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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÕES
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL

Bruno Baldinoti
Sujeito passivo na falência
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Analisar a hipótese do menor empresário no âmbito do Direito Civil.


„„ Descrever a situação da mulher casada empresária.
„„ Identificar a incapacitação superveniente do empresário.

Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro sofreu uma série de alterações com
o advento do Código Civil de 2002. Umas das principais mudanças é a
regulamentação dos diversos tipos de sujeitos que podem constituir
uma sociedade empresária ou se tornar empresários individuais. Entre
esses sujeitos, estão o menor, a mulher casada empresária e o sócio ou
empresário na continuidade após incapacitação superveniente.
Além dessas possibilidades, o Código Civil dispõe sobre os requisitos
e obrigações a serem exercidos pela própria pessoa, ou por seu repre-
sentante legalmente estabelecido. Tais possibilidades estão sujeitas ao
processo falimentar, observando-se as particularidades de cada caso
concreto.
Neste capítulo você vai estudar o sujeito passivo na falência. Vai ver a
situação do menor empresário e da mulher casada empresária no âmbito
do Direito Civil, além de ler sobre a continuidade do sócio ou empresário
após incapacitação superveniente.
2 Sujeito passivo na falência

1 Menor empresário
O Decreto-Lei nº. 7.661, de 21 de junho de 1945, antiga Lei de Falências,
estabelecia a possibilidade de decretação de falência do menor com mais de
18 anos. Isso ocorria porque o Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de
janeiro de 1916, trazia como absolutamente incapaz o menor de 18 anos e
relativamente incapaz o maior de 18 e menor de 21.

Até o surgimento do Código Civil de 2002, a maioridade civil se dava aos 21 anos,
sendo alterada para 18 apenas em 2002.

Diante disso, Rubens Requião (2005) explica a inconsistência da época,


uma vez que a Lei de Falências de 1945, em seu art. 3º, alínea II, possibilitava
a decretação de falência do menor, desde que ele fosse maior de 18 anos, mas
o Código Civil vigente na época estabelecia como relativamente incapaz a
pessoa com 16 a 21 anos. Quer dizer, até 2002, com o atual Código Civil, era
considerado menor a pessoa até seus 21 anos.
Era extremamente importante solucionar esse ponto, pois, com a vigência
do Código Civil de 2002, o sujeito era considerado capaz de exercer as práticas
da vida civil ao completar 18 anos, assim, o Decreto-Lei nº. 7.661/1945, quando
trazia a expressão “menor”, tornava-se contraditório com o código civilista.
Ainda, em conformidade com os ensinamentos de Rubens Requião (2005,
p. 59), a Lei de Falências de 1945 fazia com que existisse “[...] um período
vazio, entre os dezesseis e dezoito anos de idade, durante o qual o menor
sendo empresário comercial não estará sujeito à falência”. Com o advento
da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação Judicial e
Falências), essa inconsistência entre as leis que definiam as idades mínimas
para a decretação de falência foi solucionada.
Sujeito passivo na falência 3

Ocorre que nem todas as pessoas têm capacidade jurídica para exercer
determinados atos, bem como para ser responsáveis por eles. Assim, a incapa-
cidade civil é o estado que impossibilita o gozo ou exercício dos direitos a uma
pessoa. O Código Civil traz as possibilidades da incapacidade, que pode ser
dividida em duas espécies diferentes: a incapacidade absoluta e a incapacidade
relativa, de acordo com os arts. 3º a 5º do referido dispositivo legal.
O art. 3º do código civilista trata da incapacidade civil absoluta, ou seja,
a situação em que a pessoa deve ser representada por outra pessoa plenamente
capaz para exercer seus direitos civis, sendo a hipótese prevista nesse artigo
a dos menores de 16 anos. Já o art. 4º do mesmo código prevê as hipóteses
em que a pessoa tem incapacidade civil relativa, ou seja, a pessoa deve ser
assistida por representante civilmente capacitado para poder exercer os seus
direitos civis. Entre as hipóteses previstas no artigo estão os menores de
18 anos e maiores de 16, vejamos:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:


I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir
sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação
especial. (BRASIL, 2002, documento on-line).

Ainda, o Código Civil de 2002 traz, em seu art. 5º, a hipótese da eman-
cipação do menor relativamente incapaz, ou seja, aquele entre 16 e 18 anos,
para casos específicos, sendo este um rol taxativo. Flávio Tartuce (2017, p. 78)
define a emancipação como um “[...] ato jurídico que antecipa os efeitos da
aquisição da maioridade e da consequente capacidade civil plena, para data
anterior àquela em que o menor atinge a idade de 18 anos, para fins civis”.

Flávio Tartuce (2017, p. 78) salienta que “Com a emancipação, o menor deixa de ser
incapaz e passa a ser capaz. Todavia, ele não deixa de ser menor”.
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Desse modo, temos a emancipação como uma antecipação da capacidade


civil dada a um menor, a qual ele só teria ao completar os 18 anos de idade.
Ele então adquire todas as responsabilidades civis como se maior fosse, tendo
como hipóteses as estipuladas no art. 5º do Código Civil:

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instru-
mento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença
do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos
tenha economia própria (BRASIL, 2002, documento on-line).

Assim, o Código Civil de 2002 trouxe, em seu art. 5º, inciso V, a pos-
sibilidade de o menor exercer atividade empresária, uma vez que torna-se
emancipado quando constitui estabelecimento comercial, possuindo, conse-
quentemente, economia própria. O art. 966, também do Código Civil, ainda
traz o conceito de empresário, sendo que “Considera-se empresário quem
exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Portanto, o menor empresário, sendo este individual ou sócio de uma sociedade
empresária, detém as mesmas responsabilidades dos demais empresários
civilmente capacitados.

A partir de sua emancipação, o menor não continua com as vantagens que são con-
feridas ao incapaz, respondendo civilmente da mesma forma como se maior fosse.
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A Lei de Falências de 2005 não traz previsão legal de tratamento diferen-


ciado ou específico ao menor emancipado, portanto o menor emancipado que
exerce atividade empresária está sujeito às regras previstas a todas as empresas,
além de estar suscetível à decretação de falência, conforme determinam os
arts. 1º e 2º dessa lei:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial


e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor.
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – Instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, con-
sórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano
de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização
e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores (BRASIL, 2005,
documento on-line).

Nesse mesmo sentido, ainda referente à responsabilidade do menor eman-


cipado que exerce atividade empresária, Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 19–20)
ensina que “O menor emancipado, exatamente por se encontrar no pleno gozo
de sua capacidade jurídica, pode exercer empresa como o maior”. Um ponto
a destacar é a responsabilidade penal no processo falimentar do menor em-
presário: o menor é civilmente responsável no processo falimentar, da mesma
forma que os demais, porém não pode ser atribuído um crime falimentar a ele.

O sujeito ativo dos delitos falimentares não se limita apenas ao administrador ou aos
seus sócios, podendo atingir o menor empresário pelos crimes cometidos. Nesse
ínterim, a Lei nº 11.101/2005, traz a previsão legal dos crimes que podem ser atribuídos
àquele que comete um crime falimentar, devendo este ser punido na medida de sua
culpabilidade.
6 Sujeito passivo na falência

Assim, no caso de responsabilidade penal no processo falimentar em que


há a presença de um menor empresário, este será tratado de forma distinta
dos demais sócios, uma vez que a maioridade penal do sujeito ocorre apenas
aos 18 anos, independentemente de sua emancipação prévia. A Constitui-
ção Federal, juntamente com o Código Penal, determina que os menores de
18 anos são penalmente inimputáveis, devendo o menor empresário estar
sujeito às especificações dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente,
Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990.
Dessa forma, o Código Civil de 2002 e a Lei de Falências de 2005 autori-
zam o menor emancipado a exercer atividade empresária, estando sujeito às
disposições legais e responsabilidades inerentes ao exercício do direito, com
exceção no caso de ocorrência de crime falimentar, em que o menor empresário
deverá responder de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, visto
que possui impunibilidade penal.

2 Mulher casada empresária


Antes de adentrar especificamente sobre a situação da mulher casada como
empresária, é importante contextualizarmos o momento histórico em questão.
O Código Civil de 1916, que foi revogado pelo Código Civil de 2002,
trazia em seu art. 6º, inciso II, que a mulher casada era relativamente incapaz
para exercer certos atos enquanto durasse sua relação conjugal. Quer dizer,
para determinados atos, era necessário que a mulher tivesse a concordân-
cia expressa de seu marido. Isso ocorria porque, em meados do século XX,
o pensamento vigente era de que havia uma superioridade dos homens em
relação às mulheres, que fazia com que o homem tivesse certa autoridade em
todos os pontos da sociedade, principalmente no instituto familiar. Assim,
quando se casava, a mulher perdia sua capacidade civil para determinados
atos, tornando-se incapaz, por exemplo, para qualquer atividade laborativa
ou prática empresarial.
Além do Código Civil de 1916, que estabelecia a incapacidade da mulher
para determinados atos — entre eles os atos de atividade empresarial —,
ainda existia a antiga Lei de Falências, Decreto-Lei nº. 7.661/1945, que trazia
no rol do art. 3º a legitimidade passiva da falência. Com isso, estabelecia,
especificamente no inciso III, que a falência poderia ser decretada à “mulher
casada que, sem autorização do marido, exerce o comércio, por mais de seis
meses, fora do lar conjugal” (BRASIL, 1945, documento on-line).
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O Decreto-Lei nº. 7.661/1945 somente foi revogado após quase 60 anos pela Lei
nº. 11.101/2005.

Foi com o passar do tempo e com a evolução dos pensamentos que a


mulher começou a tomar espaço no mundo empresarial, bem como a buscar
a igualdade nos atos cotidianos em geral, o que é uma luta até os dias de hoje.
Maria Berenice Dias, em seu artigo “A mulher no Código Civil”, traz algumas
das conquistas das mulheres para o ordenamento jurídico brasileiro, vejamos:

O primeiro grande marco para romper a hegemonia masculina foi em 1962,


quando da edição da Lei 4.121. O chamado Estatuto da Mulher Casada de-
volveu a plena capacidade à mulher, que passou à condição de colaboradora
na administração da sociedade conjugal. Mesmo tendo sido deixado para a
mulher a guarda dos filhos menores, sua posição ainda era subalterna. Foi
dispensada a necessidade da autorização marital para o trabalho e instituído o
que se chamou de bens reservados, que se constituía do patrimônio adquirido
pela esposa com o produto de seu trabalho. Esses bens não respondiam pelas
dívidas do marido, ainda que presumivelmente contraídas em benefício da
família (DIAS, [201-?], documento on-line).

Assim, foi apenas em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, Lei


nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, sancionada pelo Presidente João Goulart,
que a mulher foi considerada civilmente capaz, podendo assim praticar atos de
comércio e empresariais, trabalhar, ganhar herança, entre outras conquistas.
A parir daí a mulher passou a poder ter uma profissão ou praticar atos de
comércio livremente, uma vez que o Código Civil 1916 a proibia, conforme
disposto no art. 242, inciso VII. Com isso, pode conquistar sua independência
econômica, tornando-se economicamente produtiva e, consequentemente,
aumentando sua importância no instituto familiar.
Entretanto, foi com a Constituição Federativa de 1988 que a mulher teve
seu direito à igualdade adquirido. Com a ajuda dos movimentos feministas e
alguns líderes políticos, a mulher vem conquistando sua posição na sociedade.
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Apesar de a Carta Magna estabelecer que mulheres e homens têm os


mesmos direitos e deveres, algumas leis infraconstitucionais, que estabele-
ciam diferenças entre os gêneros, não foram revogadas de ofício, mesmo não
podendo a desigualdade ser exercida de fato. Um exemplo é a Lei de Falências
de 1945, que apenas foi revogada em 2005, pela Lei nº. 11.101/2005. Conforme
dispõe Maria Berenice Dias:

Mesmo após a implantação da nova ordem constitucional, estabelecendo


a plena igualdade entre homens e mulheres, filhos e entidades familiares,
injustificadamente o legislador sequer adequou os dispositivos da legislação
infraconstitucional não recepcionados pelo novo sistema jurídico. Mesmo
tendo se transformado em normas sem qualquer eficácia, eis que apartadas
da diretriz da Lei Maior, continuavam no ordenamento jurídico como letra
morta (DIAS, [201-?], documento on-line).

O Estatuto da Mulher Casada ainda trouxe duas mudanças quanto à meação


da mulher casada e à falência do empresário, como medida de proteção dos
bens da mulher. A primeira mudança, conforme dispõe Sérgio Campinho
(2020), diz que mesmo que o empresário fosse casado em regime de comu-
nhão universal de bens, em caso de falência, somente os bens particulares
do empresário ou os comuns até a sua quota-parte da meação responderiam
pelo passivo da empresa.
Dessa forma, tratando-se de sociedade falida, as dívidas não recaem sobre
o patrimônio do empresário, nem de sua esposa, independentemente do regime
de casamento, uma vez que a falência é da pessoa jurídica. São os bens da
pessoa jurídica que irão responder pelo passivo da empresa, não podendo
assim serem confundidos com os bens da pessoa física, salvo em hipótese de
desconsideração da personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica ocorre nos casos em que se observa


um prejuízo aos credores pelo uso deturpado da personalidade jurídica, podendo
assim uma dívida atingir o patrimônio do sócio ou, em caso de desconsideração da
personalidade jurídica inversa, a dívida da pessoa física atingir a pessoa jurídica.
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Entretanto, conforme ensinamentos de Amador Paes de Almeida (2013),


quando se trata de empresário individual e dependendo do regime de bens
do empresário, as dívidas podem recair sobre os bens do casal. Nesse caso,
porém, a mulher pode requerer sua quota-parte da meação por ação autônoma,
chamada de embargos de terceiro.
A segunda mudança em relação aos bens da mulher casada com empre-
sário trazida pelo Estatuto da Mulher Casada é disposta por Fábio Ulhoa
Coelho (2013, p. 247), que esclarece que “[...] após a decretação da falência,
se o empresário individual se divorciar, a divisão de bens no juízo de família
não se prejudica pelo processo falimentar, já que a garantia dos credores é
representada apenas pelos bens integrantes de sua meação”.
Já quanto à mulher empresária, em conformidade com o estabelecido na
Constituição Federal de 1988, não deve haver distinção nos deveres e direitos
entre homens e mulheres. Dessa forma, a mulher empresária poderá ter a decre-
tação de sua falência, em caso de empresária individual, ou de sua sociedade,
sem distinção de gênero, conforme estabelece o art. 1º da Lei de Falências.
Especificamente quanto à legitimidade passiva da falência, Alexandre
Gialluca e Alessandro Sanchez, ensinam:

A Lei de Falências e Recuperações é aplicável basicamente aos empresários


e às sociedades empresárias, excluídas em absoluto as sociedades simples,
pois não empresárias; as empresas públicas e sociedades de economia mista;
as cooperativas de crédito; consórcios; entidades de previdência privada e
outras entidades legalmente equiparadas.
A legitimidade passiva para postular a falência é concedida somente à so-
ciedade empresária ou ao empresário individual (ou, em caso de sua morte,
pelo seu cônjuge sobrevivente, herdeiros ou inventariante) (GIALLUCA;
SANCHEZ, 2012, p. 64).

Dessa forma, a Lei de Falências de 2005 não diferencia o gênero em ne-


nhum momento, quando estabelece as hipóteses para a decretação tanto da
falência quanto da recuperação judicial ou extrajudicial. Essa é uma conquista
adquirida pelas mulheres ao longo dos anos, tendo como primeiro passo o
Estatuto da Mulher Casada, que trouxe a capacidade civil da mulher. Com
a Constituição Federal de 1988, foi estabelecida a igualdade dos direitos e
deveres entre os gêneros.
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3 Incapacitação superveniente do empresário


A incapacidade superveniente é a ocorrência de um ato posterior à confi-
guração do sujeito como sócio que torna este incapaz de exercer seus direitos
civis. Exemplos de incapacidade superveniente são os casos elencados no
art. 4º, incisos II, III e IV, do Código Civil.
Nesse contexto, podem ser considerados como incapacidade superveniente
do sujeito o vício em tóxico, aquele que se torna ébrio habitual, o pródigo,
bem como a pessoa que não puder exprimir sua vontade, tanto por tempo
permanente quanto temporário — esse é o caso, por exemplo, da deficiência
mental que reduz a capacidade do sujeito para a vida civil.

A incapacitação superveniente é uma novidade do Código Civil de 2002, que atribuiu


a possibilidade de continuidade da empresa, desde que o sócio ou empresário seja
devidamente representado ou assistido.

Vejamos o texto legal do art. 974 do Código Civil de 2002, que estabelece
as hipóteses de que o empresário pode continuar exercendo sua atividade
empresária mesmo em caso de incapacidade superveniente:

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente as-


sistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus
pais ou pelo autor de herança.
§1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das
circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em conti-
nuá-la podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores
ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos
adquiridos por terceiros.
§2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já pos-
suía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo
daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.
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§3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comer-


ciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que
envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes
pressupostos:
I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade;
II – o capital social deve ser totalmente integralizado;
III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente in-
capaz deve ser representado por seus representantes legais (BRASIL, 2002,
documento on-line).

Antes da edição do Código Civil de 2002, não havia previsão legal discipli-
nada pelo ordenamento jurídico brasileiro sobre a incapacidade superveniente.
Foi com o advento desse código civilista que passaram a existir as hipóteses
do incapaz exercer a atividade empresária.

Antes do Código Civil de 2002, não era possível o exercício da atividade empresária da
pessoa que se tornasse incapaz após a sua caracterização como sócio, tendo o mesmo
que se retirar da sociedade, encerrando sua atividade empresarial.

Além do Código Civil prever a possibilidade do exercício empresarial


por incapacidade superveniente, o art. 974 também dispõe os requisitos para
ocorrer a continuação da empresa. A princípio, é imprescindível que haja
um representante do incapaz ou que este esteja devidamente assistido para o
exercício da atividade empresária, bem como é necessário autorização judicial
para a continuação da atividade, como dispõe o parágrafo 1º do art. 974 do
código civilista.
No mais, também é de suma importância observar o disposto no parágrafo 1º
do art. 974, já transcrito, uma vez que o referido texto traz as “circunstân-
cias e riscos da empresa”, bem como a “conveniência em continuá-la”. Estas
deverão ser analisadas pelo magistrado competente, sendo, a partir dessa
análise, a decisão conforme o caso concreto. Mais do que a simples decisão
judicial, também é necessária a expedição do alvará de funcionamento, além
da alteração contratual devidamente averbada no órgão responsável pelo
registro de empresas.
12 Sujeito passivo na falência

O parágrafo 3º, também do art. 974 do referido texto legal, traz alguns
pressupostos que devem ser seguidos para a continuação da atividade empre-
sária que detém como sócio pessoa com incapacitação superveniente. Entre
os requisitos está a proibição do sócio incapaz de exercer a administração da
empresa, devendo, para todos os casos referentes à sociedade, ser representado
por uma pessoa civilmente capacitada. Outro requisito a ser cumprido é que o
capital social deve ser totalmente integralizado, a fim de que os bens pessoais
do incapaz não sejam atingidos, limitando assim a responsabilidade do sócio
incapaz. Além do já mencionado, acrescenta-se que o absolutamente incapaz
deverá ser representado, ou o relativamente incapaz, ser assistido.
Cumpridos todos esses requisitos, o sócio incapaz poderá exercer a ati-
vidade empresária. Esse é um direito garantido pelo Código Civil de 2002,
ao contrário das disposições anteriores, que não previam tal possibilidade.

O art. 974 do Código Civil prevê a incapacitação superveniente do sócio da empresa,


sendo esta originária de doenças mentais, embriaguez habitual, dependência quí-
mica, o pródigo. Tais origens devem ser sempre comprovadas e atestadas pelo juízo
competente.

Um detalhe importante a se observar é o art. 1.030, também do Código Civil,


que traz uma hipótese de exclusão do sócio por incapacidade superveniente:
“Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode
o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais
sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por
incapacidade superveniente” (BRASIL, 2002, documento on-line). Ao ana-
lisarmos o mencionado artigo, não devemos concluir que a exclusão do sócio
incapaz se dá automaticamente por solicitação da maioria dos sócios, é preciso
que o incapaz tenha cometido alguma falta grave. Assim, o motivo do pedido
deve ser analisado pelo magistrado, o qual decidirá pelo caso em questão.
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Sobre o mesmo assunto, Waldo Fazzio Júnior (2016, p. 164) ensina que:

Conforme o que constar do contrato social e sua regência subsidiária,


a maioria dos sócios poderá excluir judicialmente o consócio que incidir em
falta grave no cumprimento de seus deveres ou ainda em caso de incapaci-
dade superveniente. Trata-se de resolução judicial da sociedade em relação
a um sócio.

Ainda, a interpretação do mesmo artigo traz que se considera a falta grave


cometida por um incapaz superveniente como justificativa para o afastamento
do sócio da administração da sociedade, devendo ainda, na sentença judicial,
ser indicado o representante do sócio incapaz.
Outrossim, devemos interpretar o art. 1.030 do Código Civil com muita
cautela, uma vez que a exclusão de um sócio pela incapacidade superveniente,
principalmente no tocante à deficiência mental, fere, diretamente, os preceitos
fundamentais trazidos na Constituição Federal, especialmente quanto aos
princípios que estabelecem as garantias e direitos dos sujeitos portadores de
alguma deficiência.

No caso de morte, as quotas do sócio falecido podem ser divididas mediante o formal
de partilha, devendo estas ser transferidas ao herdeiro, mesmo que incapaz, que
poderá integrar na sociedade, desde que devidamente assistido ou representado.

Por fim, ainda no tocante ao art. 974, parágrafo 2º, do código civilista, como
medida de proteção dos bens do sócio incapaz, o artigo estabelece que os bens
que foram adquiridos anteriormente, em plenitude de sua capacidade, não
poderão responder aos resultados da empresa. Em caso de falência, os bens do
sócio incapaz, anteriores a sua incapacidade, não poderão entrar na massa falida.
Dessa forma, o atual Código Civil trouxe a possibilidade de o sócio que
possui incapacidade superveniente à sua constituição na empresa continuar
na sociedade, desde que devidamente assistido ou representado, não podendo
ser excluído da sociedade pelo simples motivo de sua condição de incapaz.
Ainda, em caso de falência da sociedade, os bens do sócio incapaz, adquiridos
anteriormente à sua condição de incapacidade, não respondem pelos resultados
da empresa.
14 Sujeito passivo na falência

ALMEIDA, A. P. Curso de falência e recuperação de empresa. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.
Brasília: Presidência da República, 1916. Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm. Acesso em: 28 jul. 2020.
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Brasília: Presidência
da República, 1945. Revogado pela Lei nº 11.101, de 2005. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del7661.htm. Acesso em: 28 jul. 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:
Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 jul. 2020.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Presidência
da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406.htm. Acesso em: 19 jul. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial
e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência da República,
2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/
l11101.htm. Acesso em: 28 jul. 2020.
CAMPINHO, S. M. S. Curso de Direito Comercial: falência e recuperação de empresa.
11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
COELHO, F. U. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013.
DIAS, M. B. A mulher no Código Civil. [S. l., 201-?]. Disponível em: http://www.mariabe-
renice.com.br/manager/arq/(cod2_726)18__a_mulher_no_codigo_civil.pdf. Acesso
em: 28 jul. 2020.
FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
GIALLUCA, A.; SANCHEZ, A. Direito empresarial IV: recuperação de empresas e falência.
São Paulo: Saraiva, 2012.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.
TARTUCE, F. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2017.
Sujeito passivo na falência 15

Leituras recomendadas
ARAUJO, J. F. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo:
Saraiva, 2009.
LIMA, O. B. C. O artigo 974 do Código Civil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais, n. 42, p. 218–247, 2002. Disponível em: https://www.direito.ufmg.
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