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As Origens Históricas Do Direito Falimentar

Perceba-se que nesse período inicial o direito falimentar – se pela qual a legislação tenta fornecer ao devedor em crise
é que já podemos assim chamá-lo – possuía um caráter todos os instrumentos necessários à sua recuperação,
extremamente repressivo, tendo como finalidade precípua a reservando a falência apenas para os devedores realmente
punição do devedor, e não a satisfação dos legítimos irrecuperáveis.
interesses dos seus credores, consistentes no recebimento
de seus créditos. A evolução da legislação falimentar brasileira
Mas o tempo passa, a sociedade evolui, a economia avança
O principal destaque a ser feito acerca da Lei 11.101/2005 está
em uma velocidade incrível e o direito falimentar,
relacionado à clara influência que ela sofreu do princípio da
acompanhando esse processo de mudanças, vê-se obrigado
preservação da empresa, o qual, segundo alguns autores,
a adaptar-se a novos paradigmas. A falência, até então
tem origem remota na própria Constituição Federal, que
considerada como uma certa patologia de mercado inerente
acolheu a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa
aos devedores desonestos, passa a ser vista com outros
como princípios jurídicos fundamentais.
olhos e analisada sob novas perspectivas.

Com efeito, o desenvolvimento econômico vivenciado a


partir da Revolução Industrial e acentuado progressivamente
Recuperação
por meio do processo batizado de globalização trouxe
relevantes alterações na conjuntura socioeconômica, que
exigiram do operador do direito uma completa reformulação
Extrajudicial
dos princípios e institutos do direito falimentar.
Uma das provas mais inequívocas de que a legislação
A noção de insolvência com um sentido pejorativo – como
falimentar brasileira era obsoleta e necessitava urgentemente
algo, enfim, ocorrente apenas ao devedor desonesto –
de reformulação era a regra do art. 2.º, I I, do Decreto-lei
começa a ser revista, passando a ser considerada um
7.661/1945, que punia o devedor comerciante que convocava
fenômeno normal, inerente ao risco empresarial. A afirmação
seus credores, propondo-lhes dilação, remissão de créditos
dos postulados da livre-iniciativa e da livre concorrência
ou cessão de bens, com a possibilidade de decretação de
conduz à inexorável constatação de que não apenas os
sua falência. A convocação extrajudicial de credores era, pois,
devedores desonestos atravessavam crises econômicas, mas
considerada um ato de falência pela lei anterior. A LRE,
qualquer devedor.
entretanto, adotou posição distinta, incentivando a solução de
Ademais, essas crises econômicas, de tão naturais que se mercado no seu art. 161, segundo o qual “o devedor que
tornam, passam a ser encaradas sob novas perspectivas, não preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor
mais se colocando para elas como único e inevitável remédio e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial”.
a decretação da falência do devedor e o seu conseqüente
afastamento do mercado. O reconhecimento da função Requisitos Legais Da Recuperação Extrajudicial
social da empresa e dos efeitos nefastos que a paralisação
de certos agentes econômicos produz fez com que o Os mesmos requisitos exigíveis para a consecução da
legislador percebesse que muitas vezes a permanência do recuperação judicial, constantes do art. 48 e já examinados,
devedor em crise poderia ser mais benéfica do que a sua quais sejam:
imediata exclusão do meio empresarial, ante a possibilidade
de sua recuperação e da consequente manutenção de sua (i) exercer atividade empresarial regularmente há
atividade econômica, que gera empregos e contribui para o mais de dois anos;
progresso econômico e social. (ii) não ser falido ou, se tiver sido, já ter suas
obrigações e responsabilidade declaradas
Hodiernamente, portanto, o direito falimentar não mais tem extintas por sentença transitada em julgado;
como característica a preocupação preponderante de punir (iii) não ter, há menos de cinco anos, obtido
o devedor insolvente, criminalizando sua conduta e excluindo- concessão de recuperação judicial ou de
o do mercado a todo custo. A grande preocupação do concordata – tratando-se de ME ou EPP, não
direito falimentar atual é a preservação da empresa, razão ter, há menos de cinco anos, obtido concessão
de recuperação judicial com base no plano Além disso, segundo o disposto no art. 163, § 4.º, “na
especial já examinado; alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da
(iv) não ter sido condenado ou não ter, como garantia ou sua substituição somente serão admitidas
administrador ou sócio controlador, pessoa mediante a aprovação expressa do credor titular da
condenada por crime falimentar respectiva garantia”. E conforme previsto no art. 163, § 5.º,
“nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só
Além desses requisitos gerais previstos no art. 48, há ainda poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito
outro, constante da norma do art. 161, § 3.º, da LRE: “o aprovar expressamente previsão diversa no plano de
devedor não poderá requerer a homologação de plano recuperação extrajudicial”. Estas duas regras também se
extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação aplicam à recuperação (art. 50, §§ 1.º e 2.º, da LRE)
judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou
homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há Credores submetidos ao plano de recuperação extrajudicial
menos de 2 (dois) anos” Outra diferença entre a recuperação judicial e a extrajudicial
está nos credores submetidos aos seus efeitos. A estas não
O preenchimento dos requisitos acima delineados, pois, se submetem, além dos credores previstos no art. 49, §§ 3.º
permite que o devedor apresente plano de recuperação aos e 4.º, da LRE – os quais, conforme já visto, também não se
seus credores e posteriormente o submeta à homologação submetem aos efeitos da recuperação judicial –, os titulares
judicial. Nesse ponto, é importante destacar, não obstante de créditos fiscais, trabalhistas e acidentários. É o que dispõe
seja óbvio, que o devedor só precisa preencher os requisitos o art. 161, § 1.º, da LRE: “não se aplica o disposto neste
ora em exame se realmente pretender a homologação do Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária,
plano extrajudicial em juízo. Se, em contrapartida, pretende derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de
apenas negociar com os seus credores uma saída para a sua acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts.
crise, sem nenhuma intermediação do Judiciário, o 49, § 3.º, e 86, inciso I do caput, desta Lei”. Pode-se concluir,
preenchimento de qualquer desses requisitos é irrelevante. portanto, que os credores que podem estar abrangidos no
Nesse sentido, prevê o art. 167 da LRE que “o disposto neste plano de recuperação extrajudicial são os seguintes: (i) com
Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras garantia real; (ii) com privilégio especial; (iii) com privilégio
modalidades de acordo privado entre o devedor e seus geral; (iv) quirografários; e (v) subordinados.
credores”.
Em relação aos créditos subordinados, estes, se constarem
O Plano De Recuperação Extrajudicial do plano e caso ele seja homologado pelo juiz, ficarão
submetidos ao que nele estiver previsto, mas apenas,
ressalte-se, quanto aos créditos constituídos até a data do
O plano de recuperação extrajudicial do devedor em crise, a
pedido de homologação. Ressalte-se que, segundo o § 4.º do
ser submetido posteriormente à homologação do Judiciário,
se diferencia em alguns pontos do plano de recuperação mesmo art. 161, as ações e execuções que os credores não
submetidos ao plano de recuperação extrajudicial
judicial, assemelhando-se a ele em outros. Em primeiro lugar,
eventualmente tenham contra o devedor não se
prevê o § 2.º do art. 161 que “o plano não poderá contemplar
o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento suspenderão em razão da homologação do plano pelo juiz. E
mais: eles poderão requerer, a qualquer momento, a falência
desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos”. A
do devedor, caso se verifique alguma das situações previstas
regra em questão tem uma finalidade bastante clara:
respeitar o princípio da par conditio creditorum. Afinal, se o no art. 94, I, I e I I, da LRE.
devedor está em crise, não se justifica que proponha como
alternativa à sua crise o pagamento antecipado de dívidas. O pedido de homologação do art. 162 da LRE
Por outro lado, também não se poderia admitir, jamais, que
os credores não submetidos ao plano fossem prejudicados. Em regra, para obter a homologação do plano de
Em ambas as situações, haveria tratamento privilegiado de recuperação extrajudicial pelo juiz, deverá o devedor
alguns credores em detrimento de outros, o que violaria o requerê-la por meio de petição, na qual deverá, de imediato,
referido princípio do direito falimentar. comprovar o preenchimento dos requisitos acima apontados.
Além do mais, em obediência ao disposto no art. 162 da LRE,
Em segundo lugar, o plano de recuperação extrajudicial só caberá ao devedor “requerer a homologação em juízo do
poderá abranger os créditos constituídos até a data do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e
pedido de homologação em juízo, em obediência ao o documento que contenha seus termos e condições, com
disposto na parte final do art. 163, § 1.º, da LRE. as assinaturas dos credores que a ele aderiram”
O pedido de homologação do plano, nesse caso, é mera vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada
faculdade que a legislação confere ao devedor. Afinal, se ele transação pendente”.
conseguiu a concordância dos credores, que aderiram ao
plano, a sua homologação judicial é apenas formalidade, não
sendo condição imprescindível para a sua execução. Na
Procedimento Do Pedido De Homologação
verdade, nesse caso haveria uma renegociação das dívidas, e Seja qual for o fundamento do pedido de homologação –
não propriamente uma “recuperação extrajudicial”. art. 162 ou art. 163 da LRE –, o seu procedimento é o
Pode ocorrer, entretanto, de o devedor vislumbrar uma mesmo. Assim, apresentada a petição inicial do pedido de
relevante utilidade no pedido de homologação. É que estes homologação do plano de recuperação extrajudicial nos seus
credores que aderiram previamente ao plano, assinando o devidos termos, estabelece o art. 164 da LRE que “o juiz
documento que será juntado aos autos pelo devedor com ordenará a publicação de edital no órgão oficial e em jornal
sua petição inicial, em princípio não poderão mais desistir da de grande circulação nacional ou das localidades da sede e
referida adesão após a distribuição do pedido de das filiais do devedor, convocando todos os credores do
homologação ao juízo competente. A desistência só será devedor para apresentação de suas impugnações ao plano
permitida se os demais credores que também aderiram de recuperação extrajudicial, observado o § 3.º deste artigo”.
expressamente concordarem. É o que estabelece o § 5.º do Por sua vez, este § 3.º limita a matéria a ser alegada nas
art. 161: “após a distribuição do pedido de homologação, os impugnações, determinando que, “para opor-se, em sua
credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo manifestação, à homologação do plano, os credores
com a anuência expressa dos demais signatários”. Por somente poderão alegar: I – não preenchimento do
conseguinte, se o devedor tiver motivos suficientes para percentual mínimo previsto no caput do art. 163 desta Lei; I
suspeitar que algum dos credores que previamente aderiram – prática de qualquer dos atos previstos no inciso I I do art.
ao plano pode dele desistir, o pedido de homologação possui 94 ou do art. 130 desta Lei, ou descumprimento de requisito
uma utilidade prática incontestável, na medida em que previsto nesta Lei; I I – descumprimento de qualquer outra
proíbe, em princípio, esta eventual desistência. exigência legal”.

Vê-se, pois, que não caberá aos credores simplesmente se


O Pedido De Homologação Do Art. 163 da LRE oporem ao plano do devedor, tampouco alegar, em objeção,
questões estranhas às acima transcritas. Caberá a eles,
Destaque-se, todavia, que nem sempre será preciso que apenas, apontar uma dessas situações. Assim, por exemplo,
todos os credores submetidos ao plano consintam com ele. um credor pode alegar que o devedor está usando de
O art. 163 da LRE prevê situação excepcional em que “o meios ruinosos para fazer pagamentos ou que reforçou
devedor poderá, também, requerer a homologação de plano garantia a certo credor por dívida já contraída, condutas
de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores estas que estão descritas no art. 94, I I, como atos de
por ele abrangidos, desde que assinado por credores que falência; pode o credor, outrossim, alegar que o número de
representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos credores que aderiram ao plano é inferior ao mínimo legal
de cada espécie por ele abrangidos”. Nesse caso, pois, o
exigido pelo art. 163.
devedor é obrigado a fazer o pedido de homologação do
plano se quiser obrigar os credores que a ele não aderiram Destaque-se que o prazo para apresentação das referidas
ao seu cumprimento. O art. 163, § 6.º, cuida, especificamente, impugnações é de 30 (trinta) dias, contados da data de
de algumas formalidades da petição inicial desse pedido de publicação do edital mencionado pelo caput do art. 164.
homologação, prevendo que, “além dos documentos Nesse sentido, a fim de que os credores interessados
previstos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá tomem conhecimento do pedido de homologação e possam
juntar: I – exposição da situação patrimonial do devedor; I – impugná-lo, se assim entenderem, determina a LRE, em seu
as demonstrações contábeis relativas ao último exercício art. 164, § 1.º, que “no prazo do edital, deverá o devedor
social e as levantadas especialmente para instruir o pedido, comprovar o envio de carta a todos os credores sujeitos ao
na forma do inciso I do caput do art. 51 desta Lei; e I I – os plano, domiciliados ou sediados no país, informando a
documentos que comprovem os poderes dos subscritores distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para
para novar ou transigir, relação nominal completa dos impugnação”. Na petição de impugnação, frise-se, o credor
credores, com a indicação do endereço de cada um, a deverá juntar comprovação do seu crédito, sob pena de
natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, não recebimento da mesma (art. 164, § 2.º).
discriminando sua origem, o regime dos respectivos
Uma vez oferecida alguma impugnação ao plano, determina da mesma forma, sem efeito suspensivo.
o art. 164, § 4.º, que “será aberto prazo de 5 (cinco) dias Ademais, prevê o § 6.º do art. 161 que “a
para que o devedor sobre ela se manifeste”. Após esse sentença de homologação do plano de
prazo, com manifestação ou não, prevê o § 5.º do mesmo recuperação extrajudicial constituirá título
art. 164 que “os autos serão conclusos imediatamente ao juiz executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso
para apreciação de eventuais impugnações e decidirá, no I I do caput, da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de
prazo de 5 (cinco) dias, acerca do plano de recuperação 1973 – Código de Processo Civil”.
extrajudicial, homologando-o por sentença se entender que
não implica prática de atos previstos no art. 130 desta Lei e
que não há outras irregularidades que recomendem sua
Efeitos Da Homologação Do Plano De
rejeição”. Para aprovar o plano, pois, veja-se que caberá ao
juiz, basicamente, analisar se ele não representa uma mera
Recuperação Extrajudicial
artimanha do devedor para fraudar credores, nos termos do
Segundo o art. 165 da LRE, em princípio “o plano de
art. 130 da LRE, já examinado quando do estudo da falência.
recuperação extrajudicial produz efeitos após sua
Nesse sentido, aliás, o próprio § 6.º do art. 164 prevê que,
homologação judicial”. Isso significa, então, que em regra o
“havendo prova de simulação de créditos ou vício de
plano de recuperação extrajudicial não pode, uma vez
representação dos credores que subscreverem o plano, a
homologado, produzir efeitos pretéritos, retroativos. Dizemos
sua homologação será indeferida”. Indeferido o pedido de
em regra porque o próprio § 1.º do dispositivo em questão
homologação, a LRE não previu como consequência a
abre uma ressalva, afirmando que “é lícito, contudo, que o
decretação da falência do devedor, o que ocorre, por
plano estabeleça a produção de efeitos anteriores à
exemplo, quando o plano de recuperação judicial é rejeitado
homologação, desde que exclusivamente em relação à
pela assembleia geral de credores. Assim, indeferido o pedido
modificação do valor ou da forma de pagamento dos
de homologação abrem-se duas alternativas ao devedor:
credores signatários”
(i) interpor recurso de apelação, conforme
. Assim sendo, pode ser que certas medidas do plano,
previsão do § 7.º do art. 164 da LRE (“da
relativas ao valor ou à forma de pagamento de
sentença cabe apelação sem efeito
determinados créditos de titularidade de credores que
suspensivo”), ou
aderiram a ele, sejam implementadas antes de sua
(ii) apresentar novo pedido de homologação,
homologação judicial. Caso essa situação se verifique, e o
desde que o indeferimento tenha decorrido em
plano posteriormente tenha a sua homologação indeferida
razão do descumprimento de formalidades e
pelo juiz, determina o § 2.º do mesmo art. 165 que “devolve-
que as mesmas, então, tenham sido cumpridas.
se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos
Esta segunda alternativa está expressamente
nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente
destacada no § 8.º do mesmo art. 164: “na
pagos”. Por fim, no que se refere aos efeitos da
hipótese de não homologação do plano o
homologação do plano, destaque-se que o art. 166 da LRE
devedor poderá, cumpridas as formalidades,
prevê que, “se o plano de recuperação extrajudicial
apresentar novo pedido de homologação de
homologado envolver alienação judicial de filiais ou de
plano de recuperação extrajudicial”. Obviamente
unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a
que contra a sentença que defere o pedido de
sua realização, observado, no que couber, o disposto no art.
homologação também caberá a interposição
142 desta Lei.
de recurso de apelação, o qual será recebido,

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