1) O documento discute os princípios do regime de insolvência empresarial no Brasil, incluindo a viabilidade da empresa, os interesses dos credores e a publicidade dos procedimentos.
2) É analisada a evolução histórica do direito de insolvência desde a Roma Antiga até os dias atuais, com foco na transição da liquidação para a recuperação de empresas viáveis.
3) A nova Lei de Recuperação de Empresas substitui a antiga Lei de Falências e Concordatas, introduzindo mecanismos para recuper
1) O documento discute os princípios do regime de insolvência empresarial no Brasil, incluindo a viabilidade da empresa, os interesses dos credores e a publicidade dos procedimentos.
2) É analisada a evolução histórica do direito de insolvência desde a Roma Antiga até os dias atuais, com foco na transição da liquidação para a recuperação de empresas viáveis.
3) A nova Lei de Recuperação de Empresas substitui a antiga Lei de Falências e Concordatas, introduzindo mecanismos para recuper
1) O documento discute os princípios do regime de insolvência empresarial no Brasil, incluindo a viabilidade da empresa, os interesses dos credores e a publicidade dos procedimentos.
2) É analisada a evolução histórica do direito de insolvência desde a Roma Antiga até os dias atuais, com foco na transição da liquidação para a recuperação de empresas viáveis.
3) A nova Lei de Recuperação de Empresas substitui a antiga Lei de Falências e Concordatas, introduzindo mecanismos para recuper
O direito concursal brasileiro conhece incisivas modificações com o
advento da Lei de Recuperação de Empresas (LRE), que trata da recuperação judicial, falência e recuperação extrajudicial de empresários. O novo diploma regente dos efeitos da crise econômico-financeira das empresas vem substituir o Decreto-Lei nº 7.661/45 (LFC – Lei de falências e concordatas), cuja vigência fica restrita aos processos de falência e concordata em curso, iniciados sob sua égide. Elegemos a sigla LRE para designar a nova regulamentação da insolvência porque seu intuito primordial não é a falência, embora esta também seja agraciada com disciplina mais clara e muito mais objetiva. A LRE pretende introduzir no sistema jurídico brasileiro instrumentos legais e mecanismos jurisdicionais capazes de propiciar a reorganização e o soerguimento de empresas viáveis que se encontram em crise econômico- financeira. Essa orientação não significa menosprezo pelo relevante instituto da falência, mas a valorização das possibilidades jurídicas de sua prevenção, tendo em vista os efeitos econômicos da insolvência, na estrutura social brasileira, às vésperas da globalização.
42.2Síntese histórica
Para bem compreender as causas, procedimentos e efeitos do fenômeno
da insolvência empresarial, bem como suas múltiplas determinações e repercussões no universo socioeconômico, é inevitável que se recorra, ainda que superficialmente, aos subsídios históricos. Em outras palavras, a recuperação de empresas viáveis e a falência das inviáveis, como alternativas para a insolvência, não são fenômenos a- históricos. Resultam de um longo processo de maturação em que os institutos jurídicos se sucedem, sempre caracterizados pelo seu condicionamento por um modo de produção econômica predominante. O direito desempenha função disciplinadora das relações intersubjetivas, tendo por paradigma a conservação das respectivas estruturas sociais onde interage com outras instâncias sociais. Por isso, encetar uma viagem retrospectiva do direito concursal implica reconhecer a ocorrência de quatro fases distintas, onde predominam, respectivamente: •o direito concursal como regulador da execução dos bens do devedor; •a judicialização da execução concursal; •o caráter preventivo do estado de liquidação; e •a recuperação da empresa em crise. No direito romano arcaico, a execução incidia sobre a pessoa do devedor, do que é exemplo significativo a manus injectio, que autorizava ao credor manter o devedor em cárcere privado ou escravizá-lo. Desse instituto draconiano, o regime executório passou para o sistema da constrição patrimonial com a lei Paetelia Papiria, que admitia a execução forçada das condenações em dinheiro por meio da venditio bonorum. Já no direito romano tardio, surgiram as primeiras regras orientadoras da administração da massa, a assembleia de credores, a classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e, sobretudo, a regra essencial da par conditio omnium creditorum. O instituto da falência vem dos estatutos das corporações medievais, restringindo o caráter privado da execução, embora isso não signifique a emancipação física do devedor. É certo que num estatuto da cidade de Verona, no início do século XIII, foram esboçadas as primeiras regras que vieram a constituir essa execução patrimonial especial. Resumindo, a regulação do concurso creditício até a Idade Média: •não era privativa dos mercadores; •tinha caráter penal; •passou gradualmente da execução pessoal à constrição patrimonial; e •trouxe ao mundo jurídico as primeiras acordanças preventivas da liquidação. No século XVII, as Ordenações Filipinas trataram das quebras dos mercadores, e o Alvará Real de 1756, em Lisboa, estabeleceu um processo peculiar para os negociantes falidos. No direito francês, o Código Savary (1673) disciplinou o regime de insolvência sem particularizar os comerciantes, especificidade que só aconteceu na primeira década do século XIX, com a cisão legislativa do direito privado empresarial, por meio dos códigos de Napoleão Bonaparte, o civil e o comercial. Assim, o direito concursal, na Idade Contemporânea, surge como liquidação do ativo do devedor comerciante insolvente, sob a supervisão do Estado-Juiz. A liquidação do patrimônio do devedor passa a ser assegurada pelos organismos judiciais encarregados de aplicar a lei. É o regime que predominou no direito brasileiro da Lei de Falências e Concordatas (LFC), concebido em meados do século passado e agora substituído pela LRE. Contudo, a paulatina unificação do direito privado, a interpenetração do direito público e do direito privado e, ainda, a valorização dos direitos fiscal, do consumidor, previdenciário e financeiro levaram à procura de soluções mais fecundas e menos drásticas para as crises econômico- financeiras das empresas, tendo em vista as eventuais possibilidades de preservar os empreendimentos que, conquanto em dificuldades, conservam margens satisfatórias de viabilidade. Como lecionamos em nosso lei de falência e recuperação de empresas (59 : 21-22): “O quadro da patologia empresarial, tal como concebido pelos antigos sistemas concursais, de natureza simplesmente falimentar, quase sempre conduzia a um estágio terminal, em que a figura do empresário assemelhava-se muito à do de cujus sem herança. Esse mesmo quadro agora é compreendido de outra forma. Percebeu-se que o meio mais razoável de obviar esse inconveniente é a recuperação da empresa paciente mediante a reversão da síndrome patológica, para proporcionar algumas possibilidades, ainda que diminutas, de solução do passivo. Evitar a morte do paciente é, no mínimo, mais inteligente do que eliminar a patologia pela supressão de seu portador. Somente quando o organismo da empresa exterioriza sinais tanatológicos, ou seja, quando a crise econômico-financeira atinge o grau de insolvência irreversível, é que se justifica a adoção de condutas liquidatórias. A questão, nesse caso, é prevenir a eventual disseminação dos efeitos da debacle da empresa, no mercado. Se impossível a cura, faz-se mister a liquidação, como medida protectiva do crédito público em face do contágio.” Sob essa nova perspectiva, a transformação do direito concursal veio como a resposta mais racional à necessidade de estabilização do mercado. Daí por que os atuais sistemas jurídicos regentes da insolvência privilegiam o parâmetro da realização dos direitos dos credores mediante a recuperação da empresa devedora. A falência, pelo seu cunho liquidatório, permanece como desfecho residual, como regramento inevitável reservado, exclusivamente, aos empreendimentos inviáveis. 42.3Princípios do regime concursal empresarial
Os princípios estruturantes do regime legal de insolvência empresarial
são as diretrizes que, em nexo de complementaridade, permeiam os procedimentos concursais, conferindo-lhes as matrizes para análise de seus problemas mais importantes: •o princípio da viabilidade da empresa em crise; •o princípio da prevalência do interesse dos credores; •o princípio da publicidade procedimental; •o princípio da par conditio creditorum; •o princípio da conservação e maximização dos ativos do devedor; e •o princípio da conservação da atividade empresarial viável.
42.3.1Princípio da viabilidade da empresa
A Lei de Recuperação de Empresas (LRE) fixa uma dicotomia
essencial entre as empresas economicamente viáveis e as inviáveis. De tal arte que o mecanismo da recuperação é indicado para as primeiras, enquanto o processo de falência apresenta-se como a solução judicial da situação econômica das empresas inviáveis. Viáveis, é claro, são aquelas empresas que reúnem condições de observar os planos de reorganização estipulados na LRE. A aferição dessa viabilidade está ligada a fatores endógenos (ativo e passivo, faturamento anual, nível de endividamento, tempo de constituição e outras características da empresa) e exógenos (relevância socioeconômica da atividade etc.). Qualquer plano de recuperação passa pela adoção de um dos meios estabelecidos na LRE e, como tal, deve ser oferecido à consideração judicial e dos credores. É certo que, se verificada, desde logo, a impossibilidade de cumprimento do plano proposto, o indeferimento da pretensão recuperatória é de rigor. A constatação posterior (no curso da recuperação) da inviabilidade implica a conversão do processo de recuperação em solução liquidatória.
42.3.2Princípio da prevalência do interesse dos credores
Qualquer regime de insolvência visa satisfazer, equitativamente,
pretensões creditícias legítimas. Mesmo ante a necessidade de se considerar o interesse social na manutenção ou não do empreendimento insolvente, o fato é que a solução proporcional do passivo sempre será o norte do procedimento adotado. A reestruturação da empresa em dificuldades é instrumental da satisfação dos credores, desde que observados níveis mínimos da paridade. O regime de insolvência, desde suas origens, retrata a preocupação do legislador com a sorte dos que titulam haveres contra o empresário em crise. Pode ser dito que, desde sua origem, é uma postura jurídica estabelecida, essencialmente, para atender aos direitos dos credores. Contudo, o interesse dos credores também não pode ser identificado como a realização de pronto de seus haveres. Pagamentos satisfatórios são aqueles que se aproximam do ideal de integral satisfação dos créditos. A predominância do interesse dos credores deve identificar-se com o interesse público inerente à empresa.
42.3.3Princípio da publicidade dos procedimentos
Os procedimentos para solução da insolvência devem ser transparentes,
o que significa não somente a publicidade dos atos processuais, mas também a clareza e objetividade na definição dos diversos atos que os integram. O conceito de publicidade está conectado com o de previsibilidade. A estipulação objetiva de requisitos, fundamentos e prazos, se não impede a adoção de manobras procedimentais e expedientes protelatórios, dificulta bastante essa prática negativa. É claro que a plena publicidade não se aperfeiçoa apenas com sua menção legal. Pressupõe fiscalização permanente e zelosa do órgão judiciário, do administrador da massa, dos diversos corpos creditícios e do representante do Ministério Público.
42.3.4Princípio da par conditio creditorum
O tratamento equitativo dos créditos é o princípio regente de todos os
processos concursais, considerando-se prioritariamente o mérito das pretensões antes que a celeridade na sua satisfação. A própria finalidade do concurso de credores observa o parâmetro da paridade, obstando que se priorize o mais célere em detrimento do mais meritório. Na verdade, esta regra diz respeito à proporcionalidade na consideração dos créditos, o que implica respeitar as peculiaridades que a lei atribui a cada um. Não se trata, pois, de nivelamento. 42.3.5Princípio da conservação e maximização dos ativos
O esvaziamento dos ativos do devedor em crise financeira, presas da
ação de credores mais expeditos, em prejuízo da coletividade dos credores e da observância do mérito que assiste a cada pretensão, não é fenômeno que se possa rotular como raridade. Sua frequência é uma das causas do insucesso da maioria dos concursos de credores. A realização das finalidades do processo de insolvência demanda que os ativos da empresa devedora sejam preservados e, se possível, valorizados. Não se trata de tutelar os ativos capazes de soerguer a empresa para desfrute de seu titular ou de seus administradores, mas da recuperação da unidade econômica e da manutenção de sua atividade produtiva, para satisfação dos credores e proveito da sociedade. Pode ser dito que a separação entre o destino da empresa e o de seus titulares apresenta-se, às vezes, como o caminho mais proveitoso no sentido de uma solução justa e eficaz para a conjuntura jurídico-econômica da insolvência.
42.3.6Princípio da conservação da empresa viável
A atividade empresarial afeta o mercado e a sociedade. O modo de
produção econômica, no sistema capitalista, é determinante das demais instâncias sociais. Por isso, o interesse de agir nos processos regidos pela LRE reside na necessidade de um provimento judiciário para deslindar não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas toda espécie de relações daí decorrentes e suas repercussões sociais. A preservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate.
42.4Transição legal
A vigência da LRE não acarreta a plena e imediata revogação da Lei de
Falências e Concordatas (LFC). A transição de um sistema legal para outro envolve algumas situações que merecem tratamento peculiar, no sentido de se obter um perfeito enquadramento das conjunturas socioeconômicas no âmbito dos novos parâmetros normativos. As normas do Decreto-Lei nº 7.661/45 (LFC) continuam em vigor para aplicação aos processos de concordata preventiva, concordata suspensiva e falência, em curso no dia anterior ao do início da vigência da LRE. De tal arte que a empresa que, hoje, se defrontar com crise econômico- financeira, não poderá mais pleitear a concessão do favor legal da concordata preventiva. Contudo, o agente econômico que já se encontra em regime de concordata preventiva continua observando as regras da LFC, se não optar pelo ingresso no sistema da recuperação judicial, ou seja, se não possuir os requisitos necessários para tal. A existência de pedido de concordata anterior à LRE não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor, desde que este não tenha deixado de cumprir obrigação da concordata. Os créditos submetidos à concordata devem ser inscritos, por seu valor original, na recuperação judicial, abatidas as parcelas pagas pelo concordatário. Observe-se que essa alternativa não vale para as microempresas e empresas de pequeno porte, quanto ao plano especial de recuperação judicial. Nos processos de falência em andamento, na data da vigência da LRE, não será possível a obtenção de concordata suspensiva, porque esta não existe mais, como alternativa legal à falência em curso. Na sistemática da LRE a recuperação judicial só é cabível como procedimento preventivo da falência. Aqueles devedores que, nos termos da legislação específica, estão proibidos de requerer concordata, também não podem postular nenhuma espécie de recuperação. A LRE é diploma subsidiário da Lei nº 6.024/74 referente à liquidação extrajudicial de instituições financeiras, da Lei nº 9.514/97, do Decreto-lei nº 73/66 e do Decreto-lei nº 2.321/87. Até que se publiquem as leis específicas previstas na LRE, para a disciplina desses casos. A LRE aplica-se, desde logo, às falências decretadas em sua vigência, com base no artigo 162 (convolação de concordata preventiva em falência) da antiga LFC. Isso significa que, se o juiz decretar a falência do devedor que postulou a concordata, em face da ocorrência de impedimentos, da falta de condições para a concordata ou de inexatidão documental, a falência assim instaurada já será regida pela LRE e não pelas normas da LFC. Também assim no caso de concordata preventiva em curso com base na lei anterior, a convolação em falência por falta de pagamento de parcela da concordata (art. 175, § 8º, da LFC) coloca a empresa falida sob a égide da LRE. O CPC e o CPP são fontes subsidiárias da LRE, sempre que houver compatibilidade das normas daqueles estatutos instrumentais com a regulamentação processual contida na LRE.