Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CADERNO DE RESUMOS
ORGANIZADORES:
AYLTON BARBIERI DURÃO
NILMAR PELLIZZARO
IVAN RODRIGUES
HENRIQUE MORITA
COLÓQUIO REPUBLICANISMO(S)
08 e 09 de novembro de 2017
Florianópolis
2017
SUMÁRIO
Programação completa..............................................................................................................06
A coisa pública é a coisa do povo: a definição de res publica na obra de Cícero, Roger
Gustavo Manenti Laureano......................................................................................................28
Quando a República ainda falava: res publica, libertas e jus no pensamento de Cícero e
Labeão, Márlio
Aguiar........................................................................................................................................30
PROGRAMAÇÃO COMPLETA
7
8
9
O trabalho tem por finalidade realizar uma análise sobre o pensamento do filósofo
político irlandês Philip Pettit acerca dos conceitos de liberdade e democracia. Os dois temas
que serão abordados já foram e ainda são alvos de artigos e livros publicados por Pettit há
algumas décadas. Considerando que as discussões relativas à tradição republicana do
pensamento político estão cada vez mais dinâmicas e interdisciplinares, temos em Philip Pettit
uma grande contribuição basilar para o debate, já que o mesmo advoga por uma filosofia
política republicana que ganhou certo destaque no meio acadêmico, com intelectuais do porte
de Quentin Skinner e John McCormick dialogando com o autor durante os últimos anos. A
tipificação da liberdade republicana defendida por Pettit se caracteriza pela não-dominação,
ou seja, se pauta na não interferência arbitrária de um indivíduo ou instituição em outrem. A
liberdade como não-dominação seria uma espécie de terceiro conceito criado pela retomada
de uma tradição republicana fundada na Roma Antiga. O conceito de liberdade está no topo
das discussões relacionadas à teoria política pela sua influência e capacidade de modificar a
vida das pessoas organizadas em sociedades modernas. Pensar na importância que uma
gradação da liberdade possui na vida de cada um é algo digno de embates longos e remete a
análises da forma com que os governos se organizam; na sua influência para com os cidadãos
e as implicações que decorrem de decisões que privam ou aumentam a liberdade. A palavra
liberdade aqui se entende pela capacidade, ou não, que os indivíduos possuem em poder
realizar suas ações e tudo que implica no decorrer desse ato. Quando Philip Pettit, em seu
livro “Republicanism: a theory of freedom and government”, dirige-se ao pensamento político
da Roma Antiga, ele busca reconstruir um tipo de liberdade que estaria esquecida e seria
resgatada pelos neorrepublicanos, demonstrando que essa liberdade advinda da tradição
republicana romana não seria conceituada em uma relação direta entre a liberdade positiva e a
negativa, mas sim que formaria um terceiro conceito de liberdade, entendido como não-
dominação, estando distinto daquilo que Isaiah Berlin definiu em seu ensaio seminal “Dois
conceitos de liberdade” como sendo os dois tipos de liberdade existentes – liberdade positiva
e liberdade negativa –, mesmo com a admissão de que a liberdade como não-dominação é
10
considerada por Pettit como um tipo de liberdade negativa; porém, se difere na maneira com
que a questão da interferência é abordada em ambas. Ao incorporar uma maior atenção ao que
seria o seu parecer sobre a democracia, principalmente em uma obra intitulada “On the
people’s terms: a theory of freedom and democracy”, Pettit abriu uma lacuna para diversas
críticas e comentários acerca da sua tipologia de liberdade e da conexão existente com a teoria
democrática que ele preconiza. Este trabalho irá abordar as ideias de Pettit em seus variados
escritos sobre democracia e liberdade, assim como utilizará das críticas feitas ao seu ideário,
principalmente encontradas no capítulo seis da obra de John McCormick: “Machiavellian
democracy”. A reflexão aqui proposta se diferencia pela adição da noção de Philip Pettit
quando o mesmo toca no assunto da democracia. A democracia é entendida por Pettit como
tendo que ser necessariamente contestatória, e essa contestação deve partir do povo em
relação ao governo. Admitindo que a democracia é o sistema de governo mais difundido
contemporaneamente, Pettit faz uma reconstrução interessante das vantagens e desvantagens
que nossos regimes democráticos trazem para a liberdade. A aparente crise de representação
política e as crescentes desigualdades que acometem os Estados modernos serviram de mote
para as discussões apresentadas nesse artigo.
sublinhar que o conceito de liberdade como não-dominação vai além do conceito liberal de
liberdade como não-interferência, mas, para dar conta de uma forma de dominação
sistematicamente realizada hoje, não pode perder de vista o vasto intervencionismo cultural,
institucional e pessoal empreendido pela terceira fase da economia de mercado, o capitalismo
neoliberal. Como esse intervencionismo é levado a cabo em nome da sobrevivência de uma
economia altamente destrutiva e, ao mesmo tempo, moribunda, a liberdade como não-
dominação requer uma democracia que não deixe intocadas as relações de produção
neoliberais, ou seja, as bases convencionais, constitucionais e legais do neoliberalismo, muito
menos sua legitimação ideológica, tampouco sua ancoragem concreta nas megaempresas
multinacionais, nas gigantescas instituições financeiras e no gerenciamento tecnocrático dos
governos nacionais e das organizações supranacionais. Emancipar-se da dominação neoliberal
parece requerer muito mais que uma democracia contestatória: parece requerer muita
indignação política, muita aprendizagem construída coletivamente, muita mobilização civil,
muita auto-organização dos cidadãos, muita transformação institucional.
articular uma base pública de justificação para a estrutura básica de um regime constitucional,
procedendo a partir de ideias intuitivas fundamentais implícitas na cultura política pública
[...]” (PL, § 5.3). Rawls pensa ter compatibilizado dessa forma o republicanismo clássico e o
liberalismo político. A concepção política de justiça de Rawls representa, assim, um
referencial normativo de alta relevância, mas ainda suscita questionamentos acerca de sua
efetividade. Honneth, a propósito, é um dos seus principais críticos na atualidade. Na intenção
de delinear uma teoria da justiça como crítica social, fundada na noção de reconhecimento
(Anerkennung), o alemão propõe uma reconstrução das estruturas normativas da sociedade
contemporânea que parte de uma crítica sistemática das teorias “kantianas” da justiça.
Sustenta, em oposição, que uma teoria da justiça não pode prescindir de uma análise dos
ideais normativos consolidados e compartilhados na sociedade, o que inclui aquelas práticas e
instituições sociais que tornam possível a liberdade individual. Um sistema de princípios de
justiça deslocado da “facticidade das condições sociais” não garante, na visão de Honneth,
que a “lacuna entre exigências normativas e realidade social” seja preenchida. O uso público
da razão requer, com efeito, o diagnóstico de patologias sociais que comprometem a
efetividade da autorrealização individual. Se a busca pela realização de um ideal de eticidade
(Sittlichkeit) de matriz hegeliana evidencia um compartilhamento de intenções entre os dois
projetos teóricos, a especificidade da proposta de uma “reatualização” da Rechtsphilosophie
empreendida por Honneth os distancia significativamente. Considerando tais questões,
procedo a um exame de ambas as perspectivas teóricas no propósito de identificar em que
medida a crítica de Honneth às concepções procedimentais de justiça se aplica ao modelo
desenvolvido por Rawls. Valendo-me dos fundamentos da crítica de Honneth, procuro
demonstrar que a estratégia construtivista de Rawls resulta em um sistema de princípios de
justiça que visa assegurar a realização de planos individuais de vida (1). Esses aspectos da
proposta rawlsiana permitem-me mostrar que a realização de um dado projeto de vida
depende substancialmente de um institucionalismo ético capaz de operar a distribuição
equitativa de bens sociais elementares (2). Isto posto, proponho-me a defender a hipótese de
que a crítica de Honneth ao construtivismo rawlsiano se justifica em face de a distribuição
equitativa de bens primários ser apresentada como condição necessária e suficiente para a
autorrealização individual, sem que seja considerado o caráter imediato da relação desta como
o reconhecimento intersubjetivo (3).
cidadãos sejam soberanos, mas de maneira limitada. Isto é, são soberanos na escolha de seus
representantes; porém, no tocante às decisões coletivas, sua soberania é limitada, devendo
deixar tais escolhas para seus representantes. Dessa forma, os modernos conseguem tanto
exercer sua soberania – escolhendo seus representantes – ao mesmo tempo que podem cuidar
de seus negócios de maneira livre. Por fim, devemos enfatizar que, segundo Constant, a
liberdade política não deve ser anulada, pois o mesmo reconhece a importância desse tipo de
liberdade; pois a liberdade política é a garantia que os homens têm de manterem sua liberdade
individual. De acordo com o pensamento arendtiano, o uso político da esfera pública na
antiguidade foi mencionado corretamente por Constant. Contudo, Constant desconsiderou o
abismo entre o público e privado, e isso culminou em uma inversão da esfera política e da
liberdade no âmbito público. A interpretação de Constant de a liberdade coletiva associada ao
fazer político ser danosa à individualidade dos homens o impediu de perceber que a esfera
política é o elemento constituinte da liberdade, sendo a esfera pública o único espaço que
permite o usufruto dessa liberdade. O isolamento dos indivíduos no espaço privado e na
intimidade não os permite agir no mundo e gerar novas cadeias causais. Isso significa que, ao
se voltarem exclusivamente para os negócios e o reino das necessidades, os homens não
podem agir e perdem sua dimensão humana, dado que Arendt considera a ação o próprio ato
de fazer política. Portanto, relegar a política a um plano secundário a torna uma ferramenta
para a organização social, descaracterizando o papel da política de gerar o novo e permitir o
usufruto da autêntica liberdade humana. Arendt também critica o sistema representativo
instituído pelo liberalismo porque separar a política da liberdade atomiza os homens, e estes
se tornam apenas pedaços da sociedade, ficando isolados e sem qualquer tipo de coletividade.
Logo, na concepção arendtiana, quem irá exercer a ação, a política e a liberdade não serão os
homens por meio de seus votos e, sim, os próprios representantes. Dessa feita, é inviável
considerarmos Hannah Arendt uma pensadora liberal, haja vista que suas definições de
liberdade e política não apenas a impedem de ter qualquer tipo de similaridade com os
liberais, mas também a transformam em mais uma pensadora que critica as concepções dos
mesmos.
consistirá em atos particulares e, assim, não consistirá em leis. Representando apenas uma
comissão, isto é, funcionários do Soberano que exercem em seu nome o poder, o “governo ou
administração suprema” compreenderá “o exercício legítimo do poder executivo”, e, de
acordo com Rousseau, para ser legítimo, é necessário que o governo não se confunda com o
Soberano, mas que seja ministro, e, assim, “todo governo legítimo é republicano”. Sendo
assim, a ideia de República, no pensamento de Rousseau, parece ser pensada em dois níveis:
(1) o da produção do direito – na medida em que o comando do povo estipula as leis; e (2) na
esfera do governo – já que, para ser considerado republicano, o governo precisa estabelecer
como horizonte de suas ações a lei. Dessa forma, Rousseau não trata a república como uma
forma de governo que exige uma disposição administrativa específica, mas sim como a
associação legítima – e, nesse sentido, falar em “república” é o mesmo que se referir à
comunidade regida pela vontade geral soberana, isto é, uma República é o corpo político no
qual o Soberano é o povo; e o governo republicano é a administração desse corpo que executa
suas ações segundo aquilo que foi estabelecido pelo interesse comum.
Em sua Filosofia prática, quer se refira ao âmbito da Ética, quer ao do Direito, Kant
pensa sempre as ideias da razão como conceitos normativo-reguladores da ação (dever) e que
impõem ações e fins no intuito de tornar o mundo empírico o mais adequado possível à
realidade noumênica da ideia. No caso específico do republicanismo, a ideia de República
também é um ideal regulador da ação; porém, como a sua realidade é noumênica, ela nunca
poderá ser realizada plenamente na empiria, sendo apenas possível uma aproximação
constante da ideia (aproximação assintótica).
Kant não pode precisar exatamente em que consistiria uma república noumênica,
porque, enquanto ideia, ela está além de qualquer adequação à realidade fenomênica. Não
obstante, ele sugere que, numa tal república, “[...] a lei ordena por si própria e não está na
dependência de nenhuma pessoa em particular”. A ideia fundamental é que este seria um
sistema representativo do povo que, em nome do povo, cuidaria dos seus direitos por
intermédio de seus delegados (deputados). Kant está apontando para a ideia de uma
aristocracia eletiva em termos de um ideal de organização política. Neste sistema, a lei
positiva deve ser uma expressão plena da vontade unificada do povo e assim se manterá
graças à titularidade do legislativo, que pertencerá aos representantes do povo, sendo estes os
guardiões da liberdade e dos direitos.
Para que este ideal seja possível, Kant postula cinco princípios que seriam a base
fundamental de seu republicanismo, sendo três deles de caráter normativo (liberdade,
igualdade e independência) e dois princípios operacionais (separação de poderes e
representatividade). Os princípios operacionais teriam a função de facilitar a transição de
regimes mais autocráticos em direção ao republicanismo, pois, ainda que os estados estejam
organizados autocraticamente quanto à letra, poderiam ser governados de forma republicana
(no espírito do republicanismo), em que haveria a separação dos poderes e estes
representariam a vontade unificada de todo o povo.
Ocorre que, assim como a república, Kant postula que o contrato originário também é
um ideal regulador que serve como norma para todo o Estado, a fim de que adeque sua
legislação e instituições de acordo com aquilo que o povo (idealmente), se fosse inquirido,
27
aprovaria. E, no núcleo do contrato, como seu conteúdo essencial, figura a ideia de vontade
unida, de modo que quando as instituições e as leis do estado estiverem em consonância com
esta ideia, pode-se dizer que elas espelham um contrato que só um povo independente
pactuaria. Da mesma forma, esta mesma vontade é espinha dorsal do republicanismo
kantiano, bem como o elemento aglutinador dos cinco princípios. Por isso, pode-se dizer que
um estado fundado nesses cinco princípios é um estado cuja natureza essencial não visa à
defesa de interesses de ordem individual, tal como a autoconservação em Hobbes e a
propriedade em Locke, mas unificar as vontades num querer comum a todos, sem distinção de
qualquer espécie. Assim, dizer que o Estado é republicano significa afirmar que ele é regido
pela ideia de vontade geral, o mesmo conceito que está no núcleo do contrato originário, de
modo que há uma mútua implicação entre a ideia de uma República pura e o contrato
originário. Se a ideia de uma república noumênica consiste num conceito de um Estado ideal
oriundo da razão prática em consonância com a vontade geral e a aproximação dessa ideia é
um dever, na medida em que o contrato originário também traduz a ideia de um consenso
ideal, pode-se dizer que é o próprio contrato que é o fundamento de uma República perfeita.
Assim, dizer que um Estado é republicano segundo a ideia ou dizer que ele foi originado de
um contrato originário é a mesma coisa, já que ambos são definidos pelo interesse comum de
todo o povo. Portanto, o objetivo de nosso trabalho é mostrar que as ideias de república e de
contrato são ideias autoimplicativas, pois um estado fundado nos princípios do
republicanismo é um estado que tem na ideia de contrato a sua razão de ser, já que o interesse
que deve predominar é aquele da razão, que é comum a todo o povo, isto é, o interesse geral.
por Cícero como justas necessariamente devem possuir um consenso jurídico e uma
comunidade de interesses, observamos que a monarquia, a aristocracia e a democracia
também são, nos critérios do orador romano, repúblicas. Como consequência, há em sua obra
uma série de exigências políticas com relação ao comportamento dos magistrados da cidade,
que, quando não cumpridas, levam-na a uma das três degenerações constitucionais
apresentadas – tirania, oligarquia e oclocracia. A tirania era um problema que, para Cícero,
circundava Roma, principalmente através da figura de Júlio César. As descrições que o orador
faz dos tiranos buscam desumanizá-los, comparando-os a bestas que deveriam ser extirpadas
da cidade. Ou seja, as obrigações políticas presentes em De Re Pvblica não são meros adornos
ideológicos de Cícero, pois seria justificável destituir ou até mesmo usar da violência contra
os governantes que não cumprissem sua obrigação política e não suprissem os elementos
fundamentais que qualificam uma república.
centralidade da res publica e são um norte teórico que une não apenas os conhecidos tratados
políticos e éticos De Re Publica, De Legibus e De Officiis, mas também a sua reflexão a
respeito da retórica e da eloquência – expressa particularmente em De Oratore, Orator e
Brutus – e as mais pragmáticas reflexões quotidianas encontradas em suas epistulae. O papel
da filosofia e da ética prática, a formação do cives ideal, o lugar da eloquentia do orador, a
constituição do ius civile e da relação com o ius naturale: todos os temas centrais da filosofia
ciceroniana, mesmo quando espraiados em sua produção, servem à sua forma de teorizar a
política, a liberdade e as prerrogativas do cidadão dentro da res publica, da civitas. Cícero
(106 – 43 a.C.) não pode, portanto, deixar de ser analisado para compreender quais são as
balizas teóricas que fundamentariam um pensamento republicano romano justamente num
período de crise e ameaça à república. O outro nome ao qual dedicaremos atenções é familiar
aos estudos em direito romano, mas ainda pródigo de atenção no que toca ao republicanismo.
Labeão (c. 50 a.C. – c. 18 a.C.), senador e filho de um anticesarista derrotado, foi considerado
o maior jurisconsulto do século de Augusto, fundador da escola jurídica dos proculianos e
famoso polemista contra Caio Ateu Capitão, jurista caro às fileiras do princeps. Herdara,
como disse uma vez Syme, a libertas e a ferocia dos que o antecederam, um dos últimos
representantes teóricos da mesma nobilitas de Cícero. De fato, poucos juristas são mais
louvados do que Labeão seja qualquer a fonte clássica consultada: jurista de maxima
auctoritas, louvado por sua incorrupta libertas, considerado douto em direito privado ou
sacro, inovador do pensamento e das instituições jurídicas. Informações extraídas do
jurisconsulto Pompônio (Digesto 1.2), de Aulo Gélio (Noctes Atticae, incluindo uma carta de
Capitão a respeito do rival) e dos historiadores Tácito e Dião Cássio nos permitem reconstituir
não apenas a trajetória do jurisconsulto e de sua oposição política a Augusto, mas aquilo que
nos interessa, o modo como configurava a res publica por uma série de instituições, costumes
e prerrogativas que podiam se opor – ao menos, a nível teórico e técnico – às “novidades”
apresentadas pelos rearranjos augustanos e por seus juristas. Busca-se compreender assim o
que tais autores da nobilitas – um plenamente inserido na República tardia, outro que herda
suas preocupações – entendiam por res publica e por libertas e, dentro desses conceitos, o
aspecto teórico devotado ao direito (dos costumes às normas postas) e às instituições.
Palavras-chave: Marco Túlio Cícero; Marco Antístio Labeão; Res publica; República
tardia; Direito Romano.
32
O presente trabalho não tem como objetivo fazer uma exposição do pensamento
republicano e sua tradição, mas, antes, compreender um tipo de republicanismo, o francês, o
qual tem sido debatido nos dias de hoje para permanecer na prática, na base de suas
instituições sociais, e na teoria, na renovação de uma tradição. Por isso, não faremos uma
reconstrução da teoria republicana em geral, sobretudo porque falar de republicanismo
implica entrar em diversas correntes que tornam difícil a tarefa de definir o republicanismo
em um único e uníssono diapasão. No entanto, é importante identificar alguns elementos
comuns da tradição republicana que podem ser vistos no republicanismo laicista francês, a
fim de entendermos o problema que se propõe discutir. Veremos que o Estado republicano
francês, ao longo de sua história constitutiva, colocou sempre uma ênfase nas suas instituições
reguladoras, a fim de promover e desenvolver uma certa virtude nos cidadãos. Nesse sentido,
ele segue a tradição republicana, que enfatiza a importância da participação política e da
virtude cívica como condição necessária à manutenção de um Estado livre, mantendo, no
entanto, sua desconfiança numa virtude cívica sem educação ou coação, como se os cidadãos
nascessem com essa disposição. A tradição republicana, como afirma Alan Patten, tem
consciência de que é preciso colocar alguns dispositivos em prática a fim de combater o
inevitável e inerente autointeresse dos seus cidadãos, que os afasta da esfera pública e do bem
comum. As qualidades do bom cidadão não são algo que os indivíduos possuem ao nascerem.
Elas devem ser alimentadas e promovidas pela educação, pelos costumes e pelas práticas da
cultura do cotidiano e, se necessário, com a ameaça de sanções e a regulamentação rigorosa
da conduta pessoal. O republicanismo laico francês, como veremos, segue essa tradição na
medida em que elabora dispositivos institucionais poderosos com o intuito de formar o
cidadão para um interesse comum, na maioria das vezes negando a particularidade de seus
indivíduos, suas crenças religiosas e suas culturas. O que interessa para esse tipo de
republicanismo é a figura do cidadão, e não a figura do indivíduo e suas particularidades. A
política existe através da soberania do cidadão, a qual depende da liberdade de pensamento
constituída também pela coisa pública e compartilhada entre os cidadãos. O objetivo deste
trabalho é discutir o republicanismo à francesa, a corrente laicista, para, então, chegarmos à
33
questão da proibição do uso do véu. Ele está, assim, dividido em três partes: a primeira situa o
republicanismo francês dentro de uma breve exposição a respeito de um núcleo comum da
tradição republicana. A segunda parte busca apresentar a corrente laicista na França e seus
argumentos em favor da proibição do uso do véu pelas meninas e mulheres muçulmanas. Por
último, apresenta-se uma crítica à posição dos laicistas, com base no argumento da paridade
de participação das mulheres e na possibilidade de emancipação através da transição entre a
casa e o público, entre a tradição e a modernidade, que só será possível se não lhes for negado
o acesso às escolas e às instituições públicas.
Quentin Skinner, dos “atos de fala” e do “contextualismo linguístico”: Rui, como todo ator
em seu contexto, “fazia” algo ao escrever (criticava instituições e adversários, legitimava
projetos e a si mesmo) dentro de um contexto pré-determinado e compartilhado de
significados (que poderiam e eram instrumentalizados por ele em suas brigas políticas através
dos textos e discursos). Será que o republicanismo, no Brasil, serviu somente como
contraponto à forma de governo monárquica ou foram incorporados elementos próprios dessa
tradição em nossa experiência? Essa é a pergunta que nos dá o fio condutor da presente
comunicação. Entendemos que é uma pesquisa em andamento, ainda nos primeiros passos,
mas acreditamos ser um projeto investigativo imprescindível para a ciência política, a história
intelectual e a filosofia no contexto brasileiro. Isso por se tratar de um período de extrema
relevância para nossa conformação nacional e diante da atenção precária que recebe.