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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÃO
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL
Eduardo Zaffari

Identificação interna do documento


Realização do ativo
e extinção das
obrigações do falido
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Descrever as espécies de realização do ativo.


„ Identificar o encerramento do processo falimentar e a extinção das
obrigações do falido.
„ Reconhecer o que prevê a Lei nº. 11.101/2005 a respeito da extinção
das obrigações do falido.

Introdução
O processo de falência tem por objetivo a preservação da atividade
empresarial com o afastamento do devedor e a utilização de seu ativo
para a continuidade da atividade. Entretanto, os credores do devedor
terão que receber seus créditos, competindo ao administrador judicial
viabilizar a melhor forma de compatibilizar o pagamento dos débitos e
a preservação da empresa.
Neste capítulo, você estudará as diferentes espécies de realização
dos ativos da sociedade falida e a forma de encerramento do processo
de falência. Você verá, também, que o falido poderá ser reabilitado à
atividade empresarial, se cumpridos certos pressupostos previstos em lei.

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2 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

1 Espécies de realização do ativo


A falência tem descrita a sua finalidade no art. 75 da Lei nº. 11.101, de 9 de
fevereiro de 2005, denominada Lei de Recuperação Judicial e Falências, que
regula ainda a recuperação extrajudicial. Partindo da ideia de que o negócio
em si não vai à falência, mas apenas o empresário que administra a sociedade
empresária, refere o:

Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas ativida-


des, visa a:
I - preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos
recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa;
II - permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação
eficiente de recursos na economia;
III - fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do
retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.

Objetiva-se, então, afastar o devedor que não soube administrar a sua


empresa, tornando-se insolvente, para que se preserve ao máximo a atividade
empresarial, sem deixar de satisfazer os credores que não receberam os valores
que lhes são devidos pelo empresário.
Nas palavras de Pedro Lenza “[...] tratando-se de uma execução coletiva,
primeiro identificará os credores e bens do falido, depois promoverá a venda
dos bens e o pagamento dos credores, encerrando-se em seguida” (LENZA,
2019, p. 1128). O renomado Rubens Requião afirmava que a falência objetivava
a satisfação dos credores do falido em igualdade de condições (denominada sob
o princípio da par condicio creditorum) e o saneamento do meio empresarial,
ao retirar do comércio aqueles que não têm a condição de nele atuar (RE-
QUIÃO, 1995). Para Gladston Mamede, a “[...] falência é o procedimento pelo
qual se declara a insolvência empresarial e se dá solução à mesma, liquidando
o patrimônio ativo e saldando, nos limites da força deste, o patrimônio passivo
do falido” (MAMEDE, 2019, p. 247).
A necessária distinção entre o empresário devedor e a sociedade empresária
que lhe serve de instrumento para a realização da atividade empresarial é
importante para que se compreenda por que poderão ser adotadas mais de
uma forma de realização do ativo para a satisfação dos credores do falido.
Dividindo em dois períodos a falência (um primeiro em que são colhidas
informações, um segundo em que são vendidos os bens), Rubens Requião

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Realização do ativo e extinção das obrigações do falido 3

afirmava que (REQUIÃO, 1995, p. 310): “O segundo período visa a venda


dos bens integrantes da massa falida objetiva e o pagamento dos credores
que formam a massa subjetiva, e que têm nos bens do devedor a garantia do
pagamento de seus créditos. Esse último é o período da liquidação”.
A liquidação, igualmente denominada realização, são os atos realizados
pelo administrador judicial para a satisfação dos créditos daqueles que nego-
ciaram com o devedor falido. O primeiro período referido por Requião reflete
a necessidade de levantamento da situação patrimonial da falida, o montante
dos créditos concorrentes aos valores arrecadados e quaisquer outros encargos
e dívidas da massa. Essas informações estarão representadas no quadro geral
de credores, que será submetido aos interessados, sejam esses os próprios
credores ou o falido.
Tanto a atividade de colheita de informações, quanto a liquidação do ativo,
competem ao administrador judicial, que é o profissional designado pelo juízo
e de sua confiança para a realização dos atos na falência. O art. 22 da Lei
nº. 11.101/2005, que estabelece as atividades desse profissional, prescreve,
em seu inciso terceiro, que lhe competirá, no juízo universal da falência, as
seguintes atividades:

„ arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de


arrecadação;
„ avaliar os bens arrecadados;
„ contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização
judicial, para a avaliação dos bens caso entenda não ter condições
técnicas para a tarefa;
„ praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos
credores;
„ requerer ao Juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis
ou sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada
ou dispendiosa.

Perceba que a arrecadação, a avaliação e a venda dos bens do falido serão


de integral responsabilidade do administrador judicial.
Uma novidade quanto a atualização da Lei de Falência pela Lei nº
14.112/2020, é o estímulo, sempre que possível, a conciliação, mediação, ou
outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados a recuperação
judicial e à falência, conforme determina artigo 22, inciso I, alínea “j”.

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4 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

A arrecadação de bens é um ato judicial, de natureza administrativa, realizado pelo


administrador judicial. Ela tem por finalidade colocar à disposição do juízo falimentar
todos os bens que compõem o patrimônio do devedor.

A realização do ativo será iniciada após a arrecadação dos bens pelo ad-
ministrador judicial, comprovando-se pela juntada do auto de arrecadação ao
processo, conforme determina o art. 139 da Lei nº. 11.101/2005. A lei ainda
prescreve que se iniciará a liquidação antes mesmo da formação definitiva
do quadro geral de credores, além da possibilidade da venda antecipada dos
bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização ou de
conservação arriscada ou dispendiosa, conforme o art. 113 da Lei de Falências.
Isso porque a formação do quadro de credores poderá demorar em razão de
discussão sobre os créditos habilitados (como habilitações, impugnações ou
ação revocatórias ajuizadas).
Basicamente, são quatro as formas de realizações do ativo (Lei 11.101/2005,
art. 140, incisos I, II e III), quais sejam:

1. Alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco.


2. Alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades pro-
dutivas isoladamente.
3. Alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabeleci-
mentos do devedor.
4. Alienação dos bens individualmente considerados.

Interessante observar que o caput do art. 140 da lei prescreve que “[...] a
alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada
a seguinte ordem de preferência” (BRASIL, 2005, documento on-line, grifo
nosso). Assim, ao liquidar o ativo, deve-se seguir a ordem prevista em lei, pois
a ideia é sempre preservar o negócio como atividade econômica.
A primeira hipótese na ordem de preferência é a venda dos estabelecimen-
tos da empresa em blocos, ou seja, a transferência do patrimônio da empresa
a terceiros arrematantes, que assumirão o negócio, e a atividade empresarial
continuará comprando dos fornecedores e fornecendo aos seus clientes. A massa
falida, por sua vez, receberá o valor pago pelo arrematante, com o pagamento
dos credores da massa falida. Muitos fornecedores e clientes sequer perceberão

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que houve a transferência do estabelecimento empresarial por meio da falência.


Essa hipótese busca preservar o estabelecimento como unidade produtiva,
e o parágrafo terceiro do art. 140 determina que “[...] a alienação da empresa
terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável
da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos
específicos” (BRASIL, 2005, documento on-line).
Uma segunda possibilidade de alienação é a alienação da empresa por
filiais ou unidades produtivas. Nessa hipótese, não se alienará o estabeleci-
mento como um todo, mas o juízo dividirá a empresa em unidades economica-
mente viáveis (por lojas, por lojas e fábricas, por conjunto de unidades, etc.),
e as alienará para um ou mais interessados. O Judiciário irá atribuir a uma das
unidades vendidas o título da antiga falida (marca, signos, etc.), excluindo as
demais de seu uso. Se não for atribuído a nenhuma delas, todas as unidades
deverão deixar de usá-las (MAMEDE, 2019).
A terceira possibilidade de liquidação do ativo da falida é a venda em
blocos de bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor.
Imagine uma metalúrgica em processo falimentar. Não sendo possível a venda
do estabelecimento como um todo, ou unidades produtivas, essa hipótese
permitirá que sejam vendidos todos os bens (conjuntamente) da caldeiraria,
do setor de pintura, do setor de corte e dobra, do setor de galvanização. Nessa
possibilidade, consegue-se um valor superior do que a venda de cada máquina
isoladamente, vendem-se os bens com um custo de leilão menor, assim como
se atingirá diferentes interessados que, eventualmente, queiram apenas certo
setor produtivo.
Uma última hipótese, que costuma ser mais dispendiosa e arrecadar menores
valores, é a venda individual de cada um dos bens que compõem o ativo da
falida. Nessa situação, cada um dos bens deverá ser vendido separadamente,
mesmo que em um único ou vários leilões, e deverão receber propostas de
compras individuais. Os bens vendidos nesta forma usualmente recebem
valores menores do que se fossem vendidos conjuntamente com outros bens,
ou seja, em bloco. Ademais, muitos dos bens não serão adquiridos porque
não aparecerão compradores, ao contrário de se estivessem inseridos em um
bloco de bens e fossem comprados conjuntamente.
As opções dispostas em lei buscam preservar a atividade empresarial
como entidade produtiva, em que se afastará o devedor, e os credores que nele
confiaram serão satisfeitos. A adoção de uma hipótese ou outra dependerá da
característica da falida e deverá ter a finalidade de alcançar o melhor resultado
para a massa de credores.

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6 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

2 Encerramento do processo falimentar e


extinção das obrigações do falido
A realização do ativo tem a finalidade de satisfazer os credores pelo pagamento
por meio do produto decorrente da venda dos bens da falida. Arrecadados
valores pela massa falida, esses serão destinados ao pagamento dos encargos
da massa falida (honorários periciais, remuneração do administrador judicial,
custas, etc.) e aos credores, conforme constante no quadro geral de credores,
que observará a natureza de cada crédito. Os créditos se dividirão nas seguintes
classes, conforme art. 83 da Lei de Falências:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


I - os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e
cinquenta) salários mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes
de trabalho
II - os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor
do bem gravado; III - os créditos tributários, independentemente da sua
natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as
multas tributárias;
IV - (revogado); V - (revogado);
VI - os créditos quirografários, a saber
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens
vinculados ao seu
pagamento; e
c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem
o limite
estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais
ou administrativas, incluídas as multas tributárias;
VIII - os créditos subordinados, a saber:
a) os previstos em lei ou em contrato; e
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício
cuja contratação não
tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mer-
cado;
IX - os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no
art. 124 desta Lei.

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Realização do ativo e extinção das obrigações do falido 7

A relação dos créditos a serem pagos constará no quadro geral de credores, conforme
prescreve o parágrafo único do art. 18 da Lei nº. 11.101/2005, no qual consta que:

O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial, men-


cionará a importância e a classificação de cada crédito na data do re-
querimento da recuperação judicial ou da decretação da falência, será
juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de 5 (cinco)
dias, contado da data da sentença que houver julgado as impugnações
(BRASIL, 2005, documento on-line).

Após pagos os credores, conforme os valores arrecadados, suas respectivas


classes e dentro do que for possível efetuar o pagamento, inicia-se a fase de en-
cerramento da falência, na qual o administrador judicial deverá prestar contas ao
Juiz no prazo de 30 dias a partir da alienação de todo o ativo e distribuição deste
produto entre os credores, conforme prescreve o art. 154 da Lei nº. 11.101/2005.
As contas deverão ser prestadas na forma mercantil, com todos os documentos
comprobatórios de seus atos e fatos ocorridos no seu desempenho.
Essa prestação de contas será autuada em separado em relação ao processo
de falência, e apenas será anexada ao mesmo após o encerramento. Mas,
recebida a prestação contas do administrador, o Juiz determinará a publicação
de aviso aos interessados, que poderão examiná-las e impugná-las no prazo
de 10 dias. Com ou sem impugnação pelos interessados, o processo será
disponibilizado ao Ministério Público (MP), que terá o prazo de cinco dias
para exarar seu parecer contrário ou a favor da prestação de contas. O juízo
abrirá prazo para o administrador judicial para que este se manifeste sobre
as impugnações apresentadas (acaso haja) e parecer eventualmente contrário.
O parágrafo terceiro do art. 154 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve que:

Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração


dos fatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo
de 5 (cinco) dias, findo o qual o administrador judicial será ouvido se houver
impugnação ou parecer contrário do Ministério Público (BRASIL, 2005,
documento on-line).

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8 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

A possibilidade de diligências para a apuração dos fatos e a oitiva do


administrador significa que será possível a realização de instrução proba-
tória na prestação de contas, como audiências, perícias ou inspeções. Mais,
o administrador judicial apresentará esclarecimentos acerca das impugnações,
bem como poderá efetivamente contestar as discordâncias dos interessados
ou MP. Isso porque a prestação de contas irá conclusa ao Juiz para a sentença,
que poderá rejeitar ou aprovar as contas prestadas.
Se rejeitadas as contas prestadas pelo administrador, o juízo fixará as
responsabilidades, podendo determinar a indisponibilidade de bens do ad-
ministrador judicial, sequestro de bens ou retenção do saldo de honorários
devidos pelos seus serviços. A sentença que rejeitou a prestação de contas
constituirá título executivo judicial em favor da massa falida. Na escolha
do administrador judicial, o juízo da falência deverá levar em consideração
não apenas a confiança no desempenho de sua atividade, mas a condição de
possibilidade de arcar com eventuais prejuízos ocasionados à massa falida.
A partir da sentença da prestação de contas, independentemente de sua
aprovação ou apresentação de apelação, o administrador judicial apresentará
relatório final da falência no prazo de 10 dias, demonstrando o valor do ativo,
dos valores arrecadados com a sua venda, o valor das dívidas e o pagamento
dos credores, especificando as responsabilidades do falido que permanecem,
conforme art. 155 da Lei nº. 11.101/2005.

Enquanto a prestação de contas do administrador se refere à sua administração,


o relatório final se refere ao destino do ativo e passivo da massa.

À vista do relatório, o juízo julgará a falência por sentença, ordenará a inti-


mação eletrônica às Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito
Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento e determinará a
baixa da falida no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), expedido pela
Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, conforme consta no caput
do artigo 156. Considerando que serão estabelecidas as responsabilidades do
falido na decisão, o art. 156, parágrafo único, da Lei de Falências prescreve
que caberá da mesma apelação, valendo transcrever o dispositivo legal, em
que “[…] a sentença de encerramento será publicada por edital e dela caberá

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Realização do ativo e extinção das obrigações do falido 9

apelação”. Importante destacar, também, que, se a sociedade empresária não


tiver bens ou direitos remanescentes, a sentença servirá como forma de disso-
lução da mesma, pois, conforme o art. 1.044 do Código Civil brasileiro, “[...]
a sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas
no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência” (BRASIL,
2002, documento on-line).

O Código Civil brasileiro incorporou as regras do Código Comercial de 1850, aglutinando


o Direito Empresarial entre seus arts. 966 e 1122. A inscrição do empresário é tratada
entre os art. 966 e 971 do Código Civil.

Não há o que se falar no trânsito em julgado da sentença de encerramento


da falência com início de prazo prescricional das obrigações do falido. Pois
com a Lei nº 14.112/2020, o artigo 157 da Lei nº 11.101/2005 foi revogado.
Desta forma, o falido fica inabilitado até a sentença que extingue suas obri-
gações. Isso porque, entre os efeitos da sentença declaratória da falência, está
a inabilitação do falido para o exercício da atividade empresarial, seja como
empresário individual, seja como administrador, na forma do art. 102 da Lei
nº. 11.101/2005. Tal artigo estabelece que “[...] o falido fica inabilitado para
exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até
a sentença que extingue suas obrigações […]” (BRASIL, 2005, documento
on-line). Essa inabilitação será comunicada ao respectivo registro público
de empresas, apenas alterando a sua situação quando de sua reabilitação. A
pessoa do falido não perde a sua capacidade civil, mas tem a disponibilidade
e administração de seu patrimônio suspensa durante o processo de falência.
Usa-se a expressão capitis diminutio para expressar a limitação imposta ao
falido.
O legislador reconhece que o insucesso empresarial é uma possibilidade
e que depende de uma série de fatores que não dependem do empresário.
Ou seja, nem sempre o falido obrou com culpa ou dolo para a situação de
insolvência, o que significa dizer que o reingresso do falido na atividade empre-
sarial deve ser estimulado para que ele possa novamente produzir. Para tanto,
a lei prescreve não apenas o encerramento da falência, mas a possibilidade de

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10 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

extinção de suas obrigações e, eventualmente, a reabilitação do falido para a


atividade empresarial.

3 Extinção das obrigações do falido


segundo a Lei nº. 11.101/2005
A sentença da falência não impõe apenas a inabilitação ao exercício da atividade
empresarial. A suspensão de sua capacidade para o exercício dessas atividades
talvez seja a mais óbvia relacionada ao processo falimentar. Entretanto, como
recorda Pedro Lenza, não se trata apenas de sua incapacidade para as atividades
empresariais, defluindo outros reflexos da sentença falimentar (LENZA, 2019).
Mesmo que o empresário não mais queira realizar as atividades empresariais,
os efeitos da falência vão muito além de suas atividades, o que aumenta o seu
interesse na extinção de suas obrigações.
O segundo efeito da Lei de Falências em relação ao empresário (além de sua
inabilitação para a empresa) é a perda da capacidade de disposição patrimonial.
A partir da sentença, há a impossibilidade, pelo falido, de administrar seu
patrimônio que seja de interesses da massa falida. Qualquer ato de disposição
de bem ou direito pelo falido será nulo, pois esse patrimônio eventualmente
será necessário para a satisfação dos credores da massa falida.
Será o administrador judicial que poderá administrar e dispor desses bens
até o encerramento da falência e a extinção das obrigações do falido. Apenas
os bens impenhoráveis poderão ser administrados pelo devedor, como seus
proventos e bem de família, conforme prescreve o art. 833, IV, do Código de
Processo Civil, e o art. 1º, da Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990. Outra
restrição imposta ao devedor é a restrição de sua capacidade processual, pois,
nas ações em que o falido era autor ou réu, passará o administrador judicial
a representar o falido quando houver interesse da massa falida. Tanto que
o art. 6º da Lei nº. 11.101/2005 prescreve a suspensão das ações para que o
administrador judicial possa habilitar-se e dar prosseguimento às mesmas.
Caso a falida seja uma sociedade empresária, e não um empresário indi-
vidual, um quarto efeito é a possibilidade de sua dissolução. Conforme antes
referido, o art. 1.044 do Código Civil brasileiro prescreve a possibilidade de
dissolução da sociedade falida caso extintas as suas obrigações. Encerrada
a falência por sentença, os sócios da sociedade falida poderão dissolver a
sociedade ou continuar com a sua atividade empresarial caso reabilitada para
a atividade.

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Realização do ativo e extinção das obrigações do falido 11

Um quinto efeito sobre a pessoa do falido é a necessidade de cumprimento


de uma série de deveres, conforme prescreve o art. 104 da Lei de Falências,
entregar ao administrador judicial os seus livros obrigatórios e os demais
instrumentos de escrituração pertinentes, bem como todos os bens, papéis,
documentos e senhas de acesso a sistemas contábeis, financeiros e bancários,
ainda, indicar aqueles que porventura estejam em poder de terceiros; ou não se
ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação
expressa ao Juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas
na lei; comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por
procurador, quando não for indispensável sua presença; prestar as informações
reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou Ministério Público
sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência; auxiliar o administrador
judicial com zelo e presteza; examinar as habilitações de crédito apresentadas;
A não observância dos deveres impostos em lei, estes ou os demais previstos
no dispositivo legal, importarão em crime de desobediência, o que dificultará
a posterior reabilitação do falido.

A sentença que declara a falência é um ato complexo, que apresenta uma série de
determinações, conforme consta no art. 99 da Lei nº. 11.101/2005. Entre elas, poderá
determinar a prisão preventiva do falido inclusive.

Explicando o sistema anterior ao revogado Decreto-Lei nº. 7.661, de 21


de junho de 1945 (Lei de Falências que antecedeu a Lei nº. 11.101/2005),
Rubens Requião explicava que o falido poderia postular a sua reabilitação
independentemente da extinção de suas obrigações, o que fazia com que os
credores que não haviam sido pagos se voltassem contra os bens reinvestidos ao
falido. Ou seja, o falido era reabilitado, mas os credores impagos continuavam
sua investida em face do comerciante, praticamente impossibilitando a sua
retornada (REQUIÃO, 1995). Entretanto, o Decreto-Lei nº. 7.661/1945 alterou
a sistemática para que, antes da reabilitação do falido, houvesse a extinção de
suas obrigações. Como afirmava Requião (REQUIÃO, 1995, p. 339):

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12 Realização do ativo e extinção das obrigações do falido

A declaração da extinção das obrigações do falido é uma sentença, precedida


da sentença de encerramento da falência. Depois de atendidos os pressupostos
necessários à declaração judicial, por sentença, é que o falido vê cessado seu
estado de falência. Só, então, sem peias, sua atividade comercial renovada.

A Lei nº. 11.101/2005 prescreve, nos arts. 158 e 159, os fundamentos e formas
de extinção das obrigações do falido. A extinção de suas obrigações poderá se
dar de forma ordinária ou extraordinária, pois ordinariamente se espera que
as obrigações sejam adimplidas por meio do pagamento e, excepcionalmente,
por meio de outras formas. Afirma-se que a primeira hipótese prevista no art.
158, I, da Lei de Falências é a extinção ordinária das obrigações do falido por
meio do pagamento de todos os credores. Pagos todos os credores do falido,
não mais persistirão obrigações, tornando possível o encerramento da falência.
A segunda hipótese prevista em lei consta no art. 158, II, da Lei de Falên-
cias. Ela consiste no “[...] o pagamento, após realizado todo o ativo, de mais
de 25% (vinte e cinco por cento) dos créditos quirografários, facultado ao
falido o depósito da quantia necessária para atingir a referida porcentagem se
para isso não tiver sido suficiente a integral liquidação do ativo;” (BRASIL,
2005, documento on-line). Nessa possibilidade, deverão estar pagos mais de
25% dos créditos quirografários (credores não preferenciais), o que significa
que as classes anteriores terão sido pagas — mesmo que, para atingir esse
percentual, o falido deposite a diferença entre o valor arrecadado e o percentual
exigido por lei.
O decurso de prazo é de três anos, sendo contado a partir da decretação
da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que
serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com
pedido de reserva realizado. Caso o falido tenha cometido crime falimentar,
apenas com o implemento do prazo de 10 anos poderá o devedor requerer a
sentença de extinção de suas obrigações e reabilitação.

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Realização do ativo e extinção das obrigações do falido 13

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil. Brasília: Presidência,
2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.
htm. Acesso em: 13 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudi-
cial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência, 2005.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.
htm. Acesso em: 22 ago. 2020.
LENZA, P. (org.). Direito Empresarial esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2019.
NEGRÃO, R. Manual de Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2020.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. 2 v.

Leituras recomendadas
MIRANDA, P. de. Direito das obrigações: falência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
(Coleção Tratado de Direito Privado: parte especial, 28).
TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3.

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cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
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sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.

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