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A CRIANÇA NO GRUPO: OS BENEFÍCIOS DA

PSICOTERAPIA DE GRUPO COM CRIANÇAS


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DE 03 A 05 ANOS
Edvania Lanuce Carvalho Cruz
Paula Cristina Carvalho Dias
Priscila Cerqueira Mancebo
RESUMO
A pesquisa A criança no grupo: os benefícios da Psicoterapia de Grupo com
crianças de 03 a 05 anos teve como objetivo investigar a influência da
Psicoterapia de Grupo, no atendimento às crianças, bem como enfatizar seus
benefícios no que se refere a favorecer o aprendizado, ao lidar com as
dificuldades no dia-a-dia, e também questões de agressividade e competição.
Foi atendido um grupo constituído por sete participantes com idades entre 3 e
5 anos, do sexo masculino e feminino, durante 10 meses.
Palavras-chave: Criança. Psicoterapia de grupo.

ABSTRACT
The research A criança no grupo: os benefícios da Psicoterapia de Grupo
com crianças de 03 a 05 anos had as objective to investigate how the Group
Psycotherapy, in children attendence, could promote benefits as favoring a
learning when dealing with the daily difficulties, aggressiveness and
competition. The group consistin of 7 participants between 3 and 5 years-old,
male anda female, during 10 months.
Keywords: Child. Group Psycotherapy.

ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

O estudo aqui proposto A criança no grupo: os benefícios da


Psicoterapia de Grupo com crianças de 03 a 05 anos tomou como foco
investigar a influência da Psicoterapia de Grupo no campo psíquico e social da
criança e observar, através de atividades lúdicas, como as crianças lidam com
possíveis tensões diárias. Além disso, buscou-se contribuir para a formação do
psicólogo nessa modalidade de intervenão.

1
Excerto da pesquisa A criança no grupo, financiado pelo Centro de Pesquisa do Centro de Ensino
Superior de Juiz de Fora e realizado na Escola Centro Educacional Família Feliz, sob a orientação da 141
professora Ana Rita Carvalho de Ávila Negri.

Juiz de Fora, 2007


Edvania Lanuce Carvalho Cruz/Paula Cristina Carvalho Dias/Priscila Cerqueira Mancebo

O estudo foi realizado através da observação de crianças matriculadas


no primeiro período pré-escolar da escola Centro Educacional Família Feliz ,
em Juiz de Fora. Foi constituído o grupo de observação e intervenção, com 7
participantes de idade entre 3 e 5 anos, dos sexos masculino e feminino e
trabalhou-se com sessões semanais de 60 minutos, no período de 10 meses.
Durante todo o trabalho, foram utilizadas técnicas expressivas como
brinquedos, desenhos, recortes, histórias de contos de fada, sendo esta a
principal proposta.
Na literatura estudada, foram levantados aspectos que envolvem a
criança em seu desenvolvimento físico, psíquico e social, para uma
compreensão global da mesma; e teorias de grupo que pudessem auxiliar na
compreensão da maneira como a criança se comunica no grupo. Foram
estudados os autores Helen Bee (1996), Merval Rosa (1983), Zimerman
(1993), Haim Grunspun (1997), entre outros.
Um dos estudiosos, Helen Bee (1986), aponta que o desenvolvimento
físico, será um facilitador ou um complicador na vida social e afetiva da
criança; as diferenças individuais nos padrões físicos irão repercutir nas
experiências vividas. Além disso, o autoconceito de uma criança se forma a
partir do que ela escuta dos outros e daquilo que ela percebe ser esperado pela
cultura. Dessa forma, a criança, desde tenra idade, percebe que há
preferências decorrentes da aparência e do físico que possui.
De acordo com Rosa (1983), no que se refere ao desenvolvimento
físico na idade pré-escolar, observam-se grandes transformações. Dentre elas,
uma criança de seis anos de idade tem seu peso aumentado cerca de 50% em
relação ao seu peso aos dois anos. Além disso, a estatura de uma criança de seis
anos é cerca de 30% maior do que a altura que possuía aos dois anos. Nesse
sentido, essa fase da vida infantil é marcada por grandes mudanças no
processo evolutivo que trarão novas habilidades e uma exploração cada vez
maior do ambiente que a cerca, portanto é uma fase que merece uma atenção
especial por parte dos pais e educadores. É na idade pré-escolar que o
organismo se torna, estruturalmente, capaz de exercer atividades psicológicas
mais complexas. Segundo o mesmo autor:

A criança nesta fase da vida está constantemente testando suas


novas habilidades físicas e mentais. Daí por que o comportamento
da criança nesta idade se caracteriza por constante atividade
exploratória, quer no terreno perceptivo, motor e verbal, quer
numa espécie de combinação de todos esses aspectos de seu
142 funcionamento. (ROSA, p. 75, 1983)

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Rosa (1983) demonstra algumas mudanças que a criança apresenta


no curso do seu desenvolvimento e acrescenta que alguns pais apresentam
certa dificuldade em se adaptar e acabam por tratá-la de forma inadequada
em relação a sua idade. Desse modo, a criança pode ser privada de
determinadas atividades porque os pais a julgam inapta para a realização
delas. Sendo assim, o autor afirma que:

Muitas vezes os pais se dirigem à criança de cinco ou seis anos como


se ela ainda fosse a mesma de dois anos de idade. O resultado dessa
falta de adaptação por parte dos pais é que muitos procuram impor
rígidos limites ao comportamento da criança, quando de fato ela já
se encontra em fase bem mais avançada do seu processo evolutivo
[...]. (p. 76).

Garrison et al. (1974) também mencionam o papel dos pais no


desenvolvimento infantil. E afirmam que, na medida em que a criança começa
a alargar suas experiências sociais, a aceitação por seus pares torna-se
importante para o conceito que forma de si, visando à independência e à
eficácia geral para seu ajustamento social. Cabe aos cuidadores proporcionar
aos filhos os elementos essenciais para desenvolver-lhes a maturidade e
prepará-los para exercerem, no futuro, suas funções de pais. Esses devem
atender às necessidades que a criança tem de alimento, roupa e abrigo e
também têm a responsabilidade de atender às necessidades psicológicas de
afeto, segurança, proteção, condição, modelos de conduta, realizações e
experiências que auxiliem no aprendizado. Por conseguinte, Garrison et al.
(1974, p. 373) certificam que “é dentro do grupo familiar que a criança forma
conceitos sobre si como pessoa e começa a aprender habilidade para tornar-se
independente e membro responsável de sociedades maiores.”
Conseqüentemente, a forma como se dá esse ajustamento afeta a atmosfera
geral do lar.
O autor levanta outro fator importante para a criança, que é seu
ingresso na escola. O papel da escola, no processo de socialização da criança,
tem sido o de prepará-la para manter a vida e uma ação eficiente na
comunidade, uma vez que ela necessita de atividade, companhia,
independência, auto-expressão, constantes experiências e também de
oportunidades para brincar, como forma de manutenção da saúde e para o
desenvolvimento mental. É importante a criança ser compreendida e tratada
apropriadamente, para que suas necessidades sejam atendidas; estas podem 143
ser enunciadas em torno de necessidades físicas, de condição e integração, em
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termos de realização, reconhecimento, prazeres emocionais e físicos.


Nesse sentido, Vayer e Rocin (1989) sugerem que o desenvolvimento
da criança compreende a maturação biológica junto a um aumento das
possibilidades de agir sobre o meio, o progresso nas trocas de conhecimento e
sua evolução em relação ao mundo e diferenciação do outro. Os autores
salientam que:

[...] o desenvolvimento da criança é um processo que se realiza no


tempo e apresenta um duplo caráter; é uma auto-organização que
se expressa a partir de dados predeterminados de origem genética
e se efetiva num ambiente. O que percebemos nesta ou naquela
criança, a saber, comportamentos, capacidades gerais ou
competências particulares é, pois, o resultado atual da influência
de dois fatores: dados genéticos e história pessoal. (VAYER; ROCIN,
1989, p. 11)

Pode-se apreender dessa citação que o meio desempenha um papel


fundamental no desenvolvimento das possibilidades gerais da criança, pois a
forma pela qual ela constrói sua personalidade depende do meio em que ela
expressa suas primeiras relações e realiza experiências. Considera-se, assim, a
criança – todo ser humano em geral – como um “conjunto de sistemas de
trocas aberto para o mundo” (VAYER; ROCIN, 1989, p. 119).
Para Zimerman (1993), as relações humanas são um campo de
interação, comunicação entre indivíduos e a totalidade grupal social. O ser
humano só existe em função de seus inter-relacionamentos grupais de que,
desde o nascimento, participa “[...] numa constante dialética entre busca de
sua identidade individual e a necessidade de uma identidade grupal social.”
(p. 51).
O autor confere a importância do conhecimento e utilização da
psicologia grupal ao fato de os indivíduos passarem a maior parte de suas vidas
convivendo e interagindo com grupos distintos, desde o primeiro grupo
natural: a família, até as creches, maternais, escolas, grupos de formação
espontânea, entre outros. É dessa forma que a criança estabelece vínculos
grupais diversificados. Até a vida adulta os agrupamentos vão se renovando e
ampliando.
No que se refere à montagem de um grupo de terapia, Zimerman
(1993) considera que há uma condição básica que se deve preencher que é
ter uma definição bastante clara quanto aos objetivos terapêuticos e o tipo de
144 paciente que pode ser encaminhado. O autor sugere encontrar “uma resposta

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às perguntas: para que; para quem; como; onde; quando” (p. 65) e
ainda ter respaldo de um supervisor para o recrutamento e encaminhamento.
Para Grünspun (1997), o grupo com crianças, que representa o tema
desta pesquisa deve obedecer a critérios, como limite de faixa-etária, o perfil
das crianças selecionadas e patologias apresentadas. E há características
particulares como a comunicação que, nesse tipo de grupo, ocorre através de
uma linguagem motora e lúdica. Deve-se, portanto, contar com material
próprio que propicie o uso de jogos e brincadeiras.
Sendo assim, o autor afirma que a importância do brincar reside no
fato de que é esse o modo de expressão infantil. Grünspun (1997, p. 17) supõe
que “a criança se empenha em jogar para fora seus problemas se lhe for dada
esta oportunidade.” Toda brincadeira é cheia de simbolismos e também
fantasia, mas, mesmo para a criança capaz de simbolizar, tudo é concreto e
real. Na fantasia, ela cria um mundo sobre a realidade para que compreenda
melhor tanto o seu mundo interno quanto o mundo externo.
O grupo de psicoterapia com crianças favorece a empatia, a
cooperação e as ajuda a lidar com dificuldades em questões de agressividade,
competição e inveja. Lakin apud Grüspun, afirma que:

No ambiente grupal, as crianças fazem comparações sociais


avaliando seus pensamentos e comportamentos frente a seus
parceiros da mesma idade e aprendem a negociar as orientações na
vida com parceiros de mais idade. (1997, p. 31).

DADOS DA PESQUISA

Foram realizadas 22 sessões de grupos semanais, com duração de 60


(sessenta minutos), no período de 15 de abril a 25 de novembro de 2005, com
participação de 7 crianças, de idades entre 3 e 5 anos. Em julho, não houve
sessões devido ao período de férias da escola.
Inicialmente, foram feitas entrevistas com os pais. As entrevistas
tiveram início no dia 11 de março e término no dia 8 de abril. Houve
dificuldade, pois os pais não compareceram na data e hora marcadas pela
escola, portanto foi necessário remarcar algumas entrevistas, o que demandou
maior tempo nesse processo, retardando o início do grupo propriamente dito.
Os integrantes do grupo indicados pela escola, com idade entre 3 e 5
anos, eram cinco do sexo masculino (S., J., C., G.A., e G.E) e dois do sexo
feminino (I. e A.). 145
No primeiro momento, foram realizadas sessões livres, permitindo
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aos participantes do grupo escolher a atividade desejada. Percebeu-se


que algumas crianças tinham preferência por brincadeiras em grupo e outras,
individuais. As crianças tinham à sua disposição: brinquedos, jogos, folhas e
canetas para desenhar. Objetivou-se observar os movimentos,
questionamentos, agressividade, integração com o grupo, entre outros. Nesse
primeiro momento, foi percebida uma desorganização: as crianças corriam,
gritavam, brigavam entre si, repetindo um comportamento que tinham na
hora do recreio.
Desde o início, as crianças começaram a demonstrar preferência por
determinadas atividades, tais como: S. brincava todo o tempo com jogos de
montar pares; J. mostrou extremo interesse em cavalo (brinquedos, figuras, e
histórias e sempre se remetendo a seu pai); L., muito comunicativo, preferia
brinquedos que emitiam som (tipo chocalho), promovendo esse som
incessantemente; G. A., era o único dos meninos que se interessava por
bonecas, colocando-se no papel de mãe, encenando a vida cotidiana nos
cuidados com o bebê; C. gostava muito de carrinhos e bichinhos em
miniatura; G.E., introvertido, geralmente brincava sozinho montando um
cercado; I. preferia brincar de carrinho com os meninos; A. também apreciava
brincar sozinha, com bonecas e acessórios.
Inicialmente, observou-se dificuldade de as crianças distinguirem o
trabalho de grupo da aula dada pelas professoras. Por vezes, estas se referiam
às pesquisadoras como tia (algo característico da escola), por exemplo: - “Tia, o
que vocês vão dar na aula hoje?”. Além disso, alguns profissionais da escola
entravam na sala onde estava sendo feito o trabalho de grupo, querendo saber
o que estava acontecendo.
Quando as sessões deixaram de ter conotação de aula, passaram a ter
uma representação pejorativa no sentido de que a professora, com intenção
de ajudar, ameaçava as crianças de que não teriam recreio se não se
“comportassem”; todavia o lugar cedido pela escola para o desenvolvimento
do trabalho foi a própria sala de aula. No momento em que a professora se
retirava para a entrada das pesquisadoras, ela anunciava “vocês obedeçam às
tias, senão vão ficar sem recreio.”
Nesse sentido, observou-se no relato das crianças:
- “Tia, o G.A. não quer se comportar, conta para a tia V.” (referindo-se
à professora).
- “Eu me comportei direitinho.”
- “Você vai falar para a tia V. que eu fiz bagunça?”
Além disso, foi observado que, depois de algumas atividades de
desenho, as crianças fizeram o movimento de guardar o material no envelope
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destinado a guardar os trabalhos realizados com a professora, o que aponta

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que ainda não havia uma distinção entre as atividades escolares e o


grupo terapêutico.
Outro aspecto notado, durante os atendimentos, foi a necessidade de
atenção demonstrada pelas crianças.
- “Tia, olha o que eu montei.”
- “Vem olhar o que eu fiz; vê se ficou bonito?”
Em seguida, outro participante exclamava:
- “Vem brincar comigo.”
- “Olha o meu.”
Além disso, também havia necessidade por parte das crianças de se
aproximar e tocar nas estagiárias. Até mesmo, ao conversar, aproximavam o
rosto, abraçavam, tocavam na roupa, nos cabelos, seguravam no braço, na
mão. Percebeu-se que G.A. observava todas as características das
pesquisadoras, sabia e apontava se estavam de batom, salto alto, sandália,
sapato. Dizia que não podia entrar na sala se estivesse de tamanco. Quanto ao
batom e salto alto, com o dedo apontado para a estagiária, expressava-se da
seguinte maneira:
- “Não pode usar batom. Não pode usar salto.”
Notou-se também que G.A. era uma criança inquieta, tomava o
brinquedo e rabiscava a atividade das outras crianças, tinha dificuldade de
prestar atenção no que estava sendo dito, dificilmente completava as
atividades e tumultuava a sala (correndo, brigando, chamando a atenção das
pesquisadoras.) Nas brincadeiras e desenhos, costumava trazer a realidade
que vivia em casa para o grupo.
- “Meu pai e minha mãe bebem cachaça. Minha mãe fuma maconha.
Quando a polícia vem, eu tenho que avisar minha mãe para ela esconder. Ela
falou que vai morrer e eu vou ficar sem mãe.”; “Eu vou dá geral, eu vou dá
geral.” (cantando). Quando questionado sobre o que seria “geral”, explicou:
“É quando a polícia vem assim.” (com o dedo indicador sinalizando uma arma,
apontou nas costas de um outro participante.)
G.A. cantou e dançou um funk com conotação sexual – dançava
como se fosse um adulto. Nesse momento, dançou em dupla com A., dizendo
que ela era sua mulher; encenaram que iam à feira comprar coisas, como
bombom, chuchu e chocolate. G.A. fala com um dos outros participantes:
- “Tira a roupa da menina e faz tudo que quiser.”
Em alguns momentos, G.A. apresentava atitudes de liderança no
grupo.
Foi percebido que A. também falava muito sobre namorar e beijar na
boca, chegou a dizer:
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- “O J. é meu namorado; quando eu crescer, a gente vai tomar banho

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na caixa d'água junto.”


A. tinha o comportamento de se negar a fazer as atividades propostas.
Em algumas sessões, chegou a tampar os ouvido ou fingia que estava dormindo
para não ouvir as histórias infantis e contos de fada contados pelas estagiárias.
Por vezes, os outros imitavam esse comportamento até se estender a todo o
grupo.
No tocante às histórias infantis, demonstravam interesse;
aproximavam-se, tentando pegar o livro, dizendo que precisavam ver as
ilustrações, uma das vezes, chegando a rasgá-lo.
Foram contadas histórias tais como: O bichinho da maçã,
Chapeuzinho vermelho, Cinderela, O Patinho Feio, Pinóquio, João e Maria,
Os três porquinhos, entre outras.
Percebeu-se que havia muito interesse e curiosidade pelos
personagens do mal, como por exemplo, a bruxa e o lobo. Cenas violentas,
como cortar a barriga do lobo, causaram impressão. Ao sugerir que
desenhassem sobre a história, os participantes preferiam esses personagens.
No conto do Patinho feio, G.A pergunta onde está o pai e diz que ele
seria a mãe dos patinhos. J, por sua vez, perguntava se havia cavalo na história.
Na entrevista inicial, a mãe de J. relatou que se separou do pai, com o filho
ainda muito pequeno. O pai tinha cavalo, pois trabalhava com carroça e, nas
visitas de J, ambos andavam a cavalo e de carroça. No grupo, em todos os
desenhos, havia a presença do cavalo, assim como nas suas brincadeiras. Foi
percebido que J. tem uma forma infantilizada de se expressar. Além disso, J.
demosntrou-se inquieto, brigando com os amigos, chorando quando era
contrariado, corria pela sala e imitava o comportamento agitado de G.A.
Brincava mais com C. que também gostava de correr e gritar. Por outro lado, C.
era infreqüente no grupo, dificilmente trazia aspectos de sua vida pessoal na
verbalização.
Outro participante que não demonstrou assiduidade foi G.E. Sempre
brincava sozinho, com blocos de montar e carrinhos. Inicialmente, foi
percebido que G.E tinha grande dificuldade de se expressar, demonstrou-se
introvertido, não dizia do que gostava ou não, não dava opinião, não tinha
reações se alguém tomasse seus brinquedos. Com o desenvolvimento do
grupo, G.E passou a se impor mais, a revidar agressões e expor suas opiniões.
Percebeu-se um grande desenvolvimento em G.E, inclusive através dos
desenhos, já que, de início, eram pequenos, com cores escuras, utilizava uma
pequena proporção do papel e, no decorrer do tempo, os desenhos pareciam
mais expressivos, todavia este também vinha tendo atendimento individual
com a psicóloga voluntária da escola.
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Foi notada também, uma modificação no comportamento de L. Este,

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no início do grupo, demonstrou-se inquieto, atrapalhava as atividades


dos outros participantes, as brincadeiras e rabiscava os desenhos. Referente ao
desenho, L., a princípio, fazia rabiscos, pressionando o giz de cera com
bastante força, alternando entre cores claras e escura, inclusive no desenho da
família. Outro aspecto notado foi o interesse de L. por brinquedos sonoros, os
quais utilizava incessantemente. Apresentava dificuldade em aceitar um não
como resposta. Na entrevista com os pais, observou-se uma superproteção por
parte da mãe que ainda dava mamadeira, peneirava o mingau para facilitar a
ingestão, batia a comida no liquidificador com a justificativa de que ele não
mastigava. Contudo a escola relatou que ele comia normalmente alimentos
sólidos como as outras crianças. Durante uma brincadeira, dá mamadeira a
uma boneca e afirma:
- “Ela não sabe comer com a colher.”
Com o desenvolvimento do grupo, L. apresentou mudanças no
relacionamento com as outras crianças e com as estagiárias. L. passou a ouvir
mais os colegas, a respeitar uma imposição, solicitava mais atenção das
pesquisadoras, demonstrava-se mais tranqüilo, porém, até o ultimo encontro,
remetia à autoridade da professora, lembrando às outras crianças o que ela
não permitia ser feito senão ficariam sem recreio.
Outra participante, I. demonstrou-se bastante extrovertida,
cooperativa, mas tinha uma forma sedutora de conseguir o que desejava. Foi
percebido que a própria escola enfatizava a beleza dela, pois era sempre a
rainha, era em todo momento elogiada. Outra característica observada foi a
forma fantasiosa com que contava seu dia-a-dia.
- “Eu vi o lobo na TV, aí eu quebrei a TV e entrei lá e trouxe a Narizinho
para minha casa. Peguei a Cuca e o Lobo e tinha um passarinho morto dentro
da barriga dele.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se pequenas mudanças em algumas atitudes, em


contrapartida, notou-se a dificuldade em desenvolver esse tipo de trabalho
com crianças nessa faixa etária.
Notou-se a forte influência do cotidiano familiar no comportamento
dos participantes do grupo, como, por exemplo, na semana em que visitavam
parentes na penitenciária, as crianças ficavam mais agitadas, agressivas e
apresentavam dificuldade de concentração. Para Garrison, (1974) as atitudes
dos pais e a forma de criação produzem na personalidade dos filhos
149
características tais como, atitudes, ansiedades, inadequações.

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Além disso, Huget (1995), assinala que

freqüentemente as crianças, identificadas com o clima de violência


e de transgressão da lei que vivenciam em suas comunidades,
tentam reproduzir esse modelo no grupo terapêutico. (p. 29)

Outro fator notado foi a forma precoce como as crianças falavam e


expressavam a sexualidade. Outro aspecto foi que uma das crianças (G. A),
apontada quanto ao seu mau comportamento e agitação excessiva, trouxe, de
forma lúdica, acontecimentos de seu cotidiano familiar referentes ao uso de
drogas por parte de sua mãe, visitas ao pai na penitenciária e expressava em
gestos e fala detalhes de relações sexuais. De acordo com Ferreira (2000), a
criança, assim como um poeta, representa em seu jogo as situações penosas,
corrigindo a realidade insatisfatória. A criança brinca de representar qualquer
situação do seu dia-a-dia, como brincar de ser mãe, professora, de imitar
coleguinhas, “para ela, qualquer coisa é a casa do brincar...” ( p. 89).
Os trabalhos em grupos foram, em todas as sessões, direcionados para
as atividades lúdicas. Segundo Grünspun (1997), na terapia o brincar pode
facilitar o desenvolvimento e aumentar a capacidade da criança para organizar
os seus afetos.
De acordo com Paiva (1991), a psicoterapia de grupo pode trazer
benefícios para qualquer pessoa porque possibilita o desenvolvimento das
potencialidades latentes além de ampliar o autoconhecimento, assim como é
acessível a todas as classes sociais e pode ter sua aplicação no plano social,
institucional, industrial entre outros, fazendo “o indivíduo encarar a vida como
ela é, cheia de defeitos, mas aproveitando dela o que há de bom, tornando-se,
assim, mais sociável e tolerante, menos agressivo, mais compreensivo e menos
egoísta.” (p. 18).
No decorrer dos atendimentos, foi possível observar que o fato de as
crianças terem idade inferior a 5 anos dificultou o processo de terapia; pois,
nessa fase o superego ainda se encontra em formação, é arcaico, não tem
internalizado a questão das leis, por ser seu primeiro contanto com a
instituição escolar. Os benefícios foram limitados às condições cognitivas das
crianças no que tange à idade, e o processo sofreu interferência do ambiente e
da política da escola parceira. Sendo assim, foi percebida uma dificuldade
técnica na constituição e funcionamento do grupo; por isso, a fim de
direcionar o grupo, foram utilizadas atividades dirigidas, pelo menos no início
150 da sessão.
Nesse sentido, foi possível constatar que a Psicoterapia de Grupo
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pode contribuir para capacitar as crianças a se adaptarem para


enfrentar possíveis conflitos no ambiente familiar e social; porém, numa idade
mais avançada, essa contribuição seria mais evidente.
De acordo com as observações feitas, sugere-se que a prática da
Psicoterapia de Grupo, aplicando o modelo aqui apresentado, seja feita com
crianças de idade a partir de 5 anos, as quais se encontram em um estágio
cognitivo, psíquico e emocional mais desenvolvido, para que se obtenha
resultados mais eficazes.

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Juiz de Fora, 2007


Edvania Lanuce Carvalho Cruz/Paula Cristina Carvalho Dias/Priscila Cerqueira Mancebo

REFERÊNCIAS

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1996.

GARRISON, Karl C. KINGSTON, Albert L.; BENARD, Haroldw. Psicologia


da criança: estudo geral e meticuloso do desenvolvimento e da
socialização. 2. ed. Tradução Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo:
Ibrasa, 1974.

GRUNSPUN, Haim. Psicoterapia lúdica de grupo com crianças. São


Paulo: Atheneu, 1997.

PAIVA, Luiz Miller de. Psicanálise de grupo: grupanálise combinada,


psicoterapia analítica de grupo e co-terapia. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

ROSA, Merval. Psicologia evolutiva. Petrópolis: Vozes, 1983. v. 3.

VAYER, Piere; ROCIN, Charles. A criança e o grupo. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1989.

VOLNOVICH, Jorge; HUGET, Claudio R. (Orgs.). Grupos, infância e


subjetividade. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1993.

______; OSÓRIO, Luiz Carlos. Como trabalhos com grupos. São Paulo:
Artes Médicas, 1997

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