produção de efeitos anteriores à homologação nos moldes do art. 165,
§ 1º da Lei nº. 11.101/2005, serão devolvidos aos credores signatários o direito de
exigir os créditos nas condições originais, com a dedução de eventuais valores
que tenham sido pagos (art. 165, § 2º da Lei nº. 11.101/2005, BRASIL, 2005).

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Brasília: Presidência
da República, 1945. Revogada pela Lei nº11.101, de 2005. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del7661.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial
e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência da República,
2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/
l11101.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2019.
RAMOS, A. L. S. C. Direito Empresarial. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017.
Recuperação extrajudicial 15

TOMAZETTE, M. Curso de Direito Empresarial: falência e recuperação de empresas.


5. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3.

Leituras recomendadas
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho. Brasília: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
Brasília: Presidência da República, 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Presidência
da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência
da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.

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