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Keywords: Fiduciary alienation in guarantee, Civil Code, Judicial Recovery, legal exception,
jurisprudential interpretation.
1 Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Público pela Faculdade
Newton Paiva. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Sócio do escritório Ananias
Junqueira Ferraz thiago.santana@ajfadvogados.com.br.
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Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica. Professora do Centro Universitário UMA. Sócia do escritório Ananias Junqueira
Ferraz carolinajunqueira@ajfadvogados.com.br.
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1. Introdução
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(DES) NECESSIDADE DE REGISTRO PRÉVIO
O presente trabalho visa analisar a alienação fiduciária através de sua formação
histórica, a luz do Código Civil e legislações especiais, as razões fundamentais que levaram o
legislador incluir esta garantia entre as exceções previstas na lei 11.101/05 e, o posicionamento
dos tribunais, com o fito de estabelecer uma crítica ao recente entendimento jurisprudencial
sobre a matéria.
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Pelo exposto, resta evidente que a fidúcia nasce, no direito romano, como uma
obrigação natural e, posteriormente, é incorporada nos ordenamentos jurídicos modernos
como elemento garantidor do negócio jurídico.
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Importante destacar para a lei 9514/97 a determinação do artigo 23: Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária
de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o
fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
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O artigo 42 da lei 10.931/2004 estabelece: “A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem
de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou
averbações previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei. ” Em relação as alterações
apresentadas pelo artigo 66-B não existe qualquer menção quanto a obrigatoriedade do registro.
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Orlando Gomes (1983, p. 325) conceitua como um negócio jurídico pelo qual as
partes através da confiança adquirem determinado bem obrigando-se a devolvê-lo quando se
verifique o acontecimento o qual tenha se subordinado, como por exemplo, o pagamento.
Caio Mário da Silva Pereira (2017, p379) ao definir propriedade fiduciária 5 entende
como sendo a transferência ao credor do domínio e posse indireta de um bem, sem a tradição
efetiva, e como garantia ao pagamento de uma obrigação resolvendo o direito do adquirente
com a solução da dívida garantida.
Pode-se, por fim, acrescentar que na alienação fiduciária o credor (fiduciário) obriga
o devedor (fiduciante) a transferência da propriedade de bem móvel ou imóvel, fungível ou
não, como forma de garantir o cumprimento da obrigação e, durante a vigência do contrato o
credor permanece na posse indireta do bem.
Finalizada a obrigação pelo pagamento readquire o alienante a propriedade do bem
de forma que o instituto, tal qual aplicado no brasil, cria uma condição resolutiva.
Portanto, da análise das legislações informadas chega-se à conclusão o que o instituto
da alienação fiduciária em suas diversas modalidades trata-se de um direito real de garantia,
ou seja, vincula o bem ao credor que se torna, a partir de então, titular na qualidade de
proprietário fiduciário dos respectivos bens.
4. Da recuperação judicial
5
Apesar de parte da doutrina considerar alienação fiduciária e propriedade fiduciária como elementos distintos
permitimos aqui apresenta-los como sinônimos ante ao objetivo que se busca através deste artigo que seria a
interpretação deste perante o Poder Judiciário.
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Sobre o referido artigo e, em especial no que diz respeito aos contratos de alienação
fiduciária esclarece Marlon Tomazette (2017, p.119) que assim, não são abrangidos pela
recuperação os créditos do titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou
imóveis.
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Logo, independentemente do processamento da recuperação judicial, demonstrado
inadimplemento do fiduciante quanto ao pagamento do débito, surge para o credor fiduciário
a possibilidade de exercer o seu direito sobre o bem dado em garantia.
Perceba-se que o texto legislativo foi cristalino ao estabelecer como legítimo o
direito do credor fiduciário de não se submeter ao regime recuperacional, exercendo a
persecução legal para transferência da posse do bem e, consequentemente, promovendo a
amortização ou liquidação do débito gerado em decorrência impontualidade.
A disposição legislativa por si só não gera dúvidas pois, o objetivo primordial da
chancela concedida a essa espécie de credores seria o restabelecimento de sua posse direta da
garantia fornecida e, a amortização ou adimplemento da obrigação assumida.
Ainda que, no caso concreto, o bem objeto da alienação fiduciária fosse considerado
indispensável a atividade empresária, o que eventualmente impossibilitaria sua retirada
imediata do estabelecimento empresarial, não estaria desnaturada a condição do proprietário
fiduciário pois o contrato, em regra, foi celebrado dentro da previsão legal e consoante
regramento imposto pela legislação.
Ocorre que o tema não é visto de maneira desarmada pelo Tribunais e, em inúmeras
situações houve uma deturpação do instituto da alienação fiduciária o qual promoveu um
alargamento das suas condicionantes desconstruindo o rol das exceções previstas no artigo 49,
§ 3º da lei 11.101/2005.
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Ocorre que, como citado anteriormente, as diversas leis que tratam a matéria criaram
modalidades distintas de alienação fiduciária e, desta forma, uma terrível colcha de retalhos.
Entretanto, segundo Marlon Tomazette (2017, p. 120) o instituto da alienação
fiduciária restaria, no Brasil, divido em três espécies distintas, quais sejam, a primeira
constante do Código Civil (artigos 1361 a 1368) considerada por ele como comum e cujo o
objeto seria bem móvel infungível; a segunda que abarcaria bens móveis e que estariam
abarcadas pela lei n. 4728/65 e Dec./Lei 911/69, aplicável as operações realizadas no mercado
financeiro e de capitais e, finalmente, a terceira criada pela lei 9514/97 que alcançam as
alienações fiduciárias de bens imóveis.
As duas últimas modalidades descritas acima, são comumente usadas pelas
instituições financeiras que, diante do inerente risco da operação e objetivando recuperação
certa do crédito, promovem a concessão monetária em operações garantidas com o patrimônio
do tomador de crédito.
Consequentemente, a alienação fiduciária, nestes casos, promove uma diminuição do
risco e a redução no custo médio do crédito fornecido e, consequentemente, viabilizando uma
maior concessão de crédito capaz de fomentar a atividade empresarial.
Após 12 anos da vigência da lei 11.101/2005, entretanto, uma interpretação
equivocada sobra a aplicação do instituto da alienação fiduciária como exceção ao regime
recuperacional tem criado óbice ao implemento do referido proposito.
Neste diapasão, cabe trazer à baila, inicialmente, o tratamento da matéria realizado
no artigo 1.361 do Código Civil
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contrato no cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor e, na
hipótese de veículos, no órgão competente para licenciamento.
Contudo, tribunais estaduais, na aplicação da Lei 11.101/2005, aumentaram a
abrangência desse artigo de sorte que a obrigação de registro do contrato no cartório de notas
do domicílio do devedor deveria ocorrer sobre todas as hipóteses de alienação fiduciária
fossem os bens infungíveis ou não, incluindo veículos.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou a súmula 60 “a
propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e
documentos do domicílio do devedor” 6
Importante acrescentar que o posicionamento firmado pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, considerado um dos mais relevantes tribunais do país, contaminou o
entendimento de outros tribunais como a exemplo se cita o posicionamento firmado pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul através do seguinte julgado:
6
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Súmulas. Disponível em:
<http://www.tjsp.jus.br/download/secaodireitoprivado/sumulas.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.
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aos efeitos da recuperação judicial, não sendo possível que aquela proceda às
amortizações pretendidas, uma vez que no caso em exame inaplicável a
exceção prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Negado provimento
ao agravo de instrumento. (TJRS, 2016, on-line)
Neste contexto, resta afastada a aplicabilidade do Código Civil nos contratos em que
a alienação fiduciária, como forma de garantia, é constituída em cédula de crédito bancária.
Neste diapasão, cabe ainda relembrar que a supramencionada lei, expressamente,
impõe a obrigatoriedade do registro para que a garantia se torna oponível à terceiros e não,
como faz a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, como pressuposto de
eficácia do contrato.
A partir da análise histórica do instituto objeto do presente artigo, pode-se concluir
que a alienação fiduciária em suas diversas modalidades é direito real de garantia, ou seja,
vincula o bem ao credor que se torna a partir de então titular, na qualidade de proprietário
fiduciário, dos respectivos direitos.
Pode-se, pois, concluir que, se a cédula de credito bancária não for registrada, o
proprietário fiduciário não poderá, perante terceiros de boa-fé, exercer seu direito de
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consolidação da propriedade do bem, mas, igualmente não podemos concluir que este direito
não valerá perante o devedor.
E, por consequência, incabível seria considerar constituída uma obrigação principal,
como exemplo um mútuo bancário materializado por uma cédula de crédito e, ao mesmo tempo,
considera-la sem efeito em decorrência da inexistência de registro da garantia, que se frisa, é
uma obrigação assessória.
Por fim, cabe asseverar que sendo válida e eficaz perante o devedor que faz o pleito
recuperacional, a cédula garantida por alienação fiduciária deve ser excluída dos efeitos da
recuperação judicial deferida.
Nesse sentido, apesar dos inúmeros exageros cometidos pelos tribunais estaduais, em
especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema aqui debatido,
coube ao Superior Tribunal de Justiça encerrar a celeuma criada.
Através do Recurso Especial Resp. 1559457/MT, o Tribunal Superior firmou o
posicionamento de que a constituição de garantia oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre
coisas móveis e títulos de crédito, ocorreria pela própria contratação e, por consequência,
independentemente de registro, conforme destacado abaixo
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Perceba-se, portanto, que as leis não possuem palavras inúteis de forma que o próprio
corpo legislativo apresenta as soluções e esclarecimentos necessários quanto o registro do
contrato.
Dessa forma, e como não poderia ser de outra maneira, a previsão constante do Código
Civil abarcaria apenas os contratos de alienação fiduciária de bens móveis infungíveis figura
atípica, em regra, a maioria dos contratos de mutuo realizados com instituições financeiras.
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Aliado a isso conforme reportado pelo próprio Relator e pela doutrina os efeitos
constantes do não registro refletiriam tão somente sobre terceiros permanecendo, portanto, os
seus efeitos em relação aos contratantes.
Assim, em um regime de recuperação judicial onde a empresa busca, de maneira
sucinta, a apresentação aos credores de todos os ativos e passivos com um plano de pagamento
que deverá ser submetido a deliberação, parece pouco lógico que bens que não lhe pertençam,
pela espécie contratual que lhes enforma, sejam desnaturados por condições que em momento
algum violaram os termos da lei.
Em complemento, é de suma importância ratificar que inúmeros contratos celebrados
diariamente fundam-se primeiramente na boa-fé, princípio norteador de qualquer relação
jurídica e que não permite atalhos ou deturpações.
7. Considerações finais
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empresaria, surge para o credor fiduciário o direito de promover a busca do bem e não se
submeter ao regime recuperacional.
Todavia, apesar do cristalino direito constante da lei de recuperação judicial houve,
por parte dos Tribunais, uma interpretação equivocada ao considerar que o requisito
fundamental para a validade do contrato de alienação fiduciária seria o seu registro nos termos
do artigo 1361, §1º do Código Civil.
E nesses termos houve através do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
a edição da súmula 60, que somente considerou válido os contratos que eventualmente
estivessem registrados perante o Cartório de Registro de Títulos e documentos do domicilio
do devedor.
A adoção do posicionamento apresentado pelo referido Tribunal contaminou outros
tribunais estaduais e, como consequência, promoveu a desnaturação de inúmeros contratos
que antes excepcionados ao regime legal agora estariam obrigados a figurar dentro do
processo de recuperação judicial na qualidade de credores quirografários, o que promoveu
uma enorme insegurança jurídica afetando diretamente credores que se valiam da modalidade
contratual excetuada para a concessão de crédito a taxas menores.
A matéria extremamente controversa foi submetida ao Superior Tribunal de Justiça
que de maneira sucinta e, conforme restou demonstrado ao longo do artigo, considerou que a
obrigatoriedade de registro serviria apenas para oponibilidade a terceiros de sorte que a
ausência deste em nata desnaturaria o contrato celebrado.
Portanto, dúvida não resta que a racionalidade apresentada pelo Superior Tribunal de
Justiça equilibrou a relação entre o credor e o devedor fiduciário promovendo segurança
jurídica quanto ao contrato celebrado e, acima de tudo, reafirmando o princípio da boa-fé
posto que não seria lícito a empresa recuperanda alegar vícios na formação do contrato
celebrado quando ciente acerca da modalidade contratada.
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REFERÊNCIAS
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CONJUR. STJ acerta rumos da alienação fiduciária em recuperação judicial. Disponível em:
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