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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÕES
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL

Eduardo Zaffari
Habilitação e classificação
de créditos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir no que consistem a habilitação e a impugnação de créditos.


„„ Analisar a habilitação retardatária de crédito.
„„ Explicar a ação revisional e a classificação de créditos.

Introdução
O procedimento falimentar e de recuperação judicial é denominado
juízo universal por concentrar todo o ativo e passivo do empresário ou
sociedade insolvente. Nele se concentrarão os credores do insolvente
que, observadas determinadas regras legais, pactuarão a melhor forma
de satisfação de seus respectivos créditos.
Neste capítulo você verá o que deve ser feito para apresentar o crédito
no juízo universal para que ele concorra ao pagamento, assim como o que
deve ser feito para evitar que créditos decorrentes de fraude, simulação
ou outras ilegalidades diminuam a capacidade de pagamento da massa
falimentar ou da recuperação judicial. Também verá que a ação revisional
serve para impedir que créditos maliciosos sejam pagos indevidamente,
e que o juízo universal deve observar a ordem de pagamento conforme
a natureza dos respectivos créditos, cuja classificação é imposta na Lei
nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a bem de preservar a igualdade de
condições entre desiguais.
2 Habilitação e classificação de créditos

1 Habilitação e impugnação de crédito


A ciência jurídica prescreve a necessidade de cumprimento voluntário das
obrigações e deveres legais e convencionais, conforme o princípio da solva-
bilidade jurídica. O descumprimento voluntário de obrigações e direitos cria
a condição de possibilidade do exercício da função jurisdicional do Estado
para que, coercitivamente, o devedor seja compelido ao cumprimento da
obrigação ou dever descumprido. No plano econômico, afere-se a solvabili-
dade do devedor pela existência de bens e direitos em valor suficiente para o
pagamento de todas as obrigações do devedor em suas respectivas datas de
vencimento (MAMEDE, 2019).
Nesse aspecto, a combinação dos arts. 91 e 391 do Código Civil brasileiro
determina a necessidade de solvabilidade, pois prescrevem, respectivamente,
que “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de
uma pessoa, dotadas de valor econômico” e “[...] pelo inadimplemento das
obrigações respondem todos os bens do devedor”. Nesse sentido, o patrimônio
do devedor responderá por suas obrigações, e este será considerado insolvente
quando o patrimônio ativo não for suficiente para pagar as suas obrigações.
Entretanto, como refere Gladston Mamede,

Ao longo do processo de evolução histórica do Direito, percebeu-se cedo que


a insolvência criava um desafio jurídico e econômico: sobre o patrimônio de
um mesmo devedor concorrem as pretensões de diversos credores, sem que
todos possam ser satisfeitos. Nesse caso, não funciona o modelo da execu-
ção individual, o que implicaria ter alguns credores plenamente satisfeitos,
em prejuízo dos demais, que nada receberiam, já que as dívidas excedem o
montante dos bens do devedor (MAMEDE, 2019, p. 32).

A Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação Judicial e


Falências), surgiu para regular a falência, a recuperação judicial e extrajudicial
de empresários e sociedades empresárias em crise econômico-financeira.
Após longa evolução legislativa, criaram-se instrumentos que possibilitam
o chamado concurso de credores, em que estes receberão seus créditos em
igualdade de condições, conforme a natureza dos mesmos e a possibilidade
de pagamento. Ajuizado o pedido de falência ou recuperação judicial, seja
pelo próprio devedor (autofalência), seja por terceiros, o juízo irá deferir o
processamento do pedido de recuperação ou decretará a falência acaso a petição
inicial apresente os requisitos formais e materiais para tanto.
Habilitação e classificação de créditos 3

A partir da sentença que decreta a falência ou o processamento da recu-


peração judicial, abre-se uma etapa de verificação dos créditos e posterior
habilitação, conforme afirma Pedro Lenza, para quem “Tanto na falência
quanto na recuperação judicial, a habilitação de crédito funciona como uma
etapa de verificação das dívidas do falido. Tal processo de verificação equivale
a uma peneira que definirá quem poderá receber seu crédito junto ao devedor
empresário e ao falido” (LENZA, 2019, p. 1031). Em outras palavras, essa
etapa se inicia com a verificação dos créditos do recuperando ou falido e,
na sequência, com a posterior habilitação e eventuais impugnações desses
créditos. O fruto desse trabalho consolidará um quadro geral de credores.
A verificação dos créditos é realizada pelo administrador judicial, que
poderá contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas
para o levantamento dos credores e dos valores devidos a cada um. O devedor
deverá entregar uma relação de credores e terá o dever de colaborar com o
administrador judicial nessa tarefa, sob pena de responder criminalmente por
sua omissão. Na autofalência e no pedido de recuperação judicial, a relação de
credores deverá acompanhar a petição inicial sob pena de seu indeferimento.

O administrador judicial é um profissional escolhido pelo Juiz na sentença que decretar


a falência ou determinar o processamento da recuperação judicial. Ele auxiliará na
realização dos atos processuais necessários do processo. Veja as funções do adminis-
trador judicial no art. 22 da Lei nº. 11.101/2005.

Na recuperação judicial, a formação do quadro geral de credores defi-


nirá quem poderá votar na chamada assembleia geral de credores, órgão
responsável pela deliberação sobre o plano de recuperação judicial, em
que constará a forma de pagamento dos créditos e seus respectivos valores.
Na falência, a formação do quadro geral de credores servirá para definir a
ordem de pagamento e a preferência de cada um dos credores.
4 Habilitação e classificação de créditos

Dada a situação de insolvência do devedor, ou seja, com patrimônio inferior ao passivo


a pagar, sempre haverá a disputa entre os credores do devedor para que seus créditos
tenham preferência sobre os demais, assim como quanto menor for o crédito dos
demais, maior a chance de recebimento de seu crédito.

A sentença que decreta a falência, nos termos do art. 99, § único, da Lei
de Falências, determinará a publicação de edital com a relação de credores.
Na recuperação judicial, a decisão que deferir o seu processamento será publi-
cada em edital com a lista de credores e seus respectivos créditos, conforme
art. 52, § 1º, II, da mesma lei. A partir da publicação dessa relação de credores,
abre-se o prazo de 15 dias para os credores apresentarem habilitações ou
divergências à relação apresentada pelo administrador judicial, que publicará
uma segunda relação de credores em 45 dias a partir do término do prazo de
habilitação. Se o credor já constou na primeira relação publicada, não precisará
fazer nada, apenas aguardando seu crédito.
Caso o crédito não conste na primeira lista publicada, o credor deverá
habilitar-se por meio da chamada habilitação de crédito no prazo de 15 dias
de sua publicação, apresentando uma série de requisitos constantes no art. 9º
da Lei nº. 11.101/2005, quais sejam:

I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação


de qualquer ato do processo;
II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do
pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;
III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais
provas a serem produzidas;
IV – a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo
instrumento;
V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor
(BRASIL, 2005, documento on-line).
Habilitação e classificação de créditos 5

Gladston Mamede afirma que “A habilitação de crédito é ato voluntário


de pretender-se credor no juízo universal, apresentando os elementos que
definem tal condição, bem como aqueles que a quantificam (o valor do cré-
dito) e a qualificam além das respectivas provas” (MAMEDE, 2019, p. 129).
É por meio da habilitação que o credor demonstrará que discorda do valor
que se lhe atribuiu devido na primeira listagem, natureza, classificação ou
valor atribuído ao seu crédito. Essa habilitação, que é dirigida ao adminis-
trador judicial, servirá para que ele produza a segunda listagem de credores,
publicada no prazo de 45 dias do término do prazo de habilitação; se apta,
será judicialmente homologada para a formação do posterior quadro geral
de credores. O crédito que não constou naquela primeira lista de credores
publicada, devidamente habilitado e acolhido pelo administrador judicial,
constará na segunda relação publicada no processo.
Entretanto, poderá ocorrer a chamada impugnação de crédito, cujo prazo
de 10 dias para a sua interposição contará a partir da publicação dessa segunda
relação de credores pelo administrador judicial. O art. 8º da Lei nº. 11.101/2005
prescreve o prazo, sua legitimidade e finalidade, pois

[...] no prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no


art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou
o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação
de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se
contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado
(BRASIL, 2005, documento on-line).

Isso significa que qualquer um dos legitimados poderá se opor a determi-


nado crédito, ou créditos, em procedimento que será autuado em apartado,
com instrução própria e sem interromper ou suspender o processo principal
de falência ou recuperação judicial. O procedimento da impugnação vem
previsto entre os arts. 11 e 17 da Lei de Recuperação e, ao final, poderá levar
a uma das seguintes hipóteses, a ser decidida pelo Juiz, cabendo o recurso de
agravo: determinará a inclusão de crédito que não constou da segunda relação
de credores, ou poderá excluir crédito, alterar o valor ou a classificação da
relação de credores.
6 Habilitação e classificação de créditos

2 Habilitação retardatária de crédito


A habilitação do crédito antecede a confecção do quadro geral de credores,
instrumento que representará o quantum e a forma de pagamento e que se
destina a auxiliar o administrador judicial na aferição dos valores a serem
pagos. O primeiro aspecto a ser verificado pelo administrador judicial na
habilitação é a existência do crédito, perquirindo-se sobre a origem, validade
e eficácia do negócio jurídico que deu origem ao crédito.

Imagine a hipótese de uma habilitação de crédito que apresenta um crédito decorrente


de um contrato firmado entre o falido e seu filho, ocasionando grande possibilidade de
uma simulação destinada a salvaguardar uma quantidade em dinheiro para a família
do falido. Outro exemplo é a existência de uma condição suspensiva da obrigação em
sua origem, como a necessidade de prévio acontecimento pactuado para o surgimento
da dívida: não acontecendo o fato prescrito, não se implementa a condição que faria
surgir a dívida pleiteada.

O segundo aspecto a ser verificado pelo administrador judicial na habili-


tação de crédito é a legitimidade do crédito, pois nem todo valor se submete
à execução universal, nos termos do art. 5º da Lei nº. 11.101/2005. Não se
submeterão à falência ou recuperação judicial as obrigações a título gratuito e
as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial
ou na falência, salvo as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor.
Na análise da habilitação de crédito, o administrador judicial deverá verificar
um terceiro aspecto, consistente na extensão do crédito cuja habilitação se
postula. Isso significa que devem ser verificados o valor efetivamente devido,
juros eventualmente devidos, multas incidentes e eventuais descontos do crédito.
Habilitação e classificação de créditos 7

Um derradeiro e quarto aspecto a ser verificado pelo administrador judi-


cial na habilitação é a modalidade do crédito, ou seja, em que categoria se
enquadrará o crédito, para fins de preferência quando do pagamento e para a
determinação de seu direito de voto na assembleia de credores que acontece na
recuperação judicial. Conforme art. 41 da Lei nº. 11.101/2005, os credores se
dividirão em classes na assembleia de credores. Veja, a seguir, quais são elas.

„„ Classe I — titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou


decorrentes de acidente de trabalho.
„„ Classe II — titulares de créditos com garantia real.
„„ Classe III — titulares de créditos quirografários, com privilégio especial,
com privilégio geral ou subordinados.
„„ Classe IV — titulares de créditos enquadrados como microempresa ou
empresa de pequeno porte.

Em uma falência, rateia-se o máximo de dinheiro possível, tentando-se pagar o má-


ximo de credores. Por essa razão, apenas serão devidos juros após a decretação da
quebra se o ativo for suficiente para pagar a todos, conforme consta no art. 124 da Lei
nº. 11.101/2005, em que “Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a
decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar
para o pagamento dos credores subordinados” (BRASIL, 2005, documento on-line).

A antiga Lei de Falências, Decreto-Lei nº. 7.661, de 21 de junho de 1945,


exigia que todos os credores apresentassem, a partir da decretação da quebra
do empresário ou sociedade empresária, as suas respectivas habilitações,
exigindo que o Juiz se pronunciasse sobre cada um dos créditos habilitados,
com a instauração de um procedimento de habilitação para cada uma delas.
A Lei nº. 11.101/2005 simplificou o procedimento de aferição dos créditos,
atribuindo-se boa-fé à relação de credores apresentada pelo recuperando ou
falido, assim como dando mais poderes ao administrador judicial, que aferirá
os créditos constantes na relação de credores. Apenas em caso de controvérsia
sobre a existência, legitimidade, extensão ou modalidade do crédito é que o
Juiz será instado a se manifestar e decidir.
8 Habilitação e classificação de créditos

Pedro Lenza (2019, p. 1031) afirma que

Cada credor apresentava seu pedido e o submetia a um processo judicial, com


contraditório, de modo que todas as habilitações eram obtidas por meio de
sentenças individuais proferidas nos autos das habilitações. Isso foi racional-
mente alterado para permitir mais agilidade na formação do quadro geral de
credores do devedor em recuperação judicial ou do falido.

Simplificou-se o procedimento e se retirou pesada carga do magistrado,


pois é interesse do conjunto de credores e do próprio devedor que os créditos
sejam escorreitos e possam ser satisfeitos com o ativo existente.
Passado o prazo de habilitação dos créditos eventualmente não constantes
na primeira relação de credores, vale repetir, passado o prazo de 15 dias a
partir da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação
judicial ou decretar a quebra, a apresentação do crédito não constante na
relação de credores se denomina habilitação retardatária. Isso porque a
Lei nº. 11.101/2005 prescreve no art. 10 que, ao não se observar esse prazo,
as “[…] habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias” (BRASIL,
2005, documento on-line). Essa modalidade de habilitação sofre alguns efeitos.
O primeiro efeito da habilitação retardatária é a perda do direito a voto na
assembleia de credores, que repercutirá de diferente maneira na recuperação
judicial ou na falência. Há diferença, também, quanto à natureza do crédito.
Na recuperação judicial, o habilitante retardatário não votará na assembleia
quando da aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial, submetendo-
-se ao que for decidido pelos demais. Uma ressalva é a possibilidade de voto
desse credor retardatário se, previamente, havia reservado valores no juízo da
recuperação judicial em razão de outra ação em trâmite, conforme prescreve
o art. 39 da Lei de Falência. Os credores trabalhistas, pela especial posição
que ocupam, não perderão seu direito a voto na assembleia da recuperação
judicial, mesmo que habilitem seu crédito de forma retardatária. Na falência,
por sua vez, o crédito habilitado de forma retardatária não permitirá ao seu
titular o exercício do voto na assembleia até a sua inclusão no quadro geral de
credores. Nas palavras de Lenza, há uma espécie de suspensão do direito de
voto até a concreta habilitação desse crédito, momento a partir do qual poderá
votar normalmente (LENZA, 2019).
Habilitação e classificação de créditos 9

Os créditos na falência observarão uma ordem de pagamento prescrita no art. 83 da


Lei nº. 11.101/2005, conforme a sua importância. Veja a classificação: créditos derivados
da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por
credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; créditos com garantia real até o limite
do valor do bem gravado; créditos tributários, independentemente da sua natureza e
tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias, entre outros.

O retardatário perderá os rateios já realizados, conforme prescreve o § 3º


do art. 10 da Lei nº. 11.101/2005, como segundo efeito da habilitação tardia.
Isso significa que, se o credor retardatário demorar para habilitar seu crédito,
perderá os eventuais rateios já havidos. Por sua vez, se não houve qualquer
rateio até a sua habilitação, não haverá prejuízo.
O terceiro efeito é a necessidade de pagamento de custas judiciais iniciais,
o que diferencia a habilitação retardatária da habilitação tempestiva. As ha-
bilitações realizadas tempestivamente se destinam a auxiliar na formação da
relação de credores, assim como são um procedimento considerado adminis-
trativo. A habilitação retardatária, assim como a impugnação, é um procedi-
mento judicial, cujo trâmite exigirá a intervenção pelo juízo de homologação
específica e expressa determinação de inclusão no quadro geral de credores,
ao contrário da homologação que o Juiz faz das habilitações tempestivas
quando da publicação da segunda relação de credores.
Observe, no entanto, que essas custas apenas são exigidas no processo de
falência, não na recuperação judicial, por expressa disposição legal constante
no art. 10, § 3º, da Lei, que prescreve que “na falência, os créditos retardatários
perderão o direito a rateios eventualmente realizados e ficarão sujeitos ao
pagamento de custas, não se computando os acessórios compreendidos entre
o término do prazo e a data do pedido de habilitação”. Por igual razão, os
acréscimos eventualmente existentes entre o término da data para a tempestiva
apresentação da habilitação e a interposição da habilitação retardatária não
são devidos. A correção monetária, juros e comissão de permanência desse
período não poderão ser acrescidos ao crédito acaso o ativo seja suficiente
para pagar todos os credores e consectários legais. Daí a necessidade de o
credor ajuizar a habilitação, mesmo que tardia, o quanto antes.
10 Habilitação e classificação de créditos

3 Ação revisional e classificação dos créditos


O art. 18 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve expressamente que o administrador
judicial será o responsável pela consolidação do quadro geral de credores, que
será homologado pelo Juiz e contará com a importância e a classificação de
cada crédito na data do requerimento da recuperação judicial ou da decretação
da falência. Nesse aspecto, Gladston Mamede recorda que o administrador
judicial apenas propõe um quadro geral, que se tornará consolidado apenas
a partir da homologação judicial. Mais, propõe que se observe um cuidado,
embora não previsto em lei, qual seja, a disponibilização de prazo de cinco
dias aos interessados para se manifestarem sobre a proposta de quadro geral de
credores, o que reduziria muito a possiblidade de erros antes da homologação
do quadro geral de credores (MAMEDE, 2019). Isso, no entanto, trata-se
apenas de uma possiblidade ao juízo, posto que não consta na lei essa hipótese.
Assinado o quadro geral de credores pelo Juiz e administrador judicial, este
será publicado em órgão oficial no prazo de cinco dias.
Entretanto, poderá ocorrer que se constate a necessidade de retificação e
algum crédito em razão de erro de sua classificação, a descoberta de alguma
falsidade, dolo, fraude, simulação, erro essencial ou documentos que impliquem
na exclusão ou inclusão de algum crédito. Essa previsão vem descrita no art.
19 da Lei nº. 11.101/2005, com a seguinte redação:

O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do


Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou
da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto
no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a re-
tificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo,
simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do
julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores (BRASIL,
2005, documento on-line).
Habilitação e classificação de créditos 11

Ocorre que, ao que parece, há equívoco da lei ao prescrever que a ação


para a correção do quadro geral de credores se seguirá pelo procedimento
ordinário (leia-se “procedimento comum”) previsto no Código de Processo
Civil (CPC). Isso porque alguns créditos não poderão ser atacados por uma
ação comum, pois podem ter diferentes origens, quais sejam:

„„ créditos incluídos no quadro geral que não foram impugnados;


„„ créditos impugnados que tenham sido julgados pelo juízo de falência,
ou recuperação judicial;
„„ créditos decorrentes de ações que redundaram em sua habilitação e
inscrição no quadro geral.

Os créditos inscritos no quadro que não foram objeto de impugnação ou


habilitação discutida poderão ser questionados pelo procedimento comum
previsto no CPC, tal como refere a lei. Entretanto, os demais créditos, que
foram impugnados ou decorrem de outras ações julgadas por sentença, estarão
acobertados pelo manto da coisa julgada, nos termos do art. 5º, XXXVI,
da Constituição Federal. Assim, o meio correto de questionar esses créditos
será a ação rescisória.
Gladston Mamede (2019) afirma que são três as hipóteses de créditos
inscritos no quadro geral de credores que foram antecedidas por sentença:

„„ sentenças proferidas pelo próprio juízo universal decorrentes de im-


pugnação de crédito ou de habilitação retardatária;
„„ sentenças proferidas na justiça comum em outro juízo que não o
universal;
„„ sentenças proferidas na justiça especializada, como a justiça do trabalho
ou a justiça federal comum. Nestes casos deverá ser proposta ação
rescisória conforme previsto no art. 966 do CPC, com a distinção de
ajuizamento no juízo universal, em vez do juízo singular.

Observe, a seguir, que a rescisória poderá ter dois fundamentos distintos.

„„ O primeiro deles é se a rescisória se voltar contra o crédito inscrito,


tendo, neste caso, como legitimados ativos o administrador judicial,
o comitê de credores, o representante do Ministério Público (MP),
o administrador societário ou empresário falido. A causa de pedir será
a falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou documentos
ignorados à época. O juízo competente é o universal.
12 Habilitação e classificação de créditos

„„ O segundo fundamento é se a sentença a ser revista é a que originou o


crédito inscrito. São as hipóteses descritas no art. 966 do CPC, quais
sejam:
I - se verificar que [a sentença] foi proferida por força de prevaricação, con-
cussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte ven-
cida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo
criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja
existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe
assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos (BRASIL,
2015, documento on-line).

„„ Aqui, serão legitimados os constantes no art. 967 do CPC, quais sejam:


quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou
singular; o terceiro juridicamente interessado; o MP; e aquele que não
foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção. Neste
caso, o juízo competente será aquele em que se processou a origem do
crédito, não o juízo universal.

A ação rescisória de crédito terá como prazo decadencial até o encerramento do juízo
universal, enquanto a ação rescisória comum terá o prazo de até dois anos do trânsito
em julgado da decisão a ser rescindida.

A ação proposta pelo procedimento comum, em decorrência de crédito


inscrito no quadro geral de credores e que não foi constituído por sentença,
será um revisionismo que se processará em apartado no juízo universal e não
suspenderá o curso da falência ou recuperação judicial. Enquanto não decidida
a ação, não se pagará o crédito em discussão, podendo o credor prestar caução
para receber o seu crédito. Caso não possa, ficará o valor que lhe é devido
depositado em favor do juízo até o final da demanda.
Habilitação e classificação de créditos 13

A ação rescisória comum tem seu trâmite previsto entre os arts. 966 e 975 do CPC.
Há a previsão de depósito do valor equivalente a 5% do valor da causa, que se con-
verterá em multa caso a ação seja declarada, por unanimidade de votos, inadmissível
ou improcedente.

O juízo universal se baseia no princípio da par conditio creditorum,


em que todos os credores são igualados em razão da insolvência do devedor.
Entretanto, reconhece-se que nem todos os créditos são iguais, pois alguns
decorrem de especulação financeira, outros de fornecimento mercantil e
muitos de natureza alimentar, como os créditos trabalhistas. Não há como
equipará-los mesmo no juízo universal. Assim o princípio da par conditio
creditorum evoluiu para o reconhecimento de que há classes de credores que
têm a mesma natureza, e estes sim poderão ser tratados nas mesmas condições.
Há uma classificação de naturezas de crédito as quais vêm prescritas no art.
83 da Lei nº. 11.101/2005. Veja a seguir.

1. Créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 salários


mínimos por credor, e créditos decorrentes de acidentes de trabalho.
2. Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado.
3. Créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de
constituição, excetuadas as multas tributárias;
4. Créditos com privilégio especial;
5. Créditos com privilégio geral.
6. Créditos quirografários.
7. Multas contratuais e penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias.
8. Créditos subordinados.

Nessa classificação, pretendeu o legislador equiparar, em igualdade de


condições, os créditos de mesma natureza, o que determina que o pagamento
será realizado por classes conforme essa classificação. Inicia-se pela primeira
classe e apenas se passa à classe seguinte quando todos os credores da classe
antecedente estiverem satisfeitos. Assim, fica evidente que as classes mais
ao final correm risco de não receberem o que lhes é devido, enquanto as
antecedentes podem vir a receber todo seu crédito.
14 Habilitação e classificação de créditos

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial


e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF, 2005. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso
em: 16 jul. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência
da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 23 jul. 2020.
LENZA, P. (org.). Direito Empresarial esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2019.

Leituras recomendadas
COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MARTINS, F. Curso de Direito Comercial. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. 2 v.
TEIXEIRA, T. Direito Empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2019.
TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3.

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