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DIREITO SOCIETÁRIO E EMPRESA EM CRISE (DCO 5925)

PROF. DR. PAULO FERNANDO CAMPOS SALLES DE TOLEDO

FINANCIAMENTO POR DÍVIDA

16 DE NOVEMBRO DE 2020

RAPHAEL ANDRADE SILVA


Nº USP 7128328 1
AGENDA

 Introdução e recorte

 Breve distinção: equity e dívida

 Tratamento do financiamento em Recuperação Judicial no Brasil

 Garantias no financiamento em Recuperação Judicial

 Outros obstáculos ao financiamento das empresas em crise

 Poder de controle externo dos financiadores

 Sugestões de melhorias

 O DIP Financing no Projeto de Lei nº 4458/2020

 Referências
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AGENDA

 Introdução e recorte

 Breve distinção: equity e dívida

 Tratamento do financiamento em Recuperação Judicial no Brasil

 Garantias no financiamento em Recuperação Judicial

 Outros obstáculos ao financiamento das empresas em crise

 Poder de controle externo dos financiadores de empresas em crise

 Sugestões de melhorias

 O DI

 Referências Financing no Projeto de Lei nº 4458/2020


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INTRODUÇÃO E RECORTE

 Recorte: financiamento por dívida (DIP Financing), situado no âmbito mais amplo do crédito no processo
recuperacional e falimentar.

 Situação usual do devedor: desgaste da imagem da empresa no mercado e elevada percepção de risco dos
credores.

 Crédito como fator essencial à manutenção das atividades do devedor e sua efetiva recuperação.

 Papel da legislação é equacionar interesses e criar estrutura de incentivos apropriada para o oferecimento de
crédito à empresa em crise, sem perder de vistas a necessidade de proteção dos credores preexistentes.

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BREVE DISTINÇÃO: EQUITY E DÍVIDA

 Em tese, o financiamento da empresa em crise por meio de capital próprio (equity) é menos oneroso (< custo de
capital associado).

 Inconvenientes no Brasil: (i) ausência de proteção legal do novo sócio em caso de falência da empresa; (ii) risco de
responsabilização por dívidas anteriores ao ingresso no quadro social e possível determinação de
indisponibilidade de bens (82, caput e §2º, LRE).

 A conversão de dívida em equity também enfrenta obstáculos: (i) impossibilidade de voto dos sócios nas
assembleias gerais de credores (43, LRE); (ii) estrutura acionária concentrada e conflito de interesses com o
controlador, que não deseja ver a sua participação diluída.

 O financiamento por dívida é, portanto, um caminho relevante para o soerguimento da empresa em crise no 5

Brasil.
TRATAMENTO DO FINANCIAMENTO EM RJ NO BRASIL

 Ausência de tratamento profundo e sistematizado do tema na LRE.

 Primeira observação: exclusão dos novos créditos dos efeitos da RJ (49, LRE).
❖ Súmula 55,TJSP:“Crédito constituído após o pedido de recuperação judicial legitima requerimento de falência contra a recuperanda”.

 O artigo 67 da LRE traz dois benefícios aplicáveis aos financiadores da empresa em crise, quais sejam (i) a
extraconcursalidade; e (ii) a reclassificação:
“Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com
fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a
ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los 6
normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou
serviços fornecidos durante o período da recuperação”.
TRATAMENTO DO FINANCIAMENTO EM RJ NO BRASIL:
EXTRACONCURSALIDADE

 Existência de concursos paralelos: apuração de todos os créditos extraconcursais, classificação de acordo com a
ordem estabelecida no artigo 83 da LRE e pagamento conforme a respectiva posição.

 Ausência de qualquer aplicação direta na RJ, visto que somente se operacionaliza nas hipóteses de decretação da
falência.

 ADI nº 3.424/STF: pleiteia, dentre outros, a inconstitucionalidade do artigo 84, V, da LRE, com fundamento na
suposta violação da par conditio creditorum.

 Seria possível classificar a extraconcursalidade como benefício ao financiador da empresa em crise?


“Melhor seria se a LRE outorgasse alguma forma de prioridade de pagamento aos novos créditos a ser usufruída durante a recuperação judicial e, em caso
de inadimplemento, algum ônus à recuperanda deveria compensar o risco assumido pelo financiador, como a não homologação do plano até o pagamento dos
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novos créditos, o imediato afastamento dos administradores ou mesmo a decretação de falência do devedor, a depender de fatores como a forma de emprego
dos recursos e o contexto socioeconômico da recuperanda, dentre outros” (grifo nosso).
(DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na recuperação judicial e na falência. São Paulo: Quartier Latin, 2014, pp. 176-177)
TRATAMENTO DO FINANCIAMENTO EM RJ NO BRASIL:
RECLASSIFICAÇÃO

“Art. 67. [...] Parágrafo único. Os [1] créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que
continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial [2] terão privilégio geral de recebimento [3] em caso de decretação de
falência, [4] no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação”.

 A reclassificação dos créditos de titularidade dos credores colaborativos proposta pela LRE é, apesar de meritória,
limitada sob, pelo menos, quatro aspectos:

1) Abrange apenas os créditos quirografários;


2) Eleva tais créditos somente à condição de crédito com privilégio geral;
3) Não produz qualquer efeito durante a RJ, mas apenas na hipótese de decretação da falência; e
4) Opera apenas na proporção dos novos financiamentos concedidos.
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TRATAMENTO DO FINANCIAMENTO EM RJ NO BRASIL:
DISTINÇÃO ENTRE CREDORES DA MESMA CLASSE

 Seria possível, com base em uma argumentação que se apoie na observância da função social do contrato (plano
de RJ), conferir tratamento distinto entre credores de uma mesma classe (e.g. ao credor colaborativo), com vistas
ao soerguimento da empresa? Esse tratamento violaria a par conditio creditorum?

“Recuperação judicial. Homologação de plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores. Alegação de condições ilegais e onerosas para pagamento
dos credores quirografários [...] (viii) tratamento diferenciado a credores da mesma classe. Plano de recuperação judicial que reflete o acordo de
vontades do devedor e dos credores visando à preservação da empresa em crise. Ingerência do Poder Judiciário nas cláusulas do plano de recuperação apenas
nos casos de ilegalidades e abusos. Condições, no caso concreto, que não violam a lei e que não podem ser consideradas abusivas e excessivamente onerosas.
Liberdade de pactuação das condições gerais do plano de recuperação judicial, inclusive quanto ao [...] tratamento diferenciado para
credores colaboradores/parceiros” (grifo nosso).
(TJ-SP 22429911720168260000 SP 2242991-17.2016.8.26.0000, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 28/05/2018, 2ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial, Data de Publicação: 06/06/2018)

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GARANTIAS NO FINANCIAMENTO EM RJ

“Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo
evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial”
(grifo nosso).

 Ativo permanente (antes da Lei nº 11.638/2007): bens não destinados à circulação, mas ao funcionamento das
atividades da empresa, bem como os direitos exercidos com essa finalidade e os bens cuja perspectiva de
permanência fosse para além do exercício social (178, §1º, LSA). Desse grupo, não fazia parte o ativo realizável a
longo prazo.

 Lei nº 12.941/2009: extinção do grupo ativo permanente e criação do grupo ativo não circulante,
composto pelo (i) ativo realizável a longo prazo (179, II, LSA); (ii) investimentos; (iii) imobilizado; e (iv) intangível.
“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo: [...] II - no ativo realizável a longo prazo: os direitos realizáveis após o término do exercício seguinte,
assim como os derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas (artigo 243), diretores, acionistas ou participantes
no lucro da companhia, que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da companhia;”.

 Qual seria a interpretação correta da expressão ativo permanente, constante do artigo 66 da LRE? Seria
adequado apenas “substituí-la” por ativo não circulante? 10

A alienação ou oneração de bens ou direitos que integrem as categorias que, hoje pertencentes ao ativo não circulante, também compunham o ativo
permanente, dependem de autorização judicial. Isso significa que os bens e direitos que integram o ativo realizável a longo prazo não dependem de
autorização judicial para alienação ou oneração.
GARANTIAS NO FINANCIAMENTO EM RJ

“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO
DE BENS NO CURSO DO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. ART. 66 DA LEI 11.101/05. LIMITAÇÃO QUANTO A BENS INTEGRANTES DO ATIVO
PERMANENTE. CONTRATOS DE FACTORING. ATIVO CIRCULANTE OU REALIZÁVEL A LONGO PRAZO. RESTRIÇÃO INDEVIDA PROMOVIDA PELOS
JUÍZOS DE ORIGEM. 1. Recuperação judicial requerida em 19/8/2015. Recurso especial interposto em 23/6/2016 e concluso ao Gabinete em 21/5/2018. 2. O
propósito recursal é definir se as recorrentes, empresas em recuperação judicial, podem celebrar contratos de factoring no curso do
processo de soerguimento, independentemente de autorização do juízo competente. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões
controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional. 4. Os
negócios sociais permanecem sendo geridos pela empresa durante o processo de soerguimento, exceto se verificada alguma das causas de afastamento ou
destituição legalmente previstas. 5. A Lei 11.101/05, todavia, impõe ao devedor certas restrições quanto à prática de atos de alienação ou oneração de bens ou
direitos de seu ativo permanente (art. 66). 6. Sucede, contudo, que os bens alienados em decorrência de contratos de factoring (direitos de
crédito) não integram qualquer dos subgrupos que compõem o “ativo permanente” da empresa, pois não podem ser enquadrados nas
categorias “investimentos”, “ativo imobilizado” ou “ativo diferido”. 7. De fato, tratando-se de disponibilidades financeiras e de direitos
creditórios realizáveis no curso do exercício social subsequente ou após o término deste, tais bens se inserem nas categorias “ativo
circulante” ou “ativo realizável a longo prazo”, conforme se depreende da redação original dos arts. 178, § 1º, a, b e c e 179, I e II, da Lei
6.404/76 (vigente à época da edição da Lei 11.101/05). 8. Assim, sejam os direitos creditórios (a depender de seu vencimento) classificados
como “ativo circulante” ou como “ativo realizável a longo prazo”, o fato é que, como tais rubricas não podem ser classificadas na
categoria “ativo permanente”, a restrição à celebração de contratos de factoring por empresa em recuperação judicial não está abrangida
pelo comando normativo do art. 66 da LFRE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO” (grifo nosso).
(STJ - REsp: 1783068 SP 2018/0116621-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/02/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJe 08/02/2019)
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GARANTIAS NO FINANCIAMENTO EM RJ

 A necessidade de autorização judicial para alienação ou oneração de bens e direitos do devedor (restritos ou não
àqueles constantes da categoria do “ativo permanente” ou não circulante) se coadunaria com o objetivo de
soerguimento da empresa em crise, considerando a realidade brasileira (sobretudo a morosidade do Poder
Judiciário)?

“São notórias as dificuldades estruturais do Poder Judiciário pátrio, não obstante as diversas iniciativas legais e administrativas em prol do aumento da eficiência
da prestação jurisdicional. Por outro lado, a situação de crise da empresa não se coaduna com o quadro jurídico-institucional que se faz presente, e clama por
soluções mais tempestivas, sob pena de inviabilização do negócio e deterioração do valor dos ativos, com perdas para toda a sociedade. Nesse sentido, a
oneração de ativos para garantia de novos financiamentos pode atravancar a liberação de recursos urgentes, na medida em que a manifestação desses órgãos
pode demorar semanas, quiçá meses. Desse modo, ainda que haja um interesse público no destino que se dá a esses bens, é certo que interesse
maior reside na necessidade de se preservar a empresa viável. Não bastasse isso, a operação inevitavelmente passaria pelo crivo do administrador
judicial e do comitê de credores, que poderiam identificar eventuais irregularidades e acionar o juízo para que fossem tomadas as medidas pertinentes, que vão
desde a anulação do negócio ao afastamento dos administradores. Logo, a fim de dinamizar a obtenção de novos financiamentos, a análise da
utilidade, conveniência e legalidade da outorga da garantia deveria ser realizada ex post” (grifo nosso).
(DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na recuperação judicial e na falência. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 249)

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GARANTIAS NO FINANCIAMENTO EM RJ

 Qual seria a interpretação adequada da expressão evidente utilidade, que, nos termos do artigo 66 da LRE,
condiciona a análise do juiz?
❖ A expressão é, naturalmente, aberta. Não apenas exige o legislador que a alienação ou oneração dos bens ou direitos seja útil (ou seja, apta a produzir
determinado resultado que, no contexto da recuperação, é visto como positivo), mas também que essa utilidade seja evidente, isto é, nítida, transparente.

 Segundo Eduardo Secchi Munhoz, a expressão deve ser interpretada à luz do interesse público que norteia o
processo recuperacional, de modo que o juiz deve autorizar o ato sempre que este contribuir para a
reorganização da empresa e para a manutenção da fonte produtiva (cf. MUNHOZ, Eduardo Secchi. In: SOUZA
JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falências: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, p.
316).

“Para que comprove a alegada utilidade do mútuo, a devedora deve indicar pormenorizadamente os usos que dele planeja fazer, bem como atestar que fez
pesquisa de ‘preço’ e que as condições obtidas foram as melhores disponíveis no mercado de crédito consultado”. 13

(KIRSCHBAUM, Deborah. A recuperação judicial no Brasil: governança, financiamento extraconcursal e votação do plano. Tese de Doutorado,
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009, p. 148)
OUTROS OBSTÁCULOS AO FINANCIAMENTO
DAS EMPRESAS EM CRISE

 Resolução nº 2.682/99 do Conselho Monetário Nacional


❖ Estabelece critérios para que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN classifiquem suas operações de crédito
em função do risco que apresentam, além de estabelecer regras de provisão de créditos de liquidação duvidosa.
❖ De acordo com o artigo 1º, as operações são classificadas em nove níveis de risco, que vão de AA (risco zero) a H (risco máximo), a partir de critérios
“consistentes e verificáveis”, com amparo em “informações internas e externas”, que levem em consideração determinados aspectos do devedor, seus
garantidores e da própria operação.
❖ A Resolução não estabelece a forma como esses aspectos devem ser determinados, conferindo, às instituições financeiras, alguma liberdade para modelar o
risco de crédito, desde que com base em critérios consistentes e verificáveis.
❖ A Resolução representa, em síntese, três obstáculos ao financiamento da empresa em crise:

1) Obrigatoriedade de constituição de provisão mensal: equivalente a 100% do valor da operação para aquelas classificadas como nível de risco H (artigo 6º);

2) Obrigatoriedade de classificação como nível de risco H para todas as operações de devedores inadimplentes por período superior a 180 dias (artigo 4º);

3) Obrigatoriedade de classificação única para operações de um mesmo devedor ou “grupo econômico”, com base na de maior risco (artigo 3º).

❖ Consequência: taxas de juros elevadas, para compensar os efeitos negativos decorrentes do provisionamento. 14
OUTROS OBSTÁCULOS AO FINANCIAMENTO
DAS EMPRESAS EM CRISE

 Exclusão dos “credores proprietários” da recuperação judicial


❖ “Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. [...] § 3º Tratando-se de credor titular
da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos
respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato
de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de
suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital
essenciais a sua atividade empresarial” (grifo nosso).
❖ Considerando o objetivo de soerguimento do devedor e a relevância dos novos financiamentos, andou bem a LRE ao conferir, aos “credores proprietários”,
o privilégio do artigo 49, §3º?

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PODER DE CONTROLE EXTERNO DOS FINANCIADORES

 Considerando a realidade do financiamento das empresas em crise no Brasil, bem como as condições
efetivamente praticadas nas operações de crédito, seria possível falar na existência de poder de controle externo
dos financiadores?
❖ O poder de controle é, sempre, um dado da realidade fática (pertence, como disse Claude Champaud, ao domaine du fait). É, simplesmente, a capacidade de
disposição dos bens colocados em marcha para o exercício da atividade econômica, como se deles o controlador fosse proprietário.
❖ O artigo 116 da LSA apenas indica determinados critérios que, conforme julgou pertinente o legislador, permitem inferir onde se encontra o centro formal
de controle, com vistas à adequada destinação das normas de responsabilidade, contidas sobretudo no artigo 117. Essa presunção, contudo, é refutável, e
uma investigação da realidade do poder na sociedade pode, naturalmente, indicar existir um centro material de controle que não se identifica com aquele a
que se chega com apoio na bússola do artigo 116.
❖ Se, desse exercício investigativo, resultar que a capacidade de disposição dos bens sociais é transferida aos financiadores, pois que não subsiste aos sócios –
ainda que “controladores formais” – possibilidade de resistência à imposição da vontade dos credores, então será possível falar em controle externo.

“Tomamos, todavia, como paradigma de análise os contratos de financiamento, que, não raramente, conferem um poder de influência
especialmente intenso, que tem levado alguns a ponderar a configuração dos credores controladores como administradores de facto da sociedade
devedora. Mesmo que não se enverede por esta via de análise, certo é, no que toca aos financiadores, que a tradicional distinção entre proprietários e não-
proprietários da empresa perde razão de ser, deixando de ser possível afirmar que os primeiros têm o controlo sobre a sociedade, ao contrário dos segundos
(que cada vez menos são ‘financiadores silenciosos’ e passivos), e tornando necessário encontrar mecanismos de responsabilização destes últimos” (grifo 16
nosso).
(OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Os credores e o governo societário: deveres de lealdade para os credores controladores? Revista de Direito das
Sociedades, v. 1, 2009, pp. 95-96).
SUGESTÕES DE MELHORIAS

 Extraconcursalidade absoluta na falência


❖ Conferir extraconcursalidade absoluta – ou seja, sobre todos os demais credores, concursais e extraconcursais – aos credores colaborativos (cf.
TURNAROUND MANAGEMENT ASSOCIATION DO BRASIL – TMA BRASIL. Comitê de Soluções Financeiras. Financiamento de Empresas em
Recuperação Judicial: Importância, Dificuldades e Estímulos. Março/2010).
❖ Apesar de benéfica, a solução não resolve o principal problema da LRE, que é a falta de incentivos aproveitáveis durante a fase de recuperação judicial.

▪ Benefícios aproveitáveis durante a recuperação judicial


❖ A maior deficiência da LRE, no tema do financiamento da empresa em crise, é não conter nenhum privilégio ou benefício expressamente conferido aos
credores colaborativos que possa ser usufruído diretamente no curso da própria RJ (e não apenas na hipótese de convolação em falência).
❖ A LRE poderia, exemplificativamente, estender aos credores colaborativos, em alguma medida, os benefícios conferidos, e.g., aos créditos derivados da
legislação do trabalho.
❖ Considerando a natureza contratual do plano, fruto de acordo, é sempre complicado estabelecer um adequado grau de “dirigismo” do legislador, subtraindo
espaço à autonomia privada. No entanto, seguramente a existência de alguns parâmetros legais, ou mesmo o condicionamento da homologação do plano
ao adimplemento do novo crédito, serviria para criar incentivos adicionais ao financiamento da empresa em crise.

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“[...] mecanismos devem ser criados para que realmente se incentive a concessão de crédito [...] a dificuldade das recuperandas para acesso ao crédito [...]
chega a impossibilitar a efetiva reorganização da empresa”.
(TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de.A necessária reforma da lei de recuperação de empresas. Revista do Advogado, v. 36, 2016, p. 173)
O DIP FINANCING NO PROJETO DE LEI Nº 4458/2020

 O PL 4458/2020 altera dispositivos da LRE que cuidam do financiamento da empresa em crise e, adicionalmente,
cria a Seção IV-A (artigos 69-A a 69-F), denominada “Do financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante
a Recuperação Judicial”.

 Alguns dos problemas existentes na LRE são corrigidos, mas outros permanecem. O principal ponto é que
continuam ausentes disposições que confiram, aos financiadores, benefícios aproveitáveis no curso do processo
recuperacional (e não apenas na hipótese de convolação em falência).

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O DIP FINANCING NO PROJETO DE LEI Nº 4458/2020

 Artigo 66
❖ A nova redação do artigo 66 substitui a expressão ativo permanente por ativo não circulante.

❖ Além disso, são inseridos quatro parágrafos, que cuidam do procedimento que deve ser implementado após a autorização de alienação de bens pelo juiz,
com a manifestação dos credores e do administrador judicial.
❖ O §3º é especialmente importante, pois deixa claro que não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluindo, mas não se limitando
àquelas de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.

 Artigo 67, parágrafo único


❖ O parágrafo único, acrescido ao caput do artigo 67, prevê, agora expressamente, que o plano poderá dispensar tratamento diferenciado aos créditos
sujeitos à recuperação judicial pertencentes aos chamados credores colaborativos, “desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das
atividades” e que “o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura”.

▪ Artigo 84
❖ Por meio da nova redação do inciso I-B do artigo 84, apesar de mantida a extraconcursalidade dos créditos decorrentes de novos financiamentos, a ordem 19

de pagamento foi substancialmente alterada em benefício do credor. Assim, os créditos referentes ao “valor efetivamente entregue ao devedor em
recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com a Seção IV-A” deverão ser pagos com precedência a todos os demais créditos extraconcursais,
exceto os de natureza estritamente salarial (151, LRE) e as despesas de administração (150, LRE).
O DIP FINANCING NO PROJETO DE LEI Nº 4458/2020

 Seção IV-A, artigo 69-A


❖ “Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a
celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros,
pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos”.

 Seção IV-A, artigo 69-C


❖ “Art. 69-C. O juiz poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em
recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original. §1º A garantia subordinada, em qualquer hipótese, ficará limitada ao eventual
excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original. §2º O disposto no caput deste artigo não se aplica a qualquer modalidade de alienação
fiduciária ou de cessão fiduciária”.

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REFERÊNCIAS

1) DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na recuperação judicial e na falência. São Paulo: Quartier
Latin, 2014.
2) KIRSCHBAUM, Deborah. A recuperação judicial no Brasil: governança, financiamento extraconcursal
e votação do plano.Tese de Doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009.
3) OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Os credores e o governo societário: deveres de lealdade para os credores
controladores? Revista de Direito das Sociedades, v. 1, 2009, pp. 95-133.
4) SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falências: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007.
5) TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. A necessária reforma da lei de recuperação de empresas. Revista
do Advogado, v. 36, 2016, pp. 171-175.
6) TURNAROUND MANAGEMENT ASSOCIATION DO BRASIL – TMA BRASIL. Comitê de Soluções Financeiras.
Financiamento de Empresas em Recuperação Judicial: Importância, Dificuldades e Estímulos. 21
Março/2010.
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OBRIGADO!

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