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Ano Lectivo 2008/09, Semestre: 2º

Unidade Curricular: Laboratório de Géneros Jornalísticos


Docente: Maria José Mata
Discente: Ana Catarina Ferreira
Nº 5033, Turma C

“EU NASCI PARA COSER”


Aos 79 anos, Jacinta Ferreira fala com orgulho da sua carreira de costureira
profissional de alfaiate. Desde pequena que o talento para a costura se fez notar nesta
mulher que foi a única menina da sua escola a fazer o exame da quarta classe. Em
entrevista, Jacinta confessa-se “realizada” com o caminho que escolheu e deixa um
lema: “se é para fazer, é para fazer bem feito”.

Jacinta Ferreira é o retrato de uma mulher bem sucedida.

É com um sorriso no rosto que recorda os tempos de criança passados na aldeia de


Valhascos, em Abrantes, onde nasceu.
Ainda Jacinta tinha os seus sete ou oito anos e já aproveitava os tecidos que uma
rapariga da terra deitava fora para fazer “roupinhas para as bonecas”. Aprendeu a
coser à máquina “por conta própria”, às escondidas da mãe, e foi, aliás, por volta
dessa idade, que esta a incentivou a começar a coser, mandando-a para uma
costureira a quem pagava “dez escudos por mês”.
Devido à “vida de ciganos”, como lhe chama entre gargalhadas, levada pelos pais,
acabou por vir para Lisboa com apenas 15 anos e foi na capital portuguesa que
construiu o seu sucesso profissional. No entanto, Jacinta Ferreira não deixa de
lamentar não ter prosseguido os estudos além da quarta classe, cujo exame passou
com distinção “no meio de rapazes, muitos deles já mais velhos, com uns dezoito
anos”.
A convite de uma conhecida foi parar a uma alfaiataria lisboeta que precisava de uma
aprendiz de costureira: “eu nem sabia que havia raparigas a trabalhar em alfaiataria,
mas fui e acabei por gostar daquilo”, conta, entusiasmada. Foi assim que, durante dois
anos, Jacinta desenvolveu as suas competências naturais, merecendo até elogios por
parte do patrão: “um dia, ele disse-me que, apesar de não ser muito desembaraçada,
eu havia de dar uma bela costureira! Fiquei muito contente”.
Por sentir que já ganhava pouco para aquilo que trabalhava, a jovem Jacinta decidiu
mudar de ares e concorrer a um anúncio no jornal para uma alfaiataria sita na Avenida
da Liberdade. Além de lhe abrir as portas para um futuro brilhante, esta escolha valeu-

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Ano Lectivo 2008/09, Semestre: 2º
Unidade Curricular: Laboratório de Géneros Jornalísticos
Docente: Maria José Mata
Discente: Ana Catarina Ferreira
Nº 5033, Turma C

lhe ainda um casamento feliz: “fui aceite e foi aí que conheci o parvo do meu marido
que é alfaiate [risos], por volta de 1947”, relembra, com um olhar nostálgico.
Jacinta assume, porém, que, ao início, o
marido [à esquerda] não despertou em si
qualquer simpatia e que achava que ele
“tinha ar de mandão”. Apesar disso, e
depois de um ano e meio de namoro,
acabaram por casar e abrir o seu próprio
negócio.
Uma primeira experiência com a compra
de uma pequena alfaiataria na Rua do
Poço dos Negros não correu bem devido
a um “sócio mal intencionado” mas,
desfeita a sociedade, o casal comprou
uma loja maior, a “Alfaiataria Ferreira”.
O marido e alfaiate João Ferreira “Mantivemos o nosso espaço durante
acompanhou Jacinta ao longo da sua
caminhada pessoal e profissional.
quinze anos. Tivemos muitos funcionários,
muitos clientes famosos e muito trabalho,
mas foi um sucesso”, enaltece Jacinta, sem deixar de reconhecer que, mesmo com o
esforço que exigiram, estes foram “anos muito bons”. Para si, esta foi uma aposta
ganha e que “sem dúvida” valeu a pena. Quando se viu forçada, pela doença do
marido, a fechar a loja, Jacinta confessa ter sentido “muita tristeza” mas não esconde
a felicidade que foi ter feito obras “tão
lindas”, como as classifica.
Do casamento de Jacinta e João
nasceram dois filhos e, ao contrário do
que se possa pensar, não foi a filha a
revelar queda para a costura: “a minha
filha não sabe coser. Curiosamente, o
meu filho é que sabia, gostava e tinha
muito jeito!”, realça orgulhosa,
relembrando que foi o filho, com apenas
cinco anos, que ensinou uma das
funcionárias
da alfaiataria a coser à máquina, “numa
máquina delas industriais, enormes”. No Jacinta guarda, ainda hoje, muitos
entanto, ambos vieram a optar por instrumentos ligados à profissão, como este
caminhos diferentes dos escolhidos pesado ferro de engomar.
pelos pais.
Mesmo tendo em conta todas as dificuldades, Jacinta não hesita em declarar que a
profissão a fez sentir “realizada” porque nasceu “para coser” e admite que gostaria de
ter experimentado como profissional outras vertentes, entre elas “a decoração”.
Apesar de se revelar “pouco criativa”, já fez um bocadinho de tudo: bordados, arte
aplicada e até os cortinados da filha quando esta casou, aproveitando a “grande
sensibilidade para fazer coisas minuciosas”.
Quanto a outros hobbies, esta costureira elege a leitura como principal: “gosto de ler
livros, mas apenas aqueles com os quais aprenda alguma coisa”, sustenta.
A finalizar, Jacinta assume não gostar de cozinhar mas defende que “se é para fazer,
é para fazer bem feito”, ideia que seguiu à risca ao longo de toda a vida.

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