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França - 1940

A catástrofe

A queda da França foi uma das maiores catástrofes de nossa época. E surgiu da brecha entre o Mosa e as
Ardenas quando o poderio blindado germânico rompeu as posições francesas mais vulneráveis, atingiu a
Mancha e envolveu os exércitos aliados, destruindo sua capacidade combativa.
John Williams

A vitória mais fácil da História


A França caiu em pouco menos de seis semanas de iniciada a ofensiva alemã no Ocidente, a 10 de maio de
1940. Mas a questão já estava resolvida nos seis primeiros dias, e resultou numa guerra que durou seis anos,
espalhou-se pelo mundo inteiro e teve efeitos importantes sobre incontável número de pessoas e
conseqüências espantosas para muitos milhões.

Mas o sucesso inicial da Alemanha estava longe de ser inevitável, embora pudesse parecer assim depois dos
acontecimentos. Na verdade, teria sido muito fácil impedi-lo.

A ninguém é lícito atribuir a vitória germânica a uma superioridade avassaladora de suas forças. A Alemanha
não mobilizou tantos homens quanto seus adversários - à custa da produção de armas desses últimos. É
verdade que os alemães conseguiram formar e equipar maior número de divisões que os franceses, mas, em
relação a seus adversários todos, no Ocidente, não levava qualquer vantagem, numericamente falando. O
que, afinal, não tinha grande importância, pois a questão na realidade foi decidida pela performance de uma
elite de 8% do seu exército - as dez divisões blindadas - as Panzerdivisionen - antes que o grosso de suas
forças armadas tivesse entrado em ação.

Superestimou-se muito o volume de blindados alemães, na época. Embora os franceses calculassem um total
de 7 a 8 mil tanques, sabe-se que o Exército alemão tinha menos da metade desse número - menos de 2.600
foram usados na primeira fase, a decisiva da invasão. Os franceses tinham muito mais tanques, mas não eram
tão móveis e a maior parte deles espalhava-se em pequenos grupos, e não se concentrava para um ataque
poderoso. Os generais franceses ainda se apegavam à idéia corrente em 1918, de que os tanques eram
auxiliares da infantaria. Hitler, ao contrário, dava ouvidos a Guderian, o líder da nova escola, para quem a
divisão blindada devia ser a ponta de lança do exército.

Hitler também dava grande importância ao poderio aéreo, e sua superioridade em números era enorme -
quase 3 para 1. Treinando os seus muitos bombardeiros de mergulho - Stukas - para o apoio ao trabalho dos
tanques, colherem os germânicos excelentes resultados. Os chefes militares franceses negligenciaram o
poderio aéreo, e só tarde demais tentaram remediar o mal.

Depois de terem cruzado o Mosa, os tanques avançaram pelas estradas que conduziam ao oeste, sem
encontrar quase nenhuma oposição. Numa semana haviam atingido a costa do Canal da Mancha, a 250 km
de distância, e isolado os exércitos aliados, na Bélgica. Os resultados foram a retirada de Dunquerque e a
queda da França, a vitória mais fácil da História.

O ritmo verdadeiramente infernal da guerra - ritmo imposto pelos Panzer - como que paralisou o Estado-
Maior francês, entregue ainda ao compasso de 1918. As ordens por ele emitidas poderiam terem sido
eficazes, se não fossem sempre dadas 24 horas depois de terminada a situação que pretendiam enfrentar.

Outra razão para o desastre da França: a preocupação do Estado-Maior em montar contra-ataques maciços,
em lugar de procurar rapidamente guarnecer as linhas de resistência. Vezes sem conta os alemães cruzavam
essas linhas enquanto as reservas francesas se agrupavam gradativamente nos flancos. O Estado-Maior
francês se contentava em obedecer a uma velha teoria ofensiva, independente do que estivesse ocorrendo na
prática.

Os estadistas da França e Inglaterra haviam facilitado o caminho de Hitler, por não lograrem ver qual seria o
resultado da sua política. Também os militares foram imprevidentes. O colapso de 1940 foi basicamente o
resultado da maneira como a ortodoxia militar prevaleceu sobre as idéias modernas, não só naquele
momento, como também nos 20 anos anteriores. Franceses e britânicos - excetuando-se pequeno grupo de
estrategistas modernos, que pregavam a idéia da guerra mecanizada e altamente móvel - permaneceram
muito conservadores, desde a vitória de 1918. Quanto aos alemães, desprezados pela derrota, revelaram-se
progressistas. Esta é a chave do que aconteceu nos campos de batalha de 1940.

Neste livro, John Williams destroi muitos mitos. Ao mesmo tempo em que, com uma narrativa inteligente e
esclarecedora, aprofunda um estudo dos dramáticos acontecimentos de 1940.

Os planos rivais
Na manhã tranqüila e clara de sexta-feira, 10 de maio de 1940, forças maciças da Alemanha de Hitler
irromperam pelas fronteiras da Holanda, Bélgica e Luxemburgo para pôr fim à longa inércia da “guerra
falsa” que, à parte a invasão da Noruega e Dinamarca, no mês anterior, vinha persistindo desde o começo da
Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939. Iniciava ali a grande Batalha do Ocidente.

Na França ainda não houvera invasão: os ataques limitavam-se a incursões de bombardeio que penetravam
profundamente o território francês. No QG Supremo em Vincennes, a oeste de Paris, relatórios sobre as
atividades inimigas estavam chegando desde a 1 hora da manhã. Cinco horas depois, dissipada qualquer
possibilidade de ter havido alarme falso, o General Gamelin, Comandante-Chefe aliado, mandou dos seus
escritórios, nas sombrias casamatas de Vincennes, a ordem histórica: “Holanda-Bélgica, manobra Dyle”, que
poria em movimento a grande maquinaria avançada dos exércitos anglo-franceses para suas posições de
batalha, previamente designadas, na Holanda e na Bélgica.

Chegado o momento, o General Maurice Gamelin, de 67 anos de idade e conhecido pela sua serenidade,
parecia muito confiante. Um oficial do estado-maior que chegara a Vincennes nunca o vira tão alegre. De
estatura baixa e atarracada, o general percorria o corredor do QG, “trauteando calmamente uma melodia
marcial”. Mal saíra o sol naquela manhã, já ele expressava seu otimismo às tropas em sua primeira “Ordem
do Dia”: “O ataque que prevíramos desde outubro foi desfechado esta manhã. A Alemanha inicia contra nós
uma luta de vida ou morte. A senha para a França e seu aliados é: Coragem, energia e confiança. Como o
Marechal Pétain disse, há 24 anos: nós os pegaremos”.

Não há dúvidas de que “coragem, energia e confiança” era excelente brado de guerra e que as perspetivas de
ação, depois de meses de tédio e espera, eram um tônico para o moral dos franceses e britânicos ao se
prepararem para sua movimentação rumo ao norte, onde enfrentariam o inimigo. Mas, enquanto a formidável
máquina bélica alemã se avolumava nas fronteiras holandesa, belga e luxemburguesa, nas primeiras horas de
10 de maio, qual era exatamente o plano estratégico dos exércitos aliados?

Em setembro de 1939, os Estados-Maiores-Gerais aliados (anglo-franceses) haviam aperfeiçoado um plano


conhecido como “Plano D” ou “Plano Dyle” (nome de um rio belga). Estruturado na suposição de que, como
acontecera em 1914, os alemães avançariam pela Bélgica, quando atacassem no Ocidente, o plano
especificava, como contra-ataque, um avanço anglo-francês que, partindo da fronteira francesa, penetraria na
Bélgica para ocupar uma linha baseada no rio Dyle. Os planejadores estavam prejudicados pela atitude
estritamente neutra dos belgas (e holandeses), que impediam a entrada de tropas aliadas em seus territórios
antes de um ataque alemão. Contudo, o “Plano D” levava em conta a penetração de ambos os territórios.

Haveria cinco exércitos envolvidos no plano, do sul para o norte - o 9° exército francês, o 1° exército
francês, a Força Expedicionária Britânica (FEB), o próprio exército belga e o 7° exército francês (que
ocuparia a linha Breda-St Leonard, do outro lado da fronteira holandesa). Depois do ataque alemão inicial,
essas tropas ocupariam as seguintes posições (com os belgas já no local) do sul para o norte: o 9° exército
francês, Namur-Wavre; a FEB, Wavre-Louvain; o exército belga, Louvain-Antuérpia; o 7° exército francês,
Turnhout-Breda (Ao norte do 7° exército, a Holanda seria protegida pelo exército holandês). Assim,
juntamente com o exército belga, um exército britânico e três franceses confrontariam os alemães numa linha
de 160 km, baseada em barreiras fluviais e enrijecida por fortificações que atravessavam toda a Bélgica, no
sentido da largura, e penetravam na Holanda.
Ao preparar o “Plano D”, os encarregados de sua elaboração haviam admitido que o principal assalto alemão
se daria nas planícies belgas ao norte de Namur, ignorando região ao sul de Namur - o terreno acidentado e
boscoso das Ardenas e o rio Mosa com suas margens alcantiladas - por julgarem que ele não oferecia
nenhuma ameaça séria. “Esse setor não é perigoso”, dissera o Marechal Pétain a uma Comissão do Exército,
em 1934. Como resultado lógico desse raciocínio, a decisão do “Plano D” - tão fatídico para os aliados - foi
colocar os dois mais poderosos exércitos franceses, os 7° e o 1°, ao norte de Namur, e o mais fraco ao sul.

Mas, durante os meses de trégua intranqüila no Ocidente, Hitler estivera fazendo seus planos. Na verdade, o
plano original da invasão alemã previa um movimento desbordante pela Bélgica Central (seguindo as
diretrizes do “Plano Schlieffen” de 1914), conforme estipulado na primeira versão do “Plano Amarelo”
alemão, preparado em meados de outubro de 1939. Este plano especificava uma operação subsidiária pelas
Ardenas. Mas um general alemão, Erich von Manstein - Chefe do Estado-Maior do General von Rundstedt,
comandante do Grupo de Exércitos “A”, que fora destacado para a ação nas Ardenas - não aprovava esse
plano. Prevendo que a Bélgica Central seria intensamente defendida, ele queria que o Grupo de Exércitos
“A” desfechasse o ataque principal no setor menos protegido das Ardenas-Mosa. Mas, não seria para os
tanques um obstáculo grave o terreno notoriamente difícil daquela região? Quanto a esse problema, Manstein
consultou o perito em blindados, General Heinz Guderian, que, depois de cuidadoso estudo, considerou a
operação viável.

O próprio Rundstedt já agora aceitava a proposição e, juntamente com Manstein, recomendaram-na ao OKH
(o Alto-Comando do Exército alemão), mas sem êxito. A idéia teria sido totalmente abandonada, mas
Manstein - transferido para outro lugar por ser incômodo ao OKH - por acaso jantou com Hitler em
fevereiro, e na oportunidade explicou-lhe seu plano. O Fuhrer, que tinha dúvidas quanto ao esquema original,
em parte porque fora revelado aos aliados, através de planos alemães capturados na Bélgica no mês anterior,
(Em janeiro de 1940, dois oficiais alemães, portadores dos planos completos da invasão se perderam, com
seu avião, na bruma, fazendo pouso forçado. Ao verificarem que se encontravam na Holanda, tentaram atear
fogo aos planos, mas foram violentamente obstados por policiais que haviam acorrido numa viatura. Os
planos foram revelados pelo governo holandês aos belgas, franceses e ingleses, mas, como sempre sucede,
foram considerados um despistamento. Aos poucos a espionagem alemã foi verificando que as potências
ameaçadas não tinham dado crédito à sua boa sorte, e Hitler decidiu manter os planos) ficou muito
impressionado e adotou imediatamente o plano das Ardenas de Manstein, incorporando-o em sua Diretiva de
Guerra n° 10, de 18 de fevereiro de 1940. Uma semana depois, promulgou-se o “Plano Amarelo”, em sua
quinta e última forma, que dava ao Grupo de Exércitos “A” de Rundstedt o papel principal na próxima
ofensiva. Aumentado para 44 divisões, 7 das quais blindadas, o grupo devia atravessar as Ardenas, cruzar o
Mosa, entre Sedan (na França) e Dinant (na Bélgica), e estabelecer cabeças-de-ponte destinadas a avançar
para o Canal da Mancha. Como já observamos, o mais fraco dos exércitos franceses é que se poria a essa
força maciça. Assim - golpe fatídico do destino ou raciocínio brilhante de Manstein? - os planejadores
franceses foram superados, assegurando-se virtualmente o envolvimento, na Bélgica, de grande parte dos
exércitos aliados antes de iniciada a ofensiva.

Outros fatores, porém, pesavam contra a França, nesse crítico 10 de maio. Embora fisicamente mobilizado
para a guerra, o país ressentia-se da falta da unidade e da determinação necessária para o duelo terrível. Além
disso, a longa trégua da “guerra falsa” servira para eliminar o senso de urgência que a dominara em setembro
de 1939 - e talvez tivesse criado um estado de falso otimismo e de confiança excessiva. Mas, por trás de
tudo, inibindo esforços necessaríssimos na emergência, havia profunda aversão à guerra, criada pelos seus
antigos conflitos com seu velho inimigo e vizinho mais poderoso, a Alemanha.

Derrotada na Guerra Franco-Prussiana de 1870 e sofrendo danos imensos nas mãos da Alemanha, na
Primeira Guerra, a França desde então se preocupava com a segurança - que se expressava militarmente
numa estratégia defensiva na construção da grande “Linha Maginot”- a barreira mágica que deteria o
agressor alemão para sempre.

O raciocínio em que se basearam os idealizadores da “Linha Maginot” era lógico. No final da Primeira
Guerra decidida a nunca mais sofrer invasão alemã, a França viu-se diante de um problema extra de defesa, a
proteção das recém-recuperadas províncias da Alsácia-Lorena, que ela perdera como resultado da guerra de
1870. A região era vital para a França, por produzir carvão e potassa. Para evitar sua destruição, no caso de
qualquer ataque da Alemanha, elas teriam de ser defendidas na fronteira. Até a chegada de tropas pela
retaguarda, afirmava-se que o melhor meio de fazer uma defesa imediata era um sistema fortificado
permanente. Do nome de um veterano de guerra, ferido no primeiro conflito mundial, natural da Lorena,
André Maginot, saiu a sua denominação. Como Ministro da Guerra em 1922 convencido de que uma
Alemanha pacífica e amistosa seria uma irrealidade, iniciou André Maginot campanha para que se
providenciassem as defesas da Alsácia-Lorena. Durante toda a década de 1920, ele e seu sucessor, Paul
Painlevé, trabalharam energicamente para que seu plano fosse posto em prática, enquanto que os mestres do
Estado-Maior Geral ponderavam indecisamente sobre o tipo de defesa que se deveria construir, e sua
extensão.

Dois grandes líderes franceses da Primeira Guerra contribuíram para a tomada da decisão: os Marechais
Joffre e Pétain, cujas opiniões sobre a questão eram antagônicas. Joffre (Presidente da Comissão para Áreas
Fortificadas no pós-guerra), propunha um série de fortificações separadas, desde o mar do Norte até a
fronteira suíça, entre as quais se poderiam desfechar ataques em grande escala. Por outro lado, Pétain (Vice-
Presidente do Conselho do Exército e Inspetor-Geral do Exército) optava por um sistema defensivo
ininterrupto, para proteger somente a fronteira nordeste. O plano adotado em 1928, depois de muita
discussão, foi um meio-termo. As regiões fortificadas sugeridas por Joffre seriam ligadas às defesas
contínuas propostas por Pétain, num sistema que cobriria o Reno e a região nordeste. Assim, eliminado o
conceito da “ofensiva” e aceito o sistema de defesas ininterruptas, predominavam as idéias de Pétain, que
punha a defesa acima de todas as outras considerações (Henri Philippe Pétain - 1856-1951 - fora chamado ao
comando do setor de Verdun em 1916, quando esta frente se rompeu catastroficamente pelo grande assalto de
Falkenhayn, em fevereiro. A monstruosa hecatombe que se seguiu até outubro traumatizou o excelente
homem e general, um dos poucos naquela guerra que não considerava seus soldados como simples
estatísticas. E estes o sentiam: sabiam que o já velho Pétain procuraria sempre poupar suas vidas. Sua
magnífica ação no domínio dos grandes motins do Exército francês, em 1917, com firmeza temperada com
brandura, também não fora esquecida. O papel de Pétain à testa do governo francês de Vichy deve ser visto
sob uma dupla luz: seu horror as mortíferas ofensivas, que o tornaram um conciliado e pacifista a todo o
preço, e a confiança que inspirava à geração dos veteranos, transmitida também, por estes, às novas gerações.
Tratava-se, porém, de um pobre velho já despido de resolução e raciocínio criativo).

A construção da “Linha Maginot” só terminou em 1938, devido a questões financeiras e outras dificuldades
que atrasaram os trabalhos. A França tinha agora um grande bastião fortificado, de concreto e aço, a proteger
(em diferentes profundidades e poderio) suas fronteiras norte e nordeste, da Basiléia a Montmédy. Não se
planejou estender a linha para além de Montmédy porque, como se afirmava, a fronteira franco-belga estava
muito próxima de centros vitais, como Lille, e porque o subsolo parecia inadequado para estrutura de
concreto maciças. Além disso, as autoridades francesas receavam que o prolongamento da fortificação
pudesse dar aos belgas a impressão de que a França seria indiferente a qualquer ataque desferido contra seu
país.

Por mais valioso que fossem esses fatores, a fraqueza básica da “Linha Maginot” tornava-se patente agora.
Por terminar em Montmédy, era uma linha da qual se poderia desviar, “perigoso compromisso, com uma
ponta apoiada no vácuo”. Além disso, a estratégia defensiva de Pétain agora parecia ser fundamentalmente
incoerente, porque criara uma linha híbrida de defesa, desde o Canal da Mancha até a Basiléia, dependendo
de fortificações estáticas num trecho da sua extensão e, no outro, de mobilidade de tropas que só seria eficaz
se tivesse a ponta-de-lança de uma arma específica. A formação desta arma, a força blindada, vinha sendo
sistematicamente rejeitada pelo Parlamento e pelo Estado-Maior-Geral desde que fora sugerida, em 1934,
por um militar de excelente formação profissional, o Tenente-Coronel Charles de Gaulle. Em lugar desta
arma essencial para o tipo de guerra em que a França provavelmente seria envolvida por uma Alemanha
agressiva, o exército francês admitia o emprego da mesma infantaria, dos mesmos processos vigentes na
Primeira Guerra. Em outras palavras, quer os franceses planejassem ou não cruzar a fronteira e penetrar na
Bélgica para contra-atacar um assalto alemão, eles estavam - do Canal da Mancha a Montmédy -
comprometidos com uma guerra moderna de movimento, para a qual estavam totalmente despreparados.

Eram estas as deficiências provocadas pela dedicação da França à defesa passiva, e pela sua recusa em adotar
técnicas ofensivas modernas. Ao mesmo tempo, ela era atribulada por problemas políticos, e carente de uma
liderança vigorosa, cada vez mais sucumbia ao pacifismo e ao derrotismo. Tudo isso era mau presságio para
sua capacidade bélica ao se confrontar novamente com a Alemanha em setembro de 1939.

Mas seus soldados haviam respondido à convocação com um senso sombrio de propósito: “Temos de acabar
com isso”, era o brado. Os homens estavam “prontos para o heroísmo”, escreveu um correspondente, “mas
não para fanfarronadas”. Mas, infelizmente para o exército francês, em vez de lutar, foi condenado a ficar na
ociosidade, e numa rotina de tempo de paz, durante quase 8 meses de guerra. Seu espírito de luta foi
gradativamente solapado pela ausência de ação, por falsas esperanças de que Hitler talvez não atacasse, pela
propaganda que os alemães faziam, com panfletos e alto-falantes, das suas linhas e mesmo por palavras
derrotistas na própria retaguarda francesa (Com a assinatura do acordo entre Hitler e Stalin, em 23 de agosto,
7 dias antes de iniciar a guerra com a invasão da Polônia, o Partido Comunista francês, como o dos outros
países, cindiu-se. Mas aos poucos a “disciplina monolítica” de Moscou reafirmou-se. Era grande a influência
comunista na França, recém-saída dos governos da Frente Popular. A “Linha do Partido” era o apoio à
Alemanha e à propaganda pacifista. Em virtude do pacto que colocava os comunistas como aliados dos
nazistas, o governo francês suspendeu os jornais comunistas desde 26 de agosto. No inicio, Moscou deixou
os comunistas à vontade para agir, e os parlamentares comunistas aprovaram as medidas de guerra; o
secretário-geral Thorez declarou: “O essencial é que a guerra se desfeche, sem tocar à Rússia”, frase
reveladora. Quando, 20 dias depois, a Rússia invadiu e partilhou a Polônia com a Alemanha, os chefes
comunistas não mais puderam abstrair a associação da sua “pátria socialista” com a Alemanha nazista, e isto
coincidiu com as instruções recebidas de Moscou para desfechar grande campanha mundial pela paz. Com
isto, a indignação e as rupturas foram profundas, inclusive da poderosa Confederação Geral do Trabalho -
ate; então dominada pelos comunistas - que com muitos outros preferiu continuar a luta contra o nazismo a
ter que seguir a trela de Moscou. Em 27 de setembro foi dissolvido na França o Partido Comunista e
proibidas todas as suas atividades paralelas, com o afastamento de altos funcionários e parlamentares. A
atitude geral dos comunistas franceses foi a da colaboração com os alemães, até o momento em que estes
invadiram a “pátria do socialismo”, em junho de 1941. Mas a atuação comunista na França, desastrosa, por
se considerarem aliados de Hitler, somou-se à atuação de grande número de partidos e grupos de pressão de
direita, dos mais variados matizes).

Quando da mobilização, o exército de campanha francês tinha 2.776.000 homens e seu Exército do Interior
2.224.000 homens. O problema do Alto-Comando francês era como empregar essas forças imensas. As
únicas possibilidades eram o treinamento e o trabalho de defesa: mas essas atividades foram seriamente
prejudicadas pelo frio intenso do inverno 1939/40. Outra desvantagem era o moral e da disciplina ruins de
muitas das tropas mais velhas de reservistas (que formavam quatro quintos do exército francês). Além disso,
os oficiais de tropa e os graduados muitas vezes careciam de autoridade ou tinham pouca experiência.
também as altas patentes careciam de vigor e élan, e esses defeitos atingiam até o QG Supremo onde o
próprio General Gamelin não estava ciente de qualquer fraqueza no exército, conforme confessou.

Igualmente sério, durante os meses da “guerra falsa”, foi o fato de os franceses ignorarem as lições da
recente campanha polonesa, na qual a Alemanha derrotou a Polônia em pouco menos de um mês. Embora
fosse evidente, pelo exemplo dado pela Polônia, que os tanques dominavam o campo de batalha, o Alto-
Comando francês ainda lhe conferia o papel de coadjuvante da infantaria na execução do “Plano D”. Embora
a produção de tanques atingisse os 3.000 em maio de 1940 - mais ou menos igual à alemã - os tanques
franceses eram mal adaptados para a moderna guerra móvel, pois eram lentos, pesados e desajeitados, em
comparação com os tanques alemães, cuja blindagem e poder de fogo eram leves, e eram construídos apenas
para obter velocidade e alcance. (Segundo o historiador militar Adolphe Goutard, em seu livro La Bataille de
France, 1940, os tipos principais de tanques franceses eram os médio-leves R35 e H35, o médio-leve Somua
36 e os pesados B1 e B2, além dos H39 e R40. Os principais tipos alemães eram os PzKpfw I, II, III e IV).

Os franceses também não perceberam o importante papel ofensivo do avião, que a campanha da Polônia
demonstrou. Enquanto os alemães tinham mais de 3.000 aviões em maio de 1940, incluindo 400
bombardeiros de mergulho Stuka, a França dispunha de uns 1.200 e não tinham nenhum outro bombardeiro
de mergulho. Isto representava uma superioridade alemã de 3 para 1, embora o poderio de combate fosse
mais ou menos igual, se os 130 caças britânicos que estariam nas bases da França em maio de 1940 fossem
incluídos - um total de 800 aparelhos aliados, mais ou menos, em comparação com os 1.000 alemães. Mas,
em velocidade, os alemães ficaram com a vantagem de seus Messerschmitts (Me 109 e Me 110) capazes de
atingir 580 km/hora, em comparação com os 490 km/hora do Curtiss francês , os 480 km/hora do Potez e
Morane e 573 km/hora dos Hurricanes que estavam em bases francesas. Em maio de1940, a França estaria
muito inferiorizada em bombardeiros médios: apenas 150 contra os 1.470 da Alemanha.

Sua posição na artilharia não seria melhor - menos de 3.000 canhões antiaéreos, em comparação com os
9.300 da Alemanha; e a produção francesa de canhões antitanques, não mais de 8.000, estaria muito abaixo
das necessidades. Só na artilharia de campanha - a arma de que se orgulhava - a França superaria a
Alemanha; em maio ela disporia de mais de 11.000 canhões de todos os calibres, de 75mm a 280mm, em
comparação com os 7.700 da Alemanha. Mas mesmo isto não era uma vantagem real, pois a maior parte da
artilharia francesa era puxada a cavalos; portanto, inadequada para operações de alta mobilidade.
Era diante de todas essas fraquezas e deficiências que o General Gamelin trauteava satisfeito sua melodia
marcial, nas casamatas de Vincennes, a 10 de maio. Mas se ele estava confiante na prontidão militar da
França, seu governo tinha muito menos confiança nele. Paul Reynaud, que sucedera a Edouard Daladier
como primeiro-ministro, em março de 1940, estava muito insatisfeito com a maneira como Gamelin cuidara
da parte francesa na recente expedição aliada na Noruega, e resolvera destituí-lo do comando. Reynaud
apresentou a questão ao Gabinete a 9 de maio - menos de 24 horas antes do ataque alemão. A maioria o
apoiava, mas Daladier, o Ministro da Defesa Nacional e da Guerra, e o amigo mais firme de Gamelin, foi
contrário. Numa atmosfera de crise, Reynaud decidiu renunciar, mas as notícias da ofensiva alemã fizeram-
no mudar de idéia e reconsiderar sua atitude com relação a Gamelin. Enviou então, uma carta ao general em
que frisava: “... apenas uma coisa é importante - a vitória”. Gamelin respondeu: “... só a França é
importante”.

Os Aliados dirigem-se para o norte


Hitler iniciou sua ofensiva nos Países Baixos, mais ou menos às 04:30 horas, com um ataque aéreo
devastador contra alvos e defesa vitais. Depois das bombas vieram os pára-quedistas, lançados de transportes
Junkers 52; a seguir - coisa jamais vista - as unidades transportadas em planadores, que apressaram a captura
de campos de aviação e pontos estratégicos. Embora previamente alertados, os defensores belgas e
holandeses em muitos locais foram avassalados pela rapidez e violência do ataque. Enquanto se criava esse
caos nas retaguardas holandesa e belga, as primeiras formações de dois grandes grupos de exércitos alemães
avançavam por 430 km das fronteiras da Holanda, Bélgica e Luxemburgo - a grande força invasora do
“Plano Amarelo”.

Para sua ofensiva ocidental, Hitler reunira cerca de 117 divisões, inclusive uma reserva subordinada
diretamente ao OKH, de 42 divisões. Com isso, ele estava destacando cerca de 75 divisões para o ataque aos
Países Baixos e Luxemburgo. No Norte, o Grupo de Exércitos “B”, de Fedor von Bock (18° Exército de von
Kuchler e o 6° de von Reichenau), penetrava na Holanda e Bélgica, ao norte de Liege, sendo encarregado de
dominar a Holanda e conter o maior corpo de tropas aliadas possível na Bélgica. Ao sul do Grupo de
Exércitos “B”, o grupo de Exércitos “A” de von Rundstedt (4° Exército de von Kluge apoiado pelo 12°
Exército do general List e o 16° de Busch) estava penetrando a Bélgica Central e o Luxemburgo. O papel de
Rundstedt era crítico - atravessar as Ardenas, cruzar o Mosa e penetrar para oeste, pelo sul da Bélgica e norte
da França. O Grupo de Exércitos “A” era formado de 45 divisões; o Grupo “B” tinha 28.

Na frente da infantaria de Rundstedt, que avançava laboriosamente pelas florestas das Ardenas, no
Luxemburgo, ia o orgulho de toda a ofensiva de Hitler, a ponta-de-lança blindada - nada menos de 7 das 10
divisões Panzer do exército alemão - que deveria abrir caminho a oeste, entre Dinant e Sedan, e avançar para
o Canal da Mancha. Esta falange maciça de blindados estava concentrada em duas formações, o grupo de 5
divisões de von Kleist e o grupo de 2, de Hoth, anexadas ao comando do 4° Exército de Kluge. Duas das 3
divisões blindadas restantes, que não estavam no Grupo de Exércitos “B”, destinavam-se a suplementar a
força de ataque sul segundo às necessidades. Ao todo, o exército de Kluge disporia de uns 2.500 tanques.

Porém menos importante do que o número de tanques alemães era a maneira como eles estavam sendo
empregados. Alguns dos mais talentosos militares da Alemanha se haviam concentrado no uso dessa arma
blindada móvel, durante os anos entre as duas guerras, enquanto o Estado-Maior-Geral francês se
preocupava em construir a “Linha Maginot”. Elaborando as idéias apresentadas pelos especialistas britânicos
Fuller, Liddell Hart e Martel, oficiais alemães perspicazes, como o Coronel Heinz Guderian (mais tarde
General), perceberam as enormes possibilidades do tanque como a base de novo tipo de guerra em grande
escala. Ele não seria mais um instrumento de infantaria, como acontecera na Primeira Guerra, mas uma arma
independente, a ser empregada sempre em missão especificamente ofensiva.

Guderian ficara impressionado com o conceito de Liddell Hart de divisão blindada, que combinaria unidades
Panzer e infantaria blindada - ou pelo menos motorizada -, ficando ansioso, no começo da década de 20, por
desenvolver a idéia para uso do exército alemão. Mas captar o interesse dos seus superiores fora uma luta
árdua. Depois de um exercício teórico bem sucedido, realizado em 1929 e usando um divisão blindada
imaginária, um general declarou que os tanques eram “um sonho utópico”. Somente quando Hitler se tornou
Chanceler, em 1933, é que realmente houve progresso na criação de uma força blindada. Então, depois de
manobras experimentais satisfatórias, feitas no verão de 1935, formaram-se três divisões Panzer, as
pioneiras, em outubro daquele ano - as 1ª, 2ª e 3ª.
A arma Panzer alemã estava aceita. Daí por diante, aperfeiçoaram-se táticas apropriadas para a nova arma, à
medida que ela se ampliava até seu efetivo de 10 divisões do exército, na Segunda Guerra Mundial, fora as 8
das Waffen-SS. Com as divisões motorizadas que as acompanhavam (Panzergranadieren) - e apoiadas por
aviões bombardeiros (em auxiliar vital) - as formações Panzer, na verdade, revolucionariam a guerra.

Sua rapidez e mobilidade tornavam-nas adequadas para penetrações e operações de longo alcance contra as
comunicações inimigas; e empregadas em concentrações suficientes, podiam penetrar até mesmo uma
posição frontal poderosa e avançar rapidamente para além dela antes que os defensores pudessem fechar a
brecha. Nas batalhas que se seguiram, este seria um dos seus papéis vitais, sendo a velocidade sempre mais
importante que o potencial de fogo. Também era preciso que a exploração fosse feita em profundidade, não
lateral, depositando-se a máxima confiança na Luftwaffe, cujos bombardeiros de mergulho, Stuka,
realizariam uma “debilitação” preliminar.

Era com essa arma formidável - ironicamente empregada pela primeira vez em formação ofensiva
concentrada pelos britânicos, em Cambrai, em 1917 - que a Alemanha procurava repetir, contra a França, o
que fizera à Polônia sete meses antes.

Entrementes, a ordem “Dyle” do General Gamelin saíra do QG Supremo e chegara ao QG do Comandante


Chefe do Nordeste, General Georges, situado nas proximidades de La Ferté-sous-Jouarre. Subordinado de
Gamelin, Georges era responsável pelas operações. Daí, a ordem chegou ao General Billotte, comandante do
1° Grupo de Exércitos, a força aliada que deveria entrar na Bélgica. Pouco depois das 7:00 horas, as
formações avançadas do 1° Grupo de Exércitos - a 1ª Divisão Mecanizada Ligeira do 7° Exército francês
(Giraud); as 2ª e 3ª Divisões Mecanizadas Ligeiras (Corpo de Cavalaria de Prioux) do 1° Exército francês
(Blanchard); as divisões de vanguarda do I e II Corpos da FEB (Lorde Gort); as principais unidades do 9°
Exército francês (Corap) - estavam se preparando para cruzar as barreiras da fronteira belga, que haviam sido
abertas (Se a História nos ensina pouca coisa, é porque suas versões correntes são contaminadas de falsidade.
Sabe-se, hoje, que a principal razão de sucesso inicial das operações alemães de 1940, sucesso do qual
decorreram todos as demais, deve-se não ao espírito defensivo dos aliados, que inegavelmente existia nas
suas concepções da Grande Estratégia, mas justamente na determinação e rapidez com que deslocaram suas
tropas para dentro do território belga, para fazer face à ofensiva alemã, que, acreditavam, realizar-se-ia de
acordo com o velho Plano Schlieffen, com grande movimento envolvente da ala direita junto à costa do
Canal da Mancha. Mas foi a variante Manstein, com a penetração profunda através das Ardenas, que rompeu
todas as linhas de comunicação e abastecimento das enormes massas combatentes que se viram isoladas
dentro da Bélgica, aturdidas ainda pelas marés humanas de refugiados e seus veículos, que lhes impediam as
estradas).

Essas formações tinham que percorrer diferentes distâncias. Para atingir a fronteira belgo-holandesa, o 7°
Exército de Giraud deveria cobrir 160 km; a FEB encarregada do setor de 27 km de Louvain-Wavre, cerca de
112 km; o 1° Exército de Blanchard, encarregado do setor de 40 km de Wavre-Namur, cerca de 80 km; o 9°
Exército de Corap tinha apenas de pivotar em torno de algum ponto ao norte de Mézières e proteger uma
frente de 80 km, atrás do Mosa franco-belga, que se estendia para o norte de Namur.

A única parte da linha do “Plano D” que não era protegida por essas formações anglo-francesas era o setor de
Antuérpia-Louvain, cuja responsabilidade cabia aos belgas. O exército belga, comandado pelo Rei Leopoldo
III, tinha um papel vital a desempenhar na estratégia do “Plano D”. Com seus flancos protegidos pelas
formações anglo-francesas avançadas, ele enfrentaria a principal maré inicial do ataque alemão, até que toda
a linha prevista no “Plano D” estivesse guarnecida. Do seu total de 24 divisões de infantaria, 10 se
encarregariam de posições defensivas importantes no Canal Alberto, no Mosa e nas bases fortificadas de
Antuérpia, Liege e Namur. Duas divisões avançadas guarneceria, os canais fronteiriços e duas operariam no
Limburgo belga. Uma divisão ficaria na linha de defesa de Antuérpia-Louvain, protegendo Bruxelas, e o
restante ficaria na reserva.

Quando as formações anglo-francesas estivessem situadas nas posições designadas pelo “Plano D”, ao lado
dos belgas, as forças aliadas deslocadas pela Bélgica e se estendendo até a Holanda totalizariam cerca de 53
divisões - incluindo, além das 10 divisões da FEB, as melhores divisões francesas. Enquanto o 9° Exército de
Corap, no sul, se compunha de divisões de reserva pobres, o 1° Exército de Blanchard tinha duas Divisões
Mecanizadas Ligeiras, três divisões “ativas” ou de primeira classe e uma divisão “série A” ou de primeira
reserva; o 7°¨Exército de Giraud compreendia uma divisão mecanizada ligeira, duas divisões de infantaria
motorizadas, uma divisão “ativa”, uma da “Série A” e duas da “Série B, ou segunda reserva.

Mas, confiante no “Plano D”, Gamelin estava certo de que os alemães desfechariam seu ataque principal na
Bélgica Central, e para lá enviou a nata de suas formações de combate, deixando a proteção do Mosa, onde
este passa da França para a Bélgica (e muda seu nome, de Meuse para Maas), a cargo de tropas menos
seguras. O comandante supremo francês também colocara uma força igualmente fraca - o 2° Exército de
Huntziger - à direita de Corap, ao longo de importante trecho do Mosa francês. Mesmo que tivessem agido
propositadamente, os planejadores não poderiam ter disposto suas tropas de maneira mais conveniente para
os alemães.

Ao se dirigirem para a batalha, a 10 de maio, os franceses apresentavam outro grave defeito: não estavam
deslocando quaisquer divisões blindadas. Quando a guerra estourou, não tinham nenhuma, e somente em
janeiro de 1940 é que se formaram as 1ª e 2ª Divisões Couraçadas (DC); a 3ª só foi formada muito depois.
Segundo o General Georges (Comandante-Chefe do Nordeste) somente a 1ª DC estava pronta para o
combate a 10 de maio. Com as 2ª e 3ª DC ainda despreparadas, a 1ª ficava agora na reserva. Outra divisão, a
4ª, seria criada às pressas, nas semanas seguintes. O emprego extraordinariamente errado dessas divisões
blindadas - quando finalmente foram utilizadas - demonstraria o fracasso dos franceses em compreender as
reais finalidades e potencialidade do tanque como arma ofensiva.

Enquanto Holanda e Bélgica sofriam ataques em grande escala, tudo estava calmo ao longo da fronteira
francesa. A França estava ainda fora da zona de combate. Da extremidade ocidental da “Linha Maginot”,
próximo a Montmédy, na direção leste e, depois sul até a fronteira suíça, quatro exércitos franceses (nos 2° e
3° Grupos de Exércitos, comandados, respectivamente, pelos Generais Prêtelat e Besson) guardavam os
fortes de aço e concreto do grande bastião defensivo da França. Confrontando-os estava, os 1° e 7° Exércitos
do Grupo de Exércitos “C”, do General Ritter von Leeb, com suas 17 divisões imobilizando mais do triplo de
divisões francesas. Algumas destas últimas, sendo divisões “ativas”, seriam muito mais úteis se colocadas
mais a oeste, sobretudo no setor vulnerável do Mosa, então guarnecida pelas 16 divisões medíocres dos 9° e
2° Exércitos de Corap e Huntziger.

Na zona de batalha as coisas não iam nada bem para holandeses e belgas. Abalados e desbaratados pelo
ataque matinal, estavam sofrendo forte pressão em vários pontos, na frente e na retaguarda. Os holandeses,
comandados pelo general Winkelmann, recuavam para o Maas (como chamam o Mosa) e para o Yssel
Superior. O mais sério é que, numa retirada na “península” de Maastricht (a faixa saliente de território
holandês que avança para o sul, separando o Limburgo belga da Alemanha), eles deixaram de destruir certas
pontes sobre o Maas, e a conquista dessas pontes pelos alemães foi desastrosa para os belgas, porque
permitiu ao inimigo - que concentrava seu ataque principal na península - voltar-se para o extremo oriental
do Canal Alberto e cruzá-lo, bem como o Maas. Nesse meio tempo, o principal forte belga de Eben Emael,
situado alguns quilômetros ao sul de Liege, sofria violento ataque aeroterrestre (A fácil tomada de Eben
Emael foi ampliada como verdadeira epopéia pela propaganda alemã. Foi a primeira vez que uma posição
fortificada foi tomada pelos ares, e a idéia era, então, absolutamente revolucionária).

O revés aguardava os franceses, atrás dessa linha avançada. Durante a manhã, um grupo do 1° Exército
atingiu o setor Wavre-Namur, que lhe fora designado no “Plano D”, e não encontrou quaisquer defesas,
porque os belgas, mudando de idéia, não construíram obstáculos - antitanques ou outros - naquele local,
preferindo levantá-los mais à frente. A descoberta foi desconcertante, pois esse setor que ligava as linhas
fluviais do Dyle e do Mosa incluía a perigosa “Brecha de Gembloux”, uma área de território aberto, muito
favorável aos tanques. Imediatamente ao norte, unidades avançadas da FEB estavam dando com idêntica
falta de preparo no setor Louvain-Wavre.

A rápida travessia alemã do Maas e do Canal Alberto seria incômoda para o Corpo de Cavalaria do General
Prioux 1° Exército, quando este ocupou suas posições avançadas de proteção naquela tarde, na linha
Tirlemont-Hannut-Huy. Ainda sem nenhuma força francesa principal na sua retaguarda, e com os belgas
pressionados pelo 6° Exército de Reichenau, cerca de 48 km na frente, ele se sentia perigosamente exposto.
Esse fato determinou com precisão os riscos que envolviam o “Plano D” no primeiro dia de batalha: a menos
que os belgas pudessem continuar defendendo a linha do Canal Alberto por cinco dias - enquanto as
formações anglo-francesas tomavam posição atrás deles - o sucesso do plano estaria em perigo.
Na extremidade mais meridional do grande movimento de conversão aliado, o 9° Exército do General Corap,
além de fazer parte da linha defesa, tinha importante papel inicial. Ele devia mandar formações avançadas
para o outro lado do Mosa, na região belga das Ardenas, para verificar os efetivos das forças inimigas que se
aproximavam e, se necessário, travar um combate de retardamento enquanto o corpo principal de Corap
tomava posição ao longo do Mosa franco-belga. Mas o 9° demorou a pôr-se em movimento: suas unidades
motorizadas só atingiram o Mosa à tarde, perdendo assim tempo valioso na sua missão vital. À direita do 9°
Exército, o 2° Exército do General Huntziger embora lhe cumprisse basicamente o papel de defender o setor
de Sedan do Mosa, tinha uma função inicial de patrulha, tal como o 9°, movimentou-se com mais rapidez.
Suas unidades de reconhecimento já cruzavam o Mosa às 07:00 horas.

Nas proximidades, nas Ardenas, do outro lado do rio, os belgas pareciam incapazes de compreender que os
alemães haviam atacado. Na pequena cidade de Bouillon, observavam espantados as tropas de Huntziger
dirigirem-se para o norte. Naquela tarde, o maitre de Bouillon ouvia atônito ao próprio Huntziger solicitar
acomodações nos hotéis. “Mas, mon général”, gaguejou ele, “nossos hotéis estão reservados para turistas! O
senhor crê que realmente estejamos em perigo?”

O perigo era real, e não estava muito longe. A 60 km a leste, os Panzer de von Kleist penetravam já as
Ardenas belga. O grupo de cinco divisões era liderado, à esquerda, pelo XIX Corpo Blindado do General
Heinz Guderian, com três divisões movendo-se em formação de ponta-de-flecha: a 1ª Divisão Panzer (DP)
no centro, a 10ª à esquerda e a 2ª à direita. Elas se dirigiam para Sedan. Logo atrás, à direita, vinha o XLI
Corpo Blindado do General Reinhardt - as 6ª e 8ª DPs e uma divisão motorizada - dirigindo-se para Mézières
(a oeste de Sedan). Também à direita vinham os corpos das 5ª e 7ª DPs do General Hoth e uma divisão
motorizada, abrindo caminho para Dinant, no Mosa belga. Com cerca de 400 tanques por divisão, seu total
superava os 2.500 tanques. E apoiando essa maciça força de ataque blindada havia as 37 divisões de
infantaria do Grupo de Exércitos “A” de Rundstedt, atrás do qual estavam postadas as 42 divisões de
Reserva-Geral alemã.

Este movimento nas Ardenas foi realmente audacioso. As Ardenas, região acidentada e boscosa, cheia de
chapadas, serras, ravinas rochosas e trilhas estreitas e coleantes, com suas chernecas entremeadas de
pântanos, eram tradicionalmente evitadas pelos exércitos, sempre que possível. É verdade que os alemães
haviam-na atravessado na Primeira Guerra, quando seus 4° e 5° Exércitos a cruzaram, como parte do “Plano
Schlieffen”, para atacar e derrotar os franceses na Batalha das Fronteiras, em 1914. Mas isso fora feito com
infantaria: muito mais perigoso era comprometer todas as formações de tanques, com seus transportes, num
terreno que estava longe de ser ideal para esse aparelhos. Mas havia dois fatores favoráveis ao audacioso
projeto. Um deles era a existência de várias estradas em bom estado, que iam de oeste para leste,
notadamente na direção de Sedan e Rocroi (que ficava a noroeste de Sedan). O outro era o treinamento e os
ensaios aos quais o arguto e experiente Guderian - o maior especialista em tanques da Alemanha - havia
submetido suas unidades Panzer numa região da Alemanha comparável à das Ardenas, a montanhosa região
de Eifel, entre os rios Reno e Mosela.

Mas devemos notar que, enquanto o Estado-Maior-Geral francês e o britânico haviam considerado as
Ardenas caminho inadequado para o avanço dos exércitos alemães, um perito militar britânico, o capitão
reformado B.H. Liddell Hart, expressava ponto de vista diferente. Depois de percorrer as Ardenas em 1928,
como correspondente militar de The Times, para estudar suas potencialidades, escreveu ele que, em sua
opinião, as conclusões dos franceses e britânicos se baseavam num erro. Liddell Hart verificou que as
estradas das Ardenas eram, em geral, boas, e que o terreno da região era mais ondulado do que montanhoso.
Na sua opinião, a intransponibilidade das Ardenas tinha sido “muito exagerada”. Em 1938, ele tornou a
estudar as Ardenas e confirmou esta impressão.

Superando rapidamente a resistência belga inicial e sem terem sido molestados por um único avião aliado, os
alemães encontraram sua primeira oposição real, no final daquela tarde, pelas forças avançadas de Huntziger
(a 2ª Divisão de Cavalaria), perto de Arlon e Florenville, nas proximidades da fronteira franco-belga. Ao
anoitecer, os franceses recuaram, um tanto maltratados, para uma posição bem retirada da Linha Bastogne-
Arlon, à qual tinham recebido ordens de alcançar. Mais ao norte, a 5ª Divisão de Cavalaria de Huntziger
alcançara Libramont sem avistar o inimigo. Mas o flanco esquerdo da 5ª estava agora em perigo, porque as
unidades do 9° Exército de Corap não haviam cruzado o Mosa a tempo. O general Georges enviou uma
ordem vigorosa para que Corap apressasse suas forças na travessia do rio. Mas nem Georges nem seus dois
comandantes de exército reconheciam a formidável ameaça inimiga que se avolumava sob a proteção das
Ardenas “impenetráveis”.
No QG Supremo, no Forte de Vincennes, O general Gamelin também ignorava o perigo. Era natural que ele
se concentrasse no esperado ataque de Reichenau, na Bélgica Central, e continuou, durante toda aquela
manhã, satisfeito com o desenrolar dos acontecimentos. Ainda não via nada que abalasse sua firme confiança
no “Plano D”. Mas outros não estavam muito contentes. Um dos que duvidavam era Paul Reynaud, que
jamais gostara das interferências estratégicas do plano de Gamelin. Naquela manhã, ele disse secamente a
Paul Baulouin, Secretário do Ministério da Guerra: “Agora Gamelin tem a batalha que esperava... Veremos o
que ele vale”.

Vincennes não era o melhor lugar para se avaliar o progresso da batalha. As sombrias casamatas que
abrigavam o QG Supremo, sob o castelo de 900 anos, pareciam ser palácio e prisão, distantes das realidades
da guerra moderna. Nos escritórios, onde a luz do dia não chegava, o ar era viciado e deprimente. O mais
significativo é que nesse dia o QG Supremo estava operacionalmente isolado - ele ou não recebia
informações imediatas ou era totalmente ignorado. Isto resultava sobretudo da posição anômala de Gamelin
como Comandante Supremo (Maurice Gustave Gamelin - 1872-1958 - foi chefe da 3ª Seção (Operações) do
GQG de Joffre, até 1915, e depois exerceu comandos de grandes unidades. Foi o chefe da Missão Militar
Francesa no Brasil. Julgado e condenado em Riom por Pétain, foi depois transferido para prisões alemães até
1945).

Além de ser Comandante-Chefe Aliado, também era Chefe do Estado-Maior da Defesa Nacional da França.
Mas, na verdade, durante as hostilidades ele não tinha nenhuma autoridade na direção das operações. Em
Vincennes , ele dirigia um sistema ineficiente de comando tríplice, que incluía o QG das Forças Terrestres
em Montry, nas proximidades, e o QG Nordeste, em La Ferté-sous-Jouarre. Esse arranjo, resultado de
recente reorganização que ele próprio fizera, dava ao general Georges, em La Ferté, o comando operacional,
enquanto que o Chefe do Estado-Maior de Gamelin, General Doumenc, dirigia Mintry, sendo uma espécie de
intermediário entre Gamelin e Georges. O resultado é que, militarmente, o Comandante Supremo agora não
passava de chefe nominal. Assim - como seu Estado-Maior observou, apreensivo, nesse 1° Dia - ele não
estava sendo plenamente informado dos acontecimentos. Mas a evidência mais flagrante da pouca
importância de Vincennes era a sua falta de um posto de rádio. O Comandante Supremo não tinha nenhuma
comunicação radiofônica com seus exércitos.

A ameaça vem das Ardenas


Em Paris e em outros lugares, os franceses haviam recebido as notícias da ofensiva alemã com otimismo e
alívio. Os jornais de sábado, 11 de maio, refletiam e encorajavam o estado de espírito popular com
comentários complacentes sobre a situação. Mas, ao mesmo tempo em que os franceses liam as frases
confortantes, as primeiras levas de refugiados da Bélgica e Luxemburgo cruzavam as fronteiras francesas.
Em breve, para desmentir a falsa confiança que a imprensa e o governo estavam estimulando, por meio do
Ministério da Informação, as levas de refugiados atingiriam proporções imensas, à medida que populações
do Norte fugiam, em ondas imensas, dos alemães, cujo avanço veloz ninguém esperara nem previra.

Naquela manhã, ajudado por um grande mapa no gabinete de Reynaud, no Quai d’Orsay, um oficial de
ligação francês explicava a posição a Reynaud e a alguns colegas. O oficial preocupava-se com a facilidade
com que os aliados entravam na Bélgica, e imaginava se não estariam indo para uma armadilha. Reynaud,
ainda preocupado com a solidez do “Plano D”, telefonou a Daladier, o Ministro da Guerra, expondo suas
dúvidas. “Gamelin está no comando”, explicou Daladier, sempre firme defensor do general, “e está
executando seus planos”.

Mas, no 2° Dia, a Batalha do Norte não parecia nada promissora. Os holandeses estavam recuando,
juntamente com o 7° Exército francês, na Holanda; e as cidades desse país sofriam violentos ataques aéreos.
A pequena força aérea holandesa fora imobilizada e o temor dos quinta-colunas, boatos e pânico estavam
provocando confusão na retaguarda. Os belgas não se saiam melhor. No Canal Alberto, eles começaram a
abandonar suas posições, para evitar serem flanqueados por uma divisão Panzer do XVI Corpo Blindado,
que atravessava as pontes intactas sobre o Maas, em Maastricht. O sitiado forte em Eben Emael caíra
desastrosamente, fortalecendo o domínio inimigo da junção do Mosa com o Canal. Mas a pior prova vinha
dos céus, onde os mortíferos Stukas alemães operavam no espaço em que não havia um só avião aliado. Eles
circulavam, mergulhavam e bombardeavam em total imunidade, com a nova arma espalhando o terror entre
as tropas, que não tinham meios de lhe opor resistência, e entre os civis, cujo único recurso parecia ser a
tentativa de fuga.
Os primeiros reveses belgas estavam criando um problema para o general Prioux, o comandante francês. Em
vista destes e do estado desprotegido do seu setor, na Brecha de Gembloux, ele já duvidava de que seu corpo
pudesse resistir por muito tempo sem ajuda, e também duvidava da eficácia do “Plano D”, no tocante ao 1°
Exército francês. Transmitiu suas impressões ao General Georges, que se apressou em acelerar a chegada do
1° Exército, aliviando assim a situação do seu corpo. Às 8:00 horas do dia 11, Prioux recebeu a visita do
comandante do 1° Grupo de Exércitos, General Billotte, seu velho amigo. Billotte deixou claro o quanto era
importante que as tropas de Prioux resistissem. “Confio no Corpo de Cavalaria”, disse ele, o que quer dizer:
“espero que resista”. Essa confiança seria necessária nos três dias seguintes. O Corpo de Cavalaria de Prioux
viria a enfrentar o assalto em grande escala dos Panzer do XVI Corpo Blindado alemão, ao abrir caminho
para a Brecha de Gembloux.

Com o exército belga recuando, durante a noite de 11 para 12 de maio, para sua “Linha Dyle”, ao norte de
Louvain, as duas divisões de Prioux, cujos efetivos blindados combinados eqüivaliam apenas a uns dois
terços dos de uma divisão Panzer, eram único obstáculo ao próximo avanço dos Panzer, que haviam
assaltado as defesas do Canal Alberto-Mosa. A batalha teve inicio na tarde do dia 12, quando os tanques
alemães avançaram , fragorosamente, depois de pesado ataque de Stukas, para penetrar o centro da linha
francesa, em Hannut.Terminando sem solução naquela noite, a luta recomeçou no dia 13. À tarde, depois de
uma resistência implacável, os franceses foram obrigados a recuar para a “Linha Perwetz-Marchevolette”- o
obstáculo antitanque de 16 km de largura, a menos de 15 km de distância da frente das posições Wavre-
Namur, do 1° Exército francês. Na manhã seguinte (dia 14), num ataque renovado, os alemães penetraram a
linha, mas não conseguiram atravessá-la com seus efetivos. Nesse meio-tempo, as formações do 1° Exército
estavam ocupando suas posições, pois a destemida ação de retardamento de Prioux lhes permitira isso.

Assim, naquela noite, estabeleceu-se a linha do “Plano D” entre Antuérpia e Namur. Três exércitos aliados -
os belgas entre Antuérpia e Louvain, a FEB no Dyle, entre Louvain e Wavre, e o 1° Exército francês entre
Wavre e Namur - estavam nos seus lugares, no centro da Bélgica. Mas os acontecimentos não tinham
obedecido ao programa. Resumindo: no dia 12, depois de três dias de luta, o Coronel Minart, oficial do
estado-maior de Vincennes, observara em particular a incapacidade dos belgas em defenderem a linha do
Canal Alberto e o domínio alemão dos ares. Ele também comentou a insuficiência das informações que
chegavam ao QG Supremo. Está claro que esta era uma faceta da desajeitada estrutura de comando, cujas
desvantagens já se tornavam aparentes. Com os três QG principais (Vincennes, Montry e La Ferté) separados
por distâncias de até 48 km, a ligação era difícil. Entre eles havia um tráfego constante de carros de estado-
maior, quando Gamelin e Doumenc visitavam Georges e vice-versa, freqüentemente duas vezes ao dia.
Montry, por não ter teletipos, precisava de serviços de estafetas de hora em hora, que levavam pessoalmente
relatórios da Inteligência até Vincennes.

La Ferté, com o QG operacional espalhado irregularmente, não era nada adequado à sua finalidade. O
mesmo acontecia com o posto de comando de Georges, Les Bondons, num pequeno palacete campestre.
Nele, o Comandante-Chefe ocupava uma das quatro salas térreas, sem muito isolamento e cercado de ruídos
contínuos de funcionários, ordenanças e oficiais atarefados. E o General Claudel Georges, com sua estrutura
compacta, bronzeado pelo serviço nas colônias e considerado um dos generais mais capazes da França, sofria
de mais uma desvantagem. Em outubro de 1934, ao acompanhar o Rei Alexandre da Iugoslávia que
desembarcava em Marselha, fora gravemente ferido pelo assassinato do desditoso monarca e sua saúde ficou
para sempre abalada. Mas em seu pesado fardo do comando, recebeu ele grande ajuda do esguio, ágil e
vigoroso General Doumenc, com quem passava muitas horas em conferências, em Les Bondons.

Se o dia 14 de maio viu o “Plano D” em ação, o seu “anti-resultado” não foi inesperado. Mais tarde, naquele
dia, o pequeno exército holandês rendeu-se, depois de cinco dias de luta, em desvantagem avassaladora. O
efeito imediato para os aliados foi o fato de que o 18° Exército de Kuchler ficou liberado para ser usado em
outro local. Isto também significava que o 7° Exército francês, que enfrentava séria resistência no
cumprimento de sua missão, e cujo corpo principal fora obrigado a retroceder para o outro lado da fronteira
belga, no dia 14, podia ser retirado para ser empregado em outro local.

Mas para o General Gamelin e o Alto-Comando francês, novos problemas se avolumavam. Nas últimas 24
horas tornara-se cada vez mais claro que a ofensiva alemã real não estava sendo preparada na Bélgica
Central, e sim no esquecido setor da frente do Mosa franco-belga, entre Namur e Sedan.
O placo já estava sendo preparado no 2° Dia da ofensiva. Ao amanhecer do dia 11, nas Ardenas, nada se
interpunha entre as colunas Panzer alemães, que avançavam, e o caminho para a França e o sul da Bélgica,
exceto a tênue proteção da Cavalaria de Huntziger e Corap e, atrás destas, umas poucas e mal preparadas
divisões francesas de reserva. Naquela noite, depois de outros embates nas clareiras ao sul da floresta, as
unidades francesas de patrulha haviam sido decisivamente rechaçadas pelos elementos do XIX Corpo
Blindado de Guderian, e a 1ª DP havia atingido os arredores de Bouillon, a 16 km de Sedan, do outro lado do
Mosa, na França. Vinte e quatro horas depois, Bouillon havia caído, a 1ª Panzer , havia cruzado a fronteira
francesa ao norte de Sedan e a cavalaria dos 9° e 2° Exércitos já estava de volta a margem esquerda do Mosa,
deixando o caminho aberto para a maciça força blindada que se aproximava e cuja guarda avançada estava a
pouca distância da vital linha fluvial, quando anoiteceu.

Nesse meio-tempo, a 64 km ao norte, outra penetração alemã ameaçava o Mosa belga. Mais ou menos
paralelo ao corpo de Guderian, o corpo Panzer do General Hoth - o extremo norte da ponta-de-lança blindada
tríplice - estava abrindo caminho para Dinant. Na tarde de 12 de maio, as principais unidades da 7ª DP,
comandada pelo arrojado e dinâmico Erwin Rommel, avançou rapidamente até poucos quilômetros de Houx,
logo ao norte de Dinant. Assim, no fim do 3° Dia, os alemães haviam alcançado o Mosa nos dois extremos
dos setores do 2° e 9° Exércitos.

Para os franceses, a operação de três dias das Ardenas foi um fracasso dispendioso, tendo sofrido pesadas
baixas sem atrasar ou incomodar apreciavelmente os Panzer inimigos. Mas antes de serem rechaçados para o
outro lado do rio, eles pelo menos conseguiram destruir todas as pontes sobre o Mosa e seu tributário, o
Chiers. (Huntziger e Corap tomaram todas as precauções para isso e as acusações que Paul Reynaud fez
pouco depois - para explicar o desastre do Mosa - de que algumas pontes ficaram intactas, foram
incontestavelmente refutadas por evidência oficial). Naquela noite de 12 de maio, o QG do General Georges
enviou dois comunicados ao QG Supremo. O primeiro informava que todas as pontes sobre o Mosa e o
Chiers haviam sido minadas, exceto as que seriam destruídas depois que as tropas tivessem passado. O outro
dizia energicamente: “A defesa parece agora estar bem segura em toda a frente do Mosa”.

O longo rio Mosa (Meuse), com cerca de 900 km de extensão, nasce em Langres, no Alto-Marne da França,
e atravessa Bélgica, Holanda, onde passa a chamar-se Maas, e se divide em dois ramos. O trecho do Mosa
cuja defesa era destinada aos exércitos franceses em maio de 1940, ia de um pouco a leste de Sedan até
Namur, na Bélgica - cerca de 144 km ao todo. Embora os franceses o chamem de rio “tranqüilo”, quase todos
os locais desse trecho plácido e coleante relembram passadas batalhas ente franceses e alemães, na Primeira
Guerra e antes. Sedan, pequena cidade têxtil e de guarnição aos pés das colinas boscosas que se erguem para
além da margem direita do Mosa, fora notável campo de batalha em 1870, - palco de histórica derrota
francesa - e novamente em 1914, quando caiu rapidamente nas mãos dos alemães. Para oeste e norte, ouras
posições no Mosa também caíram facilmente em 1914: a velha Mézières com sua cidadela; a pequena cidade
industrial de Givet; a legendária cidadezinha de Dinant, sob seus altaneiros rochedos; a secular praça-forte de
Namur, cercada pelas suas poderosas fortalezas. No fácil assalto alemão nesta ocasião havia um aviso aos
franceses que, a julgar pelos acontecimentos subsequentes, não foi plenamente compreendido.

As características do Mosa variam muito entre Sedan e Namur. Na área de Sedan, onde tem cerca de 60
metros de largura, é mais aberto do que a noroeste, próximo à fronteira belga. Colinas descem suavemente de
cada lado até o nível do rio, dando bom campo de tiro para a margem oposta. Este era o panorama dominante
no setor do 2° Exército, Sedan-Mézières; mas o Mosa, no setor do 9° Exército - Mézières-Namur - era muito
diferente. Ao norte, de Mézières até Givet, o vale do Mosa é mais estreito, profundo e coleante, com margens
boscosas e rochedos alcantilados. De Givet até Namur, o rio às vezes se alarga, mas quase sempre permanece
contido. Porém, para serem eficazes, as defesas naturais de toda a extensão Sedan-Namur precisavam de
poderosos reforços. Um teste das defesas de Sedan, em 1938, mostrou que a cidade era vulnerável a ataque,
mas, embora se tivessem planejado defesas, pouco se tinha executado até dezembro de 1939. Então, em
março de 1940, dois deputados franceses inspecionaram as defesas do Mosa confiadas aos 2° e 9° Exércitos,
e seu relatório foi muito desfavorável. Ainda assim, pouco se fez. Quando se iniciou a ofensiva de maio, os
preparativos ainda permaneciam tristemente deficientes, havendo casamatas e outras obras incompletas.

E o que dizer das tropas que deveriam guarnecer as defesas do Mosa - os soldados dos 9° e 2° Exércitos
franceses? O 9° Exército era formado de bretões, normandeses e gente da região do Loire, e continha maior
cota de reservistas mais idosos, e de tropas estáticas, do que qualquer outro exército estacionado fora da
“Linha Maginot”. Das sete divisões de infantaria, quatro eram de reservistas, duas das quais - a 53ª e a 61ª -
da “Série B”, classificada pelo historiador de guerra Theodore Draper como “claramente inferior, mal
armada, velha e mal treinada”. Outra, a 102ª de Infantaria, era uma formação de fortaleza de defesa fixa. Não
era nada compensador trabalhar com tal material: na verdade, para o General André-Georges Corap, de 62
anos de idade, baixo e corpulento e de temperamento reservado, o comando do 9° Exército era uma tarefa
ingrata, pois sua tropa parecia atormentada pela negligência desde o começo. Carecia por completo de armas,
inclusive artilharia de campanha, canhões antitanques e antiaéreos, bem como tanques. Dos 200 tanques que
possuía, pelos menos um terço era do tipo usado na Primeira Guerra! As deficiências persistiram até 10 de
maio, apesar das repetidas exigências que Corap fazia ao QG. Não era de espantar que os homens tivessem
baixo moral e fraca disciplina, patenteados na participação nada atuante que demonstraram durante os meses
da “guerra falsa”. Que estivessem totalmente despreparados, quando as hostilidades começaram, também não
constituía surpresa.

Com relação ao treinamento, disciplina, equipamento e pessoal, o 2° Exército de Huntziger estava em igual
estado. Um exército predominantemente de reservistas, tinha duas divisões da “Série B”, a 55ª e a 71ª, tão
medíocres quanto as 53ª e 61ª de Corap, mas com um papel defensivo igualmente vital. A maior parte dos
homens da 55ª provinha do vale do Loire. Com idade média de mais de 30 anos, eles eram os crocos do
exército, os “crocodilos”, os “velhos soldados” que haviam esquecido grande parte do que tinham aprendido
no seu período de serviço militar, aliás de técnicas ultrapassadas. Dos seus 450 oficiais, somente 20 não eram
reservistas; a 71ª formada por parisienses, não era muito diferente. Embora certa letargia predominasse no
QG do General Corap, em Vervins, o ritmo imposto pelo General Huntziger no seu QG, na aldeia de Senuc,
nas boscosas Argonas, era enérgico e austero. Esguio, desempenado e de aparência distinta, o general era
admirado pelo seu espirito arguto e sua memória infalível. Sensível às deficiências do seu exército, fez o
máximo para remediá-las, inclusive tentando elevar o moral com uma folha noticiosa quinzenal, que em
breve foi minada pela apatia. Mesmo assim, em meados de abril de 1940, Huntziger parecia estranhamente
confiante na capacidade defensiva da linha do Mosa. Ele disse ao Inspetor-Geral do Exército que os alemães
não atacariam. “Ao contrário”, acrescentou, “eles temem que seremos nós a atacar”.

No Alto-Comando francês, todas as ilusões sobre as intenções reais dos alemães desapareceram no dia 13 de
maio. Naquela manhã, no escritório do General Doumenc, no GQG em Montry, o Capitão Beaufre, oficial do
Estado-Maior, ao estudar o mapa de guerra, observou claramente que o principal esforço inimigo não estava
ocorrendo mais na Bélgica, acima de Liege, mas ao longo de um eixo Luxemburgo-Mézières. A lápis, ele
traçou rapidamente a nova linha para seus colegas. No QG Supremo, em Vincennes, chegava-se à mesma
conclusão, e o calmo otimismo sentido no 1° Dia começava a diminuir. Gamelin expressou novas dúvidas,
numa ordem emitida às 01:00 hora do dia 13: “Devemos resistir à arremetida das forças mecanizadas e
motorizadas. Chegou a hora da luta total nas posições determinadas pelo Alto-Comando. Não temos mais o
direito de recuar”. A desanimadora recomendação era um estranho contraste com o alegre brado de três dias
antes: “Nós os pegaremos!”.

Enquanto os franceses do GQG despertavam dolorosamente para a realidade, os comandantes alemães


planejavam o ataque ao Mosa. Na tarde do dia 12, Kleist ordenara a Guderian que se aprontasse para
atravessar o rio, com o seu XIX Corpo Blindado, às 16:00 horas do dia 13. Em seu QG, em Bouillon,
Guderian preparou o plano de ataque: tendo Sedan como centro do assalto, unidades avançadas das 2ª, 1ª e
10ª DPs, deslocadas de oeste para leste, cruzariam o rio numa investida tríplice e cerrada contra as posições
do 2° Exército francês. Os alemães iriam ter uma tarefa muito mais fácil do que podiam esperar, pois, no fim
do dia 12, as principais tropas de Huntziger ainda não estavam nas suas posições de combate, devido a uma
mudança tardia de divisões. A formação vital, que defendia a área de Sedan, era o X Corpo de Grandsard; e
no meio do X Corpo, compreendendo a 55ª Divisão de Infantaria (DI) do general Lafontaine, à esquerda, e a
3ª Divisão Norte-Africana do General Chapouilly, à direita, se inseria, no último instante, a 71ª Divisão do
General Baudet, vinda da retaguarda. Em conseqüência, ao amanhecer do dia 13, as divisões ainda estavam
deslocando-se confusamente para suas novas posições.

Ironicamente, a leste de Sedan, num setor que não estava ameaçado, que confinava com a “Linha Maginot”,
havia duas das melhores divisões de Huntziger (XVIII Corpo, do General Rochard): a 3ª Colonial “Ativa” e
a 41ª de Reserva “Série A”. Além disso, a fraqueza do 2° Exército, no próprio setor de Sedan, era
comparável à mediocridade do seu vizinho da esquerda, o 9° Exército. Ali, através do vulnerável ponto de
junção dos Exércitos de Corap e Huntziger - de Sedan até Mézières - os dois generais haviam colocado 4
das suas piores divisões. Numa linha contínua estavam a 61ª DI e a 102ª Divisão de Guarnição, de Corap, e
as 55ª e 71ª DI de Huntziger - os crocos, as tropas estáticas de fortaleza, os soldados menos aguerridos de
dois exércitos medíocres.
Reunindo-se contra essas forças insignificantes, em suas defesas tênues e incompletas, estavam os principais
elementos de 5 divisões Panzer - as 2ª. 11ª e 10ª de Guderian, do lado oposto de Sedan, e as 6ª e 8ª de
Reinhardt, do lado oposto de Monthermé (um pouco mais para oeste), no centro do setor do XLI Corpo do
General Libaud (9° Exército). Mais a noroeste, do lado oposto do setor do XI Corpo do 9° Exército, em
torno de Dinant, no Mosa belga, as 5ª e 7ª Panzer do XV Corpo Blindado de Hoth estavam-se reunido. E
atrás das tropas avançadas de assalto e blindadas, nessa noite de 12 para 13 de maio, vinham intermináveis
colunas mecanizadas, com seus faróis iluminando a floresta. O grande movimento de aproximação pelas
Ardenas, planejado de maneira tão meticulosa, estava saindo de acordo com o prescrito. Diante dos cansados
oficiais e soldados que pararam às margens do Mosa, e dos que ainda se dirigiam para oeste, a fase crucial da
importante operação - a penetração.

Se as divisões do 2° Exército de Huntziger permaneciam ainda meio desorganizadas, também as forças de


Corap não estavam inteiramente preparadas. No flanco norte, ao sul de Namur, a 5ª Divisão Motorizada
(General Boucher) do II Corpo do General Bouffet tomara posição, assim como a 61ª DI (General Vauthier)
e a 102ª Divisão de Guarnição (General Portzert) do XLI Corpo de Libaud, que guarneciam o setor mais a
sudeste do 9° Exército, desde Vireux, ao sul de Givet, até Pont-à-Bar; mas a cobertura do setor central, de
Dinant a Vireux, continuava perigosamente esparsa. Esta cabia ao XI Corpo de General Martin, mas no final
do dia 12 somente uns poucos desses reservistas (18ª DI do General Duffet, e 22ª DI do general Hassler)
haviam chegado.

A chegada aos bocados da 18ª DI foi lamentável, pois um pouco ao norte de Dinat, em Houx, é que as
unidades avançadas da 7ª DP de Rommel chegaram, naquela tarde, e foi ali que, durante a noite de 12 para
13, uma patrulha de motociclistas inimigos atravessou o rio para destruir uma unidade recém-instalada da 18ª
DI. Apesar da intervenção da 5ª Divisão Motorizada (DM), que estava por perto, os alemães prosseguiram
para o interior. Nesse meio-tempo, às 10:00 horas do dia 13, eles haviam feito outra travessia, em Bouvignes,
ao sul de Houx. Por volta do meio-dia, atravessando o rio em barcos, jangadas, canoas e mesmo a nado, o
inimigo estabelecera uma cabeça-de-ponte de 3,2 km de profundidade e 4,8 km de largura.

Essa notícia sobressaltou os QGs na retaguarda. Ordens urgentes para contra-atacar partiram do QG do
General Martin, em nível de corpo, do General Billotte, no de grupo de exércitos, e do próprio General
Georges, mas inexplicavelmente não houve nenhum contra-ataque. A noite caiu sobre os homens de
Rommel, firmemente alojados nos planaltos acima da margem esquerda do Mosa. Entrementes, o 9° Exército
enfrentava outra crise: no dia 13, sua frente era penetrada em outro lugar; a 64 km ao sul, em torno de
Monthermé, que é flanqueada por colinas e onde o Mosa se encontra com o tortuoso Semois, a 102ª Divisão
de Guarnição do General Portzert estava sendo violentamente atacada por unidades avançadas do XLI Corpo
Panzer - a ponta central da grande investida tríplice desfechada contra o Mosa naquele dia.

O assalto começou às 15:00 horas, depois de serem observados movimentos inimigos do outro lado do rio,
frontal a Monthermé, o que em si foi surpresa para a 102ª, que estava totalmente despreparada. Dois
batalhões da 6ª DP, rompendo a feroz barreira inicial dos pontos de resistência (os que havia) da 102ª e da
artilharia, investiram através do rio. Apoiados pelo fogo dos tanques da margem direita, os alemães
ganharam os planaltos além de Monthermé. Mais tarde, vieram novas tropas para fortalecer a cabeça-de-
ponte. Ao anoitecer, os homens de Reinhardt, entrincheirando-se diante da segunda linha de defesa francesa,
haviam virtualmente isolado a vulnerável “Península” de Givet, a ponta do território francês que penetra o
norte da Bélgica. E para o sul, virtualmente indefesas, estavam as terras da França.

Entrementes, travava-se feroz batalha a 48 km da sudeste de Monthermé. As unidades avançadas de


Guderian haviam desfechado violento golpe contra Sedan, precedido por um bombardeio maciço e
pulverizador. Durante 6 horas, os reservistas do X Corpo ficaram encolhidos sob as bombas dos Stukas que,
com mais eficiência do que qualquer fogo de artilharia, preparariam o caminho para os desembarques em
Sedan. O ataque fora feito contra as infelizes 55ª e 71ª Divisões, as menos treinadas e equipadas para resistir
às táticas da Blitzkrieg e ainda não se haviam acomodado em suas novas posições. Os bombardeiros, da 3ª
Frota Aérea do general Sperrle, foram chamadas por Guderian, cuja artilharia ainda não chegara. Na sua
maioria Stukas, eles começaram a chegar por volta das 9:00 horas, intensificando os ataques duas horas
depois, prosseguindo pela tarde. Nada menos de 12 esquadrões de bombardeiros de mergulho operaram
sobre Sedan, naquele dia, tendo recebido ordens de Guderian para obliterar as defesas francesas, o que
fizeram com rapidez, silenciando toda artilharia que os franceses conseguiram pôr em bateria e reduzindo a
escombros as linhas avançadas de defesa. Foi o mais impressionante o efeito dos bombardeiros de mergulho
sobre as tropas aliadas, que, em pânico, se desorganizaram. O pior é que não apareceu um só avião aliado
para combatê-los naquele dia. Um apelo do General Lafontaine ao QG do 2° Exército, solicitando apoio
aéreo, não teve qualquer resultado.

Às 14:00 horas, o General Gransard, comandante do X Corpo, ordenou o avanço de dois regimentos de
infantaria (RI) de reserva, para uma linha preparada ao sul de Sedan. Duas horas depois, Guderian desfechou
seu ataque terrestre contra uma defesa virtualmente imobilizada. As tropas de assalto da 1ª Panzer -
elementos de um batalhão de motociclistas, uma brigada de infantaria transportada em caminhões e
fortíssimo regimento da divisão experimental de infantaria Grossdeutschland (que anos mais tarde
constituiria uma Panzerdivision especial) - alcançaram a margem esquerda, próximo a Gaulier e a oeste de
Sedan, atingindo seu objetivo imediato com poucas dificuldades: a captura da pequena curva do rio que
forma a península de Iges, incluindo Galire e Torcy. Quase que sem oposição dos franceses, que estavam
aturdidos, e cegos pela fumaça, os alemães partiram céleres rumo a Frenois, Bosque de Marfé e outros
pontos para o interior, isolando Sedan pela retaguarda.

Simultaneamente, a força de assalto da 10ª Panzer desembarcou próximo de Wadelincourt, a sudeste de


Sedan - embora com certa dificuldade. Surpreendida por fogo de flanco de pontos de resistência ainda
intactos, ela se viu detida numa zona restrita nas proximidades de Waldelincourt. A oeste de Sedan, a 2ª
Panzer, que ainda não se deslocara totalmente, não conseguiu fazer suas tropas atravessar. Mas esses reveses
foram superados pelo rápido sucesso da 1ª Panzer, que, ao anoitecer, havia rompido a linha de defesa
francesa na base do Bosque de Marfé, a 3 km ao sul de Sedan. No fim do dia, uma cabeça-de-ponte alemã
firmara-se em torno da cidade, de 6 km de largura e outro tanto de profundidade.

Assim, no dia 13, os alemães haviam obtido três pontos de apoio do outro lado do Mosa: em Houx,
Monthermé e Sedan. Mas, nesse estágio, não havia nada de muito significativo nesses ganhos, pois só havia
pequenas forças envolvidas, mas nenhum tanque ou canhões pesados. O inimigo era vulnerável a um contra-
ataque decidido em todos os três pontos. Huntziger, visitando o QG do X Corpo, por volta das 18:00 horas,
viu que ainda era possível controlar a posição de Sedan e ordenou o Gransard que tamponasse a brecha,
contra-atacando a seguir. No GQG em La Ferté, o próprio General Georges não estava muito preocupado
com a situação. Informando ao QG Supremo sobre o progresso inimigo, ele acrescentou: “O bombardeio
aéreo é contínuo, mas não está prejudicando as tropas”. Isto talvez fosse verdade, no tocante às baixas, mas
provavelmente foi devido ao efeito devastador de um bombardeio, violento e ininterrupto, de 6 horas sobre o
seu moral que essas unidades do X Corpo, muito pouco aguerridas, logo depois entraram em pânico,
generalizando-se a desorganização.

Colapso em Sedan
A causa imediata do pânico foi o rumor que se espalhou no setor da 55ª Divisão, pelas 18:00 horas, sobre o
cruzamento do Mosa pelos tanques inimigos. Um comandante de bateria do X Corpo em Chaumont (a leste
do Bosque de Marfé), anunciou que vira “foguetes sinalizadores de partida”. Comunicou imediatamente a
provável presença de tanques inimigos no posto de comando do corpo de artilharia em Flaba. A seguir, outra
unidade fez referência ao movimento de tanques ao sul da área de Wadelincourt. Em poucos minutos,
soldados corriam dos seus postos, aos gritos de “tanques inimigos”. A estes soldados juntaram-se outros e
muito outros, e dentro em pouco as estradas de Sedan estavam apinhadas de tropas, cavalos e veículos que
desertavam a zona de batalha.

Na verdade, nenhum tanque alemão havia cruzado o Mosa, em 13 de maio. Os defensores de Sedan entraram
em pânico devido a alguns dos seus próprios tanques que se dirigiam para Bulson. Os que não haviam visto
tanques “inimigos” acreditavam cegamente nos que declaravam tê-los visto. Um comandante francês,
General Ruby, classificou o fato como “fenômeno de alucinação coletiva”. A situação piorou com a
destruição das comunicações, causada pelo prolongado bombardeio. Postos de comando estavam isolados,
QGs de formações ficaram sem saber o que estava acontecendo nas áreas avançadas e incapazes de exercer
qualquer controle. Uma vez iniciada a histeria em massa, não só era impossível detê-la, como também se
alastrou com tal rapidez, que se infiltrou nos QG das divisões e também nos de corpo.

O pânico se avolumara à medida que atingia a retaguarda. Em seu posto de comando em Fond-Dagot, o
General Lafontaine (55ª DI) foi surpreendido, pelas 18:00 horas, por uma multidão de soldados, de dois RI e
dois de artilharia, que fugiam para o sul e gritavam que os tanques estavam em Bulson. Com seus Estado-
Maior, ele correu para a estrada, num esforço para detê-los. Em outro local, oficiais aderiram à debandada,
afirmando terem recebido ordens de se retirar. Seu exemplo incitava maior número de soldados a abandonar
suas posições. À medida que os postos de comando de artilharia na retaguarda se esvaziavam, os artilheiros
de vanguarda - ainda guarnecendo seus canhões contra os alemães que avançavam, mas agora sem receber
ordens de atirar - viram-se abandonados e também fugiram. A histeria atingia mais profundamente a
artilharia pesada dos corpos e divisões. Em Bulson, um major de artilharia comunicou ao seu superior que
havia luta a 500 metros de Bulson e que ele estava prestes a ser envolvido por metralhadores inimigos,
pedindo permissão para se retirar. Deram-lhe a permissão, e os dois comandantes ordenaram então a
debandada.

O próprio General Lafontaine foi envolvido na fuga. Sem esperar para checar o informe de que era iminente
o ataque alemão, seu Estado-Maior recebeu permissão do General Grandsard para mudar o posto de
comando da 55ª para o sul, para Chémery. A pé e de carro, o Estado-Maior abandonou precipitadamente
Fond-Dagot, deixando no ar da noite a fumaça dos arquivos queimados às pressas. O grupo de Lafontaine
chegou a Chémery em meio a um pandemônio, com tropas e colunas de transporte, em fuga, atravessando a
aldeia. Grande parte da 55ª Divisão parecia movimentar-se juntamente com os artilheiros do X Corpo.
Nessas circunstâncias, Lafontaine - que agora recebera ordens do General Grandsard - tinha a tarefa quase
impossível de organizar um contra-ataque, usando todas as reservas disponíveis do X Corpo, para o alvorecer
do dia seguinte. Por volta da meia-noite ele mandou três oficiais para diferentes pontos, a fim de descobrir o
aparadeiro das suas unidades, mas com resultados tão desencorajadores, que decidiu ser impossível
prosseguir com o contra-ataque sem outra reunião com Gransard. Mas, ao se dirigir para o QG do X Corpo,
em La Berlière, encontrou as estradas tão apinhadas, que foi obrigado a voltar.

Da 55ª Divisão, a confusão contagiou a 71ª. O posto de comando divisionário do General Baudet, em
Rancourt, entrou em polvorosa diante de um comunicado telefônico que, segundo se supunha, partira do
Chefe do Estado-Maior do X Corpo, Coronel Badel, informando que tanques inimigos haviam alcançado
Chaumont. Badel disse a Baudet que formasse um arco defensivo e adiantasse tanques e infantaria para
preparar um contra-ataque. Minutos depois Badel tornou a chamar, informando que os tanques inimigos
estavam em Bulson e que o General Lafontaine recuara já o seu posto de comando. Com isso, o General
Baudet decidiu abandonar seu próprio QG e, com seu comandante de artilharia divisionária, partiu para La
Bagnolle, a extremidade ocidental do setor da 71ª. Como aconteceu com a 55ª Divisão, o abandono dos
postos de comando de artilharia contribuiu para a derrocada. Artilheiros, profundamente perturbados,
esforçavam-se em vão para entrar em contato com o pessoal do QG de retaguarda, que já havia fugido. Mas,
contra o grande fluxo de retirada, algumas unidades mantiveram-se firmes e até mesmo avançaram sob a
liderança de oficiais calmos e intrépidos, como o artilheiro Capitão Benedetti, e o comandante de infantaria,
Tenente-Coronel Montvignier-Monnet.

Durante algumas horas cruciais, a retirada desordenada das tropas de Sedan ameaçou imobilizar todo o setor.
Além de deter o tráfego vital para a frente, ela impedia a transmissão de ordens e informações. E algumas
das ordens de retirada que aparentemente chegaram ao seu destino tinham aspecto misterioso. Em certos
casos, as instruções partiram de pessoas que, embora alegassem a condição de oficiais, pareciam ser
inteiramente desconhecidas das tropas. Também houve casos de ordens telefônicas não identificadas que
pareciam visar deliberadamente ao aumento da confusão. Além disso, na retaguarda, ordens visivelmente
falsas envolviam os civis na confusão. Seria tudo isto, como se dizia insistentemente, obra de agentes
inimigos que se teriam infiltrado pela fronteira disfarçados de fugitivos?

Naquela noite, o pânico alcançou unidades do 2° Exército, a 48 km ao sul de Sedan. Para controlar a
crescente onda de fugitivos, o Chefe da Policia Militar do 2° Exército convocou gardes mobiles extras. Os
ecos da debandada atingiram até o QG do 2° Exército, com a chegada, em Senuc, de dois oficiais excitados
pedindo para falar ao General Huntziger. Eles disseram ao general que tinham visto tanques alemães em
Vendresse, a 16 km ao sul de Sedan. Huntziger replicou mordazmente que o que haviam suposto serem
Panzer alemães era o 7° batalhão de Tanques do 2° Exército.

Este fora um dia de choques no QG Supremo. os sucessivos comunicados da travessia do Mosa causavam
preocupação cada vez maior nos úmidos escritórios subterrâneos. Gamelin e seu Estado-Maior não tinham
como deixar de reconhecer que todo o panorama estratégico piorara. Era evidente que, a menos que fossem
detidos, os avanços alemães ao sul de Namur poderiam ameaçar o sucesso do “Plano D”. Mas o único
indício do colapso de Sedan recebido naquele dia foi um comunicado, enviado à noite pelo general Georges,
em La Ferté, informando de “dificuldades muito sérias” ao sul de Sedan e acrescentando que a 3ª DC fora
chamada. Mas, um comunicado posterior, enviado a Vincennes (recebido às 11:45 horas), deixava entrever
que o próprio Georges ainda não estava ciente do colapso do 2° Exército. “Estamos calmos”- dizia
tranqulizadoramente a mensagem.

Também no GQG em Montry ainda não se sabia, no dia 13, das dificuldades em Sedan. Por volta das 02:00
horas do dia 14, o Capitão Beaufre foi despertado, em Montry, por um telefonema em que o General Georges
dizia: “Peça ao General Doumenc para vir aqui imediatamente”. Pelas 03:00 horas, Doumenc e Beaufre
chegaram a Les Bondons - para assistir a uma cena extraordinária. Segundo a descrição de Beaufre, a sala
estava na penumbra e a atmosfera era fúnebre. Excetuando-se a voz de um oficial ao telefone, havia silêncio.
O General Roton, Chefe do Estado-Maior de Georges, estava prostrado numa cadeira, com ar de abatimento.
Ao entrarem, Georges dirigiu-se, pálido, a Doumenc e disse: “Nossa frente em Sedan foi rompida. Houve um
colapso”- e sentou-se, abafando um soluço.

Doumenc ouvia espantado, enquanto Georges, em desespero, explicava que as 55ª e 71ª Divisões haviam
“cedido terreno” depois de severo bombardeio: o QG do X Corpo informara que a linha fora rompida e que
tanques inimigos haviam chegado a Bulson por volta da meia-noite. Rompendo um silêncio verdadeiramente
constrangedor, Doumenc disse, procurando animá-lo: “Vamos, general. Toda guerra tem suas confusões.
Venha até o mapa; veremos o que se pode fazer”. Apontando ara o grande mapa na parede, ele esboçou um
plano que envolvia as três divisões blindadas francesas até então retidas na reserva. A 1ª, na Bélgica e
destacada para participar da “Operação Dyle”, podia contra-atacar do norte para o sul na frente de Corap; a
3ª, estacionada um pouco ao sul de Sedan, podia atacar do sul para o norte. A 2ª DC, a caminho do norte,
para Dyle, podia desembarcar do trem em Vervins e deslocar-se para um ataque oeste-leste. Essas três
divisões, insistiu Doumenc, compreendendo 600 tanques, poderiam assaltar concentricamente o inimigo e
obrigá-los a passar para o outro lado do Mosa. A 3ª, em Sedan, podia travar combate na manhã seguinte,
acrescentou. A confiança demonstrada por Doumenc aliviou a tensão, e Georges, revelando esperança no
plano, recuperou o ânimo e deu as ordens adequadas. Beaufre pediu ao cozinheiro que preparasse café e,
pouco depois, retornava com Doumenc, já um pouco aliviado, a Montry.

Mas se naquela noite Doumenc dera novas esperanças a Georges, restava o fato sombrio de que tudo - e isto
incluía a sobrevivência dos exércitos aliados na Bélgica - dependia da capacidade francesa de desfechar
contra-ataques eficazes em Houx, Monthermé e Sedan o mais depressa possível.

Enquanto o Alto-Comando francês muito tranqüilo, reconhecia isso, na terça-feira, 14 de maio, os chefes
militares alemães no OHW (Alto-Comando das Forças Armadas) e no OKH (Alto-Comando do Exército)
avaliavam a posição com grande satisfação. Excetuando-se o fato de que os holandeses estavam resistindo
mais do que o esperado, o “Plano Amarelo” prosseguia segundo fora traçado. Os exércitos aliados estavam
dispostos tal como Hitler previra quando preparava sua estratégia para as Ardenas, e suas forças haviam
obtido pontos de apoio no Mosa, conforme especificado na Diretiva n° 10 do Fuhrer, de fevereiro anterior.
No 5° Dia da Batalha do Ocidente, ele emitia sua Diretiva n° 11, dando ao General von Rundstedt (Grupo de
Exércitos “A”) carta branca para desenvolver rápido avanço do Mosa ao Canal da Mancha. O segundo
parágrafo da Diretiva rezava: “... a rápida travessia do Mosa, no Setor do Grupo de Exércitos “A”, criou os
elementos essenciais para um ataque, com todos os efetivos possíveis, ao norte de Aisne e na direção
noroeste, conforme estabelecido na Diretiva n° 10. Esse ataque poderia trazer grande sucesso. Cabe às forças
empenhadas ao norte da linha Liège-Namur iludir e reter o maior numero possível de forças inimigas,
atacando-as com seus próprios recursos”.

A esse “ataque com todos os efetivos possíveis”, nem o 9° nem o 2° Exército poderia oferecer agora muita
resistência. Embora o 9° Exército não tivesse sofrido grande colapso, como o 2°, as tropas de Corap eram
praticamente incapazes de defender a linha onde estavam, quanto mais contra-atacar. O grupo principal do
XI Corpo do General Martin (que guarnecia o setor central) só chegara no dia anterior e não encontrara
nenhuma posição preparada. Além disso, as unidades avançadas haviam cometido o erro inicial de abrir
trincheiras nos planaltos acima do Mosa, e não nas margens do rio. Agora, os reservistas mal treinados e mal
equipados de Martin viam-se defendendo a seção de uma frente que desconheciam, parte da qual já
penetrada. Também agora, para eles como para outras formações do 9° Exército, o 14 de maio traria novos
reveses. Ao alvorecer, num esforço para repelir os invasores, duas unidades da 5ª DM (II Corpo, norte do XI
Corpo) fizeram um ataque malogrado. Nesse meio-tempo, a linha do Mosa estava sendo rompida em dois
outros pontos, a norte e sul de Houx. Nesse último ponto, os tanques da 7ª DP de Rommel atravessaram o
rio, em Bouvignes, sobre pontões. Rommel planejava atravessar diretamente o “Passo” de Phillipeville, 36
km a oeste. Com seus principais fuzileiros e motociclistas enfrentando apenas elementos esparsos da 18ª
Divisão do General Duffet, ele já tomara Surinvaux, Hontoire, Flarion e outros lugares, ainda de manhã.
A seguir atacou Onhaye, que barrava a passagem pela brecha de Phillipeville. Onhaye caiu no fim daquela
tarde, e a 7ª Panzer dirigiu-se para oeste, enfrentando oposição de elementos da 18ª Divisão, reservas da 4ª
Divisão Norte-Africana e da 1ª Divisão de Cavalaria Ligeira. No final do dia, pouco restava das linhas de
defesa da 18ª. À direita desta, a 22ª Divisão também estava em dificuldades. Parcialmente ultrapassada pela
travessia alemã do Mosa, ao norte de Givet, naquela manhã, ela recebera ordens de recuar para uma posição
a 9,6 km do rio e, ao anoitecer, só estava em contato com o Mosa ao sul de Vireux, recuando em desordem.
Num esforço para salvar a situação, o General Martin decidiu novamente deslocar o XI Corpo, com a 4ª
Norte-Africana, numa linha que o ligava ao XLI Corpo, à sua direita. Mas, antes que pudesse fazer isso,
chegaram ordens para uma retirada geral do 9° Exército.

O General Corap passara a manhã entre o QG e a sua formação, esforçando-se por evitar a crescente
desintegração. Ele observara, preocupado, o moral vacilante de suas tropas - em grande parte resultado dos
ataques aéreos ininterruptos. Também estava perturbado pela má conduta de alguns oficiais. Naquele dia,
emitiu uma ordem: “... Neste momento, em que o destino da França corre perigo, não se tolerará qualquer
fraqueza. Cabe aos Estados-Maiores dar o exemplo a todas as fileiras e, se necessário, obrigar à
obediência...”. Mas as vacilantes divisões dos XI e XLI Corpos não eram mais sensíveis a avisos; estavam
perdendo toda coesão como força de combate. De Dinant até Monthermé, o centro da linha do 9° Exército no
Mosa estava ruindo, com exceção do flanco esquerdo da 102ª Divisão de Guarnição, que há dois dias resistia
e detinha as tropas de assalto de Reinhardt.

Foi um triunfo da tática alemã de Blitzkrieg - uma vitória da surpresa, violência, rapidez e mobilidade. Antes
de serem vencidos pela rapidez da arremetida dos tanques de Rommel, os franceses haviam sofrido ataques
dos aviões alemães, que bombardeavam em vôos rasantes, espalhando destruição e desmoralização na frente
e na retaguarda. Em vários pontos, a retirada francesa transformou-se em confusão: “O pânico tomou conta
de algumas tropas durante a retirada”, escreveu o General Doumenc, que observara o efeito devastador do
bombardeio. Na retaguarda do 9° Exército, as estradas estavam coalhadas de caminhões carregados de
soldados, misturados com hordas de civis em fuga. Nos bosques, outros soldados buscavam proteção contra
os tanques e aviões.

Ao anoitecer (do dia 14), o grosso de três divisões do 9° Exército recuava do Mosa em desordem, indo para
oeste, passando por Namur, na Bélgica, dirigindo-se para sudoeste, entrando no departamento de Aisne, na
França. Muitos soldados sentiam-se desiludidos, considerando-se vítimas de acontecimentos que estavam
além do seu controle, e prejudicados por equipamento inadequado. Também culpavam, como disse um deles,
“a ausência da artilharia e dos aviões franceses, o choque dos bombardeios e o número irresistível de
refugiados”.

Entretanto, o desastre poderia ter sido evitado no dia 14, pela intervenção rápida, como o General Doumenc
propusera a Georges na noite anterior, da 1ª DC (do General Bruneau). Mas por uma série calamitosa de
atrasos, a divisão não conseguiu chegar à frente nessas horas críticas. Quando alertada para entrar em ação,
na manhã do dia 14, ela estava em Charleroi, a 36 km de distância do Mosa, mas só às 13:30 horas é que o
General Bruneau foi chamado ao posto de comando de Martin, em Florennes, para uma conferência, onde só
chegou às 17:00 horas. Recebeu ordens de atacar o mais depressa possível na direção de Dinant. A divisão
partiu para leste, saindo de Charleroi no começo da noite, mas foi tão prejudicada pelas estradas apinhadas
de refugiados e tropas que somente uma parte chegou ao ponto de encontro naquela noite - com isso, o
ataque foi adiado para o dia seguinte.

Entrementes, outra série de acidentes impediu a 3ª DC (General Brocard) de salvar a frente de Sedan. Ao
anoitecer, as posições dos flancos esquerdo e central do 2° Exército praticamente não existiam mais. Perdia-
se, desse modo, a chance de um contra-ataque blindado.

No dia 14, ainda cedo, Huntziger, para salvar o destroçado X Corpo, destacara o XXI Corpo do General
Flavigny para defender o setor de Sedan. Integravam esse corpo a 3ª DC, a 3ª mecanizada e a 5ª de Cavalaria
Ligeira. Embora a 3ª Couraçada compreendesse dois batalhões de tanques B, dois de tanques H, um
regimento de artilharia auto-rebocada e um de infantaria transportada em caminhões, seus efetivos só
existiam realmente no papel, e, como disse mais tarde o General Devaux, Chefe do Estado-maior da divisão,
ela só começara a treinar como formação completa a 1° de maio; tinha várias deficiências, não estava pronta
para combate, embora o moral dos soldados fosse bom.
A 3ª Couraçada e a 3ª mecanizada chegaram a Le Chesne, a 15 km da zona de batalha, ao amanhecer do dia
14. À sua frente desdobrava-se o panorama de aldeias e colinas boscosas que desciam até o Mosa, cenário da
derrocada de Sedan no dia anterior. Brocard planejava atacar ao meio-dia na direção de Chémery-
Maisoncelle, fazendo uma surtida maciça contra a extremidade norte do bosque de Maison-Dieu. Mas
repetiam-se os atrasos, e só às 16:00 horas é que a divisão finalmente se deslocou. A operação, porém, fora
cancelada 30 minutos antes; Flavigny, em seu posto de comando de Senuc, mudara de idéia, e determinou
que a 3ª se estendesse em posições defensivas através da zona do 2° Exército, desde Omont, até Stonne. E o
contra-ataque foi novamente adiado para a tarde do dia seguinte.

O atraso na chegada de Brocard, aparentemente devido à reabastecimento e à demorada transmissão de


ordens, deixara a 3ª Divisão Mecanizada, que estava totalmente preparada, sem apoio. Huntziger ficou
furioso ao saber do adiamento da operação e ordenou a Flavigny que investigasse pessoalmente as razões. O
triste resultado disso foi que, com os Panzer de Guderian cruzando o Mosa no dia 14 eles foram confrontados
pela 3ª Couraçada francesa. Coube à improvisada 55ª Divisão, apressadamente reunida por Lafontaine na
noite anterior, enfrentar os tanques alemães.

Mas mesmo essa ação foi atribulada por atrasos. O primeiro grupo da força mista de tanques e infantaria de
Lafontaine recebeu ordens de avançar, por estágios, até o Mosa, mas pôs-se em movimento às 07:00 horas e
não pela madrugada e, 90 minutos depois encontrou poderosa coluna de Panzer entre Chémery e Chéhery.
Muito hostilizada, ela retirou-se para o bosque de Maison-Dieu. Lafontaine imediatamente cancelou o
avanço do segundo grupo, eliminando assim a última chance de um contra-ataque pela 55ª Divisão. A
abdicação desta assinalou a desintegração da 71ª Divisão, à sua direita. Com seu flanco oeste exposto, a 71ª
recuou para leste e essa retirada súbita provocou outra confusão entre as tropas já desmoralizadas. Durante o
dia, o comando continuou perdendo o controle da situação e, ao anoitecer, a 71ª já quase nada representava
como força de combate.

Nesse ínterim, por volta do meio-dia, os Panzer alemães estavam dominando o campo de batalha de Sedan.
As 1ª e 2ª DP já haviam atravessado o Mosa em grande número e se dirigiam para o interior, enquanto a 10ª
se reunia ao longo da margem esquerda. Guderian ansiava por dirigir-se a toda velocidade para o Canal da
Mancha. Naquela tarde, deu ordens para que a 1ª (General Veiel) e a 2ª (General Kuchler) rumassem para
oeste: a divisão de Veiel numa linha setentrional para Flize e Sapogne, e a de Kuchler num rumo meridional
para Vendresse. Seu flanco sul era guardado pela divisão de infantaria Grossdeutschland. Em pouco a 10ª
partiria do Mosa e, por sua vez, se dirigiria para oeste, com a 14ª DM. Mas, até que ela partisse, abrir-se-ia
uma brecha na força blindada de Guderian, por algumas horas, naquela tarde - entre as 1ª e 2ª Divisões que
se afastavam para oeste, e a 10ª, que se reunia à margem do rio. Aí estava uma oportunidade de ouro para a
intervenção do XXI Corpo de Flavigny - chance jogada fora pelo despreparo da 3ª DC.

A chance de contra-atacar a penetração de Sedan, no dia 14, foi aproveitada pela força aérea, pois duas levas
de bombardeiros aliados - Potez e Morane franceses e Fairey Battles e Blenheims ingleses - atacaram as
colunas alemães que avançavam e as pontes improvisadas às pressas. Mas o fogo antiaéreo foi tão intenso,
que as pontes permaneceram intactas e mais de 100 aviões foram derrubados. A oportunidade perdera-se. No
começo daquela tarde, Lorde Gort e os Generais Gamelin e Georges haviam concordado que se devia
solicitar ao Gabinete de Guerra britânico o uso imediato no setor de Sedam da Força de Bombardeiros
britânicos sediados na Inglaterra. Mas todas as esperanças foram destruídas quando Georges anunciou que se
satisfaria com apenas 100 bombardeiros do Comando de Bombardeiros sediado na França. “Toda energia e
ímpeto passaram para os alemães”, lamentou um oficial da Inteligência britânica.

Apesar da gravidade da situação, no QG do 2° Exército, em Senuc, ainda havia um estranho otimismo. Os


correspondentes de guerra foram informados de que os alemães seriam detidos na linha principal de defesa
do exército. Mas a realidade interveio mais tarde, naquele dia, quando se decidiu repentinamente recuar o
QG para Verdun, 56 km a sudeste. Ali chegando, naquela noite, o fatigado Huntziger declarou a um dos seus
oficiais: “Serei sempre o vencido de Sedan”. Enquanto a frente do Mosa ruía, Huntziger recebia pouco
auxílio do General Georges. Antes, ele havia feito um telefonema urgente pedindo orientação sobre se devia
proteger a “Linha Maginot” ou Paris, e Georges prometera-lhe responder mais tarde, mas não o fizera.
Quando Huntziger tornou a telefonar, o Comandante-Chefe lhe disse sucintamente: “Faça o que achar
melhor”.

Era evidente que o General Georges estava assoberbado pela batalha gigantesca que tinha de dirigir. Sua
saúde, enfraquecida desde que fora ferido em Marselha, em 1934, mostrava agora sinais sérios de
deterioração. O próprio General Gamelin, ao visitá-lo em Les Bondons naquele dia, ficou preocupado com
sua aparência. Georges “parece realmente esgotado”, observou ele. Entretanto Georges parecia estar
assumindo ainda mais responsabilidades, pois no dia 14 tirou o 1° Grupo de Exércitos de Billotte, colocando-
o diretamente sob seu comando. E agora, enquanto Corap e Huntziger se esforçavam, desesperada mas
inutilmente, utilizando todas as forças que podiam reunir para defender a linha vulnerável do rio Bar (linha
de junção dos 9° e 2° Exércitos), Georges fez um esforço desesperado para tapar a brecha cada vez maior
que se estendia do Mosa. Ele chamou o General Touchon, comandante do 6° Exército de reserva, situado a
360 km de distância, na França Oriental.

Mas Touchon, que chegara a seu posto de comando em Rethel, no Aisne, às 19:00 horas, nada pôde fazer
naquele dia. Só havia uma formação nova disponível pata bloquear a brecha no dia 14: a 14ª Divisão do
General de Lattre de Tassigny - seguida pelo distante Exército da Alsácia (o 5° Exército do General Bourret)
- rumava célere para o norte, vinda da área de Rheims. No QG do 9° Exército, em Vervins, Corap mandou
Tassigny unir-se com sua 53ª Divisão de Reserva (de Corap) à direita do 9° e ali restabelecer ligação com o
2° Exército. Tassigny avançou com sua pequena força (o grosso ainda não chegara) em meio aos homens do
9° Exército que fugiam, apenas para se surpreender com o desaparecimento da 53ª Divisão. Voltando a falar
com Corap, este mandou-o defender a segunda posição de defesa, mas, ao chegar lá, descobriu que os
alemães o haviam antecipado.

Este era o quadro, de caos e calamidade na frente do Mosa a 14 de maio. Em Paris, o governo acompanhava
os acontecimentos ali na Bélgica Central com crescente alarme. No começo daquela tarde, ao ser informado
do colapso do exército o Primeiro Ministro Reynaud perguntou se os exércitos na Bélgica haviam recebido
ordens de retirar-se. Seu oficial de ligação telefonou para Vincennes e foi informado de que não haviam
recebido essas ordens. “Sentimos que a situação de repente se tornara trágica”, observou Paul Baundouin,
Secretário do Gabinete. Às 15:00 horas, a Comissão de Guerra (normalmente formada de certos Ministros,
do Comandante Supremo, do Almirante de Esquadra, e sob a presidência do próprio Presidente da
República) reuniu-se para examinar a posição. Imediatamente após, Reynaud telefonou a Winston Churchill
(Primeiro-Ministro britânico desde 10 de maio), apresentando-lhe a seguinte “declaração” do governo: “A
situação é realmente muito séria. A Alemanha está tentando desfechar um golpe fatal na direção de Paris. O
Exército alemão rompeu nossas linhas fortificadas ao sul de Sedan... para deter o avanço alemão... os tanques
germânicos devem ser isolados dos Stukas que lhe dão apoio. Isto só é possível com considerável força de
caças... Para vencer esta batalha... É essencial que nos envie imediatamente 10 esquadrilhas adicionais...
Estou confiante de que, nessa hora crítica, não nos faltará a ajuda britânica”.

Naquela noite, no escritório de Winston Churchill, no Almirantado, em Londres, o Gabinete de Guerra


Britânico examinou seriamente a comunicação um tanto alarmante de Reynaud. Às 20:30 horas Churchill
enviou a seguinte resposta, compreensivelmente cautelosa: “... Convocamos os oficiais do Estado-Maior que
estão em condições de nos fornecer detalhes do estado de coisas vigente, para que possamos ter certeza de
que todos os recursos disponíveis serão empregados em prol da causa comum”.

Fracassa a força blindada francesa


O pequeno e ativo Primeiro-Ministro francês não ficou muito tranqüilo diante da resposta de Churchill.
Depois de uma noite inquieta, tornou a telefonar para ele, às 07:30 horas da manhã seguinte, reiterando o
pedido de caças, acrescentando dramaticamente: “Estamos derrotados. Perdemos a batalha”. Churchill, um
pouco céptico, tentou tranquilizá-lo. “Mas tudo mudou”, retrucou Reynaud agitado. “Uma torrente de
tanques está entrando!”. A seguir, Churchill telefonou ao General Georges, de quem recebeu um informe
mais encorajador. “A brecha em Sedan”, disse ele, “estava sendo tapada”. A suspeita de que Reynaud
exagerava pareceu confirmar-se por um telegrama que o General Gamelin dirigiu a Churchill dizendo que,
embora a posição Namur-Sedan fosse grave, ele, Gamelin, encarava a situação com calma. Na realidade,
porém, Reynaud estava mais perto da verdade. Nessa manhã de 15 de maio, à medida que a linha do Mosa
entrava em colapso e que as pontas-de-lança alemães penetravam o norte da França, não só o país corria
perigo como também uma ameaça direta pairava sobre Paris.

Gamelin encarava tão seriamente a situação de Paris, que convocou o Governador Militar da Capital,
General Hering, e o Chefe do Estado-Maior no Ministério da Guerra, General Colson, para discutir a defesa
de emergência e medidas para a evacuação da cidade. Mas, naquela clara manhã de maio, os parisienses,
entregues às suas tarefas, ignoravam o perigo que representava para a cidade o rompimento das linhas de
defesa do Mosa. A imprensa restringia-se a eufemismos, meias-verdades e especulações otimistas por
determinação da censura oficial, que controlava rigorosamente a publicação de todas as notícias da guerra.
Numa transmissão radiofônica no dia 13, o Ministro da Informação observara complacente que Verdun e o
Somme (batalhas da Primeira Guerra) haviam durado 6 meses. Mas a resistência que marcara aquelas
campanhas estava ausente em grande parte da frente de batalha atual.

No dia 15, o único setor da frente aliada onde os exércitos estavam resistindo era no centro. A FEB resistia
firmemente na linha Louvain-Wavre. À sua direita, o 1° Exército francês resistia obstinadamente à violenta
arremetida dos tanques e da infantaria das forças de Reichenau e aos Stukas - sem oposição de aviões aliados
- das Forças Aéreas de Kesselring e Sperrle. Mas, enquanto as tropas de Lorde Gort e do General Blanchard
se mantinham firmes, no norte o Exército holandês depusera armas, e no sul, os exércitos de Corap e
Huntziger enfrentavam a derrota.

Durante toda a noite de 14 para 15 de maio, a retirada do 9° Exército foi prejudicada por ordens conflitantes.
Havia confusão quanto e qual das três diferentes linhas de defesa - prescritas pelos Generais Billotte, Corap e
Martin - as tropas em retirada deviam ocupar. Enquanto as unidades, atordoadas, vagavam na escuridão,
partes delas dirigiam-se para uma linha, partes para outra. Grupos de tropas do XI Corpo chegaram a voltar
para a França, o que era sintomático da desintegração gradativa do 9° Exército. Sua única formação ainda em
posição era a 5ª DM (II Corpo), na extrema esquerda. No centro, XI Corpo de Martin estava desaparecendo
para sudoeste e os comandantes de divisões praticamente não sabiam por onde andavam os seus homens. Ao
sul do XI Corpo, as duas divisões do XLI Corpo, a 61ª DI e a 102ª Divisão de Guarnição, cediam também à
pressão esmagadora.

No QG do Grupo do 1° Exército, Billotte estava cada vez mais insatisfeito com a maneira como Corap
conduzia batalha. Concluindo que Corap já não estava à altura da sua tarefa, resolveu substituí-lo. Às 04:00
horas comunicou isso a Georges, propondo que o 9° passasse para o comando do General Giraud,
comandante do 7° Exército, que agora, com a rendição dos holandeses, estava disponível para outro local.
Georges concordou, e Giraud, conhecido como general audaz e vigoroso, recebeu ordens para se deslocar de
Antuérpia para Vervins naquela tarde. Corap receberia o comando do 7° Exército.

Não eram só as ordens conflitantes que vinham prejudicando a retirada do 9° Exército. Seus movimentos
estavam sendo obstruídos por milhares de civis que, em fuga, obliteravam as estradas que saiam da zona de
batalha. As pessoas abandonavam repentinamente suas casas, em pânico, levando consigo o que quer que
pudessem. Unindo-se a outros refugiados, iam pelas estradas que levavam ao sul, em carros e carroças
sobrecarregados, a cavalo ou a pé, transportando seus pertences, mães com bebês nos braços e velhos
apoiados em bengalas. “Toda uma província se está esvaziando”, escreveu um observador. Para sudeste,
idêntico tráfego se avolumava atrás da frente do 2° Exército. Em Vouziers-sur-Aisne, a 40 km de Sedan,
onde os refugiados haviam enchido as ruas durante a noite, o hospital estava cheio de civis que haviam sido
feridos nas estradas por aviões em vôos rasantes. Parecia que, em toda a parte, essa gente sofrida carecia de
direção e orientação e teria sido melhor se tivessem ficado em suas casas.

Entrementes, as principais unidades Panzer de Guderian se afastavam do Mosa num movimento veloz que se
abria para sudoeste. Durante a noite de 14 para 15, elas haviam penetrado no setor do 9° Exército, mas
grande parte da 10ª Divisão Blindada ainda estava no terreno do 2° Exército, com seu posto de comando em
Bulson. Pronto para entrar em combate, o XXI Corpo do General Flavigny ainda não fora empregado.
Georges ordenara a Huntziger que reiniciasse o ataque despachado a 3ª DC de Brocard para o Mosa, e , ao
amanhecer do dia 15, Huntziger instruiu a Flavigny que fizesse uma operação vigorosa apoiada nos tanques.
Mas, ainda de manhã, Flavigny modificou o plano, ordenando uma ação mista de tanques e infantaria,
colocando no comando o general de infantaria Bertin-Boussu, comandante da 3ª DM. Com outras
modificações ele transformou o plano numa operação cautelosa e semidefensiva, com os tanques de Brocard
espalhados no meio da infantaria. A hora H seria às 15:00 horas, mas, como Brocard não podia tornar a
deslocar seus tanques naquela hora, ela foi transferida para 17:30 horas. Mas os tanques de Brocard ainda
não estavam prontos e Flavigny cancelou o ataque.

A força blindada de Flavigny, mais uma vez, não lograra empenhar-se em batalha. Na frente de Namur, a 1ª
DC do General Bruneau, chamada, no dia 14, para ajudar o vacilante XI Corpo, estava empenhada em luta
renhida com os Panzer de Rommel, luta que já durava um dia inteiro. Ao anoitecer, com baixas paralisadoras
em tanques, Bruneau ordenou a retirada geral para Beaumont, 24 km a oeste de Phillipeville; isolado, porém,
pelo veloz inimigo, Bruneau perdeu mais 28 tanques, e a sua divisão foi virtualmente destruída. “Ela foi
sacrificada para acabar com uma confusão”, escreveu um observador, “sacrifício totalmente inútil, pois a
confusão continua”.

Entre Sedan e Namur, a 2ª Couraçada nem sequer entrou em ação. Atrasada pelo emaranhado de ordens e por
uma organização incompetente de transportes, ela se viu envolvida na confusão geral, quando suas unidades
desembarcaram do trem, em Hirson, a caminho da frente. A 2ª era urgentemente necessária para o novo
dispositivo do exército do General Touchon, encarregado de deter o avanço alemão a sudoeste de Sedan. A
única outra formação digna de confiança de Touchon ainda não estava pronta: a 14ª DI. Todas as suas outras
nove divisões estavam tão danificadas e esgotadas que se tornavam inúteis. A 2ª Couraçada, por não ter
chegado, causou um golpe sério em Touchon. Depois de sua linha ter sido rompida e com uma divisão quase
aniquilada numa batalha de 4 horas, Tassigny resolveu, às 18:00 horas, que a única coisa a fazer era retirar-se
para o sul, para o rio Aisne, entre Attigny e Neufchâtel-sur-Aisne.

Assim, em momento de emergência, no dia 15 de maio, a força blindada da França fracassara claramente em
deter a arremetida dos Panzer. Dois terços (as 2ª e 3ª Divisões) nem sequer se empenharam em combate.
Toda a conduta da força blindada francesa - a partir da idéia quanto ao seu papel na batalha - era uma
demonstração grave do erro do pensamento militar francês. Os resultados de duas décadas de falsos
conceitos estavam agora em evidência. Mas, mesmo assim, havia leve chance de que a força blindada
francesa pudesse redimir-se. O comando de uma recém-projetada 4ª DC fora dado a um soldado profissional
de mentalidade arejada e que há muito vinha inutilmente defendendo a formação de uma força blindada
francesa altamente móvel, uma arma ofensiva na linha dos Panzer alemães: o Coronel Charles de Gaulle, de
50 anos de idade.

Naquele dia, de Gaulle, comandante dos tanques do 5° Exército na Alsácia, foi chamado ao GQG Nordeste
para receber instruções. Saudando-o em Les Bondons, Georges disse-lhe ironicamente: “Você, que há muito
defende as idéias que o inimigo está pondo em prática, tem agora a chance de agir”. Em Les Bondons, de
Gaulle sentiu a atmosfera de tensão. Georges parecia “visivilmente avassalado”, e, embora seu Estado-Maior
se esforçasse corajosamente por enfrentar o volumoso fardo de trabalho, “era possível sentir-se que a
esperança se estava esvaindo”.

Também no GQG de Montry havia tristeza e pessimismo, com os oficiais aguardando tensos o resultado da
intervenção das divisões blindadas. A compreensão de que isso fora ineficaz foi profundamente
desapontadora. “Nada protege Paris”, registrou o Capitão Beaufre. “... A batalha parece irremediavelmente
perdida”. O sombrio estado de espírito chegara inclusive a invadir o QG Supremo em Vincennes, de onde
desaparecera toda a aparência de confiança. Pairava em tudo uma “sensação de morte”, segundo o Coronel
Minarti; todo o Estado-Maior estava ansioso. Em Gamelin, cujos modos eram calmos como sempre, Minart
afirmou ter percebido “um medo oculto e crescente”.

Gamelin tinha muito com o que se preocupar, sobretudo um relatório alarmante sobre o estado do 9°
Exército, feito por um de seus auxiliares diretos, Coronel Guillaut. Este considerara a posição do 9° Exército
“realmente crítica”. O Estado-Maior de Corap perdera contato com suas divisões, e por todas as estradas
havia soldados fugindo ao verem motociclistas ou uns poucos tanques alemães. Gamelin estava tão aflito que
decidiu colocar Corap na reserva de oficiais, em lugar de lhe dar o comando do 7° Exército. Uma coisa que
encorajou Guillaut foi a chegada do General Giraud para substituir Corap. Forte e vigoroso, sua presença
influiu muito no moral da tropa e do Estado-Maior.

A inquietação sobre a situação da batalha agora se espalhava por certos setores de Paris. Sobretudo os
correspondentes de guerra, privados de notícias indisputáveis, preocupavam-se com a verdadeira posição na
frente do Mosa. Naquela noite, na sala da imprensa no Ministério da Guerra na Rua St Dominique, eles
receberam algumas informações do porta-voz oficial do ministério, Coronel Thomas. O Mosa, anunciara ele
ao grande número de pessoas presentes, fora atravessado em Sedan. “A situação é séria”, acrescentou, “mas
não é nem crítica nem desesperadora”. Mas, se não eram desesperadoras, a coisas por certo eram críticas.
Assim pareciam a Paul Reynaud que, em seu gabinete no Quai d’Orsay, agora dava vazão à sua grande
preocupação com a liderança de Gamelin. Sabedor do colapso dos exércitos no Mosa, ele ficou estupefato
quando Daladier lhe disse que Gamelin não tinha nenhuma medida defensiva a propor. “Ah! Se Pétain
estivesse aqui”, exclamou (pensando no grande soldado-herói da França que estava então em Madri, como
embaixador na Espanha), “ele poderia inspirar Gamelin!”.
Reynaud e seu colega estavam cada vez mais temerosos sobre o destino de Paris. Para eles, a capital parecia
ser o objetivo óbvio das colunas blindadas alemães, que agora se dirigiam livremente para o norte da França.
Naquele momento, os Panzer avançado de Reinhardt e Guderian estavam a pouco mais de 190 km de
distância. Sem estar devidamente informado pelo QG de Vincennes (ressentimento permanente de Reynaud),
os temores do Primeiro Ministro foram de tal forma intensificados por um “telefonema de SOS” de Daladier,
que às 19:00 horas ele fez o terceiro apelo dramático, em 24 horas, a Winston Churchill, em Londres:
“Perdemos a batalha ontem à noite. O caminho para Paris está aberto. Envie-nos todos os aviões e tropas que
puder”.

Naquela noite, os parisienses jantaram e dormiram tranqüilamente, na ignorância do perigo que os ameaçava,
mas os líderes franceses esperavam a queda iminente de Paris. As linhas telefônicas entre a capital e
Vincennes estavam repletas de mensagens tensas. Às 20:30 horas Gamelin chamou Daladier ao Ministério da
Guerra para anunciar que tanques alemães estavam passando entre Rethel e Laon. Daladier estava incrédulo.
Era impossível, declarou, e logo insistiu com Gamelin para que atacasse imediatamente. “Atacar? Com que?
- replicou Gamelin. “Não tenho mais reservas... Entre Laon e Paris não tenho um só corpo de tropas”. Com
isso Daladier (segundo registra William C Bullitt, o embaixador dos EUA na França, que naquele momento o
visitava) pareceu contrair-se visivelmente. “Então isso significa a destruição do Exército francês?”-
perguntou ele. “Sim, é a destruição do exército francês” - respondeu Gamelin.

O QG Supremo estava tão alarmado quanto ao destino de Paris, que durante a noite um oficial do Estado-
Maior de Vincennes telefonou ao prefeito de Policia em Paris, Roger Langeron, perguntando de quantos
gardes mobiles e caminhões ele podia dispor. O caminho de Paris estava aberto e deve ser fechado a qualquer
preço, disse o oficial. Langeron replicou que a maioria dos gardes mobiles estava imobilizada, mas os que
tinha consigo estavam à disposição do exército.

Às 02:30 horas, Paul Baudouin, Secretário do Ministério da Guerra, foi despertado por um telefonema
anunciando que as forças blindadas alemães estavam perto de Laon “e Paris poderia muito bem cair durante
o dia”. Baudouin recebeu ordens de vestir-se, arrumar as malas e aguardar instruções. Entrementes, no
gabinete do Ministro do Interior realizava-se uma conferência de emergência a que compareceram Reynaud,
Daladier, o Governador Militar de Paris, o General Gamelin, Langeron e outros. Nesta, como Reynaud mais
tarde disse a Baudouin (com duvidosas exatidão), “Daladier estava arrasado e o General Hering, num estado
de colapso, aconselhara o governo a deixar Paris sem demora”. Além disso, Gamelin renunciara a toda e
qualquer responsabilidade por Paris depois da noite seguinte, terça-feira, 16 de maio.

Naquele fatídico 15 de maio, o dia em que a força blindada alemã partiu do Mosa, a liderança francesa, civil
e militar, mostrara sinais de confusão que eram mau presságio para as próximas semanas de crise crescente.

Weygand substitui Gamelin


Em vista da situação na frente do Mosa, era agora evidente que o “Plano D” fracassara. A única esperança
para os exércitos aliados na Bélgica Central, se se pudesse evitar que eles fossem enredados e envolvidos,
seria a retirada imediata. Mas mesmo agora a reação do Alto-Comando era perigosamente lenta: somente no
dia 16 é que se deram ordens para a retirada geral, que entraria em vigor na noite de 16 para 17. Entrementes,
na manhã do dia 16, Gamelin deixava clara a sua preocupação com a ameaça blindada a Paris, dando aos
seus comandantes ordem de formar “núcleos de resistência” contra o avanço dos Panzer. Além disso, retirou
40 esquadras de gardes mobiles do exército e providenciou reforços de tropas para proteger Paris.

Também no governo o alarme era intenso com as persistentes histórias de uma investida blindada alemã
rumo a Paris. Reynaud enfrentava o problema de ordenar ou não a evacuação do governo e dos ministérios.
Numa reunião ao meio-dia, em seu gabinete, concordou-se em adiar a decisão final. Ao mesmo tempo, como
indicação do estado de espírito predominante, grande número de documentos era queimado no pátio do
Ministério das Relações Exteriores, no Quai d’Orsay, por ordem, segundo se dizia, do Secretário-Geral do
Ministério. De todas as janelas do Ministério da Marinha, na Praça da Concórdia, marinheiros lançavam
pastas e arquivos à fogueira, que continuou ardendo por todo o dia, lançando cinzas sobre os passantes
espantados.

Segundo um senador francês então em Paris, nesse dia a capital tomou repentinamente um aspecto de tempo
de guerra. Numa única manhã, praticamente todos os ônibus e táxis desapareceram das ruas, convocados que
foram para transportar soldados e refugiados. O tráfego de carros particulares aumentava à medida que as
pessoas começavam a abandonar a cidade. Finalmente os parisiense, iludidos durante tanto tempo, estavam
começando a compreender a verdade sobre a posição militar. “Há pânico no ar”, comentou um jornalista
britânico. No Palais-Bourbon, a Câmara dos Deputados, eram intensos os boatos sobre o avanço dos
alemães, sobre o pânico das divisões francesas e sobre os planos do governo de evacuação imediata.
Reynaud chegou em meio a essa histeria para dirigir-se à Câmara, às 13:30 horas. Declarando
categoricamente que o governo permaneceria em Paris, ele acrescentou significativamente: “... talvez
tenhamos que mudar métodos e homens”.

Distante dali, na retaguarda da frente do Mosa, a confusão prosseguia. Massas de soldados desordenados
convergiam sobre Compiègne, 128 km distante do rio. Antes do meio-dia, cerca de 20.000 homens do 9°
Exército haviam chegado lá e o número continuava aumentando. para leste do 9° Exército, o 2° estava
recuando em confusão. Naquela manhã, em Dizy-le-Gros, 24 km ao norte de Neufchâtel-sur-Aisne, uma
unidade de tanques que se dirigia para o norte encontrou uma coluna de homens esfarrapados, “desesperados,
desolados e aturdidos de tanto cansaço”, afastando-se da frente, dirigidos por um oficial perplexo que
vociferava contra o avassalador poderio aéreo inimigo. Em certos lugares, o êxodo se aproximava de Paris,
cujos arredores ficaram repentinamente cheios de homens que haviam perdido suas unidades e oficiais. E
junto com eles avançava penosamente a imensa procissão de refugiados dos departamentos do Passo de
Calais, do Norte e das Ardenas, bloqueando o tráfego militar que se dirigia para o norte.

Neste dia, 16 de maio, o comunicado francês falava, pela primeira vez, de uma “guerra de movimento”. Na
verdade, quase toda a frente, da Bélgica Central às proximidades do Aisne, recuava agora em diferentes
estágios de ordem e desordem. Em algumas áreas praticamente não existia frente alguma, sobretudo na que
ainda era, nominalmente, a zona do 9° Exército. De Phillipeville para o sul, com a maior parte dos contatos e
comunicações cortada, comandantes isolados se esforçavam desesperadamente por reunir grupo de homens
em linhas de defesa de emergência dentro da França. Nem mesmo o enérgico Giraud, o novo comandante do
9° Exército, podia salvar esse malfadado exército. Em sua retirada, algumas unidades tinham sofrido mais do
que mereciam - como os esgotados sobreviventes da 22ª Divisão que se encarregaram das defesas em Anor e
Saint-Michel apenas para verificar que as casamatas não tinham equipamento nem portas, suas armas
automáticas inúteis e aparentemente sabotadas.

Enquanto as formações do flanco esquerdo do 2° Exército e as do flanco direito do 9° desapareciam, e a


força de Touchon se via flanqueada ou mal colocada para ser eficaz, a imensa brecha criada pelos Panzer de
Reinhardt e Guderian estava praticamente deserta de tropas francesas. Naquela noite, os tanques avançados
de Reinhardt haviam passado por Vervins e Guise para alcançar Oise. Mas, teoricamente, ainda em posição
de se opor aos tanques de Guderian estava a 2ª DC francesa, que no dia anterior não se empenhara em
combate. Contudo, ela ficaria novamente frustrada: depois de um cancelamento inexplicável da ordem para
contra-atacar em Montcornet, ela recebeu a tarefa puramente defensiva de proteger as travessias do Oise e o
canal da Sambre. E agira, para enfrentar os tanques de Guderian que avançavam entre Guise e La Fère, tudo
o que se podia reunir de imediato, eram uns 50 tanques.

O único comandante francês de tanques com idéias ofensivas naquele dia parecia ser de Gaulle, encarregado
da formação da nova 4ª DC e promovido a General. De Gaulle passou o dia em trabalho de reconhecimento
próximo do canal de Sissonne. Ele viu que as forças alemães que desembocavam das Ardenas se moviam
não para o sul, mas para oeste, rumo a Saint-Quentin. Observando o avanço desimpedido do inimigo, de
Gaulle tomou uma decisão solene: “Lutarei... até que o inimigo seja derrotado e a honra nacional seja
lavada”.

Em Londres, enquanto o desastre do Mosa se tornava maior, não havia uma idéia clara do que estava
realmente acontecendo. Em vista dos três pedidos de Reynaud, de ajuda em caças, e de mais de um pedido
de Gamelin, a situação parecia grave, mas o Ministério da Guerra britânico desconhecia a extensão e a
gravidade dos fatos. Diante disso, Winston Churchill sentiu que o melhor seria ir verificar a situação
pessoalmente. Na tarde do dia 16, partiu para Paris, com o Vice-Chefe do Estado Maior Imperial, General Sir
John Dill, e com o Subsecretário permanente do Ministério da Guerra, General Ismay, para a primeira das
críticas conferências anglo-francesas que marcariam as próximas semanas.

A reunião teve lugar no gabinete de Reynaud, no Quai d’Orsay. Outros oficiais graduados juntaram-se a
Churchill. O grupo francês se compunha de Reynaud, Daladier, Gamelin e outros. Se Churchill, antes,
ignorava a verdadeira situação, agora não tinha dúvida alguma. Diante de um grande mapa, Gamelin
apresentou um panorama completo e sombrio da penetração alemã. Churchill então perguntou: “Onde está a
reserva estratégica, a Masse de Manoeuvre?”, recebendo a desanimadora resposta de Gamelin: “Não há
nenhuma”. “Eu fiquei perplexo”, registrou Churchill (Quando Gamelin estarreceu Churchill com a confissão
de que não havia mais nenhuma reserva militar na França, nenhuma Masse de Manoeuvre, havia , além da
guarnição normal da “Linha Maginot”, mais de 40 divisões de campanha cobrindo a linha de fortificações,
que se lançariam inutilmente a um combate de desespero, isoladas do seu Alto-Comando, em meado de
junho, contra a avalancha alemã então irresistível).

Caracteristicamente, ele fez o possível para levantar o espírito combativo dos franceses, insistindo num
contra-ataque ao saliente alemão. Mas, dando de ombros, Gamelin declarou estar em inferioridade numérica,
de equipamento e método. A seguir, salientou a necessidade urgente de apoio aéreo britânico, ao que
Churchill respondeu que a Inglaterra estava inteiramente empenhada na defesa nacional. Contudo, ao voltar à
embaixada britânica, Churchill passou um cabograma para o Ministério da Guerra, pedindo autorização para
transferir seis ou mais esquadrões de caça para a França. Às 23:30 horas chegava a resposta: o Ministério
concordava e Churchill foi imediatamente para o apartamento de Reynaud, na Place du Palais Bourbon, para
informar o Primeiro-Ministro francês. Reynaud apertou-lhe a mão, num agradecimento silencioso.

Mas no QG Supremo, segundo o Coronel Minart, do Estado-Maior, predominava uma atmosfera de quase
pânico. Arquivos estavam sendo acondicionados, mapas removidos e oficiais preparavam-se apressadamente
para partir. O chefe do Estado-Maior de Gamelin chegou a instalar um canhão de 75mm à entrada norte do
forte de Vincennes! E o próprio Gamelin, observou Minart, parecia preocupado. “Ninguém se atrevia a
aproximar-se dele”, escreveu o Coronel. “É realmente uma batalha perdida”.

Contudo, no dia seguinte (17), Gamelin pelo menos ficou aliviado de uma das suas ansiedades. As colunas
Panzer continuavam avançando, mas era evidente que se afastavam de Paris. A capital estava salva, pelo
menos por enquanto. Gamelin, porém, foi-se desiludindo quanto ao destino da Capital, à proporção que a
força blindada inimiga penetrava mais o coração da França Setentrional. No Sul, a 1ª DP do XIX Corpo
Blindado de Guderian, flanqueada, como antes, pelas 2ª e 10ª, se aproximava do Oise em dois grupos. No
centro, as 6ª e 8ª DP do XLI Corpo de Reinhardt avançava, para o Oise através de Rumigny e Vervins. Atrás
desses dois corpos vinham as três divisões do 14° Corpo Motorizado. No Norte estavam as 5ª e 7ª DP do
General Hoth, encarregadas do papel vital de flanquear os exércitos aliados na Bélgica, atingindo a linha
Maubeuge-Cambrai-Arras. Estas seriam reforçadas, no dia seguinte, pelas 3ª e 4ª DP do XVI Corpo Panzer,
transferidas do Grupo de Exércitos “B” do General von Bock. Dentro de 24 horas, 9 DP estariam
atravessando o grande vazio deixado pelos destroçados 9 e 2° Exércitos da França.

Neste oitavo dia da grande batalha, havia indícios de que toda a estratégia aliada começava a fracassar.
Empurrados pelas forças de Reichenau, a FEB e o 1° Exército francês estavam recuando, em combate, até o
rio Escalda (Escaut ou Scheldt). As estradas da Bélgica e do norte da França estavam congestionadas por
hordas de refugiados. E o Alto-Comando compreendia agora que, ao sul da fronteira francesa, os blindados
alemães avançavam para Amiens e, provavelmente, para o Canal da Mancha. Enquanto Georges procurava
erguer uma barreira de divisões ao longo do Somme e do Aisne, Gamelin visava um contra-ataque para
permitir que as forças do Somme se unissem às que estavam no Norte enquanto havia tempo. Para este fim,
ele estava formando um novo 7° Exército que seria dirigido pelo General Frère, comandante de corpo no 5°
Exército.

Naquele dia, Gamelin emitiu uma Ordem severa, de acordo com a gravidade da situação: “O destino do país,
o dos nossos aliados e os destinos do mundo dependem da batalha agora travada... Vencer ou morrer. Temos
de vencer”. Mas os dias de Gamelin como Comandante Supremo estava contados. Reynaud, que jamais
acreditara no seu “Plano D” nem confiara na sua liderança militar, decidira substituí-lo pelo General Maxime
Weygand, de 73 anos de idade. Chamado novamente para a ativa no começo da guerra, depois de ter servido
como Comandante-Chefe no Oriente Próximo. Embora jamais tivesse ocupado um posto de campanha,
sendo essencialmente oficial de Estado-Maior, Reynaud o admirava muito, pelo espírito combativo e pela
sua ligação com o grande Marechal Foch na Primeira Guerra. Ele, agora, acreditava que, se alguém podia
salvar a situação, esse era Weygand. Reynaud telegrafou-lhe em Beirute, solicitando seu retorno imediato à
França.

Gamelin ainda não sabia das medidas tomadas por Reynaud. Realmente era irônico o fato de que, à sombra
da demissão ele observasse a crescente incapacidade do General Georges de controlar as coisas no GQG
Nordeste. Numa visita a Georges, no dia 18, ele observou o estado caótico dos escritórios de Les Bondons
(tão diferente da calma claustral de Vincennes) e as condições fatigantes de trabalho de Georges. falando
disso a Doumenc, este lhe disse que ele (Gamelin) teria de assumir o controle. “Avise-me quando chegar o
momento”, respondeu Gamelin.

Entrementes, Reynaud tomava outra medida para fortalecer o esforço de guerra francês. No dia 15, ele pedira
que a respeitada personalidade nacional, o Marechal Pétain, deixasse Madri e voltasse à França para
ingressar no seu governo como Ministro de Estado e Vice-Presidente do Conselho. Pétain concordara,
chegando a Paris na manhã do dia 18. Reynaud apressou-se a informar o marechal, já com 84 anos, sobre a
situação militar. Naquela tarde ele o acompanhou numa visita aos QG de Georges e de Gamelin, para uma
conferência de alto nível. Ao deixar Gamelin, Pétain estendeu-lhe a mão afetuosamente e disse: “Tenho
profunda pena de você”.

O último ato de Gamelin no comando teria lugar no dia seguinte, 19 de maio. Às 05:00 horas Doumenc
telefonou-lhe, em Vincennes: “Tenho a clara impressão de que chegou o momento de você intervir”, disse.
Três horas depois, o Coronel Minart, na qualidade de oficial de ligação de Gamelin, chegou ao posto de
comando de Georges. Doumenc disse-lhe sobriamente: “O general Gamelin deve assumir o comando”.
Gamelin chegou logo após e entrou para cumprimentar Georges, que parecia cansado e deprimido. Depois de
uma breve conversa. Gamelin disse-lhe, como Comandante Supremo, achava necessário traçar o plano
estratégico geral agora indicado. Georges levou-o para uma sala no primeiro andar, onde ele escreveu
cuidadosamente sua “Instrução Pessoal e Secreta n° 12”.

Esta Instrução de cinco parágrafos, começando timidamente com “Sem querer intervir na conduta da batalha
ora em andamento”, especificava sucintamente um assalto aliado através do corredor de Panzers alemães, de
modo a isolar as forças blindadas inimigas avançadas e libertar o 1° Grupo de Exércitos de envolvimento. E
terminava: “Tudo é questão de horas”. Gamelin assinou a ordem às 21:45 horas e, então no salão térreo, leu-
a para Georges, Vuillemin, Comandante-Chefe da Força Aérea francesa e outros oficiais. Os dois deram sua
aprovação, e Gamelin lhes disse que se o plano falhasse, seria extremamente difícil defender a França
metropolitana. Pouco depois recebia a mensagem dizendo que Weygand chegaria a Paris naquela manhã.
Esta era a primeira indicação da sua própria substituição.

O General Weygand desembarcou no campo de aviação de Étampes, 56 km a sudoeste de Paris, pouco


depois do meio-dia - um tanto inauspiciosamente, pois, seu avião aterrou de barriga. O general desembarcou
ileso e dirigiu-se a Paris. No Ministério da Guerra, alerta e elegante em seu uniforme impecável, encontrou-
se com Reynaud, que lhe ofereceu o Comando Supremo. Antes de aceitar, Weygand pediu para visitar os
postos de comando de Gamelin e Georges. Encontrando-se com o primeiro no seu gabinete subterrâneo de
Vincennes, impressionou-se com seu ar tenso. Gamelin lhe explicou a Instrução que escrevera naquela
manhã, com a qual Weygand “concordou inteiramente”. Em Les Bondons, Weygand ficou ainda mais
chocado com a aparência, muito mudada, de Georges e com o desalento de seu Estado-Maior. Na volta a
Paris, decidiu aceitar o posto oferecido.

Reynaud, com quem o marechal Pétain encontrou no Ministério da Guerra, ficou satisfeito com a indicação
de Weygand. Ao aceitar a nomeação, este, na verdade, recebera poderes muito maiores do que os de
Gamelin, pois fora nomeado Chefe do Estado-Maior da Defesa Nacional e Comandante-Chefe de todos os
teatros de operações. Ao sair da sala, Paul Baudouin perguntou-lhe qual era a primeira impressão dos
acontecimentos, ao que Weygand respondeu: “Má. A situação é grave, mas não nos devemos desesperar”.

Em seu gabinete de Vincennes, o General Maurice Gamelin aguardava apenas a notificação formal da sua
substituição. Este general, de mentalidade acadêmica e filosófica, arriscara sua reputação numa estratégia
que fracassou. Além disso, a estrutura desajeitada e ambígua do Alto-Comando - como fora organizada pelo
próprio Gamelin - agravara aquele fracasso, por deixar o Comandante-Chefe do Nordeste com menos apoio
do Comandante Supremo do que o necessário em momento de emergência, embora Gamelin sempre
afirmasse ter interpretado corretamente o papel de Comandante Supremo. Mas agora ele passava suas
últimas horas em Vincennes numa atmosfera de pânico. O Coronel Minart, ao voltar de um dia deprimente
nos QG de Doumenc e de Georges, onde sentira que a Instrução de Gamelin já era inútil, encontrou o posto
de comando aparentemente nas convulsões de remoção. Ele tentou inutilmente convencer Gamelin a colocar
Huntziger no lugar de Georges. Quando o General ergueu as mãos num gesto desesperado, Minart sentiu que
falava com um homem derrotado.

Naquela noite, Gamelin tomou conhecimento, oficialmente, do seu destino. “Desejo ao General Weygand
maior sucesso do que eu tive”- disse ele, secamente, aos seus ajudantes. Às 10:00 horas da manhã seguinte,
discretamente deixou Vincennes, dirigindo-se para seu modesto apartamento em Paris, depois de passar
apenas 11 dias no comando supremo da ofensiva ocidental.

Abandona-se o contra-ataque
O General Weygand era um homem incisivo, entusiasta e muito enérgico, apesar dos seus 73 anos de idade
(Maxime Weygand - 1867-1965 - nascido na Bélgica, era filho natural de um soberano europeu. Ardente
cavalariano, foi ajudante de ordens e depois chefe de Estado-Maior de Foch. Senhor de férrea memória, tinha
alto prestígio no exército. Entrou para a Academia Francesa em 1931. Foi afastado por Pétain do cenário
político de Vichy, enviado à África do Norte como Delegado-Geral, sendo depois demitido por ordens dos
alemães e preso pela Gestapo. Libertado em 1945, foi enviado a julgamento por de Gaulle, só sendo
libertado em 1948). Nos velhos escritórios do GQG em Montry, onde realizou sua primeira conferência na
tarde do dia 20, esse soldado garboso causou ótima impressão, prometendo um controle mais firme, mais
seguro dos acontecimentos. Um dos seus primeiros atos foi estabelecer contato mais estreito com o General
Georges, que, segundo pensava, recebera apoio inadequado de Gamelin. Seu plano imediato, baseado na
Instrução n° 12 de Gamelin, era unir as forças norte e sul e isolar as pontas-de-lança dos Panzer, por meio de
ataques combinados na área de Arras-Amiens. No dia 20, ordenou ele que o 1° Grupo de Exércitos atacasse
ao Sul e lutasse “valentemente”. Mas os acontecimentos já corriam à sua frente, pois naquele dia os tanques
de Guderian, em sua correria para oeste, tomaram Amiens e alcançaram Abbeville, na foz do Somme.

Já com os alemães no Canal da Mancha e com um milhão de homens, das forças aliadas, isolados dos
exércitos franceses mais ao sul, tinha inicio a segunda fase da campanha - a batalha de Flandres e Picardia.
Para o General Weygand, fatalmente prejudicado por ter sido chamado tarde demais, ela só podia prometer
frustração e derrota virtualmente certa. Ele observou pessoalmente os apuros dos exércitos do Norte, ao
visitar Ypres, no dia 21, para conferenciar com os comandantes aliados. Ali, preparou-se para executar seu
plano de contra-ataque e concertar uma retirada aliada para oeste, em caso de fracasso. A reunião foi
sucedida por uma tragédia, a morte do General Billotte num acidente de transito. Ao voltar, nas trevas, para
seu quartel em Béthune, por estradas apinhadas, ele sofrera um ferimento fatal. O General Blanchard, do 1°
Exército francês substituiu-o no comando do 1° Grupo de Exércitos.

Blanchard recebia, assim, uma tarefa pesada e desencorajadora, pois estava assumindo o comando de uma
força que perdia rapidamente coesão, em franca retirada forçada para oeste. Durante alguns dias, avassalado
pelos acontecimentos, Billotte deixara de exercer controle efetivo do grupo. Lorde Gort, comandante da
FEB, estava tão perturbado com a falta de comunicações do QG do Grupo de Exércitos, que se via na
contingência de tomar suas próprias decisões - inclusive quanto à retirada das suas 9 divisões para a costa.
Foi essa a informação que ele transmitiu ao Gabinete de Guerra em Londres, no dia 19. O Gabinete não
gostou da idéia, preferindo que a FEB fizesse uma arrancada para o sul, até o Somme. O General Ironside,
Chefe do Estado-Maior Imperial, foi imediatamente enviado à Bélgica, para entrevistar-se com Gort. Este,
porém, opunha-se ao movimento para o sul, por considerá-lo impraticável, e Ironside, concordando com ele,
comunicou o fato ao gabinete britânico, mais tarde, no dia 21. O Gabinete enfrentava agora um grande
dilema: deveria a FEB, sozinha ou com seus aliados, dirigir-se para o sul, para o Somme, ou tentar a grave
alternativa - retirada para a costa e eventual evacuação?

Para resolver esta questão, Churchill fez sua segunda visita a Paris, no dia 22. Com seus colegas, ele se
avistou com Reynaud e Weygand em Vincennes. O Primeiro Ministro britânico, acolhendo a atitude
agressiva de Weygand, ficou satisfeito em saber que as idéias do General para uma arrancada para o sul
coincidem com as suas. Ele imediatamente preparou um rascunho das decisões tomadas na reunião, que
dizia, interaliada: “O Exército britânico e o 1° Exército francês deviam atacar no rumo sudoeste, na direção
de Bapaume e Cambrai, o mais breve possível... O novo Grupo de Exércitos franceses que está avançando ao
longo do Somme, devia atacar ao norte e unir-se com as divisões britânicas que atacavam na direção de
Bepaume”.

Teoricamente o plano de Weygand era praticável, mas ele ignorava um fator importante: a capacidade das
tropas de o levar a cabo. “Os homens são feitos de carne e osso”, comentou o Capitão Beaufre sobre essas
sofridas tropas do Norte. Por mais de 10 dias os exércitos franco-britânicos estiveram quase que
continuamente em movimento; mal atingiam suas posições, tinham que recuar novamente. Assediados pelo
inimigo, embaraçados por multidões de refugiados, estavam eles, agora, ameaçados na sua retaguarda pelas
colunas de tanques que subiam pela costa da Mancha. O plano apresentava desvantagem: especificando que
“o Exército belga devia recuar para a linha do Yser” (a linha fluvial mais ocidental da Bélgica), ele não só
exigia o impossível dos belgas, ao impor que abandonassem todo o seu material e suprimentos, que estavam
a leste do Yser, como também lhes pedia que cortassem sua ligação com a FEB, no seu flanco direito. Se isso
acontecesse, os alemães enfiariam uma cunha entre os belgas e os britânicos, tal como o Rei Leopoldo,
Comandante-Chefe do Exército belga, observara vigorosa e repetidamente. Também era preciso lembrar que
o Exército belga era uma força de defesa puramente nacional, não estando equipado para combater fora de
território belga.

Aliás, nessa conjuntura vital, com Blanchard substituindo o falecido General Billotte no comando do 1°
Grupo de Exércitos, não se fez nenhum contra-ataque coordenado do Norte. Blanchrad, que era um militar
mais teórico do que de linha de frente, estava, como Weygand, herdando uma situação desesperada. Mesmo
o mais dinâmico dos comandantes teria considerado impossível reunir suas forças para a investida na direção
sul. No dia 21 só se fez um ataque anglo-inglês, em Arras, assim mesmo limitado e de pouco sucesso. No dia
24, Gort e Blanchard resolveram desfechar um ataque combinado dois dias depois, embora este não se
realizasse devido ao estado cada vez mais fluido da frente anglo-belga.

Mas, além das dificuldades de controle do comando e ligação que o fatigado Blanchard tinha de enfrentar,
também havia fatores externos a comprometer a sobrevivência do 1° Grupo de Exércitos, à medida que o
cerco alemão o apertava: os equívocos de alto nível sobre a situação e as tentativas de controle remoto, a
indecisão, as incompreensões mútuas e a má comunicação - tudo isto misturado com os interesses nacionais
conflitantes que começaram a surgir.

Do ponto de vista da FEB, se a junção do 1° Grupo de Exércitos com os exércitos do Sul se mostrasse
impossível, a única saída dos britânicos seria levantar contato com o inimigo e retirar-se pelo mar. Churchill
admitia este raciocínio, quando, na tarde do dia 23, perguntou a Reynaud, se nessas circunstâncias, a FEB
não deveria recuar para a costa. Weygand estava satisfeito e não era preciso mudar nada, respondeu
Reynaud. Mas, apesar dessa garantia, o Gabinete de Guerra britânico, após receber um comunicado
desalentador de Gort, começou a preocupar-se com a aparente falta de coordenação aliada. Churchill
cabografou a Reynaud informando-o de suas dúvidas. Isso exasperou a Weygand, que passou,
aparentemente, a desconfiar de que a FEB se preparava para abandonar seu plano.

Diante dos últimos acontecimentos, Weygand introduziu alteração no plano. No dia 24, disse a Reynaud e
Pétain que tivera de modificá-lo (levando a junção de norte e sul mais para leste), porque os britânicos
haviam-se retirado desnecessariamente de Arras e se dirigiam para os portos do Canal. Mais tarde ele
confirmou a medida com uma nota endereçada a Reynaud: “... Dei ordem ao Comandante do 1° Grupo de
Exércitos para que, se julgar impossível realizar a manobra previamente ordenada, forme uma cabeça-de-
ponte tão extensa quanto possível na frente dos três portos do Norte (Dunquerque, Gravelines e Ostende)”.
Quatro dias depois de iniciado, o Plano Weygand fracassava.

Naquele dia, pela primeira vez, Weygand pronunciara a terrível palavra: “capitulação”. Quando se
apresentou a Reynaud e Pétain, disse que, a menos que se conseguisse a junção depressa, seria difícil evitar a
capitulação dos exércitos do Norte, que já estavam sofrendo escassez de alimentos e munição. Quanto às
forças francesas restantes (os exércitos do Sul), que estariam em posição ao longo do canal do Ailette e do
Aisne, também estas teria dificuldades em resistir a um assalto alemão, se os exércitos do Norte fossem
derrotados. Contudo, ele disse a Paul Baudouin, no QG Supremo, naquela noite, quando a resistência
francesa no Somme e no Aisne foi rompida: “O que resta do Exército francês deveria continuar lutando até
que fosse aniquilado”.

Enquanto Weygand refletia tão desalentadoramente, Hitler tinha pensamentos muito diferentes.
Contemplando satisfeito a execução perfeita de seus planos até o momento, ele dava, no dia 24, sua ordem
clara e inequívoca de vitória total - a Diretiva n° 13, emitida do QG do Fuhrer - na qual ele declarava que o
próximo objetivo alemão era o aniquilamento das forças aliadas cercadas em Flandres. E acrescentou: “O
exército então se preparará para destruir, no menor espaço de tempo possível, as forças inimigas que restam
na França”.

A incapacidade do 1° Exército francês (agora comandado pelo general Prioux, em lugar de Blanchard) de
preparar qualquer tipo de ofensiva foi confirmada, no dia 25, por um oficial do Estado-Maior do 1° Grupo de
Exércitos, Major Fauvelle, em uma reunião do Gabinete francês, realizada no Gabinete de Guerra. Aquele
oficial, com grande abatimento, descreveu a situação da tropa, carente de pão, de armas pesadas e munição, e
aturdida pelo terrível bombardeio. Disse ainda que os britânicos se preparavam para evacuar, que aos belgas
restava pouca possibilidade de luta, e declarou que a rendição, em breve, seria inevitável. Impressionado por
esse relato desalentador, Weygand ordenou a Fauvelle, que voltasse imediatamente a Blanchard com a
mensagem de que a este caberia decidir se deveria tentar a penetração para o sul ou recuar para os portos da
Mancha.

Naquela noite, no Palácio do Elysée, a Comissão de Guerra da França (composta dos líderes políticos e
militares da nação) reuniu-se durante duas horas para debater a crise. A depressão era absoluta. Weygand
apresentou um quadro sombrio das possibilidades militares, tendo muito pouca esperança de que, depois da
rendição dos exércitos do Norte, fosse possível defender com êxito a linha Somme-Aisne. Reynaud falou em
salvar a honra do exército “lutando até a morte” (A síndrome francesa d l’Honneur, a Honra, sempre deixou
perplexos os britânicos e americanos, por apegar-se muito mais a formalidades do que a fatos concretos. Nas
discussões sobre o abandono da luta, o fato crucial - se a França deveria ou não honrar a guerra na África -
ficou esquecido pela veemência com que Weygand exigia que se “salvasse a honra do Exército”, pedindo-se
armistício aos alemães, por intermédio do governo; este desejava continuar a luta, sem pedir armistício,
instruindo ao Alto-Comando que as unidades militares em condições insustentáveis capitulassem
individualmente. Isto propiciaria ao governo oportunidade para transferir-se para a África com muitos
recursos, inclusive sua formidável esquadra, intacta. Weygand, no paroxismo da ira, sustentava
irracionalmente que o Código Penal Militar francês estipulava que a pena de morte seria aplicada
sumariamente ao militar que capitulasse o que obviamente não se aplicava no caso de ordens recebidas do
governo constituído, e de qualquer forma estava ocorrendo havia já algumas semanas. O resultado da
exigência de Weygand e a sua recusa em obedecer às ordens do governo foi a assinatura do humilhante
armistício, da perigosa neutralização da esquadra e da vitória política alemã, superior até mesmo à vitória
militar. Não se evitou o aprisionamento de 1.200.000 soldados, a captura do equipamento militar e
instalações industriais intactas - que passaram a servir ao inimigo - e a terrível ocupação. A honra do
exército - quase totalmente dissolvido, e passado ao papel de policia auxiliar da Wehrmacht - não poderia ter
caído mais. Assim, pelo exacerbado pundonor de Weygand, foi esquecida a honra maior - e a sobrevivência -
da própria França. Quando Pétain comunicou pelo rádio o armistício ao povo francês, também declarou
cegamente que “a honra estava salva”. O alívio geral que se seguiu ao armistício - simples suspensão de
hostilidades - deveu-se a que todos supunham tratar-se já do Tratado de Paz. mas a situação de estado de
guerra persistiria). E o Presidente Lebrun aventou a agourenta possibilidade do pedido de paz à Alemanha,
embora admitisse que a França decidira não assinar uma paz em separado. Reynaud observou que, no caso
de tal pedido, a Inglaterra teria de ser consultada. O velho Marechal Pétain interveio, referindo-se à mágoa
que sentia diante de um desigual sacrifício franco-britânico. Reynaud prometeu ir a Londres no dia seguinte,
para consultar o Gabinete de Guerra britânico. O mais importante dessa reunião é que ela revelou os
primeiros sinais de decisão entre os lideres franceses, optando uns pela “luta a todo custo”, outros pela “paz
em separado com a Alemanha”.

Nessa conjuntura, Weygand sofria um desapontamento duplo. Seu plano fora frustrado não só pela
impossibilidade dos exércitos do Norte em atacar no rumo sul, com também porque as forças do Sul não
conseguiram desfechar seu golpe no sentido norte. Estendido atrás das linhas fluviais, desde a Mancha até o
Aisne, estava o grosso de três exércitos - o recém-formado 3° Grupo de Exércitos do General Besson,
composto (de oeste para leste) do 10° Destacamento de Exército do General Robert Altmayer, do 7°Exército
de Frère e do 6° de Touchon. O Plano Weygand estipulava que o ataque para o norte seria feito pelo 7°
Exército, mas como, no dia 25, este ainda não fora feito, Weygand o cancelara lamentavelmente, alegando as
“crescentes dificuldades” do General Frère em fornecer uma força de ataque e completar a defesa do Baixo
Somme. Com este fracasso, talvez se tenha perdido uma grande oportunidade, pois atrás dos grupos Panzer
avançados, e das divisões motorizadas que os acompanhavam, abria-se um vazio altamente vulnerável se
atacado antes de ser preenchido pela infantaria que vinha a seguir.

Havia uma exceção à inatividade do 3° Grupo de Exércitos. Durante três dias, a partir de 26, a recém-
formada 4ª DC (parte do Destacamento de Exército de Altmayer) atacou vigorosamente a poderosa cabeça-
de-ponte alemã ao sul de Abbeville. A divisão do General de Gaulle tinha agora 140 tanques totalmente
operacionais e seis batalhões de infantaria apoiados por seis grupos de artilharia. Nos dois primeiros assaltos,
de Gaulle conquistou dois de seus três objetivos, embora perdesse 1/3 dos seus tanques. Quando a batalha se
reiniciou no dia 29, os alemães haviam recebido reforços, assim como de Gaulle. Naquela noite, suas tropas
foram até a base do formidável Mont Caubert, mas, sem o apoio aéreo que de Gaulle solicitara, não
conseguiram atingir o topo. No dia seguinte, a 4ª DC foi substituída pela 51ª Divisão (Highland) Escocesa
(General Fortune), da FEB. A operação teve êxito, porquanto a cabeça-de-ponte alemã foi grandemente
reduzida e (segundo de Gaulle) o inimigo não podia “desembocar dali em grande numero”.
Embora abandonasse a idéia de um ataque maciço para o norte, Weygand concentrava-se cada vez mais na
batalha que sabia que em breve seria imposta ao 3° Grupo de Exércitos de Besson - a crítica batalha pela
própria França. Ele previa que esta seria desfechada tão logo os alemães tivessem tempo de se reagrupar,
após completar a derrota dos exércitos do Norte. Para encorajar as tropas da linha fluvial do Somme-Aisne
para a próxima luta, ele emitiu uma Ordem Geral, a 26 de maio, que começava assim: “A batalha da qual
depende o destino do país será travada sem se pensar em recuar da posição que ocupamos agora. Todos os
comandantes... devem ser inspirados pela resolução ardente de lutar até a morte no lugar onde estão”.

Mas, juntamente com estas comoventes exortações, a Ordem continha instruções para uma tática
significativamente nova - tal como Gamelin previra no dia 16, ao falar de “núcleos de resistência”. “Atrás de
toda linha principal (continuava a Ordem de Weygand), desde a frente até a maior profundidade possível,
deve-se organizar um tabuleiro de centros de resistência...”. Esta instrução para defesa em profundidade era
revolucionária para os franceses; ela indicava o afastamento do princípio clássico da defesa linear, no qual o
Exército francês há muito confiava. Restava ver até que ponto seria possível se preparar para a nova tática e
ater-se a ela no calor e na pressão da próxima batalha.

Entrementes, na frente norte, as coisas iam de mal a pior. A última linha de resistência concertada pelo 1°
Grupo de Exércitos estava entrando em colapso. No fim do dia 24, o IV Corpo belga, situado no Lys, foi
obrigado a recuar numa frente de 20 km, entre Courtrai e Menin. Lorde Gort, que estava à direita dos belgas,
viu-se, assim, numa situação perigosa, com suas forças ameaçadas de se separarem deles em Menin, o ponto
de junção anglo-belga. Além disso, previa que os belgas seriam forçados à retirada não para oeste, mas para
o norte, aumentando a brecha que se abriria entre os dois exércitos. Já agora (dia 25), a idéia de qualquer
ataque para o sul estava afastada. Naquela noite, Gort ficou alarmado com o aumento da brecha entre ele e os
belgas que resolveu recuar para cobrir Ypres.

Era iminente, para os belgas, o desastre. Quando Blanchard, na ânsia de tapar a brecha em torno de Courtrai,
foi ao GQG belga, no dia 26, para solicitar o enrijecimento da posição aos ataques alemães, o Rei Leopoldo
declarou que usara todas as suas reservas e que suas tropas eram incapazes de desfechar outro ataque. Apelou
para um contra-ataque franco-britânico no setor ameaçado - apelo endossado pelo Chefe do Estado-Maior
belga, general Michiels, que enviou a Gort um pedido de apoio imediato. Ligado a esse SOS havia um aviso
agourento do Alto-Comando belga ao general Weygand “de que a situação do Exército é grave. O Alto-
Comando pretende continuar lutando até os limites dos seus recursos... limites já quase atingidos”. Diante
dos apuros belgas, Blanchrad teve de dizer ao Rei Leopoldo, naquela noite, que FEB seria incapaz de atacar
em Courtrai e que iria abandonar sua linha (à direita dos belgas), mudando para uma posição mais a oeste, a
fim de proteger Ypres e Lille.

À direita da FEB, o 1° Exército francês também estava recuando. Característico destas formações em apuros
era o que acontecia com a 2ª Divisão Norte-Africana, que, no dia 25, estava um pouco ao norte de Douai e
recuando à velocidade de cerca de 32 km por noite. Em ações violentas no Dyle e em outros lugares, ela
sofrera tão pesadas baixas, que o seu regimento remanescente, originariamente composto de 3.000 homens,
estava reduzido a cerca de 1.300. No dia seguinte, sob ataque contínuo, a divisão abriu caminho, lutando até
o outro lado do Lys. Os homens não perdiam o ânimo. O comandante de uma unidade blindada chegou a
dizer a um colega: “Com uma desvantagem de dois para um, poderíamos ter vencido os boches facilmente.
Mas, com quatro para um, o que se pode fazer?”.

No dia 26, Weygand tentou pela última vez controlar os acontecimentos no Norte. Em resposta a um pedido
de Blanchard, de enviar um “coordenador autorizado” para superar as dificuldades de comando, ele mandou
o substituto do general Doumenc, General Koeltz, como seu agente pessoal junto a Blanchard. Em especial,
Koeltz deveria estabelecer a maior cabeça-de-ponte praticável na área de Dunquerque. Numa reunião
realizada, no dia seguinte, na cidade de Cassel, situada numa colina a 30 km ao sul de Dunquerque, à qual
compareceram Koeltz, Blanchard, o Amirante Abrial (encarregado de Dunquerque), dois generais franceses e
dois britânicos, concordou-se que, como o uso de Dunquerque era duvidoso, por causa dos bombardeios, a
ocupação de Gravelines deveria ser fortalecida e Calais deveria ser ocupada, se possível. Mas tal era a
velocidade do avanço alemão que essa última decisão já estava ultrapassada, pois Calais caíra no dia anterior.

Quanto ao resto, Weygand estava limitado a emitir apelos de luta para seus comandantes isolados no Norte.
De Vincennes ele radiografou a Gort, no dia 25: “O Exército britânico deveria participar vigorosamente nos
contra-ataques gerais necessários. A situação exige que se ataque violentamente”. Também enviou uma
mensagem em termos enérgicos ao Rei Leopoldo; parece que Weygand não conseguia compreender as
tremendas dificuldades que esses comandantes enfrentavam. Dois dias depois ele disse ao Primeiro-Ministro
Reynaud, numa conferência: “Os ingleses não só não estão atacando, como também estão recuando; e os
belgas estão cedendo terreno”.

A retirada britânica e a rendição belga


Os belgas estavam realmente cedendo terreno e não combateriam por muito mais tempo. Às 04:00 horas de
28 de maio, depois de 18 dias de resistência decidida e cada vez mais desesperada, o Exército belga depôs as
armas. Recuando continuamente, de acordo com ordens aliadas, e com a maior parte de seu país dominada e
seu material bélico abandonado, ele só podia render-se. Seu destino fora selado, mais de 10 dias antes, pelo
colapso francês no Mosa, que assinalara o eclipse do 1° Grupo de Exércitos. Como Lorde Gort, o Rei
Leopoldo - como Comandante-Chefe - freqüentemente se vira prejudicado pelas condições ruins das
comunicações, pela falta de diretivas adequadas e pela indecisão do Alto-Comando. Militarmente, a
capitulação do Exército belga não fazia muita diferença para a situação geral aliada e sua inevitabilidade já
era clara, há dias. Apesar da resistência ferrenha dos belgas e dos numerosos avisos e pedidos que fez, o Rei
Leopoldo seria violenta e injustamente condenado por render-se - especialmente pelos seus aliados franceses.

Weygand ficou aterrado, quando, em conferência com os Generais Georges, Doumenc e Besson, em
Vincennes, recebeu um comunicado do GQG Nordeste, a 27 de maio, informando que o Rei Leopoldo
solicitara aos alemães os termos de rendição, propondo um cessar-fogo a partir da meia-noite. “A notícia caiu
como um raio”, escreveu ele depois. Numa resposta ao GQG Nordeste ele classificou a atitude do Rei como
um “ato de deserção”. Uma hora depois, Weygand estava no gabinete de Reynaud, onde, numa reunião tensa
a que compareceram o Primeiro-Ministro Pétain, ministros belgas (agora em Paris) e representantes ingleses.
Reynaud atacou implacavelmente o Rei, por abandonar os aliados, por deixar de avisá-los da sua atitude e,
consequentemente, por arriscar toda a posição aliada. A reação franco-britânica à rendição foi deixar claro,
numa declaração emitida no fim da reunião: “os governos inglês e francês conclamam seus comandantes-
chefes à defesa da honra de suas bandeiras, dissociando-se inteiramente do armistício belga”.

Às 08:00 horas da manhã seguinte, os franceses ficaram chocados ao ouvirem seu Primeiro-Ministro, numa
irradiação de âmbito nacional, anunciar a capitulação, nos seguintes termos: “Tenho de anunciar um grave
acontecimento ao povo francês, ocorrido durante a noite. A França não pode mais contar com a ajuda do
Exército belga... exército que de repente se rendeu incondicionalmente, no auge da batalha, por ordem do seu
Rei, sem avisar seus camaradas franceses e ingleses... Durante a batalha, sem um pensamento ou uma
palavra dirigidos aos soldados franceses e ingleses... o Rei Leopoldo III dos belgas depôs as armas numa
atitude sem precedentes na História...”.

Algumas horas depois, o fugitivo Primeiro-Ministro belga, Hubert Pierlot (que, com seu colegas, havia
tentado em vão convencer a Leopoldo a deixar a Bélgica com eles, no dia 25 de maio) apoiava a denúncia de
Reynaud, numa transmissão radiofônica feita em Paris. Naquele dia, entre os líderes aliados, somente
Winston Churchill não condenou o rei belga. Num discurso perante a Câmara dos Comuns em que informava
da capitulação belga, ele aconselhou os membros a adiar seu julgamento até que se tivesse conhecimento dos
fatos. Mas uma semana depois, o Primeiro Ministro britânico deixou de ser imparcial quando, em resposta à
pressão de Reynaud e no interesse da solidariedade franco-britânica, neste momento grave para os aliados,
fez coro com as injúrias ao Rei Leopoldo e, em outro discurso na Câmara dos Comuns, vergastou-o por
render-se “sem consulta prévia, sem o menor aviso, sem ouvir seus ministros e por decisão própria”.

O tratamento dado ao Rei Leopoldo, que, como Comandante-Chefe do Exército belga, traíra supostamente os
franceses e ingleses, por capitular sem aviso, é uma história triste que não tem nada que ver com a narrativa
da derrota da França, exceto num aspecto: Reynaud, cônscio dos crassos erros militares franceses, que
haviam provocado a situação atual, e prevendo a derrota da própria França na próxima batalha em solo
francês, encontrou o líder dos belgas rendido o perfeito bode-expiatório para os erros e deficiências do Alto-
Comando francês. Como já dissemos, militarmente o efeito da capitulação belga foi bastante exagerado.
Embora, na confusão da batalha, houvesse dúvidas quanto ao papel preciso do Rei Leopoldo na campanha de
Flandres, ele mais tarde seria totalmente reabilitado de todas as acusações que lhe foram feitas, pelo
testemunho de um oficial da marinha britânica, o Almirante Sir Roger Keyes (mais tarde Lorde Keyes) que,
como oficial de ligação entre o gabinete de Guerra britânico e o Rei Leopoldo, esteve estreitamente
associado a este durante todos os 18 dias de campanha, registrando em seu diário as reações do Rei aos
acontecimentos, suas intenções, decisões e contatos com Lorde Gort e com o Ato-Comando francês.
Pelo diário, é evidente que, longe de trair os aliados por não lhes ter avisado da sua rendição, o Rei
Leopoldo, a partir de 20 de maio, avisara-os de que, em certas circunstancias, a capitulação belga seria
inevitável. Essas circunstâncias na realidade se manifestaram e não há dúvida de que Reynaud estava a par
do que se passava com os belgas. Voltando a Paris no dia 26, depois de uma conferência com o Gabinete de
Guerra em Londres, ele foi acompanhado de Paul Fenri Spaak, Ministro das Relações Exteriores belga (que
também fizera rápida visita a Londres), que lhe falou da intenção do Rei de capitular, conforme o expressara
a um grupo de ministros belgas, numa reunião dramática em Wynendael, na Bélgica, no dia anterior.
Também Lorde Gort sabia que a resistência belga estava virtualmente no fim, como admitira em seu
Despacho subsequente - muito embora não tenha, ao que parece, recebido o último comunicado no dia 27 de
maio: “... Ele (o Rei) deseja que o senhor compreenda que ele será obrigado a render-se antes de uma
derrocada”.

Grande parte das dificuldades nos últimos e dramáticos dias da batalha de Flandres foi devida ao colapso das
ligações e comunicações na cúpula e a interesses nacionais conflitantes; o Rei Leopoldo provavelmente
sofreu mais com isso do que qualquer dos seus colegas dirigentes. Até 26 de maio não sabia, porque ninguém
o informara, que o Plano Weygand tinha sido abandonado. Também naquele dia ele foi vítima de uma
omissão muito pior: o fracasso de Lorde Gort em informá-lo de que a evacuação da FEB de Dunquerque já
começara, muito embora, na mesma data, Gort reprovasse o Rei, cujas forças estavam em apertos
desesperados, por se retirar de maneira que deixava exposto o flanco esquerdo da FEB. A verdade
desagradável é que, enquanto a frente aliada na Bélgica fracassara, a unidade aliada estava cedendo terreno
às considerações sumamente importantes do salve-se quem puder. Na procura de um bode-expiatório, era
conveniente pôr a culpa no Comandante-Chefe do primeiro aliado a entrar em colapso.

Demoraria muito até que o Rei Leopoldo (prestes a sofrer quatro anos como prisioneiro de guerra alemão na
Bélgica , seguidos de 10 meses como cativo da Gestapo na Alemanha e na Áustria) fosse reabilitado e que os
registros históricos dos acontecimentos na campanha belga fossem corrigidos. Se Reynaud e Churchill
jamais viessem a fazer uma amende honorable para com o Rei, pelo menos o general Weygand, de inicio um
dos mais ferozes acusadores, modificaria sua opinião. Em seu livro, traduzido para o inglês como Recalled to
Service (1952), ele diz: “A 27 de maio, o exército belga estava numa situação perigosa. Todas as suas forças
ainda estavam muito longe do Yser para poder tomar posição ali com tempo suficiente. Sua ala direita,
ameaçada de envolvimento, não podia mais ser salva pelos franceses nem pelos ingleses, que já começavam
a se retirar, em Dunquerque. Logo, era compreensível, que o Comando Belga se considerasse abandonado
por seus aliados”.

No nível político, grande parte da animosidade expressada contra o Rei Leopoldo tinha origem no fato de
que, como Chefe de Estado, ele não fugiu do país com seu governo, permanecendo, em vez disso, na
Bélgica, para compartilhar do destino do seu exército e do seu povo. Mas devemos lembrar que, se o Rei
tivesse deixado a Bélgica com seus principais ministros no dia 25 de maio, como estes insistiram junto a ele,
é quase certo que o Exército belga tivesse capitulado imediatamente e não três dias depois - negando assim à
FEB o apoio de flanco vital para realizar a retirada para Dunquerque.

No dia 28 de maio, as coisas pareciam realmente pretas para os franceses. Naquela noite, o General
Blanchard, em visita ao Comandante do 1° Exercito, General Prioux, em seu posto de comando em
Steenerck, admitiu que seu Grupo de Exércitos não existia mais, porque os belgas já estavam fora de
combate e os ingleses estavam voltando à sua ilha. No começo do dia 29, ele informou a Weygand que
algumas divisões francesas estavam expostas, como resultado da retirada precipitada da FEB. Com um
aliado derrotado e outro em fuga do território, o momento crítico do conflito, naquela área, estava muito
mais perto e mais certo: a Batalha da França.

A grande evacuação da FEB das praias de Dunquerque - a “Operação Dínamo” - estava em franco
andamento quando os belgas (que nada sabiam disso) capitularam. Ela começou no domingo, dia 26, com a
retirada de certas tropas de base; dois dias depois, Lorde Gort deu a ordem geral de retirada para a cabeça-
de-ponte de Dunquerque. A previsão, muito cautelosa, de que ela não duraria mais de dois dias e que só
poderiam retirar cerca de 45.000 homens, mostrou-se totalmente errada. Prosseguindo por mais de uma
semana, a operação de Dunquerque, finalmente, retirou de Flandres mais de 338.000 soldados, dos quais
115.000 franceses (Dos 115.000 soldados franceses evacuados de Dunquerque para a Inglaterra com tanto
sacrifício, nenhum permaneceu. Foram todos recambiados para a França, e terminaram enviados para os
campos de concentração alemães. A única tropa que permaneceu em Londres, atendendo ao apelo de De
Gaulle para continuar a luta, e que constituiu o núcleo das Forças Francesas Livres, foi uma parte da 13ª
Meia-Brigada da Legião Estrangeira, evacuada de Narvik, na Noruega, e que se cobriria de louros nos
desertos africanos e na Itália). Foi um feito enorme de coragem e organização, realizado diante de decidida
oposição inimiga; mas, como Winston Churchill afirmara perante a Câmara dos Comuns, a 4 de junho, “Não
se ganham guerras com evacuações”.

Deve-se notar que dois soldados ingleses foram salvos para cada soldado francês que conseguiu escapar na
grande ponte naval. Isto porque, como Weygand observou, os franceses, na maioria homens do 1° Exército,
de incido estavam mais longe da costa; os últimos defensores ferrenhos de Dunquerque foram franceses:
mais de 26.000 destes foram salvos nos últimos embarques, que chegaram a Dover no dia 4 de junho. Mais
de 30.000, porém, permaneceram, para serem aprisionados - os homens do Setor Fortificado de Flandres e as
12ª, 32ª e 68ª Divisões. Bem para a retaguarda destas estava o grosso de cinco ou três divisões do 1° Exército
(a 1ª Marroquina, a 2ª Norte-Africana e as 4ª, 15ª e 25ª) que, cercadas ao sul de Lys, a 31 de maio, travavam
sua última batalha depois de lutar durante 72 horas procurando abrir caminho para Dunquerque. Dois dias
antes, seu comandante, General Prioux, fora capturado, com seu Estado-Maior, em Steenwerck. Depois de
recusar dois apelos para render-se, o General Molinie, da 25ª Divisão, e o comandante mais graduado cederia
às 20:00 horas de 31 de maio. Durante a crítica primeira fase da evacuação, a força de Molinie impedira o
avanço de seis divisões alemães até Dunquerque. Os próprios alemães reconheceriam seu valor, pois na
manhã seguinte, na Grande Place da cidade de Lille, dois batalhões franceses desfilariam honrosamente, com
suas armas, perante o general Wagner, alemão.

A história de uma das unidades francesas que receberam ordens de atravessar o Lys e posteriormente
alcançaram Dunquerque, um contingente da 2ª Divisão Norte-Africana, foi escrita pelo seu comandante,
Capitão Daniel Barlone. No dia 28 de maio, Barlone estava em Erquinghem, na margem norte do Lys, sem
ordens e sem contato com o QG divisionário; por isso, decidiu ir para Dunquerque naquela noite. Durante a
noite, ele e seus homens abriram caminho lutando, com seus veículos puxados a cavalos, por estradas quase
bloqueadas por intenso tráfego de soldados aliados esgotados, caminhões e canhões, todos indo na mesma
direção. O caos se avolumava com os ataques aéreos constantes. Ao amanhecer de 29, a unidade de Barlone
estava a uns 20 km de Dunquerque. Sob intenso fogo de artilharia alemão, conseguiram alcançar Bergues,
ponto de acesso à cabeça-de-ponte interna, em torno do porto.

Com a intensificação do bombardeio, o grupo de Barlone apressou-se, jogando-se repetidamente nas valas
que margeavam a estrada, agora cheias - inundadas para a defesa da planície de Dunquerque. Nove km
adiante, eles chegaram à costa em Bray-Dunes, pequeno balneário situado a pequena distância de
Dunquerque. Bary era um imenso depósito de veículos e equipamento que os soldados largavam a caminho
da praia. transpondo esses obstáculos, os homens de Barlone souberam, por um oficial francês, que a 2ª
Norte-Africana estava-se reorganizando próximo de La Panne, a leste. Enquanto eles se afastavam, a
enchente subia lentamente sobre a planície cheia de diques, à direita, e ficaram olhando horrorizados para a
“visão constrangedora de dezenas de milhares de veículos abandonados e cavalos soltos”. Ao chegar a La
Panne, Barlone soube que seu comandante de divisão e a maior parte do Estado-Maior haviam sido
capturados, tendo o comandante do 13° de Atiradores Argelinos assumido o comando da divisão. Na manhã
seguinte, numa contagem dos oficiais e homens que seriam embarcados para evacuação, verificou-se que,
dos efetivos da 2ª Divisão Norte-Africana, estavam apenas 1.250, dos 18.000 que a compunham
originalmente.

Ao meio-dia, Barlone, em companhia de um oficial, recebeu ordem para embarcar 550 homens em
Dunquerque a uns 15 km a oeste. Pouco antes de chegarem ao porto, encontraram confusão cada vez maior:
não havia policiais nem sinalização para orientá-los pela cidade destruída, até a zona de embarque.
Abrigando-se do intenso bombardeio, finalmente receberam ordem de embarque às 21:00 horas. Para chegar
ao cais tinham de atravessar uma extensão de 800 metros e duas passadeiras de fortuna, continuamente
bombardeadas. Barlone mandou que seus homens avançassem em grupos de 10, em fila indiana.
Dunquerque estava agora envolta em densa fumaceira que subia dos tanques de óleo em chamas e
mergulhada nas labaredas dos prédios incendiados; grandes áreas haviam sido devastadas, e por toda a parte
o chão estava coalhado de escombros feitos pelos bombardeios. No porto, guindastes abandonados se
projetavam para os céus e os bombardeiros alemães estavam sempre presentes aparentemente sem qualquer
oposição de caças aliados. Na verdade, esses estavam agindo valentemente, mais para o interior.
Finalmente os homens de Barlone - com quatro mortos e vários feridos - atingiram o cais, onde souberam
que seus barcos já tinham partido. Somente às 03:00 horas do dia seguinte é que embarcaram, em dois
pequenos cargueiros. Às 08:00 horas de 31 de maio chegavam ao porto da baía de Dover.

Mas, apesar de toda coragem, engenhosidade e determinação com que as tropas aliadas, galhardamente
auxiliadas pela RAF, possibilitaram a sadia e Dunquerque, um outro fator, verdadeiramente providencial,
proporcionado pelo próprio Hitler, muito concorreu para o êxito da operação. Foi o Fuhrer quem impediu
que as divisões blindadas completassem a destruição das forças franco-britânicas cercadas, ao passar a tarefa
para a Luftwaffe. Numa conferência militar, em Charleville, no dia 24 de maio, Hitler recusou uma proposta
do General Brauchitsch, Comandante-Chefe do Exército alemão, para que se fizesse um ataque blindado em
grande escala contra o 1° Grupo de Exércitos. Declarando que o 1° Grupo de Exércitos estava mesmo
perdido, Hitler salientou que a tarefa principal era preparar-se para o próximo estágio da campanha - da
frente do Somme à extremidade ocidental da “Linha Maginot”. Visando a isto, ele mandou que as formações
blindadas se reagrupassem na área de Saint-Quentin e ordenou que a batalha de Flandres fosse completada
pela infantaria e a Luftwaffe.

Por que Hitler tomou essa decisão, quando tinha nas mãos a destruição da FEB e do 1° Exército francês?
Pouco depois ele confessou a Kleist que, embora soubesse estar perdendo uma chance de ouro, ao deixar os
britânicos escapar em Dunquerque, não queria que seus tanques atolassem na lama de Flandres. Também
alegou que estava no desejo de conservar suas forças blindadas para a próxima campanha, ou que desejava
examinar o estado dos seus tanques antes de empenhá-los em outra ação. O próprio Kleist acreditava que o
Fuhrer encarregara a Luftwaffe de liquidar o bolsão de Dunquerque por sugestão de Goering, que estava
ansioso de ganhar louros.

No dia 26 Hitler deu ordens à Luftwaffe e as instruções foram prontamente entregues às 2ª e 3ª Frotas
Aéreas, de Kesselring e Sperrle. A leste de Dunquerque, o XXXIX Corpo Blindado já havia parado em La
Bassée, enquanto o XIX Corpo de Guderian, ao se preparar para avançar sobre Dunquerque do Sul, recebia
igualmente ordem de parar. Guderian, ao receber a explicação de que a Luftwaffe se encarregaria da
operação de Dunquerque, teve de disfarçar sua surpresa e desagrado, diante do final surpreendente da caçada
que com tanto brilhantismo empreendia desde o dia 15 de maio.

Foi à sombra da derrota de Dunquerque e da rendição belga, na tarde do dia 31, que os lideres franco-
britânicos se reuniram em Paris, para o primeiro Conselho de Guerra Supremo, realizado desde o começo da
ofensiva alemã. A atmosfera era grave: os participantes não tinham quaisquer ilusões sobre os perigos da
próxima fase da batalha. Os interesses nacionais conflitantes agora começavam a intrometer-se claramente.
Ao responder a um pedido de Reynaud, por maior apoio britânico para a defesa da linha Somme-Aisne,
Churchill salientou a necessidade de manter as tropas britânicas no solo pátrio, para combater uma provável
invasão. “Isto também se aplica aos aviões”, acrescentou. Reynaud replicou: “Se estamos derrotados, o
Exército francês terá cumprido sua parte. Não temos mais nada; nem armas, nem roupas, nem reservas”.

Desde a reunião da Comissão de Guerra, no dia 25, o General Weygand vinha encarando as perspectivas da
França com crescente ansiedade. Também ele tinha muitas dúvidas de que seus exércitos pudessem continuar
lutando sem auxílio britânico e verificou que Pétain concordava consigo. No dia 29, ele propôs a Reynaud
que se solicitasse ao governo britânico o envio de tropas e aviões. “Espero resistir na linha Somme-Aisne”,
prosseguiu, “mas é meu dever dizer-lhe que não tenho certeza de poder fazê-lo”. Foi nessa reunião (a que
Pétain e o Almirante Darlan também compareceram) que Reynaud sugeriu que se transformasse a Bretanha
numa fortaleza francesa, no caso de rompimento da linha Somme-Aisne. Numa reunião da Comissão de
Guerra, realizada no dia 31, antes da reunião do Conselho de Guerra Supremo, novamente aventou a idéia.
Weygand, que a princípio não era contra o plano, agora o rejeitava categoricamente, dizendo que não via
como obter tropas e material para guarnecer tal reduto.

Entrementes, à medida que a grande operação de Dunquerque se aproximava do fim, Weygand e seu Estado-
Maior se ocupavam com problemas de defesa mais imediatos. No dia 4 de junho, o Comandante Supremo
decidiu colocar um 4° Grupo de Exércitos, recém-formado e comandado pelo General Huntziger (o 4°
Exército do General Requin e o 2° Exército do General Freydenberg), à direita do 3° Grupo de Exércitos de
Besson. Assim, haveria um grupo de exércitos protegendo cada uma das linhas mais prováveis do avanço
alemão - o baixo Sena e as planícies da Champanhe. O grupo de Besson se estenderia da costa do Canal até o
Aisne, ao norte de Rheims; o de Huntziger protegeria até a extremidade ocidental da “Linha Maginot”,
ligando-se com o 2° Grupo de Exércitos de Prételat (que guarnecia a própria “Linha Maginot”). O General
Georges criou duas forças móveis de reserva para apoiar os grupos de Besson e Huntziger, uma no apoio de
cada grupo de exércitos.

Sendo muito enérgico, Weygand visitava freqüentemente seus comandantes de exército, a quem expressava
grande confiança, tendo sempre, para cada um, uma palavra de ânimo, de esperança, sobretudo aos Generais
Requin, Touchon, Frère e Robert Altmayer. Mas em alguns escalões inferiores havia motivos para forte
inquietação, segundo um observador militar britânico. Fazendo um reconhecimento, na companhia de um
colega, na área de Soissons-Rethel-Rheims (6° Exército), no dia 29 de maio, o Coronel Woodall (Consultor
do Marechal-do-Ar Barratt, no GQG Britânico, e adjunto Aeronáutico do Comandante-Chefe britânico),
ficou desconcertado por não encontrar sinais de escavações, armadilhas para tanques, sistemas de trincheiras,
mas apenas barreiras rodoviárias rudimentares. Também os soldados e canhões eram escassos. Isto não
estava de acordo com o que o QG de Woodall fora informado pelo General Georges - de que a linha do Aisne
estava “fortemente defendida”. A situação lamentável foi confirmada pelo QG do General Touchon, onde
Woodall foi informado de que os alemães poderiam penetrar facilmente na frente do 6° Exército. O 6° estava
“esgotado”, diziam os oficiais, dando de ombros, acrescentando que na dura luta dos últimos 10 dias (quando
a 14ª Divisão De Lattre de Tassigny defendera Rethel galhardamente) ele perdera metade de seu
equipamento.

Em seu posto de comando de les Bondons, o General Georges (em quem Weygand vira um homem diferente,
desde o afastamento de Gamelin), continuava satisfeito com o moral do exército. Ele disse ao Coronel
Woodall, no dia 2 de junho, que as tropas estavam mostrando “novo espírito”. Elas finalmente
compreendiam que “enfrentavam... o funeral do seu país”. E acrescentara que o espírito de Verdun fora
despertado, embora tivesse readmitir que as condições eram menos favoráveis do que em 1916.

Qualquer que fosse o estado do exército, a frente civil francesa parecia estar apenas meio avisada do perigo
que corria o país, e incapaz de tirar partido da calmaria na luta. A construção de defesas estava atrasada, e
não se aproveitavam totalmente os recursos em potencial humano. No dia 2 de junho, o General Besson
informou a Weygand que estava sendo prejudicado na construção de armadilhas de tanques porque lhe
faltavam homens. Nesse meio-tempo, Reynaud exasperava-se porque o Estado-Maior-Geral e o General
Colson, Chefe do Estado-Maior do Ministério da Guerra, não lhe diziam quantos civis precisavam para obras
de defesa entre o Somme e Paris. Alguns dias antes, um correspondente britânico em Paris ficara surpreso ao
ver um grupo de trabalhadores consertando o pedestal de uma estátua, numa ponte sobre o Sena. Tudo isso
era indícios da incapacidade da França, nessa conjuntura, de reunir as forças nacionais, num concentrado
esforço de guerra.

A Batalha pela França


Mas os últimos transportes deixaram, repletos, as praias de Dunquerque, em meio a fortíssimo bombardeio,
Hitler atirou-se com fúria contra o coração da França, na execução da última fase da sua Diretiva n° 13. Ao
terminar o mês de maio, os exércitos alemães dirigiram-se para o sul, afastando-se dos campos de batalha da
Bélgica e Flandres, para se desenvolverem na frente de 360 km de comprimento ao longo das margens norte
do Somme, do Aillete, do Aisne e para leste, rumo a Longuyon. De oeste para leste, os Grupos de Exércitos
“B” e “A” de Rundstedt e Bock confrontavam, por sobre a estreita linha fluvial, os elementos ativos que
restavam do Exército francês - cerca de 140 divisões contra 49. Para liderar o grande assalto reuniram-se 10
divisões - todos os blindados do Exército alemão - agora formadas em 5 corpos de duas Divisões Panzer
cada um. O do General Hoth, situado no extremo oeste, atacaria entre Amiens e o mar; Kleist, comandando
dois corpos, avançaria das cabeças-de-ponte do Somme, em Amiens e Peronne; e Guderian, também com
dois corpos, se dirigiria para o sul, partindo do Aisne. Para fortalecer essa formidável demonstração de poder,
a Luftwaffe já estava de prontidão nos campos de aviação.

A batalha começou ao alvorecer de quarta-feira, 5 de junho, com um maciço bombardeio aéreo e de artilharia
numa frente de 190 km, desde a Mancha até as proximidades de Laon. A seguir, as forças de terra se
movimentaram contra os três exércitos do 3° Grupo de Exércitos de Besson, com os tanques de Kleist saindo
rapidamente das suas cabeças-de-ponte. Antes das 08:00 horas, Weygand sairia às pressas do GQG em
Montry, indo para o posto de comando de Georges, em Les Bondons, de onde observou os primeiros
desenvolvimentos. Não perdeu tempo em emitir uma ordem dramática ao Exército francês: “A Batalha da
França começou. A ordem é defender nossas posições sem pensar em retirada. Oficiais, graduados e
soldados... O destino do nosso País, a salvaguarda das suas liberdades, o futuro dos seus filhos dependem da
sua tenacidade”.
Para os homens dos exércitos de Besson e Huntziger, a expressão “sem pensar em retirada” não era nenhuma
frase oca de Weygand. Eles tinham, literalmente, de lutar e morrer onde estavam. Isto era resultado da nova
tática de defesa em profundidade, mencionada na Ordem de Weygand de 26 de maio - o tabuleiro de xadrez
ou a disposição em quadrillage de posições fortificadas, como aldeias ou pequenos bosques escolhidos
principalmente para impedir aos tanques inimigos o acesso às estradas. Esses pontos de resistência deveriam
apoiar-se mutuamente e proporcionar bases para contra-ataques. Não haveria retirada dessas posições,
mesmo que o inimigo as evitasse. Contra os tanques, esse plano de defesa agressiva era um grande passo à
frente no sentido de modificar o desenvolvimento linear antiquado que os franceses até então preferiam. Mas
o êxito da fórmula de Weygand dependia da posse de aviões, blindados e reservas (e não havia nada disso em
disponibilidade) para contra-atacar as forças inimigas que se desviassem. Weygand entretanto, insistia
inexoravelmente que suas tropas deveriam resistir firmes em seus pontos de resistência, dos quais ninguém
se retiraria.

Examinando a situação com o General Besson, em seu posto de comando de Ferrières, no dia 5, Weygand
ficou satisfeito, assim como Besson, porque as táticas de detenção estavam funcionando. Embora a infantaria
inimiga tivesse assaltado o Aillete, na frente do 6° Exército, ela não conseguira um ponto de apoio
dominante. No setor do 10° Exército, à esquerda, todos os avanços pareciam estar contidos. Mas, no centro,
a posição era menos tranquilizadora. Uma surtida blindada, partindo da cabeça de ponte do Peronne, atingira
Roye, 32 km ao sul. Registrando suas reações aos acontecimentos do dia, Weygand escreveu mais tarde: “Só
temos a enfrentar uma pergunta aflitiva. A intervenção das nossas reservas ... permitiria que esses postos (os
pontos de resistência) fossem apoiados com vigor suficiente para destruir as unidades blindadas que havia
penetrado nossas posições? Este era o problema da batalha”.

Naquela noite também o General Besson estava muito preocupado com a penetração blindada, a ponto de
pensar numa retirada parcial. Durante a noite, ele passou a dar ordens para o 3° Grupo de Exércitos, ordens
que o Capitão Beaufre, do GQG de Montry, descreve como “em contradição formal” com as de Weygand.
Logo após, às 08:00 horas, Weygand convocou prontamente uma reunião com Georges, Besson e Doumenc
em Montry. Beaufre, segundo ele mesmo narra, esperava que Besson fosse demitido, por se opor às
instruções expressas de Weygand. Depois da reunião, ao perguntar a Doumenc o que acontecera, ficou
espantado ao saber que Weygand concordara com a sugestão de Besson, para uma retirada estratégica. Na
opinião de Beaufre, caso se abandonasse o plano quadrillage, os homens perderiam toda a confiança no papel
que lhes fora atribuído, e se iniciaria uma confusão que só poderia aumentar.

Naquela noite, a situação piorara ainda mais. Na frente do 6° Exército, o inimigo abria caminho para Soisson
e avançava pouco a pouco sobre o platô ao sul do Aillete. Na zona central do 7° Exército, os tanques alemães
estavam ainda contidos perto de Peronne, embora mais tanques estivessem chegando ao local. Ali, um ataque
decidido de bombardeiros, desfechado por todas as forças de Besson, de 50 aparelhos, destruíra a ameaça de
avanço. Mas na frente do 10° Exército (o flanco esquerdo de Besson), as duas DP de Hoth haviam aberto
caminho até Hornoy, 3 km a sudeste de Amiens. Para Weygand e seus colegas, que estudavam os mapas de
operações em Montry, a verdade agora era inconfortavelmente clara: com o Aillete já cruzado e com grande
parte da frente do Somme forçada, as duas alas de Besson começavam a ceder terreno.

Às 18:00 horas, Weygand ordenou a retirada do 3° Grupo de Exércitos para um ponto bem atrás da linha
fluvial, de onde ninguém se retiraria. Num esforço para elevar o moral das suas tropas, metidas em grandes
apuros, muitas das quais já cercadas e combatendo tenazmente em suas fortificações sem esperanças de
salvação, ele prenunciou uma repetição da tática do tabuleiro de xadrez mais recuada, “para se estar pronto
para novos êxitos”. Mas as palavras de encorajamento não podiam ocultar o fato de que, no final deste
segundo dia da Batalha da França, o Exército francês estava em retirada e o plano Weygand em ruínas.

À medida que o avanço alemão ganhava impulso, os franceses começaram a recuar em crescente confusão.
No dia 7, a 7ª DP de Rommel, pertencente ao grupo de Hoth, apressou-se em alcançar Forges-les-Eaux,a 40
km de Rouen, no Sena, ameaçando isolar as formações da esquerda do 10° Exército (o IX Corpo e a 51ª
Divisão Escocesa). Já bem tarde naquela noite, Paul Baudouin, ao ser inteirado disso pelo Coronel Bourget,
Chefe do Estado-Maior de Weygand, transmitiu, nervoso, a notícia a Reynaud. O Primeiro Ministro parecia
aturdido. Baudouin tentou tranquizá-lo, mas escreveu em seu diário: “Estou convencido de que a batalha está
perdida”.
No dia seguinte, Rommel dirigiu-se para sudoeste, rumo a Elbeuf, para completar a divisão do 10° Exército e
dominar uma extensão de 160 km do Sena, desde Vernon até o mar. No centro, o 7° Exército recuava para
um ponto a 80 km de Paris. Weygand mandou-o proteger a parte oriental da capital, até o rio Ourcq. Ao
anoitecer de 8 de junho, havia uma tarefa urgente para as tropas dos exércitos de Altmayer e Frère e para o
recém-criado “Exército de Paris”, do General Hering: manter o baixo Sena e as defesas em torno da capital.

Uma vez mais, tal como acontecera na penetração da região do Mosa, os Stukas produziram em toda parte
tremendo caos, pois sobrevoavam a defesas inimigas sem qualquer oposição. Weygand, viajando, no dia 7,
para Ruão, a fim de conferenciar com Altmayer, viu pessoalmente os resultados caóticos do bombardeio
sistemático das comunicações do 10° Exército. “Os aviões tinham campo livre”, queixou-se raivosamente.
Mas, embora o assalto alemão fosse formidável, nessa grande investida no Sul, em certos lugares a coisa
dessa vez não foi nada fácil. As tropas francesas jamais haviam lutado com tanta coragem, durante toda a
campanha. Muitas formações foram cercadas, enquanto se mantinham firmes nos seus pontos de resistência e
bastiões fortificados - formações como a 16ª Divisão do General Mordant (7° Exército), que teve três dos
seus regimentos destruídos, a sul de Amiens, pelo Panzer de Kleist. Unidades de artilharia cercadas atiravam
com alça zero (a ponto branco) e o 19° Grupo de Reconhecimento fez contra-ataques valorosos, mas inúteis,
apenas para ser avassalado pela 29ª DM do inimigo. Por volta de 7 de junho, a divisão de Modant fora
reduzida a três batalhões (grupos) de artilharia e quatro de infantaria, dos 12 originais. Contra desvantagens
cada vez maiores, os franceses combateram durante mais dois adias ainda.

A medida que a situação piorava, uma onda de desânimo se abateu sobre os comandos superiores. Nas ruas
de Forgesles-Eaux, o Capitão Beaufre vira oficiais do Estado-Maior atirar contra aviões inimigos, numa
espécie de “resignação irada”. No posto de comando do General Georges, em Les Bondons, no dia seguinte,
isto é, 8 de junho, o capitão pôde sentir o estado de espírito dos oficiais que cuidavam dos telefones. Um
oficial superior chorava abertamente enquanto examinava o mapa das operações.

Quatro dias depois do assalto ao Somme, Hitler desfechou seu ataque seguinte: contra a frente do Aisne. À
direita do 3° Grupo de Exércitos de Besson, o 4° Exército francês (4° Grupo de Exércitos) era engolfado na
batalha. Weygand dirigiu imediatamente o que chamou de “supremo apelo” aos seus exércitos: “A ofensiva
alemã agora é desfechada por toda a frente, desde o mar até Montmédy. Amanhã ela se estenderá até a Suiça.
Lutemos sem pensar em ceder terreno... onde o Comando o colocou... Chegamos aos últimos instantes.
Mantenham-se firmes”.

A situação militar, cada vez mais grave da França produziu sérias repercussões políticas. A cisão no
Gabinete, entre os que queriam prosseguir na luta e os que desejavam um armistício imediato, ampliava-se
cada vez mais. Quando os alemães atacaram, ainda no dia 5 de junho, Reynaud, tentando fortalecer o grupo
de partidários do prosseguimento da luta, introduziu modificações no seu Gabinete. O velho e pessimista
Pétain, que ele convocara tão esperançosamente três semanas antes, liderava o grupo de derrotistas com o
apoio de Weygand, já agora dominado pela mais sombria das opiniões sobre as perspectivas do Exército
francês. Embora o Primeiro-Ministro compreendesse que não podia, para não ferir o moral nacional, discutir
abertamente ou eliminar qualquer dos dois, decidiu livrar-se de outros duvidosos, como Daladier (então
Ministro do Interior) e De Monzie (Ministro das Obras Públicas), que era partidário dos italianos. Para o
posto de Subsecretário de Guerra foi indicado Charles de Gaulle, patriota valoroso e soldado de alta
qualidade, que desde 1934 pedia a atenção de todos para a necessidade de reformulação de conceitos sobre
táticas de guerra, para a importância dos corpos blindados.

De Gaulle inteirou-se das opiniões de Weygand, ao visitá-lo em Montry, no dia 8. O Comandante Supremo
sustentava que se os alemães cruzassem o Sena e o Marne, seria o fim da França. E acrescentou: a Inglaterra
pedirá paz antes que se passe, depois disso, uma semana. De Gaulle tentou inutilmente discutir com ele.
Muito inquietador era também o ambiente em Montry. A oficialidade parecia convencida da inutilidade da
luta e desejosa de um cessar-fogo. De Gaulle certificou-se de que Weygand não podia mais permanecer como
Comandante Supremo. Ao voltar a Paris, sugeriu a Reynaud a sua substituição pelos General Huntziger; a
resposta do Primeiro-Ministro foi neutra.

Havia outro problema importante preocupando o Primeiro-Ministro francês: a necessidade premente que a
França tinha de, ajuda britânica. Depois de Dunquerque, com a Inglaterra preparando-se contra a esperada
invasão de Hitler, essa ajuda tinha sido forçosamente cortada. Nos primeiros dias de junho, os apelos
franceses dirigidos a Londres por apoio terrestre e aéreo haviam dobrado. Apesar da Inglaterra estar a braços
com a escassez de material e das enormes baixas que sofrera em Flandres, Churchill e seu Ministério da
Guerra haviam feito todo o possível para ajudar com tropas e aviões. Mas Reynaud ainda não estava muito
satisfeito. No dia 8, enviou ele um cabograma a Churchill: “Meu dever é pedir-lhe que lance todas as suas
forças na batalha, como estamos fazendo”. O General Weygand era o maior responsável pela atitude de
Reynaud, pois há muito acalentava ressentimentos contra a Inglaterra, aparentemente por julgar que esta não
entrara com sua parcela no sacrifício francês em tempo de guerra. Nas reuniões do Gabinete de Guerra
britânico, quando se discutia sobre a participação da Inglaterra, Weygand entrou em choque mais de uma vez
com o General Sir Edward Spears, que estava presente, como Oficial de Ligação entre o Gabinete Britânico e
Reynaud.

A cada dia que passava as reuniões do Gabinete de Guerra eram cada vez mais dominadas por uma pergunta:
O que acontecerá se a França perdesse a batalha? A 6 de junho, Weygand, depois de um exame da situação,
perguntou bruscamente a Reynaud: “Você vai continuar com a guerra? Com que, se a área de Paris, onde
estão 70% da indústria bélica, for capturada?”. A resposta de Reynaud incluía uma referência ao reduto
bretão. Weygand disse-lhe ceticamente que não podia prometer defesa na Bretanha. Pétain, em trajes civis,
bigodes brancos, agora uma pálida sombra do grande líder que salvara o exército francês na Primeira Guerra,
normalmente pouco falava nessas reuniões. Diante, porém, da discussão, quebrou o seu proverbial silêncio
para afirmar que, se a batalha em curso malograsse, a única saída da França seria negociar com os alemães.
Nesse ponto o velho marechal não estava sozinho. Naquela noite, durante o jantar, o Presidente do Conselho,
o parlamentar Chautemps, declarou a Paul Baudouin que a luta devia cessar antes que a França fosse
destruída. “O Marechal Pétain vê a posição com a maior clareza”, acrescentou.

Pétain acreditava na inevitabilidade da queda de Paris. Deixou claro seu ponto de vista num texto lido na
reunião do dia 9. E também insistia em que se procurasse o armistício, ao qual Reynaud se opunha
vigorosamente. Enquanto a discussão tensa continuava, Weygand entrou com informes sobre o ataque ao
Aisne. Pintando um quadro mais sombrio, disse acreditar que seus exércitos “estavam chegando ao fim das
suas forças”.

A situação tornava-se realmente precária, com os alemães pressionando, do norte e do oeste, rumo a Paris.
Em cinco dias eles haviam avançado desde o Somme e o Aisne, chegando, e, alguns pontos, a 80 km da
capital. Às 10:00 horas do dia 9, pontas-de-lança inimigas isoladas estavam prestes a cruzar o Sena. Na
floresta de Compiègne, a famosa “Divisão de Ferro” de Nancy (a 11ª) enfrentava ataques inimigos, enquanto
o 7° Exército de Frère recuava para o Oise. Não muito longe, para sudeste, o 6° Exército de Touchon lutava
em defesa de Villers-Cotterets. A leste desta cidade desenvolvia-se novo grande assalto ao Aisne, cuja
intensidade inicial, entre Neufchâtel e Attigny, se abatia sobre a 14ª Divisão de Lattre de Tassigny e a 2ª
Divisão de Klopfenstein. A princípio, essas formações, tenazmente resistentes cederam pouco terreno, mas
antes da noite os alemães penetraram o flanco esquerdo da 2ª, para fixar uma cabeça-de-ponte em Château-
Porcien.

Weygand tinha tudo isso à sua frente, ao estudar os relatórios, naquela noite, no GQG de Montry. Ele achava
chegado o momento de advertir Reynaud, em termos inflexíveis, quanto às eventualidades que confrontavam
as forças francesas. “Os acontecimentos dos dois últimos dias de luta”, escreveu ele num memorando ao
Premier, “obrigam-me a cientificá-lo de que a qualquer momento pode ocorrer a ruptura definitiva das nossas
linhas de defesa:. A seguir, esboçava várias possibilidades. “Se isso acontecer”, prosseguiu, “nossos exércitos
continuarão lutando até se esgotarem suas forças e seus recursos. Mas sua derrota seria apenas uma questão
de tempo”.

Naquela noite, os acontecimentos na frente do Aisne sublinhavam a gravidade do memorando de Weygand.


As tropas de assalto da infantaria atravessando a cabeça-de-ponte do Aisne e Château-Porcien, seguidas da 1ª
Panzer de Guderian. No dia 10, bem cedo, os tanques e a infantaria avançaram até o rio Retourne (ao sul do
Aisne e mais ou menos paralelo a este). Todavia, elas seriam detidas, até o final daquela tarde, por um
contragolpe da formação de reserva do 4° Grupo de Exército, liderado pelo General Buisson. Entrementes, a
2ª Panzer também atravessaria o Aisne e se dirigiria para Rheims, que naquela noite seria ameaçada de
captura. Para leste do 6°, o 4° Exército de Requin já estava flanqueado e recuaria para o Marne. Ao anoitecer
da segunda-feira, 10 de junho, menos de dois depois de iniciada, a batalha do Aisne estava perdida.

Mesmo antes do ataque ao Aisne, o avanço perigosamente veloz dos alemães obrigara Reynaud a tomar um
decisão importante. Na tarde de 8 de junho, notificou ao Conselho de Ministros que o Governo deixaria
Paris, indo para Touraine. No dia seguinte, às 21:00 horas, o decreto foi confirmado em outra reunião. No
Elysée, o Presidente Lebrun, que presidira à reunião, pensava na posição histórica do exército francês no
Marne, em 1914, e conjeturava sobre a possibilidade de o exército de 1940 fazer uma recuperação
igualmente miraculosa.

A queda de Paris
Para os correspondentes dos jornais estrangeiros que faziam a cobertura da guerra em Paris, a segunda-feira,
10 de junho, teve certa importância. Era a primeira vez, desde 10 de maio, que não recebiam seu costumeiro
informe matinal do Coronel Thomas, porta-voz do Ministério da Guerra. Reunidos na ala do relógio do Quai
d’Orsay, os jornalistas aguardavam-no cada vez mais impacientes, até que lhes explicaram o motivo da sua
ausência. Juntamente com muitos outros oficiais, o coronel deixara Paris; o governo começara a deixar a
capital. Durante todo o dia e noite adentro, o êxodo prosseguia, enquanto os comboios governamentais saiam
ruidosamente de Paris, dirigindo-se para sudoeste, para seus destinos na velha cidade de Tours e arredores.
Apesar do alerta de 15 de maio, que poderia ter preparado os funcionários, a ordem de evacuação parece que
surpreendeu a todos. Poucos ministérios haviam feito quaisquer planos; os funcionários públicos se
esforçavam confusamente para improvisar o empacotamento e transporte de seus arquivos. As dificuldades
da evacuação foram aumentadas pela necessidade de ocultá-la do público o mais tempo possível. Havia
também problemas devido à decisão súbita de evacuar por rodovias, e não por ferrovias, como planejado, o
que provocou uma procura sem precedentes de caminhões.

Com este problema complexo sob sua responsabilidade, Reynaud foi novamente abordado, naquela manhã,
pelo general Weygand, que reiterava o pedido de armistício. O Comandante Supremo interrompeu a conversa
que mantinha com de Gaulle, entrando no gabinete de Reynaud, no Ministério da Guerra, e entregando-lhe o
documento que escrevera na noite anterior. Weygand não estava certo sobre o momento de dá-lo ao
Primeiro-Ministro, mas um relatório alarmante do Coronel Burget, na posição do Sena, fez que se decidisse
pela entrega imediata. Reynaud rechaçou com decisão seu ponto de vista de que a batalha estava perdida. De
Gaulle entrou na conversa, apoiando o Primeiro-Ministro. Na discussão que se seguiu, o Primeiro-Ministro
praticamente expulsou Weygand do gabinete. Sumamente desagradável era o fato de que Reynaud e
Weygand já “não falavam a mesma língua”, como este disse. Nos dias seguintes a cisão entre os dois se
tonaria ainda maior.

Naquele momento de tão grandes dificuldades, a França sofreu um golpe que, embora não fosse inesperado,
não deixava de ser doloroso: o Conde Ciano, genro de Mussolini e Ministro do Exterior da Itália anunciou
que, a partir da meia-noite, a Itália entraria em guerra com a França e a Inglaterra. Recebendo a notícia às
16:00 horas, Reynaud a transmitiu imediatamente ao povo francês, num rápido discurso pelo rádio:
“Mussolini decidiu apunhalar-nos pelas costas”, declarou A reação de Weygand, ao ouvir a notícia em
Vincennes, foi idêntica. “A Itália”, escreveu ele, “interveio para satisfazer suas ganâncias por despojos, com
o mínimo de perigo”. No GQG em Montry, os oficiais ouviram enojados uma transmissão radiofônica
italiana que berrava uma avalancha de discursos pontilhados de vivas e o canto triunfante da melodia fascista
italiana, Giovinezza. Não há dúvida de que este último revés criou no seio da oficialidade do Estado-Maior
uma predisposição para o armistício.

A atitude italiana era perfeitamente esperada. Desde a assinatura do Pacto de Aço, em maio de 1939, a Itália
se alinhara firmemente ao lado da Alemanha. Durante o último mês, Mussolini vinha observando, dos Alpes,
os reveses aliados com satisfação e confiança cada vez maior de que chegara o momento de a Itália colher os
despojos de uma vitória fácil.

Compreendendo a situação, Reynaud, em sua reunião com o Gabinete de Guerra britânico, em Londres, a 26
de maio, propusera que se tentasse “comprar” Mussolini fazendo-lhe concessões que envolviam Gibraltar,
Malta, Suez e outras áreas politicamente contenciosas. Os britânicos não se mostraram favoráveis à idéia. Na
opinião de Churchill, os aliados não poderiam oferecer-lhe nada que ele não pudesse obter através de uma
vitória alemã. Assim, durante as semanas seguintes, a situação tensa persistira, com Mussolini aguardando o
momento de atacar.

Para Weygand, a intervenção italiana significava necessidade mais urgente de defesa: a fronteira franco-
italiana seria defendida com as seis divisões restantes do “Exército dos Alpes”, do General Orly, já
demasiada exauridas para reforçar a frente do Somme - Aisne. Mas ele tinha muito pouco a temer dos
italianos. A Itália, como beligerante, não lhe causava muita preocupação. Em junho de 1940 ele não estava
muito preparada para a guerra. Sua Regia Aeronautica, seu exército (que não tinha mais que umas 10
divisões de primeira linha) e Marinha eram mal equipados e seus combatentes não eram nada entusiasmados.
Somente a 20 de junho é que ele desfecharia uma ofensiva em larga escala, mas que foi contida ao longo da
linha francesa avançada, exceto em Lanslebourg, no Departamento de Sabóia e em Menton, na costa
mediterrânea. A principal ameaça ao reduzido exército dos Alpes do general Orly não partia dos italianos,
mas das forças alemães que abriam caminho para o sul e ameaçavam colher os franceses pela retaguarda.

Entrementes, o Marechal Pétain insistia cada vez mais na necessidade de se pedir armistício. Às 18:00 horas
daquele dia, ele chamou ao seu gabinete, à sombra dos Invalides, seu amigo e colega da Primeira Guerra,
General Serrigny, para discutir a situação. Ao lhe mostrar um mapa que apresentava cruamente a situação, o
chocado Serringny perguntou onde estavam as reservas. Pétain respondeu que não havia reserva alguma e
acrescentou que a frente podia continuar resistindo por uns três dias, contando que não fosse totalmente
empenhada em combate. Na mesma noite, em seu gabinete, o Ministro do Interior, Georges Mandel,
conversava com o Prefeito de Policia de Paris, Roger Langeron, e confiava a este a sua força de 25.000
homens, juntamente com o Prefeito do Departamento do Sena, o sério papel de representantes do Governo,
em Paris, quando a capital fosse ocupada pelos Alemães.

Para completar o quadro sombrio daquele dias, outro êxodo estava ocorrendo: a retirada do GQG francês
para posições situadas atrás de Paris. Isto era inevitável desde 8 de junho, quando La Forté-sous-Jouarre fora
ameaçada pelo avanço alemão, mas Weygand tentara adiar a medida tanto quanto possível. Desde então
vinha sendo preparado um local em Briare, cerca de 160 km ao sul da capital, no Departamento do Loire, e
mais ou menos à mesma distância a leste de Tours. No dia 9, o General Georges fora expulso de Les
Bondons, passando o inimigo a avançar contra a própria Montry. Já no dia 10, com suas forças lutando ao
longo do baixo Sena, a posição avançada diante de Paris e no Marne - a última linha de defesa ao norte da
capital - Weygand compreendia que o tempo estava ficando exíguo. Outros relatórios recebidos durante a
tarde e a noite - dando conta da travessia do Sena em alguns pontos, da queda de Villers-Cotterets, avanços
inimigos para o Ourcq e o Marne - finalmente fizeram-no decidir. Nesse mesmo dia, já bem tarde, ele deu
ordens para partir para Briare e todo o complexo e desajeitado GQG francês começou a dirigir-se para o sul.
Naquela noite, depois de um último jantar em Vincennes, o próprio Comandante Supremo e seu Estado-
Maior uniram-se ao êxodo, num trem especial.

A rápida aproximação do inimigo de Paris fazia com que todos perguntassem sobre a defesa da capital. Seria
ela um campo de batalha, com seu bulevares fazendo pano de fundo de uma luta renhida, seus prédios
históricos sujeitos à destruição das bombas e obuses alemães? Ou seria ela considerada cidade aberta,
indefesa e entregue intacta ao inimigo? Weygand considerava Paris uma “cidade aberta”, porquanto não
tinha defesas dentro de seus limites mas seria defendida da “posição avançada”, 30 km ao norte da cidade.
No dia 10 ele notificou a Reynaud, explicando que não se esboçaria qualquer reação a partir dos velhos
fortes situados nos subúrbios de Paris. Se a posição avançada fosse vencida, acreditava ele que a cidade se
tornaria indefensável.

Contudo, até o momento não se fizera qualquer declaração formal sobre a situação da capital. Os parisienses
ansiavam por saber o que aconteceria se o inimigo atingisse a cidade. Três dias antes, o General Vuillemin,
Comandante-Chefe da Força Aérea, temendo intensos ataques aéreos, propusera a evacuação total da cidade.
No dia 9, o General Hering, Governador Militar, transmitira pelo rádio a garantia de que Paris seria
defendida rua por rua. Reynaud, apelando, no dia 10, para a ajuda do Presidente Roosevelt, como líder dos
poderosos e benevolentes Estados Unidos, declarou ambiguamente: “Lutaremos, diante de Paris; lutaremos
atrás de Paris”. O próprio Weygand acentuara as dúvidas, deixando Hering na incerteza quanto às suas
próprias responsabilidades. A falta de clareza na orientação fez com que Langeron, o energético Prefeito de
Policia, ficasse cada vez mais exasperado. De sua parte, ele acreditava que Paris não deveria ser defendida.

Finalmente, para esclarecer a situação, a 11 de junho o impaciente Hering mandou seu representante, General
Lannurien, à presença de Weygand, em seu novo GQG em Briare. Este informou a Lannurien que Paris seria
de fato declarada oficialmente cidade aberta. Naquele mesmo dia o General Hering, designado para liderar o
“Exército de Paris” em sua retirada para o sul da cidade, foi substituído pelo corpulento General Dentz,
comandante do XII Corpo do 5° Exército (da Alsácia) como Governador Militar. A Dentz, ajudado pelo
Prefeito de Policia e pelo Prefeito do Sena, caberia a repugnante tarefa de ficar em Paris, para entregar a
capital aos alemães.

Afinal Paris escaparia à ameaça de destruição. Os soldados alemães, tal como acontecera em 1871, tornariam
a percorrer suas avenidas intactas, impondo-se à cidade por um período indeterminado de tempo. A decisão
de Weygand era militarmente correta: não se teria obtido vantagem alguma em transformar a capital num
campo de batalha, exceto um ligeiro adiamento da vitória final alemã, pois já a 11 de junho, depois de um
mês de reveses absolutos, o exército francês era uma força derrotada, com sua desintegração acelerando-se a
cada dia.

Desde o falso alarme de meados de maio, os parisienses viviam presa de crescente ansiedade. As notícias
inquietantes da guerra e as longas colunas de refugiados que passavam por Paris, vindos do norte, haviam
destruido todas as suas ilusões. Com o inicio do ataque ao Somme, a sensação de medo que desabara sobre a
capital aumentou nitidamente, e os próprios parisienses começavam a unir-se à grande migração para o sul,
em levas cada vez maiores. Lojas, hotéis, restaurantes e teatros começaram a fechar. A evacuação do
governo, notícia que percorrera célere toda a cidade, ainda cedo, no dia 11, intensificou o êxodo, de modo
que em poucos dias mais de um milhão de parisienses haviam deixado a capital. A vasta procissão,
deslocando-se a pé e em veículos, estendia-se por toda a cidade. Outros refugiados sitiavam os terminais
ferroviários do Sul, lutando por lugares em trens já apinhados. As ruas estavam coalhados de restos deixados
pela multidão em fuga à aproximação do inimigo.

Era tal o impulso da evacuação, que o anúncio de que Paris era cidade aberta, publicado na manhã do dia 12,
nada fez para deter a onda que se ia. Do seu escritório na ilha da Cité, Roger Langeron, o Prefeito de Policia,
assistia ao êxodo. No dia seguinte, publicou uma proclamação - “Ao povo de Paris”- garantindo-lhe o
serviço leal da policia, na sua provação. O próprio Langeron experimentou certo ânimo, ao receber, nesse
momento, uma mensagem de apoio de um bom amigo dos parisienses, William C. Bullitt, Embaixador norte-
americano na França. Naquele dia, num telefonema para a Prefeitura, Bullitt expressou a admiração que
sentia pela atitude e comportamento da policia.

A presença de Bullitt em Paris, depois da partida do governo francês, era um tanto anômala. Embora tivesse
pedido permissão a Washington para permanecer em Paris, a fim de atender a um pedido de Reynaud e do
Presidente Lebrun de entregar Paris aos alemães, caso a cidade fosse declarada aberta, Washington era de
opinião de que ele deveria acompanhar o governo francês na mudança para Tours. Mas, como não recebeu
ordens definitivas, Bullitt decidiu por iniciativa própria permanecer em Paris, para agir como intermediário
na entrega da capital e ajudar os parisienses no que pudesse.

Na tarde de 13 de junho, três dias depois de o governo ter deixado Paris, as primeiras unidades alemães
haviam chegado aos arredores da cidade, sendo vistas em Pierrefitte, Drancy, Bobigny, Noisy-le-Sec e em
muitos outros pontos. Às 21:00 horas, a Prefeitura de Policia interceptou um comunicado radiofônico do
Alto-Comando alemão ordenando ao Governador militar que garantisse a ordem durante a passagem das
tropas alemães e que despachasse enviados a Sarcelle, 16 km ao norte de Paris, na estrada para Beauvais,
para receberem as condições de rendição. A princípio recusando a ordem, o General Dentz decidiu aceitar,
sob ameaça de ação militar contra Paris. Ao cair da noite, as últimas tropas francesas da frente norte
evacuada atravessaram os bulevares mais afastados da cidade, agora em black-out - eram os exaustos
remanescentes da 16ª Divisão do General Mordant, do 7° Exército, homens que haviam lutado
corajosamente durante a última semana, recuando das proximidades de Amiens, para apresentarem sua
última resistência no Oise e no Nonette. Paris agora estava aberta aos alemães.

A ocupação alemã da cidade começou na madrugada de Aubervilliers e de sexta-feira, 14 de junho, com a


entrada de unidades isoladas pelas portas de Pantin. Dai em diante o grande fluxo de alemães avolumou-se
rapidamente, até que, pelas 08:00 horas, uma coluna aparentemente interminável de tropas motorizadas,
tendo à frente motociclistas em jaquetas de couro, atravessava Paris no sentido do sul, em direção a
Angoulême. A impressão era de estarem entrando numa cidade abandonada. Gradativamente, porém,
apareceram pessoas para ver a marcha em silêncio. Simultaneamente, outra imensa coluna travessava a
cidade. Muitos parisienses só se inteiraram de que se processava a ocupação da capital ao verem as suásticas
nazistas ondulando ao vento da Torre Eiffel, em prédios públicos e hotéis. Entrementes, em Ecouen, próximo
de Sarcelles, o enviado do General Dentz assinara os termos de rendição - ato que parecia pouco mais que
uma formalidade, pois o General von Studnitz, comandante do Exército de Ocupação, começara a impor um
domínio rígido à cidade mesmo antes da assinatura, ao ocupar prédio importantes, patrulhar a cidade com
carros blindados e caminhões com alto-falantes e policiando os cruzamentos principais com tanques e
metralhadoras. Assim, ele impedira toda a resistência potencial, ainda na hora do café da manhã.

Oficiais alemães foram imediatamente à Prefeitura de Policia no Quai des Orfèvres, para informarem a
Langeron que este deveria apresentar-se ao General von Studnitz às 11:00 horas. Ao apresentar-se, na hora
marcada, no Hotel Crillon, com seu colega, o Prefeito do Sena, Studnitz disse peremptoriamente a Langeron
que, se a ordem fosse mantida e se suas tropas não fossem molestadas, ele nada sofreria.

Para os alemães este foi um dia triunfal e, para celebrá-lo, planejaram uma marcha da vitória pelo coração de
Paris. Dirigiram-se prontamente para a Place de l’Étoile, onde instalaram canhões leves e metralhadoras.
Então, às 09:45 horas, a bandeira de guerra alemã foi hasteada no Arco do Triunfo, tambores, pífaros e
grandes bandas militares prorromperam em músicas marciais e colunas de soldados movimentaram-se numa
parada impressionante pelos Champs Elysées (A peça favorita das bandas alemães para a ocasião foi a
“Marcha da Entrada em Paris”, já tocada nos Campos Elíseos pelos prussianos e austríacos em 1814, em
1815 após Waterloo, e novamente pelos prussianos em 1871, após a triunfal guerra franco-prussiana). Os
homens escolhidos para esta honra pertenciam à 8ª Divisão do General von Koch-Erpach (VIII Corpo) que,
como parte do 4° Exército de Kluge, lutaram duramente na Bélgica e na França, nos arredores de
Valenciennes e Douai, batendo-se mais tarde com o 18° Exército de Kuchler no Somme e no Oise, na
avançada rumo a Paris. Grupos de espectadores soturnos observavam-no enquanto eles dobravam para a
Place de la Concorde. Em outros pontos da cidade, os alemães tentavam conquistar a população, numa
campanha de estudada propaganda, distribuindo folhetos e usando alto-falantes. À medida que os cidadãos
vinhas às ruas, ficavam impressionados com o aspecto físico e com o excelente equipamento dos soldados
em marcha. Também se impressionaram com sua atitude correta e mesmo amistosa (a Gestapo não havia
ainda chegado).

Naquele dia, grande parte de Paris continuou sendo uma cidade tensa e silenciosa com seus moradores
fechados nas suas casas. Percorrendo o Quartier Latin, Rogr Langeron sentiu a atmosfera ansiosa e
apreensiva. Entrementes, na Place de l’Étoille, o Arco do Triunfo, sob o qual flutuava uma imensa bandeira
da suástica, atraia os alemães como um imã; durante toda a tarde eles passaram por ali, fotografando-o e
prestando tributo à sua Chama Eterna, que ilumina o Túmulo do Soldado Desconhecido. Naquela noite, o
Arco do Triunfo se tornou o local de peregrinação dos parisienses enlutados: as mulheres, as mães e os
velhos. E quando o toque de recolher, imposto por Studnitz, soou, às 21:00 horas, a cidade, com suas ruas
desertas, ficou envolvida numa tristeza que nunca vira antes. Testemunho disso, da mágoa imensa que tudo
amortalhava, foi o número de suicídios registrados naquele dia. Um deles foi o de um famoso neurocirurgião,
Professor Thierry de Martel, que naquela manhã ingerira estricnina e deixara uma nota expressando a
impossibilidade de viver sob o tacão nazista.

Continuar lutando ou buscar o armistício?


Se já era vacilante a liderança francesa ainda antes de o governo deixar a capital a 10 de junho, muita mais
débil mostrava-se depois de sua chegada a Tours. Os serviços e comunicações da cidade fatalmente sofreriam
com a mudança pura e simples do governo. As acomodações, muito limitadas, da velha cidade dos dois rios
gêmeos, o Loire e o Cher, regurgitavam de refugiados de Paris e do norte da França. A este quadro desolador
juntavam-se as dificuldades de toda a ordem trazidas pela guerra. Era grande a desorganização
administrativa.

Os planos de recepção eram tristemente inadequados. Muitas repartições públicas e moradias de funcionários
espalhavam-se distantes da cidade. Algumas das instalações requisitadas, inclusive castelos, careciam de
ligação telefônica direta. O Ministério do Interior, sediado num château nos arredores da cidade, tinha uma
única linha que o ligava aos Correios locais. Enquanto o embaixador britânico, Sir Ronald Campbell, muito
sensatamente, providenciou logo a aquisição de um aparelho de rádio, o Presidente da República, no Château
de Cange, a 19 km de Tours, ficou completamente isolado. Para Reynaud, instalado no Château renascentista
de Cissay, situado próximo de Montrichard, só havia um aparelho manual ligado à telefônica local. O general
Weygand, situado a 160 km de distância, em seu castelo de Briare, dependia de um telefone instalado no
banheiro.

Os ministros, em seus vários aposentos, eram prejudicados por estarem muito distantes uns dos outros, tendo
de correr entre o Hotel de Ville de Tours a castelos distantes, por estradas congestionadas e desconhecidas,
para comparecerem às reuniões. Além disso, estavam sempre no desconhecimento dos últimos
acontecimentos, e muitas vezes nem sabiam onde se encontravam seus colegas. A situação militar entrava em
rápido processo de deterioração, tornando mais viva a cisão entre os favoráveis ao armistício e os que se
batiam pela continuação da resistência. Sob tensões cada vez maiores e lutando contra o tempo (pois a
derrota total do exército era agora questão de dias) passavam eles horas de grande tensão, brigando e
debatendo sobre o destino da França. Do dia 11 ao 13, o Conselho de Ministros reuniu-se cinco vezes, e o
Conselho Supremo, duas.

Neste segundo órgão, na última conferência franco-britânica realizada antes da rendição da França, Winston
Churchill, como sempre, foi a figura dominante. Ele esforçou-se resolutamente no sentido de levantar o
ânimo vacilante do seu aliado, prometendo que, em qualquer circunstância, a Inglaterra continuaria a luta.

No dia 11, Reynaud chamara Churchill com urgência para uma reunião no QG de Weygand, em Briare. Com
Anthony Eden, Secretário da Guerra, Sir John Dill, agora Chefe do Estado-Maior Imperial, e o General
Ismay, o Primeiro Ministro Britânico desembarcou num campo de aviação próximo, naquela noite, e todos se
dirigiram para o QG de Weygand, o pouco atraente Château de Muguet, de tijolos vermelhos, onde a
conferência teve inicio às 19:00 horas. O grupo francês era composto de Reynaud, Pétain, Weygand, de
Gaulle e dois auxiliares de Reynaud. O General Sir Edward Spears que estava presente, disse depois que o
ambiente era fúnebre. Os franceses “estavam lívidos, os olhos pregados na mesa”. A única demonstração de
confiança partia de De Gaulle. Depois que Churchill abriu os debates, com uma nota combativa, Weygand
esboçou a situação militar, e o fez em termos muito graves. “É uma corrida entre a exaustão das tropas
francesas, que já estão quase no fim de suas forças, e o estado arquejante do inimigo”, declarou.

O General Georges, que também comparecera, a pedido de Churchill, confirmou a exposição de Weygand,
anunciando a perda de cerca de 25 divisões, desde 5 de junho, e disse que os efetivos de caça da França
estavam eduzidos a uns 180 aviões. Concluiu, sombriamente, declarando que a França estava no fim. Na
questão do apoio aéreo britânico, Churchill explicou a razão da impossibilidade de lançar a RAF em luta na
França. Reynaud retrucou: “A História, sem dúvida, testemunhará que a Batalha da França foi perdida por
falta de aviões”. Mencionou-se o reduto bretão - que Weygand pôs de lado como desfavorável. Pétain
interrompeu para declarar que o recurso às guerrilhas seria destruição da França.

Depois de breve reinicio da reunião, na manhã seguinte, Churchill, ao sair do castelo para voltar à Inglaterra,
falou ao Almirante Darlan: “Não deixe que eles tomem a frota francesa”. Darlan prometeu que jamais
deixaria. Spears, por sua vez, falou com Georges e Pétain. Os dois soldados estavam francamente
pessimistas. “Um armistício é inevitável”, afirmou o velho marechal. Na manhã do dia 12, os Generais
Doumenc e Weygand examinaram a situação com o General Georges, no QG deste último; pouco depois,
Reynaud e Pétain juntaram-se a eles. Os relatórios que chegavam agora eram tão alarmantes, que Weygand
mandou que Georges executasse a ordem drástica que emitira no dia anterior: recuar seus exércitos para uma
linha Caen-Tours-médio Loire-Chamcy-Dijon-Dôle-florestas do Doubs. Um exame do mapa mostrava que
ele estava abandonando todo o norte da França. Nas palavras de Weygand: “nossa única linha de defesa
começava a ruir... A Batalha da França, estava perdida”. Nesse momento angustiante, conforme ele próprio
relata, tomou uma decisão inabalável. Em breve pediria ao governo que negociasse um armistício.

Entrementes, em Tours, os ministros, ansiosos e desde muito sem notícias, conjeturavam sobre as decisões
que estavam sendo tomadas em Briare. Pelo menos souberam, aliviados, que o Conselho de Ministros se
reuniria, naquela noite, no castelo do Presidente. Às 19:30 horas entraram no imenso salão do Château de
Cange (alguns dos ministros estavam atrasados, porque, na confusão, tinham ido para o castelo errado).
Ignorou-se o protocolo normal. Os ministros tomaram seus lugares à vontade, nas duas fileiras de cadeiras
dispostas pelo salão.

Weygand, que também fora detido nas estradas intransitáveis de Briare, foi o último a chegar. Ao lhe pedirem
informes, ele descreveu a desastrosa situação da batalha e passou a fazer sua dramática declaração:
“Naturalmente continuarei resistindo ao inimigo, se o Conselho assim me ordenar. Mas é meu dever dizer-
lhes claramente que a luta deveria cessar a partir deste instante. A guerra está irremediavelmente perdida. Por
outro lado, como Comandante-Chefe do exército e como francês leal, cabe a mim manter a ordem no país.
Não estou disposto a deixar que a França caia na anarquia que sobrevêm sempre a qualquer derrota militar.
Eis por que - embora meu coração de soldado sangre ao dizê-lo - repito que se deve procurar imediatamente
o armistício”.

Esta bomba pôs às claras duramente a questão que não saía do pensamento dos ministros. Reynaud, o
primeiro a responder, implorou que a França honrasse suas obrigações para com seus aliados. Mesmo que o
exército estivesse batido, disse, a França ainda tinha sua frota e seu império. Seguiram-se outros oradores, e
todos rejeitaram a proposta de Weygand, embora não pudessem contestar a lógica do seu raciocínio militar.
Com o debate prosseguindo enquanto anoitecia, tornou-se claro que todos os ministros, exceto Pétain,
apoiavam Reynaud. Lendo uma declaração previamente preparada, (Pétain sempre causava surpresas nas
reuniões quando tirava do bolso uma folha datilografada com a “solução” de alguma proposta aparentemente
inesperada. Assim, convidado a assumir a chefia do Estado, já tinha no bolso a lista de seus ministros. Ao ser
proposta a suspensão da Constituição, tirou do bolso o Ato Constitucional do seu Estado Francês) o marechal
afirmou que qualquer demora no pedido de armistício seria criminosa. Em resposta, Reynaud lembrou que
um armistício destruiria a unidade franco-britânica. Quando a reunião terminou, às 23:00 horas, só se
decidira uma coisa: pedir a Churchill que viesse à França no dia seguinte, 13, para consulta e aconselhar
sobre a causticante questão.

O Primeiro-Ministro britânico desembarcou, na tarde seguinte, na pista, bastante danificada pelos


bombardeios, do aeroporto de Parçay, próximo a Tours. Desta vez, vinham com ele, entre outros, Lorde
Halifax, Ministro do Exterior, e Lorde Beaverbrook, Ministro da Produção Aeronáutica. O estado de
desorganização do governo francês ficou demonstrado pelo fato de ninguém os ter vindo receber no
aeroporto. Eles finalmente chegaram ao Hotel de Ville, onde os levaram a um cômodo modesto, situado no
primeiro andar, o gabinete de Georges Mandel, Ministro do Interior, que logo saiu dali, levando sua bandeja
do almoço, quando os visitantes entraram. Nessa câmara improvisada do Conselho, o grupo de dez ingleses
se encontrava com os franceses, representados por Reynaud, Baudouin e de Gaulle. Apesar do ambiente
informal, nenhuma reunião aliada poderia ter sido mais momentosa. Na pauta das discussões, uma questão
de vida ou morte, que se tornava cada vez mais premente com o passar das horas: deveria a França cortar os
laços de amizade com a Inglaterra e buscar um armistício em separado, ou - com a Batalha da França
praticamente perdida - abandonar o solo metropolitano e tentar continuar lutando na África do Norte?

Abrindo a reunião, Reynaud mencionou um novo aspecto do problema. “Os Estados Unidos são a nossa
esperança”, declarou. “Sem eles, somos impotentes”. O Primeiro-Ministro francês já enviara pelo menos dois
apelos ao Presidente Roosevelt. E agora dizia que enviaria outro, ainda mais urgente. A única chance de
vitória da França, afirmou, dependia da entrada imediata dos Estados Unidos na guerra. Referiu-se às
relações franco-britânicas e perguntou claramente a Churchill se a Inglaterra libertaria a França da sua
aliança. O tema principal da resposta de Churchill assentava-se na certeza de que a Inglaterra continuaria
lutando e apelava para que a França fizesse o mesmo. Insatisfeito, Reynaud reformulou sua pergunta: a
Inglaterra ficaria surpresa se a França fosse obrigada, devido aos seus sofrimentos a pedir permissão para
celebrar um armistício em separado, sem sacrifício dos laços de amizade com a Inglaterra?

Churchill respondeu de maneira um tanto neutra, dizendo que a Inglaterra não podia “concordar com uma
paz celebrada infringindo o acordo recentemente celebrada de aliança até o fim”. Mas, como Reynaud,
Churchill também se voltava para o Presidente Roosevelt. Aprovando a proposta de Reynaud, de um apelo
francês imediato ao Presidente, ele prometeu que os britânicos o endossariam com uma nota. Quando a
reunião foi reiniciada, após breve pausa, Reynaud perguntou a Churchill como os franceses deveriam
abordar Roosevelt. Churchill aconselhou um pedido direto e franco, solicitando toda a ajuda possível, sem
chegar a uma força expedicionária. A reunião terminou num estado tenso e incerto, com a decisão final
dependendo da resposta do presidente norte-americano. Quando o grupo britânico partia para o aeroporto,
Churchill murmurou para o alto e distante General de Gaulle, que pouco falara na reunião: “O homem do
destino”.

Churchill enviou nota a Roosevelt - uma exposição clara e direta das dificuldades francesas - naquela mesma
noite. A mensagem de Reynaud, talvez devido à confusão reinante em Tours, só foi enviada no dia seguinte,
14, na qual dizia: “... Sei que não está apenas nas suas mãos uma declaração de guerra, mas tenho de dizer-
lhe, nesta hora tão grave da História, que, se não puder dar à França, nos próximos dias, uma garantia
positiva de que os Estados Unidos entrarão no conflito dentro de pouco tempo, o destino do mundo será
modificado. Vossa Excelência verá submergir a França, como um afogado, depois de haver lançado um
último olhar para a terra da liberdade, de onde esperava a salvação”.

A 4.800 km de distância, na Casa Branca, em Washington, o Presidente Roosevelt acompanhava a marcha


vitoriosa da Alemanha com crescente inquietação. Embora estivesse ansioso por ajudar os aliados - sendo os
Estados Unidos benevolentemente neutros - ele tinha de lutar contra a poderosa tendência para o
isolacionismo do seu país, além de enfrentar o problema do material bélico a ser enviado aos aliados, e como
assegurar sua pronta entrega. Em fins de maio, as dificuldades dos aliados estavam-se tornando claramente
urgentes. No dia 26, Roosevelt e Cordell Hull, seu Secretário de Estado, pediram aos governos britânico e
francês que não deixassem suas frotas cair em mãos alemães. Entrementes, Reynaud desejava a intervenção
norte-americana numa escala impossível. A 18 de maio, Wiliam Bullitt teve de dissuadi-lo de formular
pedidos para que Roosevelt pessoalmente declarasse guerra à Alemanha. Dez dias depois, ele propôs a Bullitt
que se mandasse a Frota norte-americana do Atlântico para o Mediterrâneo.

No começo de junho, a situação da França parecia tão desesperada aos olhos de Roosevelt e Hull, que
concluíram pela inutilidade de lhe enviar material, que por certo logo seria tomado pelos alemães.
Resolveram então que, daí em diante, qualquer ajuda que os Estados Unidos pudessem prestar deveria ser
dirigida à Inglaterra, tomando as devidas providências para este fim. Mas os Estados Unidos não dariam o
passo definitivo de total comprometimento. Como Cordell Hull deixou claro no dia 6 de junho, os Estados
Unidos não declarariam guerra. Assim, em resposta ao angustiante apelo de Reynaud por ajuda militar,
datado de 10 de junho, Roosevelt não pôde oferecer mais do que palavras de estímulo; o apelo seguinte, feito
no dia 15, não teria resultado melhor.

Entrementes, a conferência aliada na Mairie de Tours não fora a última reunião importante do dia 13. Um
conselho Ministerial fora convocado para as 17:00 horas ao Château de Cange, residência do Presidente
Lebrun. Essa reunião seria particularmente crítica, porque, como Reynaud prometera no dia anterior,
Winston Churchill compareceria para aconselhar sobre a importante questão do armistício. Mas às 18:00
horas, o Presidente, os ministros e o general Weygand ainda esperavam impacientemente a chegada de
Reynaud, juntamente com o Primeiro-Ministro britânico. Quando Reynaud chegou, sem Churchill - que
partira para a Inglaterra - os ministros ficaram consternados. Reynaud explicou, muito constrangido, que
Churchill teve de regressar apressadamente a seu país. A reunião começou numa atmosfera de enorme tensão
e frustração. Weygand tornou a sintetizar a situação militar: as unidades blindadas alemães se dirigiam para
Chartres, no oeste, e Romilly, no leste, e as tropas francesas, no centro, haviam chegado à exaustão. Ele
reiterou vigorosamente seu pedido de um cessar-fogo imediato - acrescentando que, antes de as negociações
se iniciarem, a frota francesa deveria ser enviada para a África do Norte.

Pétain deu seu apoio a Weygand, mas, também desta vez, lendo um documento previamente escrito, ele
salientou que o governo deveria permanecer na França. “Ficarei junto do povo francês para compartilhar das
suas dores e misérias”, disse ele. “Na minha opinião, o armistício é condição necessária à perpetuação de
uma França eterna”.

“Isto é contrário à honra da França”, declarou Reynaud. Outros falaram contra e a favor do armistício. A
reunião terminou às 18:30 horas sem que se chegasse a qualquer decisão. A opinião dominante era de que se
devia esperar a resposta de Roosevelt sobre até onde ele estava preparado para apoiar a França. Mas,
qualquer que fosse a resposta do Presidente americano, o fracasso de Reynaud em trazer Churchill para a
reunião do Conselho Ministerial sugeria a pergunta: Teria a presença de Churchill a essa reunião no dia 13 de
junho, com sua garantia ardente de que a Inglaterra estava empenhada em continuar lutando a todo custo,
fortalecido o espírito vacilante dos ministros franceses e afetado o rumo dos futuros acontecimentos?

O último ato de Reynaud nesse dia (dia em que os parisienses aguardavam, temerosos, a iminente ocupação
alemã da capital) foi transmitir pelo rádio, da Prefeitura de Tours, um discurso dirigido aos americanos e aos
franceses. Aos primeiros ele pediu ajuda, salientando dramaticamente o que os Estados Unidos deviam à
França. Aos seus concidadãos ele transmitiu uma advertência quanto às provações que estavam por vir,
temperada com uma nota de encorajamento. “Sempre expulsamos ou subjugamos o invasor”- exortou o
Primeiro-Ministro.

Os exércitos se desagregam
Para os soldados franceses, o mais desencorajador era a espantosa superioridade do inimigo em equipamento
e potencial humano. A 12 de junho, um oficial francês disse, desanimado, a um oficial do Estado-Maior
britânico em Orleães: “Temos 35 divisões engajadas. Algumas defendem uma frente de 40 km, quando
normalmente deveriam cobrir 8 km, no máximo. Há divisões muito boas, outras são más. O que se pode
fazer? Os alemães tem 80 divisões arrasadoramente melhor equipadas. Que voulez-vous?” Enquanto o
gabinete francês e o General Weygand se degradavam no tumulto de Tours, a maioria das esgotadas unidades
francesas tinham diante de si este quadro verdadeiramente patético. Nove dias depois de iniciada a Batalha
da França os exércitos de Weygand recuavam, numa linha irregular, desde o Canal da Mancha até Nancy,
350 km a leste de paris. Em ambos os lados da capital capturada, as colunas avançadas de tanques alemães
dirigiam-se rapidamente para o sul, em terreno aberto e sem defesas. No oeste, haviam penetrado as posições
do 10° Exército, em torno de Evreux, e, no leste, estavam-se desviando do 4° Grupo de Exércitos de
Huntziger, para avançar, por Troyes e Neufchâteau, rumo a Dijon. Mais a leste ainda, ameaçavam a própria
“Linha Maginot” pela retaguarda.

Agora, à frente dos velozes Panzer alemães estava o grande rio que protegia a França Central: o Loire. Mais
uma vez, apenas quatro dias depois de se mudar para Briare (na margem norte do rio, 80 km a sudeste de
Orleães), o GQG francês corria o risco de ser envolvido pela batalha que se aproximava. Portanto, no dia 14,
ele recuou mais 190 km na direção de sudeste, para Vichy. Mas este era apenas o começo de uma longa
jornada na região sul, visando primeiro à cidade de Montdoré (Departamento de Puy-de-Dôme), depois à
distante Montauban (Departamento de Tarn-et-Garonne). Já então ele seria apenas um QG de emergência,
refletindo a derrocada total que envolvera o exército francês.

Enquanto o comboio do GQG saía de Briare, do outro lado do Loire, a pequena cidade de Gien, a 8 km de
distância, era atacada por grande numero de bombardeiros de mergulho Stuka. O Capitão Beaufre relata que
este peripatético QG estava reduzido a pouco mais do que perguntar às autoridades militares e civis, durante
suas paradas, se estavam combatendo ou recuando. Na jornada do sul, Beaufre observou dois incidentes
bizarros: em Vierzon, entre Briare e Bourges, um comandante de tanques que se preparava para defender a
cidade foi morto pelos seus habitantes; em Clermont-Ferrand, as tropas da guarnição receberam ordens de
desfilar em seus quartéis e se renderem, enquanto seu comandante fugia sozinho (Na sua retirada, o Exército
francês encontrava as situações mais absurdas, de tirar o senso a qualquer um. Nenhuma ponte importante
podia ser destruída na retirada, pela pressão das autoridades civis, policiais e habitantes - “O que! Nossa bela
ponte cujas verbas tanto nos custaram obter!”- Tudo era escondido das tropas, como se tratasse de bandidos.
E tudo acabou nas mãos dos alemães. Mas houve muitas páginas de heroísmo suicida, como as dos cadetes
da Academia de Cavalaria de Saumur: “Tenente, o senhor está enviando-me para a morte certa!”. “Eu vos
faço esta honra, monsiuer!”).

Uma impressão sobre os chefes militares franceses, nesse estágio, nos é dada pelo Tenente-General Alan
Brooke, que estava na França, desde 12 de junho, como Comandante-Chefe da remanescente FEB que ali
permanecera depois de Dunquerque (cerca de 150.000 homens que não tinham feito parte da força de Lorde
Gort, na Bélgica). Brooke visitou Weygand, em Briare, no começo do dia 14, para consultá-lo sobre a
utilização das tropas britânicas na Bretanha. Weygand, com uma aparência “de extremo cansaço”, afirmou
que o exército francês desmoronava dia após dia, e que não havia reservas. Brooke então avistou-se com
Georges, na companhia de Weygand, nas proximidades. Georges, “muito cansado e pálido, mas cativante
como sempre”, levou-os para diante de um grande mapa, mostrando-lhes a situação mais recente - notável
pelas várias penetrações registradas, alarmantemente profundas, de Panzer alemães, assinaladas em
vermelho. Num gesto de desalento, Georges admitiu não ter mais homens, veículos ou canhões.

Examinando o emprego das tropas britânicas, os dois franceses concordaram que o plano do Reduto Bretão
era totalmente quimérico. Brooke calculou que os britânicos não poderiam reunir mais de 4 divisões, ao
passo que os 140 km da projetada frente da Bretanha precisariam de cerca de 15 divisões. Contudo, Weygand
afirmou que, de acordo com as ordens do Conselho Supremo Aliado, ele devia fingir estar executando o
plano. Os dois generais franceses e Brooke então redigiram uma diretiva que colocava as forças britânicas
dentro do esquema de defesa. Mas esta ordem logo fracassou, pois o exército francês não só era incapaz de
fornecer as tropas necessárias, como também Brooke recebera de Londres, naquela noite, a ordem de retirar
as forças britânicas da França e de ele próprio libertar-se do comando francês.

Se era grave o problema da desintegração do exército francês sucumbia aos golpes desfechados pelo inimigo,
problema igualmente terrível constituía, em grandes áreas da França, o deslocamento desordenado da
população civil, feito em levas numerosíssimas, vindas das zonas conflagradas do norte para a região do sul.
Desde 10 de maio o tráfego crescia e crescia, até atingir, segundo algumas estimativas, 12 milhões de
pessoas (1,5 milhão de belgas). Abandonando em desordem regiões inteiras, essas populações obliteravam as
estradas da França, em colunas de quilômetros de extensão. A migração era feita em massa, impossível de
controlar, provocando o caos e a exaustão de recursos nas cidades e aldeias em seu caminho. Essa gente,
sobrecarregada e movendo-se lentamente, muitas vezes sofria o pesadelo dos bombardeios e das rajadas de
metralhadora dos aviões alemães - muito pior do que se tivessem ficado em casa. Do ponto de vista militar, a
fuga desse modo realizada pesou favoravelmente aos alemães, porque anulava qualquer tentativa de fazer
chegar suprimentos às tropas aliadas. O problema se agravara com a falta de planejamento adequado, de
modo que, quando os primeiros fugitivos atravessaram a fronteira francesa, vindos da Bélgica e
Luxemburgo, os funcionários locais não tinham quaisquer instruções sobre como tratar do caso. Além disso,
em certos lugares parecia que agentes alemães estavam em ação, criando pânico e dando falsas orientações
aos aldeões (Segundo as mais sérias investigações históricas atuais, a atuação da chamada “Quinta Coluna”
não existiu. E ainda sem existir, foi eficientíssima por estar sempre presente nas mentes, nos boatos, nos
pânicos e nas desculpas dos que agiam mal, ou não agiam. Como arma psicológica foi importantíssima, mas
nasceu e cresceu apenas na mente desvairada da população e do exército. Onde o medo à Quinta Coluna se
mostrou mais tragicamente ativo foi na Holanda, onde fuzilamentos sumários e linchamentos em massa
foram praticados. O Exército holandês gastou mais tempo e energia em trocar insígnias, senhas e sinais de
reconhecimento, para evitar as imaginárias infiltrações da Quinta Coluna, do que em combater. Os rumores
de pára-quedistas disfarçados em padres e freiras levaram à morte centenas de religiosos deslocados, que
vagavam pelos campos e estradas. O mito da Quinta Coluna ainda persiste entre historiadores oficiais, como
desculpa pela derrota).

Ao assumir o Comando Supremo, o General Weygand ficara desalentado com o congestionamento que as
hordas de fugitivos causavam nas estradas das Flandres e da Picardia. Tentou dirigi-las para certos caminhos,
mas a medida logo fracassou, ante a pressão incontrolável dos refugiados. O começo da batalha da França
provocou outra grande confusão, quando os fugitivos dos departamentos do Baixo-Sena, Somme, Oise,
Sena-e-Oise, Eure, Aisne e Marne e juntaram à peregrinação, muitos deles convergindo para Paris. A 12 de
junho, a viagem de 56 km, da capital até Etampes, levava 24 horas. Sir Edward Spears, oficial de ligação
entre o Gabinete britânico e Reynaud, encontrou idênticas condições a 96 km ao sul, quando se dirigia de
carro de Briare para Tours.

Mas, com o rápido avanço alemão para o Loire, a própria cidade de Tours corria perigo. Assim, a 14 de
junho, dia em que Paris caiu, os comboios do governo partiram da cidade para a sua próxima e última
destinação - Bordéus. Essa próspera capital da província, no Garona, 580 km ao sul de Paris, era o ponto de
encontro não só do governo como de milhares de refugiados.

Ali - uma grande cidade suficientemente distante das batalhas para ser considerada segura - o
congestionamento era pior que em Tours. Os fugitivos, Presidente, ministros, senadores, deputados e altos
funcionários, juntamente com apetrechos administrativos, encheram todos os edifícios públicos disponíveis,
da Prefeitura aos tribunais, da universidade e escolas à sede da Câmara de Comércio. Todas as salas na
cidade foram tomadas e os fugitivos menos afortunados dormiam em cadeiras, nos seus carros ou mesmo nas
calçadas. A crise tomara Bordéus de modo tão repentino que os pavilhões inacabados de uma feira, numa das
suas praças centrais, ficaram desertos. Multidões vagavam ao léu pelas ruas, sedentas de notícias e cheias de
necessidades. Um ar de incerteza e apreensão pairava sobre a cidade.

A atmosfera era pior nos pontos de encontro adotados pelos políticos e seus acompanhantes - o famoso
restaurante “Capon Fin” e os saguões do “Hotel Splendide”. Nesses locais fervilhavam boatos e intrigas, à
medida que, com os exércitos enfrentando a destruição no norte, as “panelinhas” ministeriais e as facções se
reuniam, tramando e trapaceando para conquistar o poder no governo pró-armistício que, segundo parecia
certo, substituiria o de Reynaud nos próximos dias. Do isolamento da Prefeitura da cidade, o Presidente
Lebrun, de 69 anos de idade, examinava essas maquinações politicas e observava sombriamente: “A
atmosfera da cidade é ruim”. Ele estava muito perturbado pelas atividades dos derrotistas, que abordavam
deputados recém-chegados comentando sobre a inutilidade de se continuar lutando, acrescentando que a
única coisa sensata a fazer era dar o negócio por terminado.

Entrementes, Paul Reynaud, em seu gabinete na Rue Vital-Carles, e na sala do conselho da Prefeitura, estava
quase que sempre em conferência, esforçando-se desesperadamente por manter o governo coeso e na defesa
de seu ponto de vista, de “lutar na África”. Ele sabia que o exército francês não tinha mais qualquer
possibilidade de continuar resistindo e que a questão agora era saber como terminar a resistência. Sobre esse
ponto, muito espinhoso, ele estava em choque violento com Weygand, que, cansado de uma viagem de 10
horas de trem, desde Vichy, foi visitá-lo na tarde do dia 15. Reynaud disse a Weygand que queria cessar a
luta na França, mas não pediria armistício. Se necessário, deixaria a França. Sugeriu que Weygand se
rendesse, com seu exército, como o Comandante-Chefe holandês fizera, oferecendo-se para lhe dar a ordem
adequada por escrito. Weygand recusou acaloradamente, dizendo que jamais concordaria em impor tal
desgraça aos estandartes do exército francês.

A discussão recomeçou naquela noite, depois de uma reunião ministerial na Prefeitura. Encontrando-se com
Weygand numa ante-sala, Reynaud advertiu-lhe de que ele teria de fazer uma rendição militar. Weygand
retrucou que nenhum poder do mundo o obrigaria a assinar a capitulação de um exército que lutara como
lutou o exército francês. “Você o fará, se eu lhe der ordem”, disse Reynaud bruscamente. “Nunca”, bradou
Weygand, acrescentando que nenhum oficial francês aceitaria tal humilhação. “Vocês está aqui para
obedecer”, redargüiu Reynaud. “Estou aqui para defender a honra do exército”, respondeu Weygand. “Você e
o presidente estão tentando fugir às suas responsabilidades! O governo assumiu a responsabilidade de
declarar a guerra - ele tem de arcar com a responsabilidade do armistício” (Weygand esquecia-se de que a
responsabilidade do exército na derrota era maior do que a do governo. E os governos nunca tinham
regateado amplas verbas militares - como a onerosa construção da “Linha Maginot”- Mas a ineficiência do
exército era grande, causada pela deficiência intelectual e recursos humanos de baixo nível. Mais da metade
dos soldados tinha idade superior a 25 anos, quando menos de 10% dos alemães atingiam tal faixa. Os níveis
de saúde e aptidão física eram muito baixos. As faixas de idade de coronéis e generais era muito alta, e sua
aptidão física, deficiente. Praças e oficiais, encerrados em guarnições modorrentas, executavam
passivamente rotinas embrutecedoras. A disciplina era simplesmente brutal, sem a eficiência cordial alemã.
Os altos-comandos, satisfeitíssimos com as passadas glórias da França, incansavelmente proclamavam a seu
governo e ao mundo a superioridade da inteligência, do gênio e da competência de sua nação sobre todas as
demais, no campo militar, como nas outras áreas, desprezando as novas idéias, as novas técnicas, os novos
comportamentos. Todo o pensamento criativo era abafado no Exército francês, em qualquer nível. Numa
soberbia provinciana, os militares franceses ignoravam propositadamente o que se passava pelo mundo, ou
mesmo em sua pátria, e não leram a lição já escrita pelos americanos na Primeira Guerra, que se confirmaria
na Segunda: a de que são os civis quem ganham - ou perdem - as guerras).

Entrementes, em Londres, o Gabinete de Guerra britânico permanecia inflexível em obrigar a França a


cumprir o acordo, assinado a 28 de março de 1940, de não celebrar a paz em separado. No entardecer do dia
14, o embaixador britânico, Sir Ronald Campbell, visitou Reynaud para reiterar a atitude da Inglaterra. Ao
mesmo tempo, o grupo favorável ao armistício, dentro e fora do gabinete francês, aumentava a pressão.
Numa reunião ministerial no dia 15, Chautemps (vigoroso defensor do armistício) propôs astutamente que a
França devia solicitar da Alemanha as condições para um armistício, como primeira medida: se inaceitáveis,
elas poderiam ser recusadas. Praticamente sozinho, Reynaud objetou - mas, por fim, concordou que a França
devia pedir permissão à Inglaterra para fazer essa solicitação à Alemanha. Ele também aconselhou, nesse
ínterim, que o Conselho aguardasse a resposta de Roosevelt ao seu apelo.

Mas as esperanças de Reynaud, quanto a este último, seriam destruídas. Naquela noite, bem tarde, chegou a
resposta do Presidente. E não era nada agradável. O general Spears, presente quando a nota chegou,
observou a expressão de horrorizado desalento. “Nosso apelo fracassou”, disse o Primeiro-Ministro, “os
americanos não declararão guerra”.

Cortês e compreensiva, a nota de Roosevelt era uma negativa ambígua. “Permita-me antes de tudo repetir-
lhe, dizia, “a crescente admiração do povo americano e seu governo pela notável coragem que os exércitos
franceses estão demonstrando, em solo francês, em sua resistência ao invasor”. Depois de observar que os
Estados Unidos haviam ajudado a equipar os exércitos aliados nas últimas semanas e continuariam a fazê-lo
enquanto a resistência fosse mantida, a nota concluía: “Sei que V. Excelência compreenderá que essas
declarações não subentendem qualquer promessa de natureza militar. Somente o Congresso tem o poder de
se empenhar em tais compromissos”.

Reynaud já não tinha mais como resistir à exigência do grupo favorável ao armistício, de se pedir um cessar-
fogo imediato à Alemanha, sem se cogitar de retirada do governo para a África do Norte. Como Weygand se
recusara a aceitar uma capitulação militar, qualquer pedido de armistício teria de partir do governo. O
Primeiro-Ministro calculou que 14 ministros, incluindo ele próprio, apoiavam a medida e seis lhe eram
contrários. Além disso, ele compreendia que se recusasse a encabeçar esse pedido de armistício e
apresentasse sua demissão, o Marechal Pétain estaria pronto para ocupar seu lugar, apoiado pelo grupo de
Chautemps, por Weygand e pela sinistra figura do deputado Pierre Laval, que vivia intrigando em favor de
Pétain.

Um ministro que felizmente fora poupado das tramas febris da cidade fora Charles de Gaulle. Enquanto
Reynaud ponderava tristemente sobre os problemas da França às horas mortas do dia 16, de Gaulle cruzava o
Canal da Mancha a caminho de Londres. Sua missão era organizar a ajuda de transportes britânicos na
proposta mudança do governo francês para a África do Norte. Em Londres, ele se envolveria numa tentativa
histórica, mas fracassada, de salvar a França do desastre iminente. Naquela manhã, ele encontrou-se com
dois patriotas, M. Corbin, o embaixador francês, e Monnet, um ministro e membro da Missão Econômica
Francesa em Londres, que lhe falaram de um plano espantoso, então em preparo, para a total União Anglo-
Francesa. Ao almoçar com Churchill, de Gaulle trouxe o assunto à baila e o Primeiro-Ministro, que
aparentemente ignorava o plano, mostrou um interesse cauteloso.

Depois, de Gaulle e Corbin aguardaram na Downing Street n°10 - residência oficial do Primeiro Ministro -
enquanto o Gabinete discutia a questão. Os ministros apareceram e lhe disseram que o plano estava sendo
adotado. De Gaulle telefonou imediatamente para Bordéus, a fim de informar Reynaud, que ficou muito
satisfeito e lhe pediu o teor do texto o mais breve possível, para que ele pudesse apresentar o plano a um
Conselho de Ministros que se reuniria às 17:00 horas. “Era para me dar novo argumento para manter a
França na aliança”, escreveria Reynaud, mais tarde. Na falta de tropas e material bélico, o plano trazia
consigo uma mensagem de esperança e encorajamento a um aliado vacilante naquele momento crítico. A
proposta rezava o seguinte: a República Francesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
deveriam daí em diante constituir uma única nação, com organismos conjuntos de defesa e políticas externa,
financeira e econômica combinadas. Muitas outras coisas as uniriam, nesse momento de perigo comum. Por
último, a União aplicaria todo o seu poder contra o inimigo, onde quer que fosse a luta.

Mas, por mais imaginativa que fosse a oferta britânica, era agora evidente que nenhuma espécie de
intervenção aliada poderia salvar o exército francês do desastre.

Isto porque, por volta de 15 de junho, os alemães penetravam desimpedidos pela França Central. Ao longo da
maior parte da frente de batalha em derrocada, os três grupos de exércitos franceses estavam sendo
sistematicamente flanqueados ou fragmentados. Somente uma linha ao sul de Paris, onde a pressão alemã era
mais fraca, é que os franceses recuavam em ordem. À esquerda, os remanescentes do 10° Exército de
Altmayer estavam sendo perseguidos desde o Risle (um tributário do Sena) rumo ao sul, para Poitiers. A
leste e sudeste de Paris, onde o 4° Exército de Requin e parte do 6° de Touchon virtualmente deixaram de
existir, Verdun caíra e uma ponta-de-lança alemã chegara a Chaumont, bem dentro do Departamento do Alto-
Marne.

Simbolicamente, o pior de todos os golpes ocorrera na França Oriental, com a varredura da “Linha Maginot”.
Surpreendidos na retaguarda, seus defensores, os homens dos exércitos de Préletat, estavam em franca
retirada, ameaçados de cerco pelas forças alemães que no dia 15 de junho haviam atingido Gray e Vesoul, no
vale do Saône. Os QG dos três grupos de exércitos haviam sido forçados a recuar até pontos quase tão ao sul
quanto o GQG em Vichy. O General Weygand, ao voltar para Vichy, vindo de Bordéus, no dia 16, soube de
tudo isso por Doumenc e Georges, em seu QG no “Hotel du Parc”. Georges acrescentou que todos os altos
chefes haviam salientado a impossibilidade de continuar lutando.

Weygand agora não tinha mais dúvidas; era essencial o cessar-fogo. Voltou diretamente a Bordéus, chegando
à Prefeitura ao meio dia, exatamente quando os ministros estavam saindo da reunião do Conselho Ministerial
daquela manhã. Weygand procurou o Presidente, que estava em companhia de Reynaud e outros, e disse-lhe
que, a menos que a luta cessasse imediatamente, o exército seria totalmente destruido. E acrescentou que a
capitulação do exército era contrária à honra do pavilhão francês. Reynaud perguntou-lhe se consideraria
ultrajante para o exército incluir a capitulação na convenção do armistício. “Eu lhe direi quando chegar a
hora”, respondeu Weygand. O Primeiro-Ministro então sugeriu dar-lhe uma ordem por escrito, absolvendo-o,
assim, da responsabilidade da rendição, o que Weygand recusou secamente.

Reynaud acabara de ter uma reunião difícil, confrontado por Pétain, Chautemps e seus seguidores, que lhe
eram francamente antagônicos, por causa da sua chamada tática de retardamento. Para obrigá-lo a uma
decisão, Pétain, levantando-se, tirou do bolso e leu a seguinte carta de demissão: “A gravidade da situação
militar, começou ele, “... me convence da necessidade de o governo pôr fim imediatamente às hostilidades.
Esta é a única medida capaz de salvar o país. O inimigo avança, e se não se colocar um fim a isto, o resultado
será a ocupação e destruição do nosso território”. Tendo encerrado a leitura de seu pedido de demissão, o
velho marechal fez menção de deixar a sala, com outros ministros preparando-se para seguí-lo. Reynaud
deteve-o, sugerindo que, como Pétain apresentara seu pedido de demissão por escrito, pelo menos deveria
aguardar uma resposta formal. Pétain parou e sentou-se, concordando relutantemente num adiamento da
reunião até as 17:00 horas. Mas não esperaria mais, disse.

Às 17:00 horas, 24 ministros entraram na sala do Conselho da Prefeitura. O Presidente Lebrun ocupou a
presidência e Weygand ficou aguardando numa ante-sala. Todos sabiam que esta seria uma reunião crítica.
Não era mais possível adiar a decisão a que tinham fugido durante seis dias de irresolução. Para salientar o
estado desesperado do exército, o Presidente Lebrun recebeu uma mensagem durante a reunião, enviada pelo
General Georges, de Vichy, às 17:00 horas. Ela narrava que a posição piorara ainda mais, e terminava: “É
absolutamente vital que se chegue a uma decisão”.

A leitura da última nota de Roosevelt, por Reynaud, provocou o que Lebrun chamou de reação “um tanto
deprimente”. Igualmente desencorajador foi o comunicado de que os britânicos se recusavam a concordar
com o pedido das condições de armistício. Mas, para Reynaud, o mais desanimador foi a reação dos
ministros - a princípio espantados, depois cépticos - à oferta da União Anglo-Francesa. “Caindo como uma
bomba numa atmosfera tão desfavorável”, escreveu o Presidente Lebrun, “a reação foi muito fria”. Reynaud
mais tarde observou que estava totalmente só no apoio à proposta. Pétain referiu-se insultuosamente a uma
“fusão com um cadáver”. A tensão aumentava à medida que os ministros discutiam sobre as obrigações da
França para com a Inglaterra quanto ao prosseguimento da luta. Reynaud afirmava veementemente que a
honra da França estava envolvida na continuação da luta ao lado do seu aliado. Lançando acusações e contra-
acusações, Mandel e Chautemps diferiam violentamente sobre a questão do armistício. O fatigado Reynaud
agora via à sua frente um Conselho irremediavelmente dividido. Ele acreditava que, embora tivesse vários
seguidores leais, como de Gaulle, Mandel, Marin e outros, já não tinham mais um mandato para chefiar o
governo. Portanto, tomando uma decisão dramática, ele se ergueu, apresentou formalmente sua demissão ao
Presidente e indicou seu sucessor - o Marechal Pétain.

Assim, após 38 dias de luta pesada, ingrata, em favor de uma causa já agora claramente perdida, Paul
Reynaud entregou as rédeas do governo ao homem a quem, ironicamente, chamara, quatro semanas antes,
para inspirar seu vacilante gabinete e reforçar a vontade da França de prosseguir lutando - o homem que, em
última análise, não fez outra coisa senão sugerir recuos, entregas, pedidos de paz.

Às 22:00 horas, depois de uma reunião com o Presidente Lebrun e Reynaud, o Marechal Pétain deixou o
salão presidencial como o novo Primeiro-Ministro da França, empenhado em pôr fim à luta com um
armistício imediato. Pétain não perdera tempo: já trazia em sua pasta a lista de nomes de seus ministros. Às
12:30 horas de 17 de junho, seu novo Ministro do Exterior, Paul Baudouin, entrava em contato com
Lecquerica, Embaixador da Espanha, tomando as primeiras medidas para um pedido de armistício a ser
enviado à Alemanha.

A derrota final
A Batalha da França chegava a seu fim inevitável. Com o colapso das forças francesas, o sofrimento das
multidões em fuga, as indescritíveis vicissitudes que lhes eram impostas intensificavam-se.

Perto de Mâcon (110 km a nordeste de Vichy), a 19 de junho, uma leva enorme de fugitivos, expulsos da
estrada por unidades motorizadas alemães, errava à beira da inanição. Ao saber disso, o General
Freydenberg, comandante dos remanescentes do 2° Exército, que recuavam, queria enviar um comboio de
abastecimento para o norte, para mitigar a fome daquela gente. Despachou, então, um enviado às linhas
inimigas mais próximas, onde este apresentou a um general alemão o pedido de passagem para o comboio. O
general disse-lhe não poder consentir na passagem porque, ao alvorecer do dia seguinte, precisaria de todas
as estradas, em sua zona, para o movimento de tropas. O enviado pediu-lhe, ainda assim, que apresentasse a
solicitação a um escalão superior. O general concordou, embora duvidasse da possibilidade de êxito. A
resposta veio - recusando. Assim, frustou-se a intenção de Freydenberg, de levar à população faminta um
pouco de alimento.

Os refugiados que se esforçavam por cruzar o rio Loire sofreram algumas das piores provações. Em Orleães,
Gien e Sully, as multidões acorriam para as pontes estreitas, provocando imensos engarrafamentos. Pedestres
que avançavam penosamente eram esmagados pelos carros de guerra contra os parapeitos das pontes. Como
as pontes eram alvos básicos alemães, essas multidões muitas vezes ficavam expostas ao bombardeio. Sob a
chuva de bombas, civis, aterrorizados, lançavam-se ao rio, outros pisoteavam os mortos e os feridos. Com o
objetivo de retardar a marcha dos invasores, os sapadores franceses destruiram as pontes, que também eram
buscadas por aquela procissão de quase fantasmas, que partia então em busca de outras travessias. Os
trabalhos de sapa eram tão mal executados que por vezes isolavam metade de um contingente de tropas,
deixando parte de um lado do rio, parte no outro.

Mais aterradora foi a experiência dos refugiados que tentavam atravessar as pontes de Nantes. (Situada em
vários braços do Loire, Nantes tinha suas pontes sobre cada braço). No dia 18 de junho teve inicio uma fuga,
em pânico, da cidade, provocada por um boato de que as pontes seriam destruídas. A multidão era tão densa,
que a travessia da primeira levou uma hora. A turba então lutou para abrir caminho, em meio ao transito
intenso, para chegar à segunda ponte, na ânsia de escapar antes das explosões. Mais uma hora foi gasta nessa
outra travessia. Um oficial francês, que foi arrastado pela multidão, escreveu, mais tarde: “Eu vi a verdadeira
face do pânico”.

Na confusão, prenúncio do colapso de toda ordem nacional, civis e soldados faziam das estradas da França
uma babel colossal. Os desacertos iam ainda mais longe. As zonas da retaguarda estavam repletas de
soldados que aparentemente não haviam entrado em ação. O Presidente Lebru, viajando de Tours para
Bordéus, no dia 14, ficou preocupado ao ver multidões de soldados inaproveitados nas cidades e aldeias. Em
recente reunião do Conselho de Ministros, o próprio Weygand admitira a existência de uns 800 mil homens,
em acampamentos e quartéis franceses, sem qualquer armamento. Entretanto, nos julgamentos de Riom (o
Tribunal de Riom foi criado em junho de 1940 para julgar os líderes que, segundo se dizia, haviam
contribuído para a derrota da França) fizeram-se extraordinárias declarações da existência de quantidades
imensas de equipamento e material sem uso nos depósitos - tanques e canhões antitanques, milhões de
cartuchos. Na zona livre da França e na África do Norte, diziam haver 5.000 aviões, 1.700 deles de linha de
frente; 2.500 desse total nunca haviam voado.

Nessas horas vitais, enquanto recursos franceses inestimáveis continuavam inaproveitados, os exércitos
alemães penetravam ainda mais profundamente o interior do território francês. Os comunicados confusos e
desencontrados que chegavam ao GQG, agora situado em Mont-Doré, completavam a história da derrota.

Os alemães vinham velozes da costa do Canal da Mancha, atravessando a zona do desmembrado 10°
Exército de Altmayer, para tomar Cherburg e Rennes (na Bretanha) no dia 18 de junho. Entrementes, os
britânicos estavam evacuando apressadamente as suas bases na Bretanha. A linha do Loirew rompera-se no
centro e, na noite de 18 para 19, o 3° Grupo de Exércitos de Besson começou a retirar-se para o rio Cher. A
leste, nos vales do Loire e do Saône, as colunas Panzer alemães haviam atingido a curva da linha Roanne-
Mâcon-Bourg-Pontarlier, ameaçando isolar o 2° Grupo de Exércitos e o Exército dos Alpes.

Weygand descreveu como “especialmente doloroso” o destino dos 3°, 5° e 8° Exércitos franceses - os
exércitos da “Linha Maginot”- isolados por ataques alemães desferidos contra a sua retaguarda. No dia 18, o
General Georges emitiu ordens categóricas para seu comandante, General Condé, para que lutasse para
escapar dali. Com seu grande bastião de aço e concreto flanqueado e neutralizado, suas potencialidades
jamais postas adequadamente à prova, o exército francês sofria uma humilhação talvez pior de que se a
lendária muralha de Maginot tivesse sucumbido a um ataque frontal. “Foi doloroso”, registrou Weygand, “ter
de ordenar que nossas tropas abandonassem as fortificações para cuja defesa se haviam preparado com tanta
confiança”.

Mas já então qualquer resistência do exército francês não tinha razão de ser. No dia anterior, domingo, 17 de
junho, o Marechal Pétain, em seu primeiro ato público na qualidade de Primeiro Ministro, comunicou ao
povo francês a sua nomeação para o cargo e as medidas por ele tomadas para o cessar-fogo. “... É com o
coração dolorido”, disse ele, “que lhes digo hoje que devemos cessar a luta (nas versões posteriores o trecho
foi corrigido para: “Chegou o momento de tentar parar a luta”). Procurei o inimigo, ontem à noite, para saber
se estaria disposto a buscar comigo, entre soldados, depois da luta e com todas as honras, os meios de pôr
fim às hostilidades...”

Os franceses receberam a notícia chocados. Muitos recusaram-se a acreditar; alguns, de qualquer modo,
recusaram-se a aceitá-la. O Almirante Traub, Prefeito Naval de Brest, mandou afixar cartazes nas paredes da
cidade proclamando que a França continuaria lutando. No QG do General Alan Brooke, na Bretanha, um dos
seus oficiais franceses de ligação entrou em seu gabinete e deixou-se cair numa cadeira, soluçando. Em
Londres, o Gabinete de Guerra avaliou lugubremente as inferências dessa reviravolta, o que não era de todo
inesperada. Churchill apressou-se a enviar a Pétain e Weygand (agora Ministro da Defesa Nacional e
Comandante-Chefe) uma advertência para que não entregasse a frota francesas aos alemães. Também para
Washington isto era uma consideração fundamental. Juntamente com os ingleses, que dois dias mais tarde
enviaram três altos representantes a Bordéus - o embaixador dos Estados Unidos em Bordéus, Anthony J.
Drexel Biddle Jr., agora intensificava suas tentativas de garantir a retenção desse material valioso.

Entrementes, Pétain e seu novo Gabinete aguardavam ansiosos a resposta ao seu pedido de cessar-fogo. Mas
os alemães não tinham tanta pressa; somente às 6:25 horas é que a resposta chegou às mãos do Embaixador
Lecquerica, em Bordéus, na forma de um pedido dos nomes dos “plenipotenciários” franceses. Para escolhê-
los, Pétain, Weygand, Darlan, Baudouin e outros colegas se reuniram no gabinete do Marechal às 09:00
horas. Baudouin - que não tinha lá, muito tato - sugeriu que o próprio Weygand fosse um dos
plenipotenciários. Finalmente, escolheu-se o General Huntziger, altamente considerado por Weygand, para
chefiar a delegação. O resto do grupo era formado por Léon Noel, ex-embaixador na Polônia; Contra-
Almirante LeLuc, subchefe do Estado-Maior da Marinha; General Parisot, ex-Adido da Aeronáutica em
Roma, e o General Bergeret, da Força Aérea.

Às 14:00 horas do dia 20, a delegação, em dez automóveis, que se distinguiam pelas suas bandeiras brancas,
partiu de Bordéus para Tours, obedecendo instruções alemães de que o grupo deveria chegar depois das
17:00 horas “à ponte do Loire, próximo de Tours”. O fogo seria suspenso na estrada Poitiers-Tours e ao
longo do rio, à passagem do grupo. Nas últimas instruções que Pétain e seus colegas deram a Huntziger, este
recebeu ordens de cancelar imediatamente as negociações se os alemães exigissem a entrega da frota
francesa ou a ocupação do território colonial francês.

O destino dos delegados da rendição era a floresta de Compiègne, cerca de 80 km a nordeste de Paris. Sua
jornada seria sofrida; atrasados pelos intermináveis engarrafamentos de transito, provocados pelas levas de
refugiados que rumavam para o sul, eles não conseguiram chegar ao primeiro ponto de encontro, a ponte do
Loire (cerca de 320 km de Bordéus) antes da madrugada. Entrementes, os impacientes alemães já se haviam
comunicado com Bordéus sobre a chegada do grupo. De Amboise, no Loire, eles viajaram para o norte, noite
adentro, com escolta alemã, sem dormir e sem uma refeição adequada, chegando a Paris às 07:00 horas. Daí
foram quase que imediatamente conduzidos a Compiègne, chegando a Rethondes no meio da tarde, cansados
e famintos. Hitler preparara uma recepção irônica para os derrotados franceses: eles ouviriam as condições
da rendição e assinariam o armistício no mesmo vagão-salão ferroviário em que os plenipotenciários alemães
haviam assinado o armistício, em novembro de 1918, no fim da Primeira Guerra Mundial.

Junto do carro, numa clareira ensolarada, havia uma tenda para os delegados franceses e a pedra
comemorativa da vitória aliada em 1918. Sobre ela ondulava agora o estandarte pessoal do próprio Fuhrer,
com a Cruz de Ferro de 1ª Classe decorando sua túnica simples, fazia-se acompanhar de seus chefes das
Forças Armadas, Goering, Keitel, Brauchitsch, Raeder, e colegas do partido, Ribbentrop e Hess. Depois de
examinar o movimento dos aliados e - como observou o correspondente americano William Shirer, atrás de
uma árvore próxima - fazendo um pequeno gesto de triunfo, abriu caminho para o vagão. Quando os
delegados franceses entraram, os alemães ergueram-se rijos, na saudação nazista. Sentaram-se todos à longa
e estreita mesa, com Huntziger diante de Hitler (Durante a guerra, hábeis montagens cinematográficas de
propaganda aliada repetiam sucessivamente um passo entusiástico de Hitler, transformando-o numa dança de
alegria. Os modernos documentários de cinema não mais incorporam esta versão. A inscrição no monumento
do Armistício de 1918, na clareira de Rethondes, em Compiègne, rezava: Aqui, em 11 de novembro de 1918,
sucumbiu o criminoso orgulho da Alemanha, vencido pelos povos livres que ele quis escravizar”. O cinema
documenta o semblante de Hitler lendo a inscrição, com uma mescla de ódio, desprezo e triunfo. A inscrição
foi destruída imediatamente após. O famoso carro-salão, cenário da assinatura dos dois armistícios, de 1918
e 1940, não mais existe. Foi levado à Alemanha e exibido publicamente em Berlim, até que a situação
aflitiva das ferrovias alemães, causada pelos bombardeios aliados, o incorporou discretamente ao material
rolante. Presume-se que tenha sido destruido anonimamente em algum bombardeio).

O general Keitel, Chefe do Estado-Maior do Alto-Comando das Forças Armadas (OKW), ergueu-se e leu
uma breve declaração negando a responsabilidade da Alemanha pela Primeira Guerra, prestando tributo às
qualidades combativas dos franceses e explicando os futuros objetivos da Alemanha. Quando acabou de ler,
Hitler e os outros retiraram-se do vagão, deixando apenas Keitel e sua equipe de assistentes. As cópias dos
termos de armistício, em alemão, foram distribuídas e cada artigo foi lido pelo intérprete germânico. Não
foram permitidos debates. Os franceses, a seguir, retiraram-se para a sua tenda, a fim de estudar o texto.
Keitel informou laconicamente que todas as dúvidas seriam dirimidas por uma Comissão de Armistício; os
franceses continuaram trabalhando, após ligeira refeição, até altas horas, quando foram levados de volta a
Paris. Às 20:30 horas, Huntziger recebeu permissão de telefonar para Weygand, em Bordéus, lendo-lhe os 24
artigos, considerando-os “muito rigorosos”. O exausto Huntziger acrescentou que os alemães exigiam a
resposta francesa até as 09:00 horas do dia seguinte, 22 de junho (Uma das condições alemães, praticamente
inaceitável, era que a França obrigava-se, imediatamente após, a assinar um armistício com a Itália.
Huntziger protestou veementemente, pois isto obrigaria a França a aceitar condições que ignorava. Os
alemães foram irredutíveis, mas procuraram ser conciliadores, afirmando que os termos italianos seriam
insignificantes. Mas, ao que constava na Itália, Mussolini exigiria a ocupação de todo o território a leste de
Ródano, e a cessão de Nice, da Córsega e da Tunísia. Hitler, entretanto, dobrou seu comparsa, e Huntziger
foi tratado em Roma quase como um triunfador. A atmosfera raiava a situação de farsa, com salamaleques de
Ciano e de Badoglio, que pareciam envergonhados de sua “vitória” e quase se desculpavam por haverem
“vencido” a França).

Nos aposentos do Presidente Lebrun, em Bordéus, o gabinete francês reuniu-se à 01:00 hora para tomar
conhecimento dos termos. Muitos expressaram consternação. O Presidente, indignado, declarou-os
“inaceitáveis”. Os ministros nada fizeram, exceto sugerir várias modificações. Depois de outra reunião, às
08:30 horas, foram transmitidas a Huntziger, em Compiègne, as modificações sugeridas, com a declaração de
que, em princípio, os termos do armistício estavam aceitos. O Gabinete manteve-se reunido quase que
permanentemente, durante o resto daquele dia, enquanto que em Rethondes, os delegados permaneciam em
contínuo contato com os alemães, que se recusavam firmemente a considerar quaisquer emenda, exceto as
insignificantes. Além disso, a presença constante de sentinelas alemães não lhes permitia qualquer
possibilidade de um debate privado. Várias vezes Huntziger telefonou para Bordéus solicitando instruções.
As autoridades alemães consentiram numa dilatação do prazo, até as 21:00 horas, para que os franceses se
decidissem, porém, às 18:00 horas, Keitel apresentou a Huntziger um ultimato: resposta dentro de uma hora.
Em Bordéus, Pétain e nove ministros concordavam incondicionalmente com os termos impostos. Weygand,
por telefone, transmitiu para Rethondes: “Damos ordem para que a delegação francesa, chefiada pelo general
Huntziger, assine o Acordo de Armistício. Informe-nos quando terminar...”.

Assim, às 18:50 horas de sábado, 22 de junho, foi feito o armistício franco-alemão; Keitel pela Alemanha e
Huntziger pela França. Para a delegação francesa, essas últimas horas haviam sido duras e humilhantes.
Ninguém sentia mais a tensão do momento do que o General Charles Huntziger, representante do exército
francês e chefe da delegação. Depois de apor sua assinatura, ele expressou esperanças de melhores relações
franco-alemães e disse a Keitel, com voz carregada de emoção: “Como soldado, general, sabeis com que dor
acabo de fazer o que fiz”. Keitel encerrou a breve cerimônia com uma resposta de adequado cavalheirismo
militar.

Quarenta e oito horas depois, em Roma, Huntziger suportou a indignidade ainda maior de assinar o
armistício da França com a Itália - um inimigo que entrou na luta apenas quando a vitória estava garantida. A
ordem de cessação da luta em todos os fronts foi dada às 00:35 horas de terça-feira, 25 de junho. Depois de
46 dias do principal ataque de Hitler no Ocidente, a França estava vencida. Ao soar o cessar fogo dos seus
corneteiros, ao longo da linha de frente, os alemães ocupavam bem mais da metade da França, numa linha
que se estendia da costa atlântica, em Royan, a Clermont-Ferrand, Saint-Etienne, Tournon, no Ródano, Aix-
les-Bains e, para o norte, até a fronteira suíça.

Enquanto custou isso à França, em homens e material? As baixas totalizaram 100.000 mortos, 120.000
feridos e um milhão e meio de prisioneiros que só viram o fim de um horrível cativeiro 5 anos mais tarde.
Cerca de 40.000 oficiais foram mortos, feridos, desapareceram ou foram aprisionados, havendo 150 generais
entre esses últimos. A diferença entre essa campanha e as batalhas de 1914-18 é demonstrada pelas perdas
francesas na Primeira Guerra: 1.385.300 mortos, 2.675.000 feridos e 446.300 prisioneiros ou desaparecidos -
um tributo que sangrou a França durante quatro anos, mas que não a derrotou. As perdas em equipamento e
material foram imensas. As baixas alemães totalizaram 200.000, 40.000 dos quais foram mortos. Baixas
proporcionalmente elevadas, que falam do valor do soldado francês antes da debacle.

Talvez adequadamente, em meio a essa derrota maciça, a única zona onde as tropas francesas se recusaram a
reconhecer que haviam sido batidas foi a “Linha Maginot”. Isolados nos fortes desse imenso bastião, mais de
200.000 homens resistiram obstinadamente por mais 5 dias, até que receberam ordens do Alto-Comando
francês de depor as armas.

O dia 25 de junho foi declarado de luto nacional. Na grande Catedral de Santo André, em Bordéus, o
Presidente e membros do governo e do corpo diplomático participaram de um ofício solene. Também
naquele dia, o General Weygand emitiu sua última Ordem ao exército francês: “A sorte da guerra”, disse ele,
“foi contra nós, mas pelo menos respondestes magnificamente aos apelos que dirigi ao vosso patriotismo,
vossa bravura e vossa tenacidade... A honra está salva... Permanecei unidos e confiai em vossos líderes...
Perseverai na obediência à ordem e à disciplina. Vive la France”. Pouco depois, em três pontos, entre
Bordéus e Clermont-Ferrand, Weygand passaria revista aos remanescentes do 3° Grupo de Exércitos de
Besson - as tropas dos exércitos de Hering, Frère e Touchon. Weygand registrou que estavam
orgulhosamente de pé, “com expressão triste, mas no olhar, firme, a demonstração de haverem cumprido
com o dever até o fim”.
O General Maxime Weygand pode ter tido suas deficiências. Inflexível, predisposto, ferozmente autoritário,
soldado profissional até a raiz dos cabelos, ele talvez levasse sua lealdade ao exército aos extremos. E seu
patriotismo intenso, embora tacanho, e seu profundo temor ao caos social podem tê-lo feito acreditar que a
França poderia ter um destino pior do que uma vitória alemã. Mas ele foi realmente muito infeliz, ao ser
chamado a comandar um exército já em si derrotado. Nada que ele pudesse ter feito, a partir de 20 de maio,
impediria o esfacelamento do dispositivo bélico francês. Essa derrocada foi o resultado direto da penetração
nas Ardenas e no Mosa, nos dias 13 e 15 de maio; por isso, sete décimos da força blindada da Alemanha,
enfrentando uma oposição débil, feita pelas mais fracas divisões do exército francês, puderam alcançar a
costa do Canal e empurrar os exércitos aliados ao norte antes que Weygand tivesse assumido seu novo
comando.

Esta foi uma derrota militar digna de ser considerada um dos reveses clássicos e decisivos da História.
Entretanto, como o perito militar, Sir Basil Liddell Hart observa: “Nunca um grande desastre foi mais
facilmente evitável”. Ele diz que o avanço blindado alemão poderia ter sido detido muito antes de haver
alcançado o Canal da Mancha, através de um poderoso contra-ataque blindado francês. Era perfeitamente
possível aos franceses, que tinham mais e melhores tanques que o inimigo, rechaçar a investida, se tivessem
colocado seus blindados em formação concentrada - ofensivamente - e não como arma auxiliar da infantaria,
no estilo da Primeira Guerra Mundial.

Sir Basil acrescenta que o avanço alemão poderia ter sido bloqueado ainda mais cedo, no próprio Mosa, se os
franceses não tivessem corrido para a Bélgica, deixando sua “dobradiça” (entre os 9° e 2° Exércitos) tão
fraca, ou se tivessem deslocado mais cedo suas reservas para lá. Diz ele ainda que o Alto-Comando francês
não só considerava as Ardenas inexpugnáveis, como erraram também ao calcularem o tempo necessário para
o inimigo preparar seu ataque ao Mosa, julgando não pudesse ele ser desfechado antes do 9° Dia, e não no 4°
Dia, como ocorreu. Liddell Hart sugere igualmente que o avanço blindado alemão nas Ardenas teria sido
bastante dificultado com o uso de campos minados, ou mesmo derrubando árvores (abatizes) ao longo dos
caminhos da floresta que conduzem ao Mosa (Esta simples providência, do uso de abatizes para bloquear as
estradas das Ardenas, foi sugerida, mas acabou recusada, pois o Alto-Comando francês queria os caminhos
desimpedidos para uma eventual utilização por sua cavalaria, caso houvesse oportunidade de uma invasão da
Alemanha).

Suplementando a análise de Liddell Hart, o autor francês, Coronel R. de Bardies (La Campagne 39-40),
resume as causas diretas do colapso militar francês da seguinte maneira: ausência do material e do
equipamento certos; treinamento errado; falta de comando vigoroso, que não era o forte do General Gamelin
- muito inteligente, mas carente do vigor e do ímpeto necessários; subordinação a uma doutrina defensiva,
quando se impunha era a ofensiva. Além dos motivos alinhados, acrescenta de Bardies, concorreram também
um moral nacional medíocre e uma ignorância política das fortes razões pelas quais a França estava lutando.

De modo geral, os chefes militares franceses viveram por muito tempo apegados a velhos conceitos e
métodos ignorando a revolução que se desenvolvia na Alemanha da arte de guerrear, revolução que a tornou
muito rápida e muito móvel. Diante de um vizinho tradicionalmente hostil e muito mais forte, o comando
militar francês preocupou-se perigosamente só com a defesa. À parte breve período, um pouco antes e
durante o inicio da Primeira Guerra, quando se reviveram técnicas ofensivas, assim mesmo já muito
ultrapassadas, os franceses não se preocuparam senão com a defesa, desde a derrota experimentada na guerra
que sustentaram com a Prússia, em 1870. E o ideal era, ledo engano, uma defesa estática e linear, fossem as
trincheiras da Primeira Guerra, ou, mais tarde, a “Linha Maginot”. Somente quando a campanha ocidental
estava virtualmente perdida é que se ensaiou uma tentativa séria de estabelecer uma defesa e profundidade.
Em apoio da tentativa de formação de “núcleos de resistência” preconizada por Gamelin, ordenara Weygand,
a 5 de junho, um plano defensivo baseado no tabuleiro de xadrez, ou defesa em quadrillage. Este tipo de
formação dependia, porém, para os contra-ataques, de forças de reserva há muito inexistentes.

Pelos muitos erros cometidos durante a batalha e por seus falsos conceitos, não ficou a França a dever
congratulações ao Marechal Philippe Pétain, guinado, depois ao desastre, ironicamente, à direção dos
destinos da pátria humilhada e sofrida. Um de seus primeiros atos foi, através da rádio de Bordéus,
conclamar o povo à disciplina e submissão. Felizmente para a França, outro francês, muito mais identificado
com as tradições de liberdade do país, dirigia-lhe de Londres, para onde escapara a 17 de junho, uma
mensagem de esperança e de fé. Este patriota fois Charles de Gaulle, que em momento de tamanha gravidade
disse a seu povo: “Perdemos uma batalha, não a guerra”.

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