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876 CARTAS LETTERS

Programa de erradicação do Aedes aegypti:


inócuo e perigoso (e ainda perdulário)

The Aedes aegypti eradication program:


useless, hazardous (and wasteful, in addition)

Li a Gi rald o da Si l va Au gu st o 1
Joã o Pau lo Ma ch a d o To r res 1
An d ré Mo n t e i ro Cost a 1
Ca rlos Pon tes 1
Te rez a Ca rlot a Pirez N ovaes 1

1 N ú cleo d e Est u d os em Sa ú d e Coletiva , Ce n t ro d e


Pe sq u isa s Aggeu M a ga l h ã e s, Fu n d a çã o Osw a ld o Cru z .
Ru a d os Coelh os 450, 1 o a n d a r, Boa Vi st a , Re ci f e , PE,
5 0 0 7 0 - 5 0 0 , Bra si l .

Sen h or Ed it o r,
No m u n d o d as fib ra s ó p tica s, d a en ge n h ar ia ge-
n é tica e d a in fo rm á tic a, n o q u al a c iên cia ap on ta p a-
ra n ovos p ara d ig m a s, on d e a in terd is c ip lin a rida d e e a
i n t e g raç ã o d o so cial c o m o am b ie n t e é o n ú c le o d e
se u d isc u r so, d ep ara m o s-n os c om o tr ágic o p ro g ra-
m a q u e p ro pa ga “u m p a ís n ão p ode ser d errotad o p or
u m m osq u ito”, c on fo rm e m at er ial d e d ivu lgaçã o d o
Min is t é r io d a Sa ú d e.
Con sid eran d o qu e: a) a d en gu e é u m a d oen ça p ro-
vocad a p or u m vír u s q u e s e a lo ja n o m osq u ito A ed e s
a e gy p t i , q u e o t ra n sm ite ao h o m e m a través d a p ica -
d a; b ) o m osq u ito te m u m estágio la rvá rio n o seu ci-
clo d e vid a q ue d ep en de d e c ria d o u ro con ten d o águ a
p a rad a p ara seu d ese n vo lvim en to ; c ) se n ão exist is-
se m c r i a d o u ros p a ra a s lar va s q u e se tra n s f o rm a m
em m o sq u it o, n ão h a ve ria a d oe n ç a ; u m p r o g ra m a
eficaz seria aqu e le q ue ce n trasse seu foco n a elim in a-
ção d e cri a d o u ro s e n ão n o m osq u ito ad u lto, q u e faz
ga s ta r in u tilm en te r ecu rs o s fun d a m en ta is p ara o u -
t ras á re a s, co m o o s an ea m e n t o b ás ico e a ed u ca ção
a m b i e n t a l.
In d ep e n d e n t e d e o u tra s p r o p o s i ç õ e s, re p e t e - s e
q u e um Pro g r am a efic ie n t e d e co n tro le d a d e n gu e
n e c e s s a riam e n t e d eve cen t ra r-se n a e lim in aç ão d o s
c ri a d o u ro s. En t e n d e n d o -s e c ri a d o u ro c o m o s e n d o
águ a s p ara d as q ue são d e p ositá ria s d e ovos d o m o s-
q uito (o b se rva ção : caixas- d’á gu a o u filtr os fe cha d os
n ão s ão c r i a d o u ro s, sã o re cip ie n t es q u e d eve m se r
p rot egid os co n tra a a d ição d e p rod u tos q u ím ic os d e
qu a lqu e r n atu reza, p ois d estin am -se a o con su m o h u-
m a n o ).
Pr o g ram as q u e n ã o ap on tem es se cam in h o sã o
n o m ín im o p erd u lá ri o s, in d ep en d e n tem en t e d a in s-
titu ição de origem e d a for m açã o in telectu al d os con -
s u lt o res q u e os in d ic are m .
A d e d u çã o ló gic a d o c o m p lexo cic lo d a d o e n ça
ap on ta p ara u m p ro g ram a op era t ivo b asead o em do is
p i l a re s: san eam en to b á sico e ed uc a ção ; n o en ta n t o,
esses com p on en tes for am , n a p rática, sup r im id os d o
Pro g r am a d e Er rad ic açã o d o A ed e s, p e r m a n e c e n d o
ap en as a ap licaçã o d e ven en os n as á gu as e n o ar, c o-
lo can d o em risc o a p op u lação, já q u e a exp õe a p ro-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(4):876-877, out-dez, 1998


C A RTAS L E T T E R S 877

d u to s q u e são c on h e cid am en te n eu rot óxico s e ale r- rat o d o q u e o u so d e su b s tâ n cias q u ím ic as t óxica s.


gên ic os e q u e, p or ist o, n ão d e p en d em d e d ose p ara Le m b ram os q u e o Man u al d e Com b a te à De n gu e fei-
p rod u zir seu efe ito tó xico. t o p e la Se c re t a ri a d e Esta d o d a Saú d e d e São Pa u l o
A a n ális e d o p r o g ram a o fic ial, s u rp re e n d e n t e - (1997) e n fatiza q u e : “N a ve rd a d e , se tod os colabora s-
m e n t e, m ostra u m a d ire t riz d iferen te d esta d ed u ção. s e m , n ã o seria n ecessá rio u sar in set icid a s. A f i n a l , d e
A p ri o rid ad e d o p ro g ram a oficial está ap on t ad a p ara algu m a form a esses in seticid as sem p re p reju d ica m a
o c om b at e a o m o sq u it o, q u e é a t erc e i ra fas e d a ca- s a ú d e , esp ecia lm en t e d e crian ça s, id osos e p essoa s
d eia de tra n s m is s ã o, p ois esta op ção é in correta qu an - a l é r gi ca s”. Ma is u m a q u estão q u e p re c i s a ria ser a va -
to à com pree n são d o processo d esta d oen ç a, leva n d o liad a s er iam en te é o u s o d e ou tro p rod u to tó xico n o
à in ad equ aç ão d e procedim en tos p ara o seu con tro le. fu m ac ê: o p ire t r ó i d e, q u e p r ovo ca rea ç õ es a lé rg i c a s
Te stem u n ha m os u m in ad e qu ad o u so d e in setici- e m p essoa s sen síveis (Med itext (R)-Med ical Ma n a ge-
d as p elo s agen t es d e saú d e q u e e s tã o s en d o au xilia - m en t 0.0 overv i ew, 01/ 31/ 98). Ne ste se n tid o, tam b ém
d o s p or re c ru ta s d o e xé rcito e m Re c i fe. Na vis ita , o s é u m ab su rd o o u so d essa su b stâ n cia d e form a in d is-
agen tes d e saú d e in form am q u e e st ão co lo can d o n a c rim in ad a, se m u m a a valiaçã o ob jet iva d e su a e ficá -
águ a d a s c a ixa s d ’águ a u m “p oz in h o qu e só é tóx ico cia e d e o u t ro s d a n o s q u e p rovo ca à sa úd e e ao a m -
p a ra as larva s d o m osqu it o”. Ao ve ri fi c a rm os a n a tu - b ie n t e .
reza d esse p ro d u t o, con statam os n o rót ulo d a em b a- Com o co n clu são, p o d er íam o s d izer q u e a lógica
lage m q u e se tra ta d e u m o rg a n o fo s fo ra d o, d e n om e d este p r o g ra m a oficial é ser u m a lógica d e m ercad o e
t écn ic o Te m e fó s, c u jo n om e c om er cia l é Ab at e (u m n ã o d e sa ú d e p ú b lica. Pa ra o e n fren tam e n to d a d en -
a g rotóxic o). g u e, d e veríam os resgatar a n oçã o d e saú d e, d e do en -
Este p rod u to é b astan t e con h ecid o com o n e u ro- ç a, d e vid a , d e ve n e n o, d e san eam en to e d e e cologia .
t óxico p a ra h u m an os, fra giliza m ú s cu lo s e n e r vo s e
p a ra o q u al h á evid ên cias em es tu d os exp eri m e n t a i s
d e e fe it o m u t agê n ico (Ha z a rd ou s Su bsta n ces Da t a
Ban k N u m b e r 956, 1993). Qua n t o a p os síveis efe ito s
c a rc in o gê n ic o s, solicitam os a o De p a rta m e n to d e Qu í-
m i ca d a Un i ver sid ad e Fe d e ral d e Pe rn a m b u co u m a
a valiação do p ro d u t o.
Ain d a m ais su rpresos ficam os a o ver q u e o ve n e-
n o Te m e fó s é coloc ad o p e rio d ica m en t e em to d as as
caixa s d ’á gu a, m es m o a q u elas q u e es tão fe ch ad a s e
q ue p ortan to n ão são cri a d o u ro s. O cálc ulo d e q u an -
tid ad e d e ven en o é feito com o au xílio d e um a tab ela,
q u e e m Pe r n a m b u c o é o d ob ro d a u t ilizad a em Sã o
Pa u l o, e u s a c o m o m ed id as : co lh e re s / b i s n a g a s , le -
va n d o e m c on sid e raçã o o tam an ho físico d o re s e r va-
t ó ri o, in de pen d en tem en te d o volu m e d e águ a qu e n o
m o m e n to est e ja d en tr o d ele. As sim , po d e m a um en -
t ar em m u it o a c o n cen tr aç ão d o ve n e n o, p o n d o e m
risc o a vid a d e p essoas q u e e stão tom a n d o águ a com
q u a l i d a d e, cer tific ad a pe la em p re sa d e san ea m en t o
d o e s ta d o (Com p es a) e p ela Vigilân c ia Sa n i t á ria d a
Se c re t a r ia Estad ua l d e Sa ú d e .
Na c o n d ição d e san it ari s t a s, re a fi rm am os q ue o
m od e lo d e com b a te à d oe n ç a está eq u ivo c a d o.
Os p ró p rios agen tes d e saú d e, a o p e ga rem o p a-
co t e d e ve n e n o, ficam c o m a s m ã os c he ia s d a s u b s-
tân cia tóxica e, co m o n ão sab em d o ris c o, e xp õem -se
a es s e p ro d u to q u ím ic o s e m n e n h u m cu id a d o. Po r
m e io d e st e ale rt a q u e re m o s q u e a p o p u laçã o n ã o
p e rm ita q u e se coloq u e p rod u to tóxico em su as águ as
d e co n su m o, b em com o a Sa ú d e Pú b lic a d eve ria r e-
ver u r ge n tem en te o m od u s facien d i d est e p ro g ram a.
A p o p u laç ão d eve se r o rien ta d a p ara cob rir se u s
re s e rva t ó ri o s, recolh er o lixo e n ã o d eixar águ a p ara-
d a. Na ve rd a d e, o con trole d a d en gu e d eve ria ser feito
com águ a, sab ã o, va s s o u ra, m ed id as d e h igien e a m -
b ien tal, san eam en to e ed ucação, tu d o m u ito m ais b a-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(4):876-877, out-dez, 1998

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