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Prado, G. S. & Campos, J. R.

Artigo Técnico
Determinação da quantidade de areia no esgoto
sanitário: metodologia e estudo de caso

Determination of grit quantity in wastewater: methodology


and case study
Gustavo Silva do Prado
Engenheiro Sênior da Concremat Engenharia e Tecnologia S/A. Doutor em Engenharia Hidráulica e Sanitária pelo
Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo

José Roberto Campos


Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo

Recebido: 01/08/07 Aceito: 16/07/08

RESUMO ABSTRACT
Apesar de os desarenadores serem largamente utilizados, há Although degritters have been largely used, for more than a
mais de um século, como uma das unidades que compõem century, as preliminary treatment units of wastewater treatment
o tratamento preliminar de estações de tratamento de esgoto plants (WWTP), their removal efficiency is yet poorly known
(ETEs), pouco se sabe a respeito de suas eficiências de remoção due to the lack of standardized analytical methods to determine
devido à total carência de métodos analíticos padronizados wastewater grit concentration. This paper brings up this subject
para determinação da concentração de areia presente no esgoto and presents an original method to determine wastewater grit
sanitário. O presente artigo apresenta um método original para concentration based on use of well-known procedures, such
determinação da concentração de areia no esgoto, baseado no as: Imhoff cone sedimentation, hydrogen peroxide oxidation,
emprego de procedimentos amplamente conhecidos, como: sequential rinse, calcination and analytical balance weighing.
sedimentação em cones Imhoff, oxidação com peróxido de The application of the developed method demonstrated that grit
hidrogênio, enxágües sucessivos, calcinação e pesagem em ba- concentration in the influent of WWTP Jardim das Flores varies
lança analítica. A aplicação do método desenvolvido demons- significantly, with peak concentration of about 200 mg/l, and
trou que a concentração de areia no esgoto sanitário afluente that the mean grit concentration seems to be among 20 mg/l
da ETE Jardim das Flores (Rio Claro, SP) apresenta grande and 73 mg/l.
variabilidade com picos de até 200 mg/l e que a concentração
média de areia encontra-se entre 20 mg/l e 73 mg/l.

PALAVRAS-CHAVES: Desarenadores, caixas de areia, KEYWORDS: Degritters, grit chambers, grit concentration,
concentração de areia, método de determinação, avaliação determination method, statistical evaluation, WWTP Jardim
estatística, ETE Jardim das Flores das Flores.
INTRODUÇÃO No Brasil, os desarenadores são No entanto, conhecer quais tipos
comumente denominados “caixas de de partículas são removidas em um de-
O emprego de desarenadores areia”. Ambos os nomes podem levar a sarenador não é suficiente para se medir
como unidades de operação que compõem conclusões errôneas acerca do material sua eficiência; faz-se necessário, também,
a etapa de tratamento preliminar de esta- que esse tipo unidade remove, pois a saber em quais quantidades esses mate-
ções de tratamento de esgoto (ETEs) é palavra desarenador etimologicamente riais são encontrados, tanto no afluente
prática comum entre projetistas há mais de significa separador de areia. Todavia o (esgoto bruto peneirado ou gradeado),
um século (Camp, 1942). Todavia, ainda material removido pelos desarenado- quanto no efluente da unidade. Essa ta-
hoje pouco se sabe a respeito da eficiência res compreende uma infinidade de par- refa, diferentemente de apenas inventariar
dessas unidades. Mesmo textos consa- tículas sólidas de diversos tamanhos e constituintes, não é fácil, dada à hetero-
grados, como Metcalf & Eddy (2003), tipos, como por exemplo: areia, silte, pó geneidade e à variabilidade dos sólidos
pouco acrescentam a respeito do tema, de carvão, cinzas, pó de café, sementes de que os desarenadores podem remover.
porquanto, segundo seus autores é muito frutas, fragmentos de ossos e de cascas de Não obstante, segundo Camp (1942) “a
difícil interpretar dados de eficiência de ovos etc. (Camp, 1942). Pode-se afirmar experiência tem demonstrado que se um
remoção de desarenadores devido à escassez que os desarenadores são unidades de ope- desarenador for capaz de remover todos
destas informações e ao fato dos materiais ração unitária responsáveis pela remoção de os grãos de areia maiores ou iguais a
que estas unidades removem serem apenas partículas discretas com elevada velocidade 0,2 mm, ele removerá a maior parte
grosseiramente caracterizados. relativa de sedimentação. do material causador de problemas em

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Determinação da quantidade de areia no esgoto sanitário

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ETEs”. Essa citação é quase tão antiga to sanitário originou-se de um método adequado aquele procedimento pelo
quanto os próprios desarenadores e no qual a oxidação com peróxido de qual seja possível coletar amostras re-
como conseqüência de sua aceitação hidrogênio é utilizada para separar areia presentativas, mas que acima de tudo
ao longo dos anos a tradição de seu uso da matéria orgânica em amostras de ofereça a praticidade necessária.
acabou tacitamente convencionando a lodo primário. Os autores deste artigo Os grãos de areia geralmente são
quantidade de areia como “parâmetro” simplesmente adaptaram e incrementa- as partículas mais densas entre aquelas
de controle dessas unidades e 0,2 mm ram os procedimentos desse método, de usualmente encontradas no esgoto sa-
(200 μm) como tamanho das menores forma a possibilitar a sua utilização para nitário bruto, por conseguinte tendem
partículas que devem ser removidas por separar a areia da matéria orgânica em a concentrar-se no fundo de canais e tu-
um desarenador. amostras muito mais diluídas. bulações por onde escoa o esgoto. Esta
Apesar de o “parâmetro” quan- Dos percalços encontrados para peculiaridade acarreta sérias dificulda-
tidade de areia e o tamanho limite de proposição do método de determinação des ao processo de amostragem, deste
0,2 mm serem mundialmente aceitos da concentração de areia, três merecem modo, a escolha do processo adequado
como forma de se avaliar a eficiência destaque especial: o primeiro deriva da dependerá muito da criatividade do
de remoção de unidades de desarenação, baixa concentração relativa de areia pre- experimentador em improvisar soluções
ainda não existe tal consenso acerca sente no esgoto proveniente de sistemas práticas que se adéqüem aos problemas
de qual técnica analítica deve ser empre- de coleta do tipo separador absoluto; de cada ETE.
gada para medi-los. Gardner e Deamer o segundo tem origem na presença de Não existe regra clara em relação
(1996) acenaram para o fato de que partículas orgânicas nas amostras e o ao volume de esgoto que deve ser co-
até 1996 não existiam métodos de aná- terceiro decorre da dificuldade de se letado, porém é importante lembrar
lise padronizados nem para determi- conseguir amostras de esgoto bruto que que a concentração de areia no esgoto
nação da massa, nem para determina- sejam representativas. sanitário, em regra, é relativamente bai-
ção da distribuição granulométrica da Problemas referentes à determina- xa, conseqüentemente, quanto maior
areia presente em amostras de esgoto, ção de compostos, contaminantes etc., o volume de amostra coletada, menor
mas o surpreendente é que passados que apresentam baixa concentração no será o erro amostral do ensaio. Quanto
10 anos tais métodos ainda inexistem. esgoto sanitário são corriqueiros na ro- ao tipo de amostragem a ser escolhida,
Gardner e Deamer (1996) alertam tina de qualquer laboratório de análises isso dependerá do tipo de análise que
sobre um sério problema decorrente da e podem ser atenuados com o esmero se pretende fazer. Podem-se realizar
falta de métodos de análise padroniza- do experimentador ao realizar cada perfis de monitoramento 24 horas com
dos para determinação da quantidade procedimento descrito na metodologia, amostragens horárias, para acompanhar
(massa ou concentração) e da distribui- no entanto outras medidas podem ser a variação da concentração de areia
ção granulométrica da areia presente no adotadas, como por exemplo, o uso de no esgoto, ou coletar grande número
esgoto sanitário. Segundo esses autores, maiores volumes de amostra. de amostras pontuais à montante e à
esta carência metodológica dificulta A presença de material orgânico, jusante de desarenadores, para avaliar a
negociações entre clientes (municipa- tanto aderido aos grãos de areia como eficiência de remoção dessas unidades
lidades, companhias de saneamento e suspenso no meio líquido, foi o maior ou, ainda, coletar amostras compostas,
projetistas) e empresas que projetam obstáculo a ser transposto. Este proble- para ser determinada a concentração
e fornecem desarenadores, pois nem ma, a princípio aparenta ter solução tri- média diária de areia no esgoto bruto.
os fornecedores podem comprovar a vial, pois se poderia calcinar a amostra
eficiência de suas unidades, nem os de esgoto em mufla à 550º C, como é Arranjo experimental
clientes podem verificar se as unidades feito nas determinações de sólidos vo-
fornecidas atendem às especificações láteis (SV) e sólidos fixos (SF). Porém Na presente pesquisa, as amos-
de projeto. esse procedimento não elimina por tras de esgoto bruto foram coletadas
No intuito de trazer à tona um completo o material orgânico, isto é, os da estação elevatória da ETE Jardim
tema importante que há tempos per- resíduos resultantes de sua queima não das Flores (vazão média bombeada de
manece pouco valorizado, o presente desaparecem, apenas tornam-se partí- aproximadamente 324 m³/h) localizada
trabalho apresenta uma metodologia culas muito pequenas indistinguíveis no município de Rio Claro, SP. Devido
de análise para determinação da quan- em meio aos grãos de areia (Gardner à configuração espacial da chegada do
tidade de areia presente no esgoto e Deamer, 1996). A solução para esse esgoto bruto e ao arranjo experimen-
sanitário e os resultados obtidos de impasse foi obtida concentrando-se os tal da pesquisa, optou-se pelo uso de
sua aplicação em um estudo acerca sólidos das amostras, depois oxidando o bomba submersível, posicionada dentro
das concentrações de areia carrea- material orgânico com peróxido de hi- do poço de sucção da elevatória, junto
das pelo esgoto sanitário afluente da drogênio e por fim, dentro do possível, ao anteparo que o separa do canal de
ETE Jardim das Flores, localizada no separando ou eliminando os resíduos da chegada de esgoto. A escolha deste
município de Rio Claro, SP. oxidação da matéria orgânica presente local é justificável por ser o arranjo
por meio de lavagens sucessivas da experimental que menos interferiria
MATERIAL E MÉTODOS amostra com água destilada. na operação da estação elevatória e
O terceiro problema que merece consequentemente da ETE. Também
Considerações iniciais destaque refere-se à escolha de proce- merece destaque o fato de a bomba
dimento de amostragem adequado, submersível não ter sido posicionada
O método de determinação de certamente o “gargalo” do método. junto ao fundo do poço de sucção da
concentração de areia presente no esgo- Neste caso, deve-se entender como elevatória e sim junto à parede lateral

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do anteparo que o separa do canal de béqueres de 100 ml sob cada um dos depositada no fundo do tubo Falcon,
chegada do esgoto. cones; e descartá-lo no mesmo béquer de
A bomba submersível era em- • Verter o conteúdo das garrafas 500 ml no qual se encontra a escuma;
pregada para alimentar um separador nos cones Imhoff (uma garrafa por • Com a pisseta, completar o tubo
hidrodinâmico por vórtice (SHV), cone), usando a peneira de plástico para Falcon com água destilada;
tema central do trabalho de pesqui- evitar que sólidos grosseiros presentes • Repetir os dois procedimentos
sa que originou o presente artigo na amostra adentrem os cones; anteriores até que a água que se en-
(Prado, 2006). Na entrada da unidade • Com a pisseta, enxaguar as contra dentro do tubo Falcon fique
foi instalada uma válvula de esfera de garrafas onde estavam as amostras de límpida (“visualmente clarificada”). Tal
50 mm, por onde foram coletadas todas esgoto, de modo que todas as partículas procedimento é muito importante, pois
as amostras de esgoto bruto utilizadas que eventualmente ainda permaneçam a areia acumulada no fundo do tubo
na pesquisa. dentro delas sejam carreadas para den- deve ser lavada para que sejam elimi-
As amostras foram coletadas em tro dos cones. Cuidado especial deve ser nados quaisquer resquícios de matéria
garrafas plásticas de um litro, de hora dispensado nesta etapa, pois os grãos de orgânica aderida aos grãos;
em hora; geralmente das 9h00min até areia tendem a permanecer no fundo • Devido ao fato de parte das par-
as 13h30min ou das 14h00min até as das garrafas; tículas (predominantemente as muito
17h30min. Depois de coletadas, as • Disparar o cronômetro digital; finas) que se encontram na amostra
amostras eram conservadas em refrige- • Após 20 min, com ajuda de bas- serem descartadas juntamente com a
rador até o momento das determinações tonete de vidro, delicadamente ressus- escuma no béquer de 500 ml, faz-se ne-
em laboratório. pender as partículas que permanecem cessário promover a recuperação desse
junto às paredes dos cones Imhoff; material. Para isso deve-se cuidadosa-
Materiais e equipamentos • Após 30 min, coletar apenas os mente verter o sobrenadante do béquer
sólidos que se concentraram no fundo em outro recipiente, tomando cuidado
Os materiais e equipamentos dos cones Imhoff nos béqueres posicio- para não perder as pequenas partículas
empregados na execução dos ensaios de nados sob cada cone; que se acumulam no seu fundo.
determinação da concentração (mg/l) • Verter o conteúdo de cada bé- • Com a pisseta, enxaguar o mate-
de areia presente no esgoto sanitário quer de 100 ml em um tubo Falcon rial que permanece no béquer;
foram: de 15 ml; • Com uma pipeta, cuidadosa-
• Três cones Imhoff com adapta- • Com a pisseta, enxaguar cada mente remover o líquido sobrenadante,
ção para coleta de fundo; béquer de modo que partículas even- tomando cuidado para não pipetar as
• Um suporte para Cones Imhoff; tualmente retidas em seus interiores pequenas partículas que se encontram
• Bastonete de vidro para promo- sejam arrastadas para dentro dos tubos no fundo do béquer;
ver agitação; Falcon; • Repetir os dois procedimentos an-
• Três béqueres de 100 ml para • Centrifugar os tubos Falcon por teriores até que o líquido que se encontra
coleta; 30 segundos; dentro do béquer fique límpido;
• Béquer de 250 ml ou 500 ml • Descartar sobrenadante de cada • Pipetar o líquido em excesso
para descarte; tubo Falcon; e retornar as partículas contidas no
• Duas pipetas de 20 ml ou 10 ml; • Com a pipeta, dosar aproxima- béquer para dentro do tubo Falcon de
• Doze tubos Falcon de 15 ml damente 10 ml de peróxido de hidrogê- origem deste material;
ou mais; nio (H2O2) em cada tubo Falcon; • Com a pisseta, enxaguar o bé-
• Pisseta com água destilada; • Com o agitador elétrico agitar quer de 500 ml, de modo que, partícu-
• Peneira de plástico; os tubos Falcon por alguns segundos las, que eventualmente fiquem retidas
• Garrafas de um litro para coleta para que os sólidos que se encontram na sua parede e fundo, sejam enxagua-
de amostras; no fundo dos tubos sejam misturados das para dentro do tubo Falcon;
• Peróxido de hidrogênio (H2O2) com o peróxido de hidrogênio; • Verter o conteúdo de cada tubo
(solução 35%); • Deixar os tubos Falcon em repou- Falcon em cápsulas de porcelana de
• Cronômetro digital; so por alguns segundos para que a areia 50 ml previamente preparadas (calcina-
• Doze cápsulas de porcelana de mais densa sedimente e se concentre no das à 550º C em mufla) e pesadas (P0);
50 ml; fundo dos tubos, enquanto a matéria • Calcinar as cápsulas de porcelana
• Agitador elétrico de tubos de orgânica oxidada, juntamente com par- em mufla à 550º C, para ser eliminado
ensaio (opcional); tículas muito pequenas flotem devido às qualquer material volátil que ainda per-
• Centrífuga; micro-bolhas formadas pela dissociação maneça aderido aos grãos de areia;
• Balança analítica; do peróxido de hidrogênio; • Remover as cápsulas da mufla e
• Mufla que opere a 550º C. • Descartar a camada de escuma deixá-las esfriar em dessecador, depois
formada no tubo Falcon em béquer de pesá-las para obter P1;
Procedimentos de análise 500 ml (esse procedimento deve ser • Usar a Equação 1 para calcular a
realizado tubo por tubo, isso é não se concentração de areia da amostra;
Os procedimentos adotados para deve descartar o conteúdo de dois tubos ^P1 - P0h
execução dos ensaios de determinação em um mesmo béquer); C AR =
Vam
(1)
da quantidade de areia foram: • Com a pipeta, cuidadosamente Em que:
• Colocar os três cones Imhoff remover o líquido sobrenadante, to- CAR: Concentração de areia na amostra
em seu suporte e posicionar os três mando cuidado para não pipetar a areia (mg/l);

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Determinação da quantidade de areia no esgoto sanitário

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P0 e P1: Pesos provenientes das pesagens Primeiramente, os resultados Todavia, tais concentrações são
das cápsulas (mg); obtidos foram plotados nos gráficos valores médios amostrais, pois se re-
Vam: Volume de amostra utilizada no das Figuras 1 e 2, os quais apresen- ferem somente ao conjunto de dados
ensaio (l). tam, respectivamente, o histograma analisados. Para se obter valores médios
de freqüências relativas e o gráfico de de concentração de areia que possam ser
RESULTADOS E distribuição de freqüências relativas extrapolados para quaisquer amostras
DISCUSSÃO acumuladas. coletadas na estação elevatória da ETE
Pode-se observar na Figura 1 Jardim das Flores (i.e. valores médios
Análise das concentrações que o intervalo com o maior valor populacionais de concentração de areia)
médias de areia no esgoto de freqüência (moda) vai de 30 mg/l é necessário certo aprofundamento na
sanitário a 45 mg/l e pelo gráfico da Figura 2 análise estatística, observando as ca-
é possível constatar que a mediana racterísticas da distribuição dos dados
Para determinar a concentração da distribuição de freqüências das 34 amostrais, ou seja, das concentrações
média de areia encontrada nas 34 amostras é aproximadamente 40 mg/l. de areia obtidas.
amostras de esgoto sanitário afluente Por conseguinte, conclui-se da análise Uma forma de representar a curva
da estação de tratamento de esgoto desses gráficos que uma boa estimativa de distribuição de concentrações de
(ETE) Jardim das Flores, as quais fo- para a concentração média de areia nas areia encontradas nas 34 amostras de
ram coletadas em 11 dias diferentes, 34 amostras de esgoto, coletadas junto esgoto sanitário é o gráfico da Figura 3.
entre 17/8/2005 e 21/11/2005, das à estação elevatória da ETE Jardim das Nele pode ser observado o formato da
9h30min até 17h30min, fez-se uso de Flores, está entre 30 mg/l e 45 mg/l. curva de distribuição das concentrações
análise estatística. de duas maneiras, uma pela própria
distribuição dos dados e outra por um
tipo de gráfico chamado box-plot.
0,25
Observa-se no gráfico da Figura 3
0,20
certa assimetria na distribuição das con-
centrações de areia. Este fato demonstra
Freqüência Relativa

0,15
que os 34 dados amostrais analisados
não se distribuem normalmente em
0,10
torno de uma média. No entanto,
segundo Barros Neto et al (2002), em
0,05 situações como esta, considerando que
a concentração de areia no esgoto é
0,00 uma variável aleatória, pode-se fazer
<15

90 ? 105

105 ? 120

120 ? 135

135 ? 150

150 ? 165

165 ? 180

180 ? 195

195 ? 210

210 ? 225

225 ? 240

240 ? 255

255 ? 270
15 ? 30

45 ? 60

60 ? 75

75 ? 90
45

uso de um dos teoremas fundamentais


30 ?

da Estatística o Teorema do Limite Cen-


Concentração de Areia (mg/l) Freqüência Relativa tral, o qual assevera que “se a flutuação
total de uma certa variável aleatória for
Figura 1 – Histograma de freqüências relativas, obtido a partir o resultado da soma das flutuações de
de 34 amostras de esgoto sanitário, coletadas junto à estação muitas variáveis independentes e de
elevatória localizada nas proximidades da ETE Jardim das importância mais ou menos iguais, a sua
Flores da cidade de Rio Claro, SP, entre 17/8/2005 e distribuição tenderá para a normalida-
21/11/2005, das 9h30min até 17h30min de, não importa qual seja a distribuição
das variáveis individuais (Barros Neto
et al, 2002)”.
Assumindo que a concentração de
areia no esgoto sanitário é uma variável
aleatória, e que pelo Teorema do Limite
Central a distribuição das concentrações
médias de areia no esgoto para uma
amostra grande o bastante se distribui
normalmente, foram calculados dois
intervalos de confiança, um baseado na
média aritmética e outro baseado na mé-
dia geométrica das concentrações de areia
encontradas nas 34 amostras de esgoto
sanitário. Os dois intervalos de confiança
(IC) foram calculados usando a distribui-
Figura 2 – Distribuição de freqüências relativas acumuladas, ção t-Student (variâncias populacionais
obtido a partir de 34 amostras de esgoto sanitário, coletadas desconhecidas) com nível de significância
junto à estação elevatória localizada nas proximidades da ETE de 95%, e são apresentados na Tabela 1,
Jardim das Flores da cidade de Rio Claro, SP, entre 17/8/2005 e juntamente com outros parâmetros esta-
21/11/2005, das 9h30min até 17h30min tísticos do conjunto amostral.

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a partir de média aritmética como
representação da concentração média
de areia, a qual, para o esgoto sanitário
estudado, com 95% de significância,
está entre 50 mg/l e 100 mg/l.

Análise da variabilidade
das concentrações de areia
no esgoto sanitário
Como já mencionado neste texto,
os valores de desvio padrão, a amplitude
dos ICs calculados e a significativa di-
ferença entre as concentrações mínima
e máxima encontradas demonstram a
grande variabilidade do valor da con-
centração de areia do esgoto sanitário
afluente da ETE Jardim das Flores.
No entanto, tais dados não permitem
Figura 3 – Gráfico tipo box-plot e curva de distribuição das
que essa variabilidade seja visualizada.
concentrações de areia obtidas a partir de 34 amostras de esgoto
Para que isso fosse possível, foi anali-
sanitário, coletadas junto à estação elevatória localizada nas
sado um conjunto de dados composto
proximidades da ETE Jardim das Flores da cidade de Rio Claro, SP.
por 24 valores de concentração de
(■) Média aritmética dos dados; (*) Valores máximos e mínimos observados
areia obtidos de amostras coletadas
entre 6/10/2005 e 21/11/2005, das
10h30min às 17h30min.
Tabela 1 – Intervalos de confiança baseados nas médias aritmética e geométrica
A Figura 4 mostra um histograma
com níveis de significância de 95%, e parâmetros estatísticos da distribuição
construído a partir desses valores; nele
de concentrações de areia
pode-se observar que a variabilidade dos
Concentração de areia (mg/l) valores de concentração é verificada não
Média geométrica 47 somente ao longo do dia, como também
para uma mesma hora. Na Figura 5
Desvio padrão 76,5 foi plotado histograma com as médias
IC(μg; 95%) = [20 mg/l; 73 mg/l] aritméticas e geométricas calculadas
para cada um dos horários estudados.
Média aritmética 74 Mais uma vez, observam-se diferenças
Desvio padrão 71,4 significativas entre os valores de médias
aritméticas e geométricas, principalmen-
IC(μa; 95%) = [50 mg/l; 100 mg/l]
te às 11h30min e às 16h30min, quando
Mediana 44 é grande a diferença entre os menores
Mínimo 5 e os maiores valores de concentração
de areia.
Máximo 265 Em nenhuma das duas figuras
Número de amostras 34 nota-se algum tipo de padrão na varia-
bilidade horária da concentração de areia
presente no esgoto sanitário afluente da
A observação dos dados dispostos rece representar com mais fidelidade o ETE Jardim das Flores; por isso nada
na Tabela 1 permite concluir que a con- valor médio da distribuição de concen- pode ser concluído, além de que a con-
centração de areia presente no esgoto trações de areia; por isso, o intervalo de centração de areia pode apresentar varia-
sanitário afluente da ETE Jardim das confiança calculado a partir dele pode ser ções significativas tanto para um mesmo
Flores apresenta grande variabilidade, considerado como boa estimativa, isto é, horário como ao longo de um dia.
fato corroborado pela amplitude dos a concentração média de areia no esgoto Ainda analisando a variação horária
ICs e pela diferença entres as concen- sanitário estudado tem 95% de chance da concentração de areia no esgoto, deci-
trações máxima (265 mg/l) e mínima de estar entre 20 mg/l e 73 mg/l. diu-se verificar a existência de diferenças
(5 mg/) de areia observadas. Entretanto, quando se leva em entre as concentrações médias (populacio-
A análise da distribuição dos consideração o emprego desses valores nais) de areia em dois períodos: Período
valores de concentração mostra que o médios de concentração para o projeto 1 das 9h30min às 13h30min e Período
valor da média geométrica (47 mg/l), de sistemas de remoção, lavagem e dis- 2 das 13h30min às 17h30min. Para isso,
por ser menos influenciado pelos valo- posição final da areia presente no esgoto foram utilizados 32 valores de concentra-
res extremos, é mais próximo ao valor sanitário, a utilização de valores conser- ção de areia obtidos de amostras de esgoto
da mediana do conjunto de dados vadores é recomendável. Deste modo, coletadas entre 6/10/2005 e 21/11/2005,
(44 mg/l); consequentemente, ele pa- aconselha-se a adoção de IC calculado das 9h30min às 17h30min.

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Determinação da quantidade de areia no esgoto sanitário

Artigo Técnico
A Figura 6 mostra um gráfico
250 do tipo box-plot com a distribuição de
concentrações de areia dos dois períodos
200
6/10/2005
estudados. O gráfico permite que se ob-
Concentração de Areia

11/10/2005
serve pequena diferença entre as médias
150
4/11/2005
aritméticas amostrais dos dois períodos,
(mg/l)

17/11/2005
porém para verificar se tal diferença é
100
9/11/2005
significativa e se faz presente entre as
médias populacionais de concentração
21/11/2005
50 de areia foi empregada uma ferramenta
estatística chamada teste de hipóteses.
0 Admitiu-se que as amostras dos
10:30 11:30 12:30 13:30 14:30 15:30 16:30 17:30 dois períodos eram aleatórias, indepen-
Tempo (h) dentes e com variâncias desconhecidas e
diferentes. O teste de hipóteses foi rea-
Figura 4 - Histograma de concentrações de areia construído lizado utilizando umas das ferramentas
a partir de 24 amostras de esgoto sanitário, coletadas junto de análise de dados do Microsoft Excel
à estação elevatória localizada nas proximidades da ETE – o Teste-t – e seus resultados podem
Jardim das Flores da cidade de Rio Claro, SP, entre 6/9/2005 e ser observados na Tabela 2.
21/11/2005, das 10h30min até 17h30min Como pode-se observar na Tabela
2, apesar das médias amostrais das con-
100 centrações serem diferentes, o Teste-t
não verificou existência de diferença
80 significativa entre as médias populacio-
Concentração de Areia

Concentração
média de areia
nais dos dois períodos estudados, pois
60 média geométrica tobs está fora da região crítica de não
(mg/l)

aceitação da hipótese nula, ou seja, mé-


40 Concentração dias populacionais iguais. Logo, pode-se
média de areia
média aritmética concluir que as concentrações médias de
20 areia presentes no esgoto sanitário não
diferiram significativamente nos dois
0 períodos estudados.
10:30 11:30 12:30 13:30 14:30 15:30 16:30 17:30

Tempo (h) Extrapolação dos


Figura 5 - Histograma de concentrações médias (geométrica resultados experimentais
e aritmética) de areia construído a partir de 24 amostras de
esgoto sanitário, coletadas junto à estação elevatória A carência de dados acerca de
localizada nas proximidades da ETE Jardim das Flores quantidade de areia no esgoto sanitário
da cidade de Rio Claro, SP, entre 6/9/2005 e 21/11/2005, impede a comparação dos resultados
das 10h30min até 17h30min obtidos nesta pesquisa com valores
encontrados em outras localidades.
Contudo, a determinação de intervalo
de confiança (IC) para concentração
média de areia no esgoto sanitário entre
50 mg/l e 100 mg/l demonstra que o
projeto de sistemas de desarenação de
ETEs deve ser realizado com bastante
critério pois, caso tais quantidades de
areia não sejam devidamente removi-
das, seu acúmulo nas demais unidades
das ETEs ocasionará sérios problemas
operacionais à mesmas.
Para exemplificar a dimensão desse
problema, pode-se fazer um mero exer-
cício de raciocínio com os dados dessa
Figura 6 – Gráfico tipo box-plot das distribuições de pesquisa. Admitindo que uma ETE
concentração de areia para os dois períodos estudados, atenda população de 100.000 habitan-
construído a partir de 32 amostras de esgoto sanitário, tes e adotando: 180 l/hab.dia, coefi-
coletadas junto à estação elevatória localizada nas proximidades ciente de retorno de 0,8 e concentração
da ETE Jardim das Flores da cidade de Rio Claro, SP, entre média de areia no esgoto sanitário de
6/8/2005 e 21/11/2005, das 9h30min até 17h30min. (■ ■) 50 mg/l; obtém-se com estes dados
Médias aritméticas dos dados; (* *) Valores máximos e mínimos um total de 721 kg de areia seca por

Eng. sanit. ambient. 311 Vol.13 - Nº 3 - jul/set 2008, 306-312


Prado, G. S. & Campos, J. R.

Artigo Técnico
Tabela 2 – Dados estatísticos usados para a realização do teste de hipótese da média populacional de concentrações de areia
dos dois períodos estudados, considerando amostras independentes com variâncias desconhecidas e diferentes
Teste-t: duas amostras presumindo variâncias diferentes e desconhecidas
com nível de significância α = 0,05
Parâmetros Estatísticos Período 1 Período 1
9:30 → 13:30 13:30 → 17:30
Média (mg/l) 60,5 85,6
Observações 16 18
Hipótese da diferença de médias 0
Graus de liberdade 29
Stat t (tobs) -1,0485
tcrítico bi-caudal 2,0452

dia; 22 toneladas de areia seca por mês texto, o simples emprego do método DAEE do município de Rio Claro por
e 264 toneladas de areia seca por ano. analítico desenvolvido fornece subsídios permitir a realização da pesquisa nas
Considerando que a massa específica da suficientes para melhora do controle dependências da ETE Jardim das Flores
areia seja igual 2.500 kg/m³ e que toda operacional e projeto de sistemas de e aos técnicos do LATAR do Departa-
a massa de areia apresente índice vazios desarenação de ETEs. Constatou-se mento de Hidráulica e Saneamento da
de cerca de 35%, o volume ocupado por também que a concentração média Escola de Engenharia de São Carlos
264 toneladas deste material aproxima- de areia no esgoto sanitário afluente que colaboraram em todas as etapas do
se de 140 m³ a cada ano. da ETE Jardim das Flores, nos perí- trabalho de pesquisa.
Ao se considerar o gasto com odos estudados, está entre 20 mg/l e
transporte e disposição final dessa 73 mg/l, e que os valores de concen- REFERÊNCIAS
quantidade de areia, caso toda ela seja tração de areia demonstraram grande
BARROS NETO, B.; SCARMINIO, I. S.;
removida nos desarenadores, o custo variabilidade, tanto horária quanto BRUNS, R. E. Como fazer experimentos: pesquisa
de operação e manutenção (O&M) diária. Esta variabilidade não apresen- e desenvolvimento na ciência e na indústria. 2.ed.
da ETE pode aumentar consideravel- tou qualquer padrão significativo de Campinas, SP: Editora da Unicamp. 2002
mente. Porém, se tal volume de areia ocorrência. CAMP, T. R. Grit chamber design. Sewage Work
não for devidamente removido em Por fim, o fato do intervalo de Journal, v.14, n.2, p.368-381, March. 1942.
desarenadores devidamente projetados confiança obtido a partir da média GARDNER, P.; DEAMER, A. An evaluation of
e operados, as conseqüências podem ser: aritmética de todos os valores amostrais methods for assessing the removal efficiency of a grit
o desgaste excessivo de equipamentos, de concentração de areia ter ficado entre separation device. Water Science and Technology,
devido ao contato abrasivo com grãos 50 mg/l e 100 mg/l demonstra a neces- v.33, n.9, p.269-275. 1996.
de areia, e o rápido assoreamento das sidade de olhar mais crítico por parte METCALF & EDDY. Wastewater engineering:
demais unidades da ETE, que resultaria dos projetistas e operadores de ETEs treatment and reuse. 4.ed. Ne w York:
na diminuição dos tempos de detenção para as unidades de desarenação, pois McGraw-Hill, Inc. 2003.
hidráulica (TDH) das unidades de o custo agregado à remoção, deságüe e PRADO, G. S. Concepção e estudo de uma unidade
processo e na conseqüente queda de disposição final da areia pode ser signifi- compacta para tratamento preliminar de esgoto
cativo no cálculo das despesas operacio- sanitário composta por separador hidrodinâmico
eficiência de remoção de matéria orgâ- por vórtice e grade fina de fluxo tangencial. 240p.
nica e nutrientes de todo o sistema de nais das estações de tratamento. Merece Tese (Doutorado) – Escola de Engenharia de
tratamento de esgoto sanitário. igual destaque o fato de que se esse São Carlos, Universidade de São Paulo, São
material não for devidamente removido Carlos, 2006.
CONCLUSÕES em desarenadores, o acúmulo de sólidos
abrasivos e inertes nas demais unidades Endereço para correspondência:
Com base nos resultados apresen- das ETEs poderá ocasionar problemas
tados neste trabalho pode-se concluir operacionais, diminuição da vida útil José Roberto Campos
que o método desenvolvido para deter- de equipamentos e queda na eficiência Departamento de Hidráulica e
minar concentração de areia no esgoto global de remoção de poluentes de todo Saneamento
sanitário é uma ferramenta interessante o sistema de tratamento. Escola de Engenharia de São Carlos
e bastante simples, pois além de forne- Universidade de São Paulo
cer resultados satisfatórios, o mesmo é AGRADECIMENTOS Av. Trabalhador São Carlense, nº 400
acessível à boa parte dos laboratórios de Centro
análise. Vale ressaltar que para determi- Os autores deste trabalho agrade- 13566-590 – São Carlos – SP -
nar a concentração de areia no esgoto cem à CAPES pela bolsa de doutorado Brasil
sanitário não é necessária a aplicação de concedida, à PROMINAS do Brasil Tel.: (27) 8808-3117
toda análise estatística apresentada neste pelo financiamento da pesquisa, ao E-mail: gustavosprado@gmail.com

Eng. sanit. ambient. 312 Vol.13 - Nº 3 - jul/set 2008, 306-312

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