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SISTEMATIZAÇÃO DO CASO

1. RESUMO DO CASO

O autor, Ednor, sempre viveu com seus pais e sua esposa em um sítio de
propriedade de seu pai. Com o falecimento dos patriarcas da família, Ednor
assumiu, como de direito, a posse do sítio. Ednor, junto a sua esposa, usava o sítio
para fins de sobrevivência, ali cultivando hortaliças e algumas raízes, para sua
própria sobrevivência e venda no comércio local. Tendo a sua saúde debilitada,
impossibilitando-o de exercer sua atividade de agricultor, Ednor tomou a triste
decisão de vender seu sítio, onde tinha grande apego emocional, tendo em vista a
história familiar ali presente.

O autor vendeu seu sítio e buscou um negócio viável para investir,


encontrando o transporte aquaviário na cidade de Maragogi uma boa opção. Buscou
uma lancha no mercado e a encontrou. No Contrato de Compra e Venda de Bem
Móvel sob enfoque, o Vendedor se comprometeu a entregar a lancha Rboats 18,
descrita na peça contratual, em perfeitas condições, quando do comprovante de
pagamento do valor acordado, à vista, que deveria ocorrer até 20 de janeiro de
2019.

Em 15 de janeiro de 2019, o Comprador efetuou o pagamento À VISTA, no


valor de R $70.000,00 (Setenta mil reais), recebendo a lancha no mesmo dia. Em 20
de janeiro do ano corrente do caso, Ednor convidou sua esposa Marineide para
inaugurar a lancha recém adquirida, onde, chegando na Marina da Barra de São
Miguel, percebeu vício na entrega do bem móvel. Ali estava uma lancha
acompanhada de um Motor Yamaha 90 hp, 2T, e não de Motor Yamaha 115 hp, 4T.

De forma imediata, Ednor buscou informações, ligando para um amigo que


entende do assunto, o qual lhe informou que o motor constante no contrato, NA
ÉPOCA, custa mais ou menos R $10.000,00 a MAIS do que o motor que
efetivamente veio na lancha. No mesmo dia, o autor entrou em contato com Guila,
informando o ocorrido e afirmando que continuava com a intenção de ficar com a
lancha, desde que fosse reembolsado do valor correspondente à diferença de preço
entre o motor constante no contrato e o motor que acompanhou a lancha.

Apesar de saber da impossibilidade de uso do então motor para fins


aquaviários, tendo em vista o alto índice poluitivo, Ednor, optou pelo reembolso do
valor correspondente à diferença de preço, tendo em vista que, comprou outro motor
usado, porém ideal ao exercício da profissão, e necessita ser ressarcido da
diferença do motor de 115hp, tendo em vista que a ação veio a julgamento mais de 3
anos depois do ocorrido.

Guila, no entanto, se negou a efetuar o reembolso, afirmando que houve erro


de digitação. Diante do exposto, o autor, no exercício de seu direito, decidiu
protocolar a presente ação de resolução de contrato de compra e venda com
reembolso, tendo em vista que se sentiu lesado frente às atitudes da parte Ré.

II - DO DIREITO

A presente questão em análise diz respeito à obrigação do vendedor de


entregar o bem vendido em conformidade com as especificações previstas no
contrato, bem como à obrigação do comprador de pagar o preço acordado - o que
foi feito. Conforme o Art. 475°, do Código Civil Brasileiro, junto ao Art. 35° do Código
de Defesa do Consumidor, o contratante/consumidor tem o direito de exigir o
cumprimento do contrato, e/ou o cumprimento da oferta, bem como aceitar outro
produto ou prestação de serviço equivalente, ou rescindir o contrato, com direito à
restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada e as
perdas e danos.

A questão em análise diz respeito à obrigação do vendedor de entregar o bem


vendido em conformidade com as especificações previstas no contrato, bem como à
obrigação do comprador de pagar o preço acordado - o que foi feito. Conforme o art.
18°, § 1°, do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor, quando o vício do
produto não for sanado no prazo máximo de trinta dias, poderá escolher entre a
substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga, ou o abatimento
proporcional do preço. (Substituir por Art. 35°)

No presente caso, não se trata de erro material, inexatidão aritmética ou erro de


escrita, mas sim, de divergência quanto às especificações do bem vendido.
Conforme previsto no contrato de compra e venda, a lancha deveria ser entregue
com um motor 115 hp, contudo, a lancha entregue ao comprador continha um Motor
Yamaha 90hp, de valor inferior, e inclusive, com especificações técnicas totalmentes
divergentes com a da referida motorização correta (isto é, 115 hp). Apesar de
previsto (Art. 171°, CC), o erro tratado na legislação não é qualquer erro, mas sim, o
chamado de erro substancial (Art. 139, CC) no qual não se aplica no caso. Não há
previsão legal que inclua o erro de digitação como hipótese de anulação contratual,
nem tão pouco a entrega de bem diferente ao contrato. Tal erro de digitação prova o
desinteresse pela leitura de Guila, evento este que de forma nenhuma pode reverter
a peça contratual, devendo suas obrigações serem cumpridas, tendo em vista que
tais cláusulas não têm caráter abusivo.

Nesse prisma, é bem sabido que, a posse do bem ora comprado se transmite,
geralmente, no momento em que é paga o preço ajustado pelas partes, disponível
em contrato. Assim, como disposto no art. 481° do Código Civil Brasileiro, caput,
pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o
domínio de certa coisa (neste caso, Guila), e o outro, a pagar-lhe certo valor
acertado (Sr. Ednor). Ao receber a lancha em 15 de Janeiro de 2019, Ednor assumiu
a obrigação de pagar tal preço, e Guila, assumiu a obrigação de entregar a lancha
em conformidade com as especificações previstas no contrato. Como não cumpriu
com a sua obrigação, Guila violou diretamente o princípio de boa-fé contratual.

Previsto no art. 422° do CC, os contratantes são obrigados a guardar, assim na


conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Tal artigo refere-se diretamente a uma boa-fé objetiva. Certamente, o sentido
ontológico é único, mas seus contornos de aplicação e visualização diferem em
função da relação jurídica sobre a qual incidem. Nas relações obrigacionais e
contratuais, a boa-fé é posta sob o prisma dinâmico e tem como função-base a
proteção à segurança do tráfego negocial. Como pontuado pelo doutrinador
Menezes Cordeiro, em seu Livro Boa-fé no Direito Civil, páginas 719-853:
“A boa fé objetiva atende aos reclamos da tutela da
confiança e da primazia da realidade subjacente, operando
função interpretativa e corretiva. As partes, quando firmam
uma relação contratual, se fragilizam, porque confiam, o que
justifica a proteção séria desta confiança que é a base da
sustentação de todo o sistema jurídico negocial. A vinculação
contratual, certamente, encurte a noção básica de que a
prestação será materialmente cumprida.”

A resolução contratual, dispositivo do Art. 475, do Código Civil, atinge o


contrato por fatos que são posteriores à sua formação, o que ora ocorreu . Nesse
ponto, a resolução difere totalmente da rescisão, que será declarada em casos de
motivação de defeito genérico. O contrato não pode se deixar decorre dos princípios
gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato, estando
totalmente ligado à boa-fé.

Além disso, é importante enumerar as perdas causadas pelo não


cumprimento contratual. O Art. 186° do CC, estabelece a responsabilização civil por
ato semelhante - aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, mesmo que moral, comete ilícito.
Ao não cumprir a obrigação de entregar a lancha com o Motor Yamaha 115hp,
conforme previsto no contrato, o vendedor Guila agiu com negligência ao não
verificar corretamente as informações do contrato antes de entregá-lo ao comprador
Ednor.

Essa negligência de Guila, ao não cumprir corretamente a presente peça


contratual, acabou causando um dano ao comprador, que recebeu uma lancha com
motor inferior ao que estava previsto. Esse dano foi, portanto, causado pelo ato
ilícito do vendedor, que descumpriu ousadamente a obrigação assumida no contrato,
violando assim o direito do comprador.
Assim, com base no artigo 186 do CC, é previsto a reparação dos danos
causados pelo ato ilícito do vendedor, incluindo a diferença de valor entre o motor
que foi pago e o que foi entregue, bem como eventuais despesas e prejuízos
decorrentes do uso da lancha com motor inferior.

Pontua ainda que, o artigo 389 do Código Civil, estabelece que “Não
cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e
honorários de advogado”.

No caso referido, Guila descumpriu o contrato, gerando grandes prejuízos


para Ednor, tendo em vista a motorização inferior ao contrato, o que lhe tirou durante
alguns meses a possibilidade de geração de renda, deixando seus dependentes
desamparados. Portanto, faz se necessário a reparação urgente dos danos sofridos,
com a diferença do valor do motor, com os devidos ajustes monetários, isto é, R
$12.286,00, segundo IPCA (22,86%).

Neste prima, destaco que, conforme a lei municipal n° 742/2022, da cidade de


Maragogi, em seu artigo 19°, a obrigatoriedade de motores de 4 tempos, tendo em
vista seu índice poluitivo reduzido frente aos demais, inclusive o de 2T, este que
efetivamente veio na lancha, tendo impedido por certos meses o exercício de sua
atividade.

Por fim, ressalta-se a busca do “o que é direito?” Neste egrégio julgamento,


no propósito de somar a uma base sólida de jurisprudência, para que casos
semelhantes não se retomem com facilidade no nosso ordenamento.

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