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Organização Comitê Científico

Double Blind Review pelo SEER/OJS


Recebido em: 05.07.2018
Revista Brasileira de Direito Empresarial Aprovado em: 10.08.2018

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS, IMÓVEIS E


RECUPERAÇÃO JUDICIAL – A (DES) NECESSIDADE DE REGISTRO
PRÉVIO

Thiago Santana Rabelo 1


Carolina Ananias Junqueira Ferraz 2

Resumo: A presente investigação tem o intuito de analisar a necessidade ou não do registro de


contrato de alienação fiduciária em garantia de bens móveis e imóveis a luz do Código Civil e
da lei de Recuperação Judicial e Falências. Para tanto, a investigação se inicia com o escrutínio
do que seria o instituto da alienação fiduciária e sua evolução histórica e legislativa para, na
sequência, analisar as hipóteses de exceção dos créditos ao regime de recuperação judicial e sua
interpretação a luz dos Tribunais Estaduais e do Superior Tribunal de Justiça.

Palavras-chave: Alienação fiduciária em garantia, Código Civil, Recuperação Judicial,


exceção legal, interpretação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.

FIDUCIARY ASSEMBLY OF MOVABLE PROPERTY, REAL ESTATE


AND JUDICIAL RECOVERY - THE (DES) NEED FOR PRIOR
REGISTRATION
Abstract: The present investigation has the purpose of analyzing the necessity or not of the
registration of fiduciary alienation contract in guarantee of movable and immovable property
under the Civil Code and the Law of Judicial Recovery and Bankruptcies. In order to do so, a
survey began with the scrutiny of what would be the fiduciary alienation institute and its
historical and legislative evolution, in order to analyze, as a hypothesis of exception of the
credits to the regime of judicial recovery and its interpretation in light of the State Courts and
of the Superior Court of Justice.

Keywords: Fiduciary alienation in guarantee, Civil Code, Judicial Recovery, legal exception,
jurisprudential interpretation.

1 Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Público pela Faculdade
Newton Paiva. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Sócio do escritório Ananias
Junqueira Ferraz thiago.santana@ajfadvogados.com.br.
2
Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica. Professora do Centro Universitário UMA. Sócia do escritório Ananias Junqueira
Ferraz carolinajunqueira@ajfadvogados.com.br.

Revista Brasileira de Direito Empresarial | e-ISSN: 2526-0235 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 56 – 72 | Jan/Jun. 2018

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Thiago Santana Rabelo & Carolina Ananias Junqueira Ferraz

1. Introdução

Não resta dúvida que a lei 11.101/2005 ao disciplinar sobre o procedimento de


recuperação judicial e falência trouxe enormes avanços no trato com as empresas em situação
de dificuldade econômica ou insolvência financeira.
Se antes o encerramento era regra, agora o polo se inverte restando definitivamente
demonstrado que nem toda crise é passível de aniquilamento da pessoa jurídica. Neste sentido,
faz-se imperioso relembrar que a continuidade da atividade empresária possui um relevante
valor social, uma vez que proporciona a manutenção de empregos, circulação de riquezas com
o pagamento de credores e recolhimento de tributos.
Ocorre que a premissa de manutenção da atividade empresária, a qualquer custo,
resulta, em inúmeras ocasiões, em um posicionamento jurisprudencial radicalizado capaz de
deturpar, a interpretação quanto aos créditos que se submeteriam ou não ao regime
recuperacional, submetendo os credores extraordinários a um tratamento ordinário e,
consequentemente, distorcendo por completo a natureza dos créditos que possuem.
A bandeira de “justiça” levantada em prol das empresas em dificuldade, como forma
de equilibrar os credores e promover o pagamento de todos de maneira igualitária promoveu,
diversamente da pretensão inaugural, uma enorme insegurança jurídica.
Neste sentido, faz-se imperioso relembrar que a supramencionada alteração no
entendimento jurisprudencial, acabou atribuindo tratamento isonômico a negócios jurídicos
celebrados de maneira distintas, com fulcro em hipóteses anteriormente excepcionadas pela lei
11.101/2005.
Cabe ressaltar que, para concessão de crédito, as instituições financeiras, em regra,
realizam uma análise criteriosa com o fito de quantificar o custo do mútuo em virtude do risco
de não adimplemento da operação. Dentre as inúmeras análises a existência de garantias do
contrato, em especial as decorrentes de alienação fiduciária, são as que mais facilitam o acesso
ao crédito.
Quando um entendimento jurisprudencial superveniente desconsidera um tratamento
extraordinário previsto em lei e, consequentemente, as condições previamente estabelecidas em
contratos. Assim, o custo do crédito aumenta dificultando sua concessão e, obstando a
capacidade produtiva do mercado.

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O presente trabalho visa analisar a alienação fiduciária através de sua formação
histórica, a luz do Código Civil e legislações especiais, as razões fundamentais que levaram o
legislador incluir esta garantia entre as exceções previstas na lei 11.101/05 e, o posicionamento
dos tribunais, com o fito de estabelecer uma crítica ao recente entendimento jurisprudencial
sobre a matéria.

2. A fidúcia e o seu desenvolvimento histórico -

A fidúcia teve o seu nascedouro no direito romano como um acordo consensual, de


natureza secreta e fundado principalmente na honestidade e confiança estabelecida entre as
partes, de forma que o credor alienava determinado bem ao fiduciário lhe obrigando a
devolver ou promover destinação específica na forma entabulada entre as partes.
Cabe ressaltar, pela própria natureza do instituto, que o elemento angular e
fundamental deste negócio jurídico é a confiança estabelecida entre as partes e,
consubstanciada em um valor moral que permeia as relações sociais.
Neste sentido, naturalmente o credor sempre espera do devedor, a restituição do bem
após a extinção da dívida já que, por se tratar de ato desprovido de proteção, não há meios de
compelir o inadimplente ao cumprimento da obrigação.
A fidúcia, no direito romano, segundo Caio Mario da Silva Pereira (2017, p 337)
ocorria através das figuras do fiducia cum amico e fiducia cum creditore.
A primeira modalidade não possuía como finalidade a garantia e ocorria sempre que
uma determinada pessoa, em uma situação extraordinária, transferia a um amigo os seus bens
com a possibilidade de lhe serem restituídos quando cessada a excepcionalidade.
Diversamente, na segunda modalidade o devedor transferia os seus bens ao credor
com a possibilidade de recuperá-los após o cumprimento das obrigações que havia assumido.
Assim este modelo apresentava dois momentos diversos, o primeiro decorrente da alienação
dos bens realizada pelo devedor e o segundo do retorno desses a sua propriedade.
Faz-se imperioso relembrar, neste sentido, que nas duas modalidades havia
transferência de determinado bem ou direito à outra pessoa e, ainda que não houvesse
respaldo jurídico à época, esta última, frisa-se, pelo cumprimento de uma obrigação natural,
restituía ao antigo proprietário os bens e direitos.

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Pelo exposto, resta evidente que a fidúcia nasce, no direito romano, como uma
obrigação natural e, posteriormente, é incorporada nos ordenamentos jurídicos modernos
como elemento garantidor do negócio jurídico.

3. Do desenvolvimento legislativo da alienação fiduciária no ordenamento brasileiro e as


suas especificidades

O instituto da fidúcia foi incorporado ao nosso ordenamento, e sua implementação


decorreu da necessidade da criação de um novo direito real de garantia, aperfeiçoando assim
as relações jurídicas contratuais antes adstritas a figuras como o penhor e a hipoteca.
Assim, o referido instituto passa a integrar o ordenamento jurídico brasileiro através
do Dec. 911/69 que, ao alterar o artigo 66 da lei 4.728/65, acresceu entre as garantias
oponíveis aos contratos a alienação fiduciária.
A alienação fiduciária avançou e diversas alterações conformaram o instituto
redesenhando-o como atualmente é conhecido como, por exemplo, as alterações inseridas pela
lei 9.514/97 3, que ao impor a transferência imediata do bem ao credor fiduciário em caso de
inadimplemento cria uma espécie de propriedade resolúvel.
Em 2004, através da lei 10.931 4 houve alteração da Seção XIV da lei 4.278/65
criando o artigo 66-B, que dispôs sobre a Alienação Fiduciária em Garantia no âmbito do
mercado financeiro de capitais e, possibilitou a cessão fiduciária de direitos sobre coisas
móveis bem como de título de crédito.
Washington dos Santos (2001, p.33) define alienação fiduciária como uma “cessão
de bens em confiança, como garantia de uma dívida: o devedor transfere ao credor um bem
de sua propriedade, como garantia da dívida assumida. Após cumprido o compromisso que
gerou a dívida o bem será imediatamente restituído”.

3
Importante destacar para a lei 9514/97 a determinação do artigo 23: Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária
de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o
fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
4
O artigo 42 da lei 10.931/2004 estabelece: “A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem
de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou
averbações previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei. ” Em relação as alterações
apresentadas pelo artigo 66-B não existe qualquer menção quanto a obrigatoriedade do registro.

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Orlando Gomes (1983, p. 325) conceitua como um negócio jurídico pelo qual as
partes através da confiança adquirem determinado bem obrigando-se a devolvê-lo quando se
verifique o acontecimento o qual tenha se subordinado, como por exemplo, o pagamento.
Caio Mário da Silva Pereira (2017, p379) ao definir propriedade fiduciária 5 entende
como sendo a transferência ao credor do domínio e posse indireta de um bem, sem a tradição
efetiva, e como garantia ao pagamento de uma obrigação resolvendo o direito do adquirente
com a solução da dívida garantida.
Pode-se, por fim, acrescentar que na alienação fiduciária o credor (fiduciário) obriga
o devedor (fiduciante) a transferência da propriedade de bem móvel ou imóvel, fungível ou
não, como forma de garantir o cumprimento da obrigação e, durante a vigência do contrato o
credor permanece na posse indireta do bem.
Finalizada a obrigação pelo pagamento readquire o alienante a propriedade do bem
de forma que o instituto, tal qual aplicado no brasil, cria uma condição resolutiva.
Portanto, da análise das legislações informadas chega-se à conclusão o que o instituto
da alienação fiduciária em suas diversas modalidades trata-se de um direito real de garantia,
ou seja, vincula o bem ao credor que se torna, a partir de então, titular na qualidade de
proprietário fiduciário dos respectivos bens.

4. Da recuperação judicial

Após quase 70 anos de vigência do Decreto Lei 7661/45 que cuidava do


processamento da falência e concordata, ocorreu a promulgação da lei 11.101/2005 que
representou uma adequação necessária ao ambiente econômico nacional.
A Lei de Recuperação Judicial, diferentemente do regramento anterior que focava na
impontualidade e insolvência para liquidação imediata da sociedade empresária, agora abarca
o princípio da conservação da empresa, com adoção de mecanismos que viabilizam a sua
manutenção resguardando esta, durante o período recuperacional, de atos que obstem a
continuidade da atividade empresária.

5
Apesar de parte da doutrina considerar alienação fiduciária e propriedade fiduciária como elementos distintos
permitimos aqui apresenta-los como sinônimos ante ao objetivo que se busca através deste artigo que seria a
interpretação deste perante o Poder Judiciário.

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A promulgação da Lei de Recuperação Judicial e Falências promoveu um enorme


avanço para a sociedade empresária, na medida em que viabilizou a possibilidade de sua
manutenção em situações de crise econômica ressalvando a sua liquidação somente em
situação excepcional.
E para tanto o legislador dividiu o procedimento em duas etapas sendo a primeira no
momento do deferimento da recuperação judicial, o qual será objeto de maior detalhamento, e
o segundo quando da homologação do plano recuperacional.
Com o deferimento do processamento da recuperação judicial a consequência
imediata, pela própria natureza do procedimento, é a suspensão de todas as ações em face da
recuperanda consoante disposição do artigo 6º da lei 11.101/2005;

Lei 11.101/05 – Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do


processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de
todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos
credores particulares do sócio solidário.

A análise do artigo traduz a ideia de que a suspensão de todas as ações se daria em


caráter incondicional, o que não traduz uma verdade absoluta posto que o próprio
ordenamento, estabeleceu quais créditos não se submeteriam ao regime recuperacional,
conforme inclusive dispõe o artigo 49, §3º da lei 11.101/2005;

Lei. 11.101/05 – Art. 49 Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos


existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
(...)
§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de
bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou
promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham
cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações
imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de
domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e
prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições
contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo,
durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a
venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital
essenciais a sua atividade empresarial.

Sobre o referido artigo e, em especial no que diz respeito aos contratos de alienação
fiduciária esclarece Marlon Tomazette (2017, p.119) que assim, não são abrangidos pela
recuperação os créditos do titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou
imóveis.

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Logo, independentemente do processamento da recuperação judicial, demonstrado
inadimplemento do fiduciante quanto ao pagamento do débito, surge para o credor fiduciário
a possibilidade de exercer o seu direito sobre o bem dado em garantia.
Perceba-se que o texto legislativo foi cristalino ao estabelecer como legítimo o
direito do credor fiduciário de não se submeter ao regime recuperacional, exercendo a
persecução legal para transferência da posse do bem e, consequentemente, promovendo a
amortização ou liquidação do débito gerado em decorrência impontualidade.
A disposição legislativa por si só não gera dúvidas pois, o objetivo primordial da
chancela concedida a essa espécie de credores seria o restabelecimento de sua posse direta da
garantia fornecida e, a amortização ou adimplemento da obrigação assumida.
Ainda que, no caso concreto, o bem objeto da alienação fiduciária fosse considerado
indispensável a atividade empresária, o que eventualmente impossibilitaria sua retirada
imediata do estabelecimento empresarial, não estaria desnaturada a condição do proprietário
fiduciário pois o contrato, em regra, foi celebrado dentro da previsão legal e consoante
regramento imposto pela legislação.
Ocorre que o tema não é visto de maneira desarmada pelo Tribunais e, em inúmeras
situações houve uma deturpação do instituto da alienação fiduciária o qual promoveu um
alargamento das suas condicionantes desconstruindo o rol das exceções previstas no artigo 49,
§ 3º da lei 11.101/2005.

5. Da interpretação jurisprudencial acerca dos contratos de alienação fiduciária e das


distorções provocadas pela ampliação do conceito

Como apresentado anteriormente, o instituto da alienação fiduciária teve o seu


nascedouro através do Dec. Lei 911/69, mas foi através da lei 10.931 que o seu tratamento foi
alongado para contemplar contratos em que o instituto é utilizado no âmbito do mercado
financeiro de capitais.
Para as legislações referenciadas, resta patente que o objetivo legislativo implícito no
ordenamento jurídico brasileiro é possibilitar a transferência imediata da propriedade do
tomador de empréstimo ao credor fiduciário e, com isso, possibilitar a concessão de crédito
com taxas mais atrativas.

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Ocorre que, como citado anteriormente, as diversas leis que tratam a matéria criaram
modalidades distintas de alienação fiduciária e, desta forma, uma terrível colcha de retalhos.
Entretanto, segundo Marlon Tomazette (2017, p. 120) o instituto da alienação
fiduciária restaria, no Brasil, divido em três espécies distintas, quais sejam, a primeira
constante do Código Civil (artigos 1361 a 1368) considerada por ele como comum e cujo o
objeto seria bem móvel infungível; a segunda que abarcaria bens móveis e que estariam
abarcadas pela lei n. 4728/65 e Dec./Lei 911/69, aplicável as operações realizadas no mercado
financeiro e de capitais e, finalmente, a terceira criada pela lei 9514/97 que alcançam as
alienações fiduciárias de bens imóveis.
As duas últimas modalidades descritas acima, são comumente usadas pelas
instituições financeiras que, diante do inerente risco da operação e objetivando recuperação
certa do crédito, promovem a concessão monetária em operações garantidas com o patrimônio
do tomador de crédito.
Consequentemente, a alienação fiduciária, nestes casos, promove uma diminuição do
risco e a redução no custo médio do crédito fornecido e, consequentemente, viabilizando uma
maior concessão de crédito capaz de fomentar a atividade empresarial.
Após 12 anos da vigência da lei 11.101/2005, entretanto, uma interpretação
equivocada sobra a aplicação do instituto da alienação fiduciária como exceção ao regime
recuperacional tem criado óbice ao implemento do referido proposito.
Neste diapasão, cabe trazer à baila, inicialmente, o tratamento da matéria realizado
no artigo 1.361 do Código Civil

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel


infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado
por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de
Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos,
na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro.
§ 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da
posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz,
desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.

Da análise do aludido artigo, em especial do seu primeiro parágrafo, infere-se que a


propriedade fiduciária de coisa móvel infungível será constituída através do registro do

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contrato no cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor e, na
hipótese de veículos, no órgão competente para licenciamento.
Contudo, tribunais estaduais, na aplicação da Lei 11.101/2005, aumentaram a
abrangência desse artigo de sorte que a obrigação de registro do contrato no cartório de notas
do domicílio do devedor deveria ocorrer sobre todas as hipóteses de alienação fiduciária
fossem os bens infungíveis ou não, incluindo veículos.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou a súmula 60 “a
propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e
documentos do domicílio do devedor” 6
Importante acrescentar que o posicionamento firmado pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, considerado um dos mais relevantes tribunais do país, contaminou o
entendimento de outros tribunais como a exemplo se cita o posicionamento firmado pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul através do seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO


DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO CONTRATO. SUJEIÇÃO
DOS CRÉDITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRELIMINAR
AFASTADA. Da norma processual aplicável ao feito 1.No caso em exame a
decisão recorrida foi publicada em período compreendido até 17/03/2016.
Assim, segundo os enunciados do Superior Tribunal de Justiça sobre a
aplicação do novel Código de Processo Civil, há a incidência da legislação
anterior, de acordo com o posicionamento jurídico uniforme daquela Corte,
que tem a competência para regular a forma de aplicação da lei federal. 2.A
interpretação precitada coaduna com os princípios conformadores da atual
legislação processual civil, que dizem respeito a não ocasionar prejuízo à
parte ou gerar surpresa a esta com a modificação do procedimento em relação
aos atos já efetivados, consoante estabelece o art. 9º, caput, e art. 10, ambos
do novel Código Processo Civil. Mérito do recurso em exame 6. O princípio
da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe
que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação
de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da
fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à
atividade econômica. 7.Verifica-se pela análise dos autos que os créditos da
parte agravante têm origem dos contratos de cessão de direitos creditórios n.º
1263306/15, 1268129/15, 1275186/15 e 85008161/15, avençados entre as
partes. Possibilidade de contemplação pela hipótese prevista no art. 49, § 3º,
da Lei nº 11.101/2005 somente dos contratos registrados no Registro de
Títulos e Documentos, conforme preceitua o art. 1.361, §1º, do Código Civil
e o art. 42 da Lei n.º 10.931/04. 8.No presente feito os contratos que deram
origem aos créditos da parte embargada não foram registrados previamente
no Ofício Registral competente da Comarca de domicílio da parte devedora.
9. Dessa forma, os créditos arrolados pela parte embargada sujeitam-se

6
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Súmulas. Disponível em:
<http://www.tjsp.jus.br/download/secaodireitoprivado/sumulas.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.

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aos efeitos da recuperação judicial, não sendo possível que aquela proceda às
amortizações pretendidas, uma vez que no caso em exame inaplicável a
exceção prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Negado provimento
ao agravo de instrumento. (TJRS, 2016, on-line)

Dessa forma, ao impor o registro dos títulos, os referidos Tribunais alteraram a


abrangência do Código Civil aplicando-o em situações tratadas por regramento específico e,
como consequência, desnaturaram o instituto da alienação fiduciária.
Assim, os créditos que antes eram excepcionados na lei de recuperação judicial
passam a vigorar entre os credores submetidos ao regime recuperacional.
Todavia, é de suma importância uma análise apurada do referido artigo como forma
de demonstrar o equívoco da interpretação que está sendo imposta em nossos tribunais,
notadamente em relação a obrigatoriedade do registro do contrato de alienação fiduciária e,
eventual reclassificação do mesmo como crédito submetido ao processo recuperacional.
Inicialmente, faz-se imperioso relembrar que a alienação fiduciária constituída em
cédula de crédito bancário é matéria expressamente tratada pela Lei 10.931/04, in verbis:

Art. 42. A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não


dependem de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas,
ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações
previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por
esta Lei.

Neste contexto, resta afastada a aplicabilidade do Código Civil nos contratos em que
a alienação fiduciária, como forma de garantia, é constituída em cédula de crédito bancária.
Neste diapasão, cabe ainda relembrar que a supramencionada lei, expressamente,
impõe a obrigatoriedade do registro para que a garantia se torna oponível à terceiros e não,
como faz a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, como pressuposto de
eficácia do contrato.
A partir da análise histórica do instituto objeto do presente artigo, pode-se concluir
que a alienação fiduciária em suas diversas modalidades é direito real de garantia, ou seja,
vincula o bem ao credor que se torna a partir de então titular, na qualidade de proprietário
fiduciário, dos respectivos direitos.
Pode-se, pois, concluir que, se a cédula de credito bancária não for registrada, o
proprietário fiduciário não poderá, perante terceiros de boa-fé, exercer seu direito de

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consolidação da propriedade do bem, mas, igualmente não podemos concluir que este direito
não valerá perante o devedor.
E, por consequência, incabível seria considerar constituída uma obrigação principal,
como exemplo um mútuo bancário materializado por uma cédula de crédito e, ao mesmo tempo,
considera-la sem efeito em decorrência da inexistência de registro da garantia, que se frisa, é
uma obrigação assessória.
Por fim, cabe asseverar que sendo válida e eficaz perante o devedor que faz o pleito
recuperacional, a cédula garantida por alienação fiduciária deve ser excluída dos efeitos da
recuperação judicial deferida.

6. Do retorno a razoabilidade promovido pelo STJ

Nesse sentido, apesar dos inúmeros exageros cometidos pelos tribunais estaduais, em
especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema aqui debatido,
coube ao Superior Tribunal de Justiça encerrar a celeuma criada.
Através do Recurso Especial Resp. 1559457/MT, o Tribunal Superior firmou o
posicionamento de que a constituição de garantia oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre
coisas móveis e títulos de crédito, ocorreria pela própria contratação e, por consequência,
independentemente de registro, conforme destacado abaixo

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO


FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE
TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE
PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO
SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS
TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA
PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ.
PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE
CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS
NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO
DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL.
INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (STJ, 2016, on-
line)

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Ao longo da decisão, o ilustre Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze justificou


desnecessidade do registro de contrato de alienação fiduciária por inúmeros fundamentos dentre
os quais destacaremos os mais relevantes.
Como argumentação inicial reafirmou o posicionamento de que a alienação fiduciária
de coisa fungível, bem como a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e títulos de
crédito possuem natureza jurídica de propriedade fiduciária e, portanto, apresentam-se como
exceção legal ao regime de recuperação judicial consoante disposição prevista no artigo 49, §3º
da lei 11.101/2005.
Avançando sobre o tema esclareceu que previsão constante do Código Civil versa
exclusivamente sobre propriedade fiduciária bens móveis infungíveis acrescentando ainda, que
as demais espécies de propriedade fiduciária submeteriam a regramento previstos em leis
especiais, de forma que a aplicação do Código Civil se daria em caráter subsidiário, consoante
previsão constante do artigo 1368-A.

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade


fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais,
somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for
incompatível com a legislação especial.

E dessa forma a exigência de registro para efeito de constituição da propriedade


fiduciária não se encontra presente na lei 4728/95, especificamente em seu artigo 66-B, que
dispõe sobre a cessão fiduciária de direito sobre coisas móveis e títulos de crédito que pela
própria natureza apresentam-se como bens fungíveis, ou seja, de característica diversa ao que
abarca do Código Civil.
Para os ministros do Superior Tribunal de Justiça, a propriedade fiduciária é
constituída a partir da própria contratação de forma que, reiterando o que já foi aqui informado,
o registro do contrato apresenta-se tão somente para produção de efeitos em relação a terceiros
em razão da publicidade do ato.
Como complemento restou ainda posicionado que a lei 10.931/04, em seu artigo 42,
determina que a cédula de crédito bancário não depende de registro de forma que as garantias
que a acompanham, apenas para valer contra terceiros, ficariam sujeitas a registro.
E para finalizar notadamente no que diz respeito a inclusão ou não no regime de
recuperação judicial e, considerando os contratos elencados da na lei 11.101, o ilustre Ministro
esclareceu;

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(DES) NECESSIDADE DE REGISTRO PRÉVIO

Como assinalado, a propriedade fiduciária encontra-se devidamente


constituída a partir de sua contratação, afigurando-se absolutamente válida
e eficaz entre as partes. Essa garantia, "para valer contra terceiros", ou seja,
para ser oponível contra terceiros, deve ser registrada. De se notar que o
credor titular da posição de proprietário fiduciário sobre direitos creditícios
(excluído dos efeitos da recuperação judicial, segundo o § 3º do art. 49 da Lei
n. 11.101/2005) não opõe essa garantia real aos credores da recuperanda, tal
como impropriamente assentou o magistrado de piso, mas sim aos devedores
da recuperanda (contra quem, efetivamente, se farão valer o direito ao crédito,
objeto da garantia), o que robustece a compreensão de que a garantia sob
comento não diz respeito à recuperação judicial.
Assentado que está que o direito creditício sobre o qual recai a propriedade
fiduciária é de titularidade (resolúvel) do banco fiduciário, este bem, a partir
da cessão, não compõe o patrimônio da devedora fiduciante (que sequer detém
sobre ele qualquer ingerência) –, sendo, pois, inacessível aos seus demais
credores e, por conseguinte, sem qualquer repercussão na esfera jurídica
destes. Não se antevê, por conseguinte, qualquer frustração dos demais
credores da recuperanda que, sobre o bem dado em garantia (fora dos efeitos
da recuperação judicial), não guardam legítima expectativa.
Aliás, justamente sob o aspecto da devedora, naturalmente ciente da sua
situação de dificuldade financeira, ao eleger o momento de requerer sua
recuperação judicial, escolha, também, ao seu alvedrio, quais dívidas
contraídas seriam ou não submetidas à recuperação judicial.
Nessa perspectiva, em manifesta contrariedade aos ditames da lei de regência,
vislumbra-se a hipótese em que a empresa em dificuldades financeiras, com
o deliberado propósito de obter crédito, a despeito de não possuir lastro para
tanto, contrate empréstimo bancário, garantido por cessão fiduciária de direitos
creditícios, e, no mesmo dia ou logo em seguida à mencionada contratação,
ingresse com seu pedido de recuperação judicial.
Nessa hipotética situação, o referido credor, embora fiduciário e, por lei, não
sujeito aos efeitos da recuperação judicial, teria que submeter seu crédito ao
concurso de credores por uma manobra da empresa em crise, que, ao seu
talante, procedeu ao pedido de recuperação judicial imediatamente à
contratação, sem que a instituição financeira pudesse providenciar o registro,
que, como evidenciado, tem finalidade exclusivamente publicista.
De todo modo, uma vez constituída a cessão fiduciária, o que se dá a partir da
contratação - e não do registro -, o correlato credor não se submete aos efeitos
da recuperação judicial, e, por conseguinte, sobre o bem dado em garantia
(direitos creditícios), os demais credores da recuperanda não possuem legítima
expectativa de direitos. (STJ, 2016, on-line)

Perceba-se, portanto, que as leis não possuem palavras inúteis de forma que o próprio
corpo legislativo apresenta as soluções e esclarecimentos necessários quanto o registro do
contrato.
Dessa forma, e como não poderia ser de outra maneira, a previsão constante do Código
Civil abarcaria apenas os contratos de alienação fiduciária de bens móveis infungíveis figura
atípica, em regra, a maioria dos contratos de mutuo realizados com instituições financeiras.

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Aliado a isso conforme reportado pelo próprio Relator e pela doutrina os efeitos
constantes do não registro refletiriam tão somente sobre terceiros permanecendo, portanto, os
seus efeitos em relação aos contratantes.
Assim, em um regime de recuperação judicial onde a empresa busca, de maneira
sucinta, a apresentação aos credores de todos os ativos e passivos com um plano de pagamento
que deverá ser submetido a deliberação, parece pouco lógico que bens que não lhe pertençam,
pela espécie contratual que lhes enforma, sejam desnaturados por condições que em momento
algum violaram os termos da lei.
Em complemento, é de suma importância ratificar que inúmeros contratos celebrados
diariamente fundam-se primeiramente na boa-fé, princípio norteador de qualquer relação
jurídica e que não permite atalhos ou deturpações.

7. Considerações finais

Conforme apresentado o instituto da fidúcia existe há muito no direito, em especial


no direito romano através das figuras do fiducia cum amico e fiducia cum creditore que
surgiram através da confiança existente entre as partes no qual o devedor transferia um bem
de sua propriedade ao credor, obrigando-se este a devolvê-lo quando cumprida uma obrigação
futura, como por exemplo, o pagamento.
A evolução legislativa da alienação fiduciária em nosso ordenamento pátrio, o qual
adveio inicialmente com a através do Dec. 911/69 que alterou o artigo 66 da lei 4728/65, e
posteriormente, com a inclusão do instituto da alienação fiduciária de bem imóvel na lei
10931, com a criação da alienação fiduciária em garantia no âmbito do mercado financeiro de
capitais que possibilitou a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis bem como de
título de crédito.
Avançando foi apresentada as características básicas acerca do processamento da
recuperação judicial onde restou apresentada a sua divisão em duas etapas sendo a primeira
quando do deferimento do processamento que determina a suspensão de todas as ações em
curso e, a segunda, quando da homologação do plano de recuperação judicial.
Atendo-se exclusivamente a primeira fase da recuperação judicial foi explicado que o
artigo 49, §3º da lei 11.101/2005 excetua algumas espécies creditórias, em especial, os
contratos de alienação fiduciária de sorte que, caso não sejam bens indispensáveis a atividade

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(DES) NECESSIDADE DE REGISTRO PRÉVIO
empresaria, surge para o credor fiduciário o direito de promover a busca do bem e não se
submeter ao regime recuperacional.
Todavia, apesar do cristalino direito constante da lei de recuperação judicial houve,
por parte dos Tribunais, uma interpretação equivocada ao considerar que o requisito
fundamental para a validade do contrato de alienação fiduciária seria o seu registro nos termos
do artigo 1361, §1º do Código Civil.
E nesses termos houve através do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
a edição da súmula 60, que somente considerou válido os contratos que eventualmente
estivessem registrados perante o Cartório de Registro de Títulos e documentos do domicilio
do devedor.
A adoção do posicionamento apresentado pelo referido Tribunal contaminou outros
tribunais estaduais e, como consequência, promoveu a desnaturação de inúmeros contratos
que antes excepcionados ao regime legal agora estariam obrigados a figurar dentro do
processo de recuperação judicial na qualidade de credores quirografários, o que promoveu
uma enorme insegurança jurídica afetando diretamente credores que se valiam da modalidade
contratual excetuada para a concessão de crédito a taxas menores.
A matéria extremamente controversa foi submetida ao Superior Tribunal de Justiça
que de maneira sucinta e, conforme restou demonstrado ao longo do artigo, considerou que a
obrigatoriedade de registro serviria apenas para oponibilidade a terceiros de sorte que a
ausência deste em nata desnaturaria o contrato celebrado.
Portanto, dúvida não resta que a racionalidade apresentada pelo Superior Tribunal de
Justiça equilibrou a relação entre o credor e o devedor fiduciário promovendo segurança
jurídica quanto ao contrato celebrado e, acima de tudo, reafirmando o princípio da boa-fé
posto que não seria lícito a empresa recuperanda alegar vícios na formação do contrato
celebrado quando ciente acerca da modalidade contratada.

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