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COLÓQUIO REPUBLICANISMO(S)

CADERNO DE RESUMOS

ORGANIZADORES:
AYLTON BARBIERI DURÃO
NILMAR PELLIZZARO
IVAN RODRIGUES
HENRIQUE MORITA
COLÓQUIO REPUBLICANISMO(S)
08 e 09 de novembro de 2017

Local: Universidade Federal de Santa Catarina.


Comunicações: Mini-Auditório do CFH.
Conferências: Auditório do EFI.

Apoio: Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFIL/UFSC)


Núcleo de Estudos em Ética e Filosofia Política (NEFIPO/UFSC)

Florianópolis
2017
SUMÁRIO

Programação completa..............................................................................................................06

Liberdade e democracia na concepção neorrepublicana de Philip Pettit, Artur Mazzucco


Fabro.........................................................................................................................................09

A dicotomia liberalismo x republicanismo e os seus efeitos na concepção de cidadania e


de reconhecimento, Alcione Roberto Roani............................................................................11

A democracia contestatória afetaria a dominação neoliberal?, Ivan Rodrigues................12

A releitura comunitarista de Michael Walzer do republicanismo, Marco Antônio Lucindo


Bolelli Filho..............................................................................................................................14

Justiça e autorrealização: da objeção de Honneth ao procedimentalismo rawlsiano,


Jelson Becker Salomão.............................................................................................................16

Hannah Arendt contra os liberais, Angélica Cristiane Martins............................................18

Reflexões sobre o reenquadramento na justiça social para um mundo globalizado em


Nancy Fraser, Nayara Barros de Sousa..................................................................................20

Os sentidos de “politeia” segundo o Livro III da Política de Aristóteles, Marina dos


Santos........................................................................................................................................22

A ideia de república e de governo republicano n’O Contrato Social de J.J. Rousseau,


Fracielle Silva Cruz..................................................................................................................24

Da relação entre a ideia de república e o contrato originário em Kant, Nilmar


Pellizzaro..................................................................................................................................26

A coisa pública é a coisa do povo: a definição de res publica na obra de Cícero, Roger
Gustavo Manenti Laureano......................................................................................................28

Quando a República ainda falava: res publica, libertas e jus no pensamento de Cícero e
Labeão, Márlio
Aguiar........................................................................................................................................30

O republicanismo laico francês e a proibição do uso do véu às meninas e mulheres


muçulmanas, Evânia E. Reich.................................................................................................32
O republicanismo na transição do Império para a República (1800-1900), Gustavo Zatelli
Correa.......................................................................................................................................34
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PROGRAMAÇÃO COMPLETA
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LIBERDADE E DEMOCRACIA NA CONCEPÇÃO NEORREPUBLICANA DE


PHILIP PETTIT
Artur Mazzucco Fabro
(Mestrado, Sociologia Política, UFSC)

O trabalho tem por finalidade realizar uma análise sobre o pensamento do filósofo
político irlandês Philip Pettit acerca dos conceitos de liberdade e democracia. Os dois temas
que serão abordados já foram e ainda são alvos de artigos e livros publicados por Pettit há
algumas décadas. Considerando que as discussões relativas à tradição republicana do
pensamento político estão cada vez mais dinâmicas e interdisciplinares, temos em Philip Pettit
uma grande contribuição basilar para o debate, já que o mesmo advoga por uma filosofia
política republicana que ganhou certo destaque no meio acadêmico, com intelectuais do porte
de Quentin Skinner e John McCormick dialogando com o autor durante os últimos anos. A
tipificação da liberdade republicana defendida por Pettit se caracteriza pela não-dominação,
ou seja, se pauta na não interferência arbitrária de um indivíduo ou instituição em outrem. A
liberdade como não-dominação seria uma espécie de terceiro conceito criado pela retomada
de uma tradição republicana fundada na Roma Antiga. O conceito de liberdade está no topo
das discussões relacionadas à teoria política pela sua influência e capacidade de modificar a
vida das pessoas organizadas em sociedades modernas. Pensar na importância que uma
gradação da liberdade possui na vida de cada um é algo digno de embates longos e remete a
análises da forma com que os governos se organizam; na sua influência para com os cidadãos
e as implicações que decorrem de decisões que privam ou aumentam a liberdade. A palavra
liberdade aqui se entende pela capacidade, ou não, que os indivíduos possuem em poder
realizar suas ações e tudo que implica no decorrer desse ato. Quando Philip Pettit, em seu
livro “Republicanism: a theory of freedom and government”, dirige-se ao pensamento político
da Roma Antiga, ele busca reconstruir um tipo de liberdade que estaria esquecida e seria
resgatada pelos neorrepublicanos, demonstrando que essa liberdade advinda da tradição
republicana romana não seria conceituada em uma relação direta entre a liberdade positiva e a
negativa, mas sim que formaria um terceiro conceito de liberdade, entendido como não-
dominação, estando distinto daquilo que Isaiah Berlin definiu em seu ensaio seminal “Dois
conceitos de liberdade” como sendo os dois tipos de liberdade existentes – liberdade positiva
e liberdade negativa –, mesmo com a admissão de que a liberdade como não-dominação é
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considerada por Pettit como um tipo de liberdade negativa; porém, se difere na maneira com
que a questão da interferência é abordada em ambas. Ao incorporar uma maior atenção ao que
seria o seu parecer sobre a democracia, principalmente em uma obra intitulada “On the
people’s terms: a theory of freedom and democracy”, Pettit abriu uma lacuna para diversas
críticas e comentários acerca da sua tipologia de liberdade e da conexão existente com a teoria
democrática que ele preconiza. Este trabalho irá abordar as ideias de Pettit em seus variados
escritos sobre democracia e liberdade, assim como utilizará das críticas feitas ao seu ideário,
principalmente encontradas no capítulo seis da obra de John McCormick: “Machiavellian
democracy”. A reflexão aqui proposta se diferencia pela adição da noção de Philip Pettit
quando o mesmo toca no assunto da democracia. A democracia é entendida por Pettit como
tendo que ser necessariamente contestatória, e essa contestação deve partir do povo em
relação ao governo. Admitindo que a democracia é o sistema de governo mais difundido
contemporaneamente, Pettit faz uma reconstrução interessante das vantagens e desvantagens
que nossos regimes democráticos trazem para a liberdade. A aparente crise de representação
política e as crescentes desigualdades que acometem os Estados modernos serviram de mote
para as discussões apresentadas nesse artigo.

Palavras-chave: Liberdade como não-dominação; Democracia; Philip Pettit;


Neorrepublicanismo; Teoria política contemporânea.
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A DICOTOMIA LIBERALISMO X REPUBLICANISMO E OS SEUS EFEITOS


NA CONCEPÇÃO DE CIDADANIA E DE RECONHECIMENTO
Alcione Roberto Roani
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

O objetivo do texto consiste em analisar as possíveis consequências da dicotomia


existente entre a concepção liberal e a republicana de democracia quanto a seus efeitos em
relação à concepção de cidadania. Inicialmente o texto procura estabelecer algumas diferenças
consideradas cruciais entre liberalismo e republicanismo principalmente no que tange as
diferentes formas de exercer a democracia. A partir dessa relação dual que, em alguns
aspectos, se aproxima e em outros se distancia, é possível identificar alguns subsídios que
formam a base ética, jurídica e política da concepção de cidadania. O desafio para as duas
concepções basilares de cidadania reside na capacidade de fazer frente aos desafios impostos
pela complexidade da sociedade. Em um segundo momento, o texto procura revisar os meios
apresentados pelo viés republicano da proposta habermasiana de instituir uma concepção de
cidadania que seja sensível as diferenças, o que ocorre, segundo Habermas, por meio de uma
política deliberativa capaz de absorver, via procedimento, as diferentes perspectivas. A
abordagem peculiar da política proposta por Habermas rende uma tese promissora no que se
refere à defesa de um “ideal” igualitário de cidadania democrática, por um lado, com as
demandas legítimas de indivíduos e grupos, por outro. Com esse cenário, Habermas postula
uma perspectiva de política deliberativa capaz de integrar democracia e estado constitucional
a partir de questões vinculadas ao reconhecimento (ex. ideia de igualdade, direitos de grupo,
igual tratamento das culturas).

Palavras-chave: liberalismo; republicanismo; cidadania; reconhecimento; política.


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A DEMOCRACIA CONTESTATÓRIA AFETARIA A DOMINAÇÃO


NEOLIBERAL?
Ivan Rodrigues
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

Neste artigo, são colocados em questão os limites emancipatórios da democracia


contestatória proposta por Philip Pettit. Trata-se de perguntar, de modo específico, se a
democracia contestatória afetaria a dominação neoliberal, a qual, segundo Pierre Dardot e
Christian Laval, corresponde a uma ampla transformação não só da economia capitalista, mas
da sociedade como um todo e da própria subjetividade, uma transformação politicamente
realizada e juridicamente sedimentada cujo objetivo é salvar a economia capitalista de sua
própria ruína. A dominação neoliberal consistiria, de um lado, na redução do governo estatal a
um governo empresarial cuja razão de ser é criar, manter e compensar as penosas condições
de lucratividade e competitividade de grandes negócios nacionais nos mercados mundiais; e
consistiria, de outro lado, na redução do indivíduo a uma microempresa, ou mesmo a “capital
humano”. A questão, portanto, é se a democracia contestatória possibilitaria aos cidadãos se
libertarem das arbitrariedades desse tipo de política gerencial e desse tipo de personalidade
atomizada, desenraizada e onerada com responsabilidades insustentáveis. Em primeiro lugar,
trata-se, então, de apresentar o diagnóstico de Dardot e Laval. Em segundo lugar, é abordado
o conceito de liberdade como não-dominação do qual Pettit parte para propor uma democracia
centrada não no consenso, mas na impugnação; não na deliberação, mas no protesto; não na
concordância, mas no veto; não no bem comum, mas na negação da arbitrariedade. Em
terceiro lugar, questiona-se se uma democracia neorrepublicana dá conta do diagnóstico de
Dardot e Laval. Tornam-se fulcrais, então, três indagações, a saber: (1) se o modelo de
democracia de Pettit não teria sido desenhado com olhos em dominações políticas mais
explícitas, mais ostensivas e, por isso, mais confrontáveis que a dominação política
característica do neoliberalismo; (2) se tal modelo de democracia não seria, em última análise,
propício ao cultivo da dominação neoliberal, em vez de possibilitar que os cidadãos a
desmascarassem, contestassem e abolissem; (3) se o modelo de democracia de Pettit não
pressuporia, na verdade, a naturalização da dominação neoliberal, ou seja, a consideração da
concorrência generalizada entre indivíduos, empresas e economias nacionais como uma
segunda natureza, ou como fora da política. O ponto a que, neste artigo, pretende-se chegar é
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sublinhar que o conceito de liberdade como não-dominação vai além do conceito liberal de
liberdade como não-interferência, mas, para dar conta de uma forma de dominação
sistematicamente realizada hoje, não pode perder de vista o vasto intervencionismo cultural,
institucional e pessoal empreendido pela terceira fase da economia de mercado, o capitalismo
neoliberal. Como esse intervencionismo é levado a cabo em nome da sobrevivência de uma
economia altamente destrutiva e, ao mesmo tempo, moribunda, a liberdade como não-
dominação requer uma democracia que não deixe intocadas as relações de produção
neoliberais, ou seja, as bases convencionais, constitucionais e legais do neoliberalismo, muito
menos sua legitimação ideológica, tampouco sua ancoragem concreta nas megaempresas
multinacionais, nas gigantescas instituições financeiras e no gerenciamento tecnocrático dos
governos nacionais e das organizações supranacionais. Emancipar-se da dominação neoliberal
parece requerer muito mais que uma democracia contestatória: parece requerer muita
indignação política, muita aprendizagem construída coletivamente, muita mobilização civil,
muita auto-organização dos cidadãos, muita transformação institucional.

Palavras-chave: Democracia contestatória; Liberdade; Dominação; Neoliberalismo;


Philip Pettit.
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A RELEITURA COMUNITARISTA DE MICHAEL WALZER DO


REPUBLICANISMO
Marco Antônio Lucindo Bolelli Filho
(Mestrado, Filosofia, UFES)

Michael Walzer é um teórico contemporâneo liberal que é adepto das correções


comunitaristas, o que o afasta das concepções clássicas tanto do primeiro quanto do segundo,
fazendo, assim, uma teoria política ao seu próprio modo. Para Walzer, existe um paradoxo nas
sociedades democráticas: temos indivíduos, de um lado, que exercem o status de cidadania e,
de outro, que atuam somente como membros de grupos na sociedade civil; mas nem todos
exercem de fato a cidadania. Em seu trabalho filosófico, Walzer resgata a tradição republicana
para lidar com essa questão. Para ele, num primeiro momento, o republicanismo só faz
sentido em comunidades pequenas e homogêneas (pelo menos em sua versão de Rousseau).
Portanto, para Walzer, a visão republicana deve ser revisada, pois não pode se pretender,
numa sociedade pluralista, integrar o indivíduo no universal, de modo que a primeira se torne
somente desdobramento do segundo (“sujeito” que representa o todo). Seria pedir demais que
todos seguissem um sentido único de “bem comum” para lhes guiar, o que geraria uma
sociedade uniforme e com indivíduos destituídos de seus interesses e convicções pessoais. Por
outro lado, o liberalismo, ao focar no indivíduo, cria uma identidade praticamente ligada
somente à concepção política, sem que haja nenhum vínculo (“conteúdo”) que dê razões para
sua existência. Desse modo, Walzer pretende resgatar a tradição republicana para, de um lado,
justificar a atuação de um Estado não-neutro. O objetivo desse Estado não-neutro é fomentar
as energias e os comprometimentos drenados nas associações (voluntárias, involuntárias ou
vorazes), findando, assim, com o desejo de “integração” e “unidade” e se aproximando de um
Estado como “república das repúblicas” que seja descentralizado e participativo; por outro
lado, tal estímulo desenvolve as virtudes cívicas, momento em que Walzer resgata o ideal de
cidadania da tradição republicana, no sentido de estabelecer práticas mínimas que, ao serem
irradiadas para a sociedade civil, criam uma espécie de autorrespeito (esfera do
reconhecimento) que não depende de nenhuma posição social em especial, vinculada à
posição geral da pessoa na comunidade e sua opinião de si mesmo, não simplesmente como
pessoa, mas como pessoa eficiente nesta ou naquela situação, um membro completo e igual e
participante ativo. Injeta-se, assim, uma concepção comunitarista de Estado que sempre está à
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procura de grupos de cidadãos prontos para responsabilizar-se pelos assuntos locais


(WALZER, 2008a, p. 234), uma vez que, se os indivíduos não atuam juntos de determinadas
maneiras, de forma coletiva, o Estado, igualmente, não pode começar a atuar para fomentar
tais atividades. A questão central para a teoria política, desse modo, não deve ser a
constituição do eu, mas sim o vínculo entre o “eus” constituídos pelas associações
involuntárias, o padrão das relações sociais e, igualmente, as possibilidades e capacidades de
associação e ruptura. Os liberais contemporâneos não estão comprometidos com um eu pré-
social, mas apenas com um eu capaz de refletir criticamente sobre os valores que
influenciaram sua socialização; e os críticos comunitaristas, que estão fazendo exatamente
isso, dificilmente poderão afirmar que a socialização é tudo. Desse modo, para Walzer, não
devemos ficar com as teorias liberais que pregam um eu “pré-social” (que se constitui à mercê
dos valores socais e mais em contraponto a estes), nem com o comunitarismo que exige um
“eu” totalmente social, plenamente constituído e conformado. Logo Walzer trabalha no
sentido de haver complementariedade entre a sociedade civil e o Estado, essa é a única
maneira de manutenção de uma sociedade liberal “saudável”. O objetivo do presente trabalho
é expor a ideia de republicanismo para Walzer, demonstrando o que deve ser conservado e
quais são seus limites, e, ainda, tendo como cerne responder a seguinte pergunta: o que pode
unir as pessoas com força suficiente para que gere compromisso e respeito com os outros
cidadãos, sem que seja necessário anular as lealdades morais (de classe, gênero, etnia ou
religião etc.)?

Palavras-chave: Comunitarismo; Republicanismo; Estado; Sociedade Civil;


Cidadania.
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JUSTIÇA E AUTORREALIZAÇÃO: DA OBJEÇÃO DE HONNETH AO


PROCEDIMENTALISMO RAWLSIANO
Jelson Becker Salomão
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

O modo como é estruturado o arranjo institucional de uma sociedade democrática


determina a medida da liberdade dos seus membros. A facticidade da liberdade constitui, em
vista disso, uma questão de justiça. Não por outra razão, a filosofia política contemporânea
tem se ocupado das condições de possibilidade da autorrealização individual. Nessa
perspectiva, exploro duas das mais proeminentes concepções de justiça na atualidade: a
justiça como equidade, proposta por John Rawls (1921-2002) e a justiça como crítica da
sociedade, de Axel Honneth (1949). O projeto rawlsiano propõe uma solução para a histórica
discordância entre as diferentes compreensões da relação entre liberdade e igualdade. Trata-
se, fundamentalmente, da tensão entre liberalismo e republicanismo. Conforme a distinção de
Benjamin Constant (1767-1830), a tradição liberal representa a chamada “liberdade dos
modernos”, que prioriza a garantia de um conjunto de liberdades e direitos fundamentais
relativos à proteção da pessoa e da propriedade. A corrente republicana, por seu turno, afirma
a “liberdade dos antigos”, que enfatiza as liberdades políticas iguais e a proteção dos valores
que estruturam a vida em comunidade. Rawls pretende elevar o nível de abstração do
contratualismo clássico (Locke, Rousseau e Kant), a partir de um modelo procedimental de
justificação e legitimação democrática. Nesse modelo, também recupera elementos do
pensamento político de Hegel através do papel reconciliador atribuído à filosofia política e da
relevância da estrutura institucional. O liberalismo igualitário de Rawls postula, nessa linha, a
prioridade do justo sobre o bem, que se deixa traduzir pela inviolabilidade da pessoa e pela
neutralidade moral do Estado democrático. Para o liberal, “os cidadãos, como pessoas livres e
iguais, devem ter a liberdade de assumir o controle de suas vidas, e todos esperam que cada
qual seja capaz de adaptar sua concepção de bem ao quinhão de bens primários a que pode
aspirar” (PL, § 4.3). Uma concepção de justiça deve constituir, assim, um “terreno neutro”,
em cujos domínios os cidadãos devem buscar um consenso sobreposto (overlapping
consensus). Ao promover a “neutralidade de objetivos” das instituições básicas e das políticas
públicas, o modelo rawlsiano encoraja certas virtudes políticas representativas do ideal do
bom cidadão – civilidade, tolerância, razoabilidade e senso de justiça –, imprescindíveis à
cooperação social equitativa. A rigor, a justiça como equidade (justice as fairness), “aspira a
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articular uma base pública de justificação para a estrutura básica de um regime constitucional,
procedendo a partir de ideias intuitivas fundamentais implícitas na cultura política pública
[...]” (PL, § 5.3). Rawls pensa ter compatibilizado dessa forma o republicanismo clássico e o
liberalismo político. A concepção política de justiça de Rawls representa, assim, um
referencial normativo de alta relevância, mas ainda suscita questionamentos acerca de sua
efetividade. Honneth, a propósito, é um dos seus principais críticos na atualidade. Na intenção
de delinear uma teoria da justiça como crítica social, fundada na noção de reconhecimento
(Anerkennung), o alemão propõe uma reconstrução das estruturas normativas da sociedade
contemporânea que parte de uma crítica sistemática das teorias “kantianas” da justiça.
Sustenta, em oposição, que uma teoria da justiça não pode prescindir de uma análise dos
ideais normativos consolidados e compartilhados na sociedade, o que inclui aquelas práticas e
instituições sociais que tornam possível a liberdade individual. Um sistema de princípios de
justiça deslocado da “facticidade das condições sociais” não garante, na visão de Honneth,
que a “lacuna entre exigências normativas e realidade social” seja preenchida. O uso público
da razão requer, com efeito, o diagnóstico de patologias sociais que comprometem a
efetividade da autorrealização individual. Se a busca pela realização de um ideal de eticidade
(Sittlichkeit) de matriz hegeliana evidencia um compartilhamento de intenções entre os dois
projetos teóricos, a especificidade da proposta de uma “reatualização” da Rechtsphilosophie
empreendida por Honneth os distancia significativamente. Considerando tais questões,
procedo a um exame de ambas as perspectivas teóricas no propósito de identificar em que
medida a crítica de Honneth às concepções procedimentais de justiça se aplica ao modelo
desenvolvido por Rawls. Valendo-me dos fundamentos da crítica de Honneth, procuro
demonstrar que a estratégia construtivista de Rawls resulta em um sistema de princípios de
justiça que visa assegurar a realização de planos individuais de vida (1). Esses aspectos da
proposta rawlsiana permitem-me mostrar que a realização de um dado projeto de vida
depende substancialmente de um institucionalismo ético capaz de operar a distribuição
equitativa de bens sociais elementares (2). Isto posto, proponho-me a defender a hipótese de
que a crítica de Honneth ao construtivismo rawlsiano se justifica em face de a distribuição
equitativa de bens primários ser apresentada como condição necessária e suficiente para a
autorrealização individual, sem que seja considerado o caráter imediato da relação desta como
o reconhecimento intersubjetivo (3).

Palavras-chave: Justiça. Autorrealização. Procedimentalismo. Axel Honneth. John


Rawls.
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HANNAH ARENDT CONTRA OS LIBERAIS


Angélica Cristiane Martins
(Mestrado, Filosofia, UFABC)

Hannah Arendt, ao enfatizar em sua filosofia o papel fundamental da liberdade, tanto


como critério para adentrar a esfera política quanto como produto do fazer político, é
confundida com o pensamento liberal. Por vezes, críticas como essa se fundamentam em uma
interpretação que considera a defesa arendtiana do exercício da liberdade tão incisava quanto
aquela promovida pelos liberais; como se Arendt criticasse a organização social em função do
pouco usufruto da liberdade individual. A fim de enfatizar as diferenças pontuais entre Arendt
e o pensamento liberal, recorremos às contribuições de Benjamin Constant em seu célebre
discurso proferido em 1819, Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos.
Para Benjamin Constant, há uma distinção fundamental entre a liberdade exercida pelos
antigos e aquela exercida pelos modernos. Essa diferença está justamente no modo como
essas sociedades exerciam o poder e a própria política. Na antiguidade, os cidadãos eram
livres para exercer sua soberania popular sobre todos os assuntos coletivos, desde a decisão
sobre entrar em guerra com outros povos até mesmo a ponderação sobre o destino de um
imperador. Por isso, Constant afirma que tal soberania popular era despótica, pois os
integrantes dessas comunidades estavam sob julgamento de juízes parciais que não teriam
critérios claros e absolutos para tomar suas decisões. Todavia, Constant evidencia que, apesar
da plena liberdade exercida na esfera pública, os antigos viviam submissos em sua esfera
privada, não podendo escolher sobre os caminhos de sua vida individual, pois “as leis
regulavam os costumes e, como tudo dependia dos costumes, não havia nada que as leis não
regulamentassem” (CONSTANT, 1985, p. 11). Dessa maneira, a liberdade concebida pelos
antigos era baseada na coletividade, justamente em função de seu poder coletivo. Por outro
lado, na modernidade, Constant afirma que a liberdade dos indivíduos deve ser superior à
liberdade política e coletiva. Isso porque as sociedades modernas se baseiam no comércio e na
construção de sua própria vida individual, ao invés de despender seu tempo com guerras e
decisões coletivas. Contudo, apesar da liberdade individual dever ser preservada, ainda
esbarramos na necessidade da instituição de uma soberania a fim de manter a organização
social por meio de leis e julgamentos imparciais. A saída encontrada por alguns liberais e
defendida ferrenhamente por Benjamin Constant é a promoção de um sistema representativo;
assim, os modernos poderiam usufruir de suas vidas e liberdade ao mesmo tempo que não
abandonariam a sociedade a qualquer déspota. O sistema representativo permite que os
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cidadãos sejam soberanos, mas de maneira limitada. Isto é, são soberanos na escolha de seus
representantes; porém, no tocante às decisões coletivas, sua soberania é limitada, devendo
deixar tais escolhas para seus representantes. Dessa forma, os modernos conseguem tanto
exercer sua soberania – escolhendo seus representantes – ao mesmo tempo que podem cuidar
de seus negócios de maneira livre. Por fim, devemos enfatizar que, segundo Constant, a
liberdade política não deve ser anulada, pois o mesmo reconhece a importância desse tipo de
liberdade; pois a liberdade política é a garantia que os homens têm de manterem sua liberdade
individual. De acordo com o pensamento arendtiano, o uso político da esfera pública na
antiguidade foi mencionado corretamente por Constant. Contudo, Constant desconsiderou o
abismo entre o público e privado, e isso culminou em uma inversão da esfera política e da
liberdade no âmbito público. A interpretação de Constant de a liberdade coletiva associada ao
fazer político ser danosa à individualidade dos homens o impediu de perceber que a esfera
política é o elemento constituinte da liberdade, sendo a esfera pública o único espaço que
permite o usufruto dessa liberdade. O isolamento dos indivíduos no espaço privado e na
intimidade não os permite agir no mundo e gerar novas cadeias causais. Isso significa que, ao
se voltarem exclusivamente para os negócios e o reino das necessidades, os homens não
podem agir e perdem sua dimensão humana, dado que Arendt considera a ação o próprio ato
de fazer política. Portanto, relegar a política a um plano secundário a torna uma ferramenta
para a organização social, descaracterizando o papel da política de gerar o novo e permitir o
usufruto da autêntica liberdade humana. Arendt também critica o sistema representativo
instituído pelo liberalismo porque separar a política da liberdade atomiza os homens, e estes
se tornam apenas pedaços da sociedade, ficando isolados e sem qualquer tipo de coletividade.
Logo, na concepção arendtiana, quem irá exercer a ação, a política e a liberdade não serão os
homens por meio de seus votos e, sim, os próprios representantes. Dessa feita, é inviável
considerarmos Hannah Arendt uma pensadora liberal, haja vista que suas definições de
liberdade e política não apenas a impedem de ter qualquer tipo de similaridade com os
liberais, mas também a transformam em mais uma pensadora que critica as concepções dos
mesmos.

Palavras-chave: Liberdade; Política; Liberais; Sistema representativo; Soberania


popular.
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REFLEXÕES SOBRE O ENQUADRAMENTO NA JUSTIÇA SOCIAL PARA


UM MUNDO GLOBALIZADO EM NANCY FRASER
Nayara Barros de Sousa
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

A manutenção do estado de globalização do mundo parece um fenômeno que


persistirá, a despeito de uma possível confirmação de uma diminuição dos níveis de
democracia dos países. A fim de pensarmos o crescente afastamento do capitalismo neoliberal
de uma democracia mais participativa, é preciso que se retorne a um outro conceito
fundamental, até ontem a estrela fulgurante dos debates políticos nas sociedades entendidas
como progressistas: a justiça social. A globalização altera a maneira como discutimos esse
conceito nessas sociedades, de modo a fazer com que essa questão de justiça entre os
membros das comunidades se converta em disputas sobre quais delas importam, quanto ao
caso e quem são os participantes dessa comunidade. Desse modo, o pensamento de Fraser nos
ajuda a entender o tipo de enquadramento para o arranjo daquela justiça que está em disputa.
No artigo “Reenquadrando a justiça em um mundo globalizado”, ela tentar lidar
razoavelmente com esse quadro, sugerindo uma teoria da justiça que precisaria tornar-se
tridimensional, trazendo para sua composição a representação, que surge como disputa
política de per si – sem negar o aspecto político das demais dimensões admitidas na linha em
que Fraser participa dentro do debate sobre justiça social, quais sejam, a distribuição e o
reconhecimento.
O diagnóstico de Fraser parte da observação de uma alteração daqueles que se
esforçavam em criar uma teoria da justiça em modelos monológicos, nos quais os receptores
dessa justiça não eram encarados como sujeitos participantes da proposição de certas regras
do jogo. O início dessa alteração teria se dado no que ela denomina de período pós-
westfaliano, época a qual vivemos, marcada pelo fim de uma bipolarização absoluta entre
oriente e ocidente, entre países capitalistas e países de economia planificada, com o Estado
sendo concebido como um dado natural, e não como estrutura a ser disputada ou uma
estrutura concorrente na efetivação das questões de justiça.
Desse modo, a autora segue um viés com percepção dialógica, no sentido de que passa
a encarar os cidadãos não apenas como receptores dessa justiça, mas também como
colaboradores, com suas experiências localizadas e a partir da própria especificidade do grupo
de sujeitos considerados em termos de gênero, em termos étnicos-raciais e em termos de
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classe social no mínimo. Alinhavando essas categorias a um objetivo de justiça social na


disputa democrática, Fraser termina por destacar, então, as questões de quem participa das
soluções de justiça social, construindo as normas e recebendo seu efeito e, de como, também
nos dois sentidos.
Por consequência da ampliação dos que se percebem como sujeitos com legitimidade a
participar do debate sobre a determinação do enquadramento, questões que antes eram
concebidas apenas como técnicas passam a ser encaradas como questões políticas. As elites e
os especialistas não podendo mais se manter distanciados dessa disputa, precisam sempre
comprovar e fundamentar cada vez mais pontos que pareciam pacíficos. Essa alteração no
jogo democrático pelas questões de justiça altera o peso dos argumentos dos participantes. É
aí que Fraser entende que aquelas questões de como e de quem alcançam um nível de
“democratização metapolítica”. Para essa perspectiva dialógica nas teorias que se dispõem a
tratar das questões de justiça, não é difícil admitir que muito das transformações observadas
no mundo em mais de duas décadas confirma-se como uma alteração na gramática da justiça.
Um modo que me auxilia no desenvolvimento desses pontos expostos é tentar
compreender as alterações na percepção da divisão entre as esferas pública e privada ou no
próprio contrato social. Para isso, também me utilizo da leitura que Pateman faz de Locke e
Rousseau, em seu livro “O contrato sexual”, bem como do contrapúblico de Fraser, que
conformaria o espaço ignorado pela teoria tradicional (da qual nem Habermas teria escapado)
e destacado em denúncias como a que Pateman realiza em sua obra, integrante que é da
discussão sobre republicanismo e democracia na contemporaneidade que considera as críticas
feministas.

Palavras-chave: Enquadramento; Democracia; Metapolítica; Representação; Justiça


social.
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OS SENTIDOS DE “POLITEIA” SEGUNDO O LIVRO III DA POLÍTICA DE


ARISTÓTELES
Marina dos Santos
(Profa. Dra. do Departamento de Filosofia da UFSC)

O conceito de “politeia” em Aristóteles remete-nos a uma discussão acerca da natureza


duma categoria de análise pertencente à filosofia política capaz de fazer gravitar em torno de
si questões fundamentais sobre as concepções de esfera pública, cidadania e, sobretudo, da
unidade passível de ser atribuída ao corpo político e do bom regime. O primeiro passo desta
comunicação será defender a tese de que, segundo Aristóteles, o termo “politeia”, tomado na
acepção de “forma de governo”, é aquilo que, quando visa ao bem comum, é capaz de
conferir certa unidade ao corpo político. Para tanto, revisitaremos a célebre tese aristotélica da
prioridade lógica, ontológica e epistêmica da pólis em relação aos cidadãos com a finalidade
de mostrar que a determinação do que seja um cidadão não pode ser realizada a não ser sob
uma perspectiva interna a uma dada forma de governo (Pol. III 1 1275b3-5). Na esteira dessa
caracterização, a pólis será definida como a forma duma comunidade de cidadãos alocada no
interior dum regime. Nesse sentido, Aristóteles afirma que, quando a forma de governo se
altera, podemos dizer que, em certo sentido, a pólis também não é mais a mesma (Pol. III 3
1276b1-4). O segundo passo desta comunicação será mostrar que o termo “politeia”, tomado
na acepção de “regime constitucional”, consiste na reta forma de governo segundo a qual
muitos governam em vista do bem ou interesse comuns (Pol. III 7 1279a37-39). Tal
caracterização, como pretenderemos mostrar, é marcada pela conjunção de dois elementos, a
saber, um de ordem quantitativa (governo de muitos) e outro, de ordem qualitativa (governo
que visa ao bem comum), sendo que este segundo funciona como um princípio que guia e
arregimenta o primeiro e é capaz de distinguir o regime constitucional da sua respectiva forma
desviada, a democracia. Estritamente falando, o campo semântico do termo “democracia”,
segundo Aristóteles, refere-se ao governo dos muitos, enquanto estes são pobres, e que é em
vista não do interesse ou do bem comuns, mas, sim, dos próprios pobres. Assim sendo, em
que pese Aristóteles e nós utilizemos o mesmo termo “democracia”, a intensão desse conceito
não é correspondente para Aristóteles e a contemporaneidade. A partir desses esclarecimentos
conceituais, pretenderemos investigar porque, segundo o texto da Política de Aristóteles, o
termo “politeia” é utilizado tanto para designar as diversas formas de governo quanto uma
forma específica dentre todas, a forma constitucional de governo ou o regime constitucional.
23

O campo semântico do conceito de “politeia”, tomado nessa segunda acepção, remete ao


governo das leis fundado no respeito estrito às instituições, as quais têm por finalidade última
a instituição e preservação da boa ordenação do corpo político através do governo de cidadãos
sobre cidadãos tomados como livres e detentores de igual direito à participação na vida
pública. É justamente esse respeito às instituições que torna a comunidade política capaz de
refratar o predomínio dos interesses particulares e arbitrários sobre o interesse e bem comuns.
Nesse sentido, o termo “politeia” mantém proximidade conceitual com o que chamamos,
contemporaneamente, de “Estado de Direito” na medida em que faz referência a uma forma
constitucional de governo onde aqueles que governam também devem manter-se estritamente
obedientes às leis que regulam as instituições.

Palavras-chave: Aristóteles; Politeia; Polis; Cidadania; Formas de governo; Regime


constitucional.
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A IDEIA DE REPÚBLICA E DE GOVERNO REPUBLICANO NO


CONTRATO SOCIAL DE J.J. ROUSSEAU
Francielle Silva Cruz
(Mestrado, Ciências Sociais, UEM)

O objetivo desta comunicação é apresentar a ideia de República e de governo


republicano presente n’O Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, tentando explicitar as
especificidades que tais concepções possuem no pensamento do autor genebrino, uma vez que
“República” não se configura como uma forma de governo específica, e governo republicano
será considerado todo aquele que possuir como centro de suas ações às regras ditadas pela
vontade geral. Após estabelecer que não existe uma autoridade natural e apresentar as formas
de associação não legítimas – como estar submetido pela força ou pela escravidão –,
Rousseau apresenta, no capítulo VI do livro I d’O Contrato Social, destinado a tratar sobre o
Pacto Social, sua ideia de República. Para esse autor, tendo os indivíduos chegado a um ponto
que não podem mais subsistir em sua condição natural aos obstáculos impostos pela natureza,
necessitam alterar seu modo de ser, isto é, abandonar seu estado natural e congregar e dirigir
as forças que possuem para se conservarem. A decisão pela agregação dessas forças existentes
dará origem a um corpo moral e coletivo que as farão atuar de forma unitária e em conjunto,
tendo como função defender e preservar com toda a força comum a pessoa e os bens de cada
associado, onde cada um, unido a todos, obedeça, então, apenas a si mesmo e permaneça tão
livre quanto antes fora. Assim, ao firmarem livremente um acordo de associação, os membros
contratantes se colocam sob a direção da vontade geral e dão origem à República. De acordo
com Rousseau, o corpo político agora denominado de República, fora anteriormente
denominado cidade e se apresentará sob três denominações diferentes na perspectiva de seus
membros: como Estado, quando passivo – submetido às leis; Soberano, quando ativo –
formulador de leis; e potência, quando comparado com os outros Estados semelhantes a si.
Assim, em um primeiro momento, a República se apresenta como o resultado da própria
união livre dos membros contratantes, e não como uma forma de administração, isto é, de
governo, específica. No capítulo VI do livro II d’O Contrato – destinado a tratar “Da Lei” –,
Rousseau explicita que todo Estado regido por leis, independente da forma administrativa que
possa vir a adotar, será considerado uma República, já que, quando a lei se apresenta como o
elemento central do Estado, apenas o interesse público governa e a coisa pública pode ser
algo. Já o Governo, segundo Rousseau, sendo subordinado às decisões do Soberano,
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consistirá em atos particulares e, assim, não consistirá em leis. Representando apenas uma
comissão, isto é, funcionários do Soberano que exercem em seu nome o poder, o “governo ou
administração suprema” compreenderá “o exercício legítimo do poder executivo”, e, de
acordo com Rousseau, para ser legítimo, é necessário que o governo não se confunda com o
Soberano, mas que seja ministro, e, assim, “todo governo legítimo é republicano”. Sendo
assim, a ideia de República, no pensamento de Rousseau, parece ser pensada em dois níveis:
(1) o da produção do direito – na medida em que o comando do povo estipula as leis; e (2) na
esfera do governo – já que, para ser considerado republicano, o governo precisa estabelecer
como horizonte de suas ações a lei. Dessa forma, Rousseau não trata a república como uma
forma de governo que exige uma disposição administrativa específica, mas sim como a
associação legítima – e, nesse sentido, falar em “república” é o mesmo que se referir à
comunidade regida pela vontade geral soberana, isto é, uma República é o corpo político no
qual o Soberano é o povo; e o governo republicano é a administração desse corpo que executa
suas ações segundo aquilo que foi estabelecido pelo interesse comum.

Palavras-chave: Jean-Jacques Rousseau; Contrato social; República; Governo; Lei.


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DA RELAÇÃO ENTRE A IDEIA DE REPÚBLICA E O CONTRATO


ORIGINÁRIO EM KANT
Nilmar Pellizzaro
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

Em sua Filosofia prática, quer se refira ao âmbito da Ética, quer ao do Direito, Kant
pensa sempre as ideias da razão como conceitos normativo-reguladores da ação (dever) e que
impõem ações e fins no intuito de tornar o mundo empírico o mais adequado possível à
realidade noumênica da ideia. No caso específico do republicanismo, a ideia de República
também é um ideal regulador da ação; porém, como a sua realidade é noumênica, ela nunca
poderá ser realizada plenamente na empiria, sendo apenas possível uma aproximação
constante da ideia (aproximação assintótica).
Kant não pode precisar exatamente em que consistiria uma república noumênica,
porque, enquanto ideia, ela está além de qualquer adequação à realidade fenomênica. Não
obstante, ele sugere que, numa tal república, “[...] a lei ordena por si própria e não está na
dependência de nenhuma pessoa em particular”. A ideia fundamental é que este seria um
sistema representativo do povo que, em nome do povo, cuidaria dos seus direitos por
intermédio de seus delegados (deputados). Kant está apontando para a ideia de uma
aristocracia eletiva em termos de um ideal de organização política. Neste sistema, a lei
positiva deve ser uma expressão plena da vontade unificada do povo e assim se manterá
graças à titularidade do legislativo, que pertencerá aos representantes do povo, sendo estes os
guardiões da liberdade e dos direitos.
Para que este ideal seja possível, Kant postula cinco princípios que seriam a base
fundamental de seu republicanismo, sendo três deles de caráter normativo (liberdade,
igualdade e independência) e dois princípios operacionais (separação de poderes e
representatividade). Os princípios operacionais teriam a função de facilitar a transição de
regimes mais autocráticos em direção ao republicanismo, pois, ainda que os estados estejam
organizados autocraticamente quanto à letra, poderiam ser governados de forma republicana
(no espírito do republicanismo), em que haveria a separação dos poderes e estes
representariam a vontade unificada de todo o povo.
Ocorre que, assim como a república, Kant postula que o contrato originário também é
um ideal regulador que serve como norma para todo o Estado, a fim de que adeque sua
legislação e instituições de acordo com aquilo que o povo (idealmente), se fosse inquirido,
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aprovaria. E, no núcleo do contrato, como seu conteúdo essencial, figura a ideia de vontade
unida, de modo que quando as instituições e as leis do estado estiverem em consonância com
esta ideia, pode-se dizer que elas espelham um contrato que só um povo independente
pactuaria. Da mesma forma, esta mesma vontade é espinha dorsal do republicanismo
kantiano, bem como o elemento aglutinador dos cinco princípios. Por isso, pode-se dizer que
um estado fundado nesses cinco princípios é um estado cuja natureza essencial não visa à
defesa de interesses de ordem individual, tal como a autoconservação em Hobbes e a
propriedade em Locke, mas unificar as vontades num querer comum a todos, sem distinção de
qualquer espécie. Assim, dizer que o Estado é republicano significa afirmar que ele é regido
pela ideia de vontade geral, o mesmo conceito que está no núcleo do contrato originário, de
modo que há uma mútua implicação entre a ideia de uma República pura e o contrato
originário. Se a ideia de uma república noumênica consiste num conceito de um Estado ideal
oriundo da razão prática em consonância com a vontade geral e a aproximação dessa ideia é
um dever, na medida em que o contrato originário também traduz a ideia de um consenso
ideal, pode-se dizer que é o próprio contrato que é o fundamento de uma República perfeita.
Assim, dizer que um Estado é republicano segundo a ideia ou dizer que ele foi originado de
um contrato originário é a mesma coisa, já que ambos são definidos pelo interesse comum de
todo o povo. Portanto, o objetivo de nosso trabalho é mostrar que as ideias de república e de
contrato são ideias autoimplicativas, pois um estado fundado nos princípios do
republicanismo é um estado que tem na ideia de contrato a sua razão de ser, já que o interesse
que deve predominar é aquele da razão, que é comum a todo o povo, isto é, o interesse geral.

Palavras-chave: Kant; República noumênica; República fenomênica; Contrato


originário; Vontade unificada do povo.
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A COISA PÚBLICA É A COISA DO POVO: A DEFINIÇÃO DE RES PUBLICA


NA OBRA DE CÍCERO
Roger Gustavo Manenti Laureano
(Doutorado, Sociologia Política, UFSC)

O trabalho se propõe analisar a definição de res publica no pensamento político de


Cícero, principalmente através da obra De Re Pvblica. Principiando por uma discussão entre
Moses Finley e Malcolm Schofield acerca da questão da legitimidade, o presente trabalho
advoga que a definição ciceroniana de res publica invoca uma série de preceitos básicos
naturais que o magistrado deve necessariamente seguir para que seu governo seja bom e justo
– caracterizando uma res publica. Enquanto Finley argumenta que a obra de Cícero é
simplesmente ideologia, com a exclusiva finalidade de legitimar o poder aristocrático de
Roma, Schofield se lhe contrapõe elencando diversos elementos presentes em sua obra que
designam as obrigações morais que devem ser cumpridas por seus líderes políticos. Neste
trabalho, visamos tomar partido em benefício da interpretação de Schofield, partindo
primordialmente da definição de res publica apresentada no parágrafo 1.39 de De Re Pvblica.
Cícero define que “res publica é res populi” – a coisa pública é a coisa do povo –, e, a partir
dela, qualifica o que distingue o povo de uma mera multidão de pessoas, sobretudo a partir de
dois atributos: o consenso jurídico (iuris consensus) e a comunidade de interesses (utilitatis
communione). Embora a finalidade da obra vise a uma defesa dos ideais constitucionais
mistos da república romana, é inegável que Cícero tece múltiplos elogios a outras ordens e
constituições que classificou como justas – ainda que facilmente degeneráveis. São elas: a
monarquia, a aristocracia e a democracia. Mas, se a coisa pública pertence ao povo, como
uma monarquia ou uma aristocracia pode ser justa? Para encontrar a resposta, fez-se
imprescindível observar as propriedades das constituições analisadas por Cícero. Ficou
notável, através disso, que todas as constituições justas supracitadas cumprem os requisitos
básicos para a noção ciceroniana de res publica, contrariando, em grande medida, o
significado que o termo passou a ter na Modernidade. Por coerência lógica, Cícero baliza uma
engenhosa solução para a sua filosofia política. Conforme apresentado no parágrafo 1.42, toda
urbe necessita de um órgão de governo, que pode ser delegado a um, a alguns, ou assumido
pelo povo. O monarca e os aristocratas, portanto, só governam com a confiança da multidão,
que os delegou tal função. Na democracia, por outro lado, o órgão de governo não é delegado,
mas assumido pelo povo. Unindo esse ponto ao fato de que todas as constituições definidas
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por Cícero como justas necessariamente devem possuir um consenso jurídico e uma
comunidade de interesses, observamos que a monarquia, a aristocracia e a democracia
também são, nos critérios do orador romano, repúblicas. Como consequência, há em sua obra
uma série de exigências políticas com relação ao comportamento dos magistrados da cidade,
que, quando não cumpridas, levam-na a uma das três degenerações constitucionais
apresentadas – tirania, oligarquia e oclocracia. A tirania era um problema que, para Cícero,
circundava Roma, principalmente através da figura de Júlio César. As descrições que o orador
faz dos tiranos buscam desumanizá-los, comparando-os a bestas que deveriam ser extirpadas
da cidade. Ou seja, as obrigações políticas presentes em De Re Pvblica não são meros adornos
ideológicos de Cícero, pois seria justificável destituir ou até mesmo usar da violência contra
os governantes que não cumprissem sua obrigação política e não suprissem os elementos
fundamentais que qualificam uma república.

Palavras-chave: Cícero; Res publica; Constituição; Consenso jurídico; Comunidade


de interesses.
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QUANDO A REPÚBLICA AINDA FALAVA: RES PUBLICA, LIBERTAS E IUS


NO PENSAMENTO DE CÍCERO E LABEÃO
Márlio Aguiar
(Doutorado, Direito, USP)

A chamada renascença dos estudos teóricos a respeito do Republicanismo (Pettit,


Skinner, Viroli, Bignotto et al.) ou “Neorrepublicanismo” trouxe consigo discussões a
respeito da história do próprio pensamento republicano. A “tradição republicana”, memorada
em largas tintas, agrupa autores vários desde a Antiguidade, passando pelo humanismo cívico,
pela tradição britânica, alçando nomes modernos como Rousseau e os autores d’O
Federalista. É sabido que a genealogia reconstruída dessa tradição republicana costuma fixar
a res publica de Roma como um marco fundante ou, pelo menos, de memória histórica.
Consequência ou pari passu a isso, os estudos clássicos acompanharam tais discussões por
meio de leituras renovadas de clássicos como Políbio, Cícero, Lívio ou Salústio. Este Roman
Revival (o termo é de Kapust), problematizando conceitos canônicos como res publica,
libertas, ius, auctoritas, imperium e potestas trouxe consigo a possibilidade de cruzar os
aspectos normativos do republicanismo com seus próprios fundamentos históricos. A
proposta deste trabalho é de apresentar algumas possíveis contribuições e problematizações
do estudo dos clássicos da história política romana ao republicanismo, centrando-se na
passagem da República para o Principado augustano. O período de virada dos séculos I a.C. e
I d.C. – um arco que compreende desde as guerras sociais até a ascensão do Principado de
Augusto – merece atenções dos teóricos e historiadores interessados no republicanismo por
duas razões bastante óbvias e conexas: primeiro, por compreender a maior parte dos autores a
que se atribui pertença ao pensamento republicano; segundo por possibilitar, como na já
desgastada imagem hegeliana da coruja de Minerva, uma visão teórica bastante elaborada
sobre aquilo que constituía a “res publica ideal”, abalada pelos tempos de gravidade das
guerras civis e, por fim, reformada por Augusto. Considerando a República tardia como
turning point oportuno à análise do que seria esta tradição republicana – ou mesmo se é
possível falar de uma tradição que liga o republicanismo dos teóricos contemporâneos ao
pensamento dos autores latinos –, esta comunicação tem o objetivo de investigar dois autores
desse período de transição: o orador e filósofo Marco Túlio Cícero e o jurisconsulto Marco
Antístio Labeão. Cícero, como se sabe, é um dos autores mais prolíficos da literatura latina
clássica. Suas preocupações filosóficas partem de uma preocupação de fundo com a
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centralidade da res publica e são um norte teórico que une não apenas os conhecidos tratados
políticos e éticos De Re Publica, De Legibus e De Officiis, mas também a sua reflexão a
respeito da retórica e da eloquência – expressa particularmente em De Oratore, Orator e
Brutus – e as mais pragmáticas reflexões quotidianas encontradas em suas epistulae. O papel
da filosofia e da ética prática, a formação do cives ideal, o lugar da eloquentia do orador, a
constituição do ius civile e da relação com o ius naturale: todos os temas centrais da filosofia
ciceroniana, mesmo quando espraiados em sua produção, servem à sua forma de teorizar a
política, a liberdade e as prerrogativas do cidadão dentro da res publica, da civitas. Cícero
(106 – 43 a.C.) não pode, portanto, deixar de ser analisado para compreender quais são as
balizas teóricas que fundamentariam um pensamento republicano romano justamente num
período de crise e ameaça à república. O outro nome ao qual dedicaremos atenções é familiar
aos estudos em direito romano, mas ainda pródigo de atenção no que toca ao republicanismo.
Labeão (c. 50 a.C. – c. 18 a.C.), senador e filho de um anticesarista derrotado, foi considerado
o maior jurisconsulto do século de Augusto, fundador da escola jurídica dos proculianos e
famoso polemista contra Caio Ateu Capitão, jurista caro às fileiras do princeps. Herdara,
como disse uma vez Syme, a libertas e a ferocia dos que o antecederam, um dos últimos
representantes teóricos da mesma nobilitas de Cícero. De fato, poucos juristas são mais
louvados do que Labeão seja qualquer a fonte clássica consultada: jurista de maxima
auctoritas, louvado por sua incorrupta libertas, considerado douto em direito privado ou
sacro, inovador do pensamento e das instituições jurídicas. Informações extraídas do
jurisconsulto Pompônio (Digesto 1.2), de Aulo Gélio (Noctes Atticae, incluindo uma carta de
Capitão a respeito do rival) e dos historiadores Tácito e Dião Cássio nos permitem reconstituir
não apenas a trajetória do jurisconsulto e de sua oposição política a Augusto, mas aquilo que
nos interessa, o modo como configurava a res publica por uma série de instituições, costumes
e prerrogativas que podiam se opor – ao menos, a nível teórico e técnico – às “novidades”
apresentadas pelos rearranjos augustanos e por seus juristas. Busca-se compreender assim o
que tais autores da nobilitas – um plenamente inserido na República tardia, outro que herda
suas preocupações – entendiam por res publica e por libertas e, dentro desses conceitos, o
aspecto teórico devotado ao direito (dos costumes às normas postas) e às instituições.

Palavras-chave: Marco Túlio Cícero; Marco Antístio Labeão; Res publica; República
tardia; Direito Romano.
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O REPUBLICANISMO LAICO FRANCÊS E A PROIBIÇÃO DO USO DO


VÉU ÀS MENINAS E MULHERES MUÇULMANAS
Evânia E. Reich
(Doutorado, Filosofia, UFSC)

O presente trabalho não tem como objetivo fazer uma exposição do pensamento
republicano e sua tradição, mas, antes, compreender um tipo de republicanismo, o francês, o
qual tem sido debatido nos dias de hoje para permanecer na prática, na base de suas
instituições sociais, e na teoria, na renovação de uma tradição. Por isso, não faremos uma
reconstrução da teoria republicana em geral, sobretudo porque falar de republicanismo
implica entrar em diversas correntes que tornam difícil a tarefa de definir o republicanismo
em um único e uníssono diapasão. No entanto, é importante identificar alguns elementos
comuns da tradição republicana que podem ser vistos no republicanismo laicista francês, a
fim de entendermos o problema que se propõe discutir. Veremos que o Estado republicano
francês, ao longo de sua história constitutiva, colocou sempre uma ênfase nas suas instituições
reguladoras, a fim de promover e desenvolver uma certa virtude nos cidadãos. Nesse sentido,
ele segue a tradição republicana, que enfatiza a importância da participação política e da
virtude cívica como condição necessária à manutenção de um Estado livre, mantendo, no
entanto, sua desconfiança numa virtude cívica sem educação ou coação, como se os cidadãos
nascessem com essa disposição. A tradição republicana, como afirma Alan Patten, tem
consciência de que é preciso colocar alguns dispositivos em prática a fim de combater o
inevitável e inerente autointeresse dos seus cidadãos, que os afasta da esfera pública e do bem
comum. As qualidades do bom cidadão não são algo que os indivíduos possuem ao nascerem.
Elas devem ser alimentadas e promovidas pela educação, pelos costumes e pelas práticas da
cultura do cotidiano e, se necessário, com a ameaça de sanções e a regulamentação rigorosa
da conduta pessoal. O republicanismo laico francês, como veremos, segue essa tradição na
medida em que elabora dispositivos institucionais poderosos com o intuito de formar o
cidadão para um interesse comum, na maioria das vezes negando a particularidade de seus
indivíduos, suas crenças religiosas e suas culturas. O que interessa para esse tipo de
republicanismo é a figura do cidadão, e não a figura do indivíduo e suas particularidades. A
política existe através da soberania do cidadão, a qual depende da liberdade de pensamento
constituída também pela coisa pública e compartilhada entre os cidadãos. O objetivo deste
trabalho é discutir o republicanismo à francesa, a corrente laicista, para, então, chegarmos à
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questão da proibição do uso do véu. Ele está, assim, dividido em três partes: a primeira situa o
republicanismo francês dentro de uma breve exposição a respeito de um núcleo comum da
tradição republicana. A segunda parte busca apresentar a corrente laicista na França e seus
argumentos em favor da proibição do uso do véu pelas meninas e mulheres muçulmanas. Por
último, apresenta-se uma crítica à posição dos laicistas, com base no argumento da paridade
de participação das mulheres e na possibilidade de emancipação através da transição entre a
casa e o público, entre a tradição e a modernidade, que só será possível se não lhes for negado
o acesso às escolas e às instituições públicas.

Palavras-chave: Republicanismo; Laicidade; Véu; Igualdade; Autonomia.


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O REPUBLICANISMO NA TRANSIÇÃO DO IMPÉRIO PARA A


REPÚBLICA (1800-1900)
Gustavo Zatelli Correa
(Doutorado, Direito, UnB)

O presente artigo tem como objeto de pesquisa o pensamento político republicano


articulado durante o final do séc. XIX, no Brasil, que veiculava críticas à monarquia imperial
brasileira e buscava legitimar o regime republicano que a substituiria. Se é verdade que a
categoria “republicanismo” abarca distintas tradições acerca da construção teórica sobre a
república enquanto forma de governo, o contexto brasileiro apresenta elementos que
complexificam ainda mais a sua análise: para formular suas próprias noções republicanas, os
pensadores brasileiros bebiam de experiências distintas (principalmente, Estados Unidos e
França), que, por sua vez, deveriam ser “traduzidas” a um ambiente autopercebido como
“periférico” e “atrasado”. Não é de todo errado, portanto, afirmar que o pensamento
republicano passava por “filtragens” no trânsito para a América Latina. Não se deve concluir
com isso que o pensamento republicano brasileiro seja simples deturpação de um modelo puro
e externo. O certo é que nossos intelectuais constantemente usavam autores estrangeiros como
parâmetro e base para suas formulações; porém, pinçavam os argumentos que mais lhes
agradavam e os misturavam com concepções próprias ou os remodelavam ao seu interesse –
tudo isso diante do quadro material precário de livros que chegavam aqui. A partir deste
quadro, percebe-se que o empreendimento de reconstrução histórica do pensamento
republicano brasileiro demanda não só uma análise da circulação e recepção de ideias em um
ambiente transnacional, mas também um esforço explicativo para tratar do que efetivamente
foi recepcionado e das razões para tanto. Tal enfoque poderia ser bem tratado por diversas
delimitações; aqui, apostamos num enfoque nas elites em disputa e na análise de trajetórias
pessoais para tanto. A leitura das obras de Rui Barbosa, comparando o período anterior à
proclamação da República com o posterior, demonstra potencial para tratarmos do nosso
objeto proposto de maneira mais controlada. Se utilizarmos os textos de Rui como fonte
principal, conectando-os a outros textos e eventos, podemos encontrar indícios acerca do
manejo do conceito de republicanismo no Brasil durante a transição política do final do séc.
XIX (não é de se desprezar que Rui era uma figura pública importante para a época e que,
portanto, seus discursos reverberavam no debate nacional, mesmo do ponto de vista de seus
adversários, quando o criticavam). Para tanto, também utilizaremos a lente metodológica de
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Quentin Skinner, dos “atos de fala” e do “contextualismo linguístico”: Rui, como todo ator
em seu contexto, “fazia” algo ao escrever (criticava instituições e adversários, legitimava
projetos e a si mesmo) dentro de um contexto pré-determinado e compartilhado de
significados (que poderiam e eram instrumentalizados por ele em suas brigas políticas através
dos textos e discursos). Será que o republicanismo, no Brasil, serviu somente como
contraponto à forma de governo monárquica ou foram incorporados elementos próprios dessa
tradição em nossa experiência? Essa é a pergunta que nos dá o fio condutor da presente
comunicação. Entendemos que é uma pesquisa em andamento, ainda nos primeiros passos,
mas acreditamos ser um projeto investigativo imprescindível para a ciência política, a história
intelectual e a filosofia no contexto brasileiro. Isso por se tratar de um período de extrema
relevância para nossa conformação nacional e diante da atenção precária que recebe.

Palavras-chave: Primeira República; Império; Rui Barbosa; Pensamento republicano;


História intelectual.

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