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Hysteria and somatization: What has changed?

Article  in  Jornal brasileiro de psiquiatria · December 2009


DOI: 10.1590/S0047-20852010000400011

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Lazslo Antonio Avila


Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
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artigo
deoriginal
literatura Histeria e somatização: o que mudou?
Hysteria and somatization: what has changed?

Lazslo Antônio Ávila1, João Ricardo Terra1

RESUMO

Objetivo: Propor um questionamento sobre o enfoque que se tem dado à histeria num con-
texto de classificações diagnósticas progressivamente mais técnicas e restritivas; investigar
o que pode estar sendo negligenciado quanto aos complexos aspectos de funcionamento
inerentes à condição histérica. Método: Revisão da literatura relevante sobre o tema, a evolu-
ção histórica de seu conceito e suas correlações clínicas. Resultados: Descrições clínicas da
histeria existem há quase 2 mil anos, com pormenores que pouco diferem dos de descrições
mais recentes. A histeria parece permanecer em grande parte incompreendida pela medici-
na; restam importantes lacunas de conhecimento sobre o que teria tomado, na atualidade, o
lugar dos antigos sintomas histéricos. Sabe-se, porém, que inúmeras categorias nosográficas
surgiram nas últimas décadas, como a fibromialgia, a sensibilidade química múltipla, a soma-
tização etc., às vezes com alto grau de imprecisão conceitual. Conclusão: O construto histe-
ria vem se fragmentando cada vez mais nas sucessivas classificações diagnósticas, sem que
Palavras-chave essa fragmentação favoreça uma maior compreensão de seu significado e de seu enredo.
Histeria, somatização, A descrição cada vez mais refinada dos manuais classificatórios, com a eliminação da expres-
diagnóstico, medicina são “histeria”, não parece ter representado uma estratégia adequada para um entendimento
psicossomática. aprofundado dessa condição, tampouco para um melhor manejo clínico desses pacientes.

ABSTRACT

Objective: Our aim is to propose a critical revision of the ways hysteria has been considered, with the
use of progressively more technical and restrictive categories, discussing what may have been neglec-
ted in terms of the complex aspects concerning the hysterical condition. Method: Review of the rele-
vant literature on this issue, the historical evolution of its concept and its clinical correlations. Results:
Clinical accounts of hysteria are being made for almost 2000 years, showing characteristics that are
very similar to present-day descriptions. Hysteria seems to remain mostly unknown by medicine; there
are important lacks in the knowledge of what can possibly be in the place of the old hysterical symp-
toms. What is clear, however, is that several new nosographical categories emerged in the last deca-
des, such as fibromyalgia, the multiple chemical sensitivity or the somatization, which are, frequently,
conceptually very imprecise. Conclusion: The construct hysteria is being more and more fragmented
Keywords in the successive diagnostic classifications, but this fragmentation does not mean a great comprehen-
Hysteria, somatization, sion of its significance and development. The advances in the minudent description in the classifica-
diagnoses, psychosomatic tory manuals, with the exclusion of the expression “hysteria” does not seem to represent an adequate
medicine. strategy for a deeper understanding of this condition, nor for a better dealing of those patients.

1 Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica.

Recebido em
27/4/2009
Aprovado em
24/5/2010

Endereço para correspondência: Lazslo Antônio Ávila


Rua Saldanha Marinho, 3564 – 15014-300 – São José do Rio Preto, SP
Telefone: (17) 3231-1922
E-mail: lazslo@terra.com.br
334 Ávila LA, Terra JR revisão de literatura

INTRODUÇÃO dias de hoje, reconhecer seus primórdios no final do século


XIX, com os esforços para compreender os sintomas corpo-
A histeria sempre ocupou lugar de destaque na medicina, rais da histeria, a visão de seu futuro é obscura e controverti-
sobretudo quando se investigam comportamentos disfun- da9. Em 1993, com a décima edição da Classificação Interna-
cionais, desordens convulsivas “funcionais”, doenças psicos- cional das Doenças (CID-10) e, em 1994, com a quarta edição
somáticas ou transtornos de personalidade, notadamente do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
em mulheres1. Traduziria isso uma significativa questão de (DSM-IV), ficou estabelecido o fim da categoria histeria, com
gênero? Ou talvez uma questão mais complexa, relacio- sua redesignação sob novas nomenclaturas diagnósticas.
nada ao valor da interação interpessoal na própria defini- A pergunta básica a se fazer é: se o termo histeria desapa-
ção de um transtorno mental? Nosso ponto de vista será receu dos manuais de classificação nosológica ao ser subs-
o de buscar entender o que vem significando a histeria ao tituído por termos muito mais restritivos (e.g. transtornos
longo da história para situar esse amplo fenômeno não só somatoformes e dissociativos)10, qual teria sido a vantagem
como nosologia, mas também como expressão profunda dessa modificação terminológica? Aparentemente, ganhou-
de situa­ções subjetivas que envolvem o doente e o médico. -se um maior rigor descritivo, pois agora esses sintomas es-
Nossa discussão remete à própria conceituação dos trans- tão devidamente enumerados e catalogados. Possivelmen-
tornos mentais não apenas como doenças, mas também te, também, essa alteração, ao favorecer uma diferenciação
como fatos das relações humanas, dotados de significado. mais efetiva entre patologias psiquiátricas e orgânicas, pode
A histeria se comporta como um distúrbio bastante plás- ter suscitado um melhor manejo clínico dos doentes.
tico, influenciado pela interação que mantém com seu obser- Em nosso entendimento, contudo, a maior mudança
vador. Assim, observadores diferentes tenderão a presenciar ocorrida no que se refere à histeria foi um aumento da ambi-
histerias diferentes2,3, nominando-as conforme seus respecti- guidade e da incerteza diagnósticas, devido à fragmentação
vos campos de atuação. No início, esse transtorno era visto de seu conceito em uma miríade de novas expressões e à
de forma abrangente, incluindo neuroses, psicoses, catato- reativação de antigas categorias, por vezes preconceituosas.
nia, epilepsia e quadros degenerativos como demências e No primeiro caso, há os sintomas médicos inexplicados, a
doença de Parkinson4. Na atualidade, tal abrangência cedeu sensibilidade química múltipla, certas formas de fibromial-
lugar à inclusão de sintomas histéricos nos critérios diagnós- gia, as múltiplas expressões clínicas que o estresse pode as-
ticos de várias doenças, como os transtornos somatoformes, sumir na clínica, a síndrome do edifício doente, a amplifica-
a fibromialgia e a síndrome de burnout, por exemplo5,6. ção somática etc.5,11.
A descrição clássica da histeria inclui três grandes grupos No segundo caso, tem-se o reaparecimento da expres-
de sintomas: as manifestações agudas, os sintomas funcio- são petit hysterie, indiscriminadamente aplicada a qualquer
nais duradouros e os sintomas viscerais4,7. As manifestações queixa inespecífica, além de diversos termos e expressões
agudas consistiriam de crises histéricas completas (à la Char- que cada país e região inventa e multiplica a seu modo, utili-
cot) e crises menores, com estados de turvação da consciên­ zados por profissionais de saúde para identificar os pacientes
cia, amnésias histéricas, crises de agitação psicomotora e de manejo mais difícil.
desmaios (ver adiante). O que mudou? Mudou o rótulo, apenas. Hoje a histeria
Sintomas funcionais duradouros incluiriam paralisias reside em todos os quadros clínicos em que há indefinição,
funcionais, contraturas e espasmos musculares, além de al- confusão, dúvidas diagnósticas prolongadas, curso incerto
terações da sensibilidade. O grupo dos sintomas viscerais da doença, multiplicação de sintomas, além de aspectos de
compreenderia queixas de dor, retenção intestinal ou uriná- má relação médico-paciente (algumas vezes com ameaças
ria, dispepsia, queixas respiratórias, cefaleias, distúrbios vaso- de parte a parte), não adesão a tratamento, persistência de
motores, sensação de órgãos se movendo pelo corpo, bem queixas, conflitos interpessoais em diversos contextos e ina-
como de eles estarem “cheios” ou “vazios”4,8. Esses pacientes bilidade familiar em lidar com as questões do paciente.
comumente apresentam transtornos sexuais, por persegui- Como fica evidente nesta exposição, a maior parte dos
rem, em vão, uma identidade que lhes escapa7. problemas atuais é reveladora da onipresença da histeria,
A personalidade histérica é o modo habitual de conduta embora ela esteja disfarçada em vários outros supostos diag-
do histérico e manifesta sua adaptação relativamente bem- nósticos. Se houve mudança com a exclusão da histeria dos
-sucedida ao seu entorno. A psicoplasticidade do histérico manuais diagnósticos, talvez tenha sido para pior.
permite-lhe mimetizar não somente gestos, vestimentas,
jeitos de falar ou de se comportar, mas também sintomas Panorama histórico-clínico
de ordem física e psíquica. Tais sintomas, entretanto, exte- A palavra “histeria”, atribuída a Hipócrates, não foi, de fato,
riorizam o fracasso dessa adaptação e se expressam funda- utilizada por ele (na verdade ele nomeava essa condição
mentalmente, mas não exclusivamente, por meio do corpo7. como sufocação da matriz). A atual designação da histeria foi
A história daquilo que veio a ser conhecido como medici- introduzida na literatura por Littré, em 1839, ao verter para o
na psicossomática é longa e complexa. Embora seja fácil, nos francês as obras de Hipócrates3.

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Para Platão, em O Timeu, “... na mulher, o que se chama de re posição substantiva, ingressando primeiro no campo das
matriz ou útero seria como um ser vivo, possuído do desejo enfermidades nervosas e, mais tarde, nas neuroses14. A par-
de fazer crianças. Quando, durante muito tempo, e apesar tir disso, vários estudiosos debruçaram-se sobre os enigmas
da estação favorável a matriz permanece estéril, ela se irrita da histeria. Janet a definiu como uma insuficiência cerebral
perigosamente; ela se agita em todos os sentidos pelo cor- quanto à capacidade de síntese psicológica, ocasionando
po, obstrui as passagens do ar, impede a inspiração, mete alterações na percepção das imagens ou na memorização
o corpo, assim, nas piores angústias e lhe ocasiona outras delas. Essa visão organicista, no entanto, foi modificada por
doenças de todas as espécies”12,13. Bernheim, em 1884, ao limitar o uso desse diagnóstico às
Seiscentos anos depois de Hipócrates, continuava vi- “crises de nervos” dos clínicos mais antigos15.
gente a crença de que o útero poderia se mover pelo corpo, Essa ideia de organicidade, contestada por Bernheim,
provocando sintomas. A explicação construída com base em voltou a ser discutida nos trabalhos de Babinski, que, por fim,
algumas analogias vinculou a disposição anatômica do útero concluiu serem os fenômenos histéricos unicamente devi-
e seus anexos ao movimento de um barco à vela14. dos à sugestão. Por acreditar que a histeria podia ser curada
Ao longo dos séculos, entre a Idade Clássica e o século por meio de persuasão, Babinski cunhou o termo pitiatismo,
XIX, a histeria continuou presente como uma doença mis- etimologicamente significando cura pela persuasão15. Porém,
teriosa, permitindo inusitadas especulações. Para Libaud, nenhuma formulação subsequente desenvolveu suas ideias
em seu livro Trois livres des maladies et infirmités des femmes, originais1.
de 1609, “embora [a matriz esteja] estreitamente ligada às Em 1859, Pierre Briquet escreveu o Tratado Clínico e Tera-
partes que descrevemos, de modo a não poder mudar de pêutico em Histeria, baseado em uma análise quantitativa de
lugar, na maioria das vezes muda de lugar e faz movimentos mais de 400 pacientes1. No século XIX, a histeria ocupava o
bem acentuados e estranhos ao corpo da mulher. Esses mo- primeiro lugar entre as afecções que levavam a internações.
vimentos são diversos, a saber, subida, descida, convulsões, Segundo registros históricos, per­to de 50% dos leitos hospi-
vagabundagem, procidência. Sobe ao fígado, baço, diafrag- talares eram ocupados por pacientes diagnosticados como
ma, estômago, peito, coração, pulmão, faringe e cabeça”12. histéricos16. O livro de Briquet atacava alguns mitos habituais
Cento e cinquenta anos depois, a histeria continuava de- sobre o transtorno, como sua causa imputada a frustrações
safiando a compreensão dos médicos: para Whitt, em seu sexuais, e lançava luz sobre o papel das emoções na gênese
Traité des maladies des nerfs, de 1779, o que caracterizaria essas dos sintomas físicos1.
pacientes seria “um sentimento extraordinário de frio e calor, O conceito de trauma aplicado ao sistema nervoso em au-
as dores em diferentes partes do corpo; as síncopes e as con- sência de trauma físico foi se decompondo ao longo do sécu-
vulsões vaporosas; a catalepsia e o tétano; ventos no estôma- lo XIX, de modo que Charcot o retomou diretamente da obra
go e nos intestinos; um apetite insaciável para os alimentos; de Briquet sobre a histeria17. O trauma vai ocupar um lugar
vômitos de matéria negra; fluxo súbito e abundante de urina cada vez mais importante como agente desencadeante de
pálida, límpida; marasmo ou atrofia nervosa; asma nervosa ou quadros severos de histeria. A busca do antecedente de um
espasmódica; tosse nervosa; palpitações do coração; variações trauma é o denominador comum de todos os estudos clínicos
do pulso, males e dores de cabeça periódicos; vertigens e ton- de Charcot e um dos conceitos que mais êxito alcançaram em
turas, diminuição e enfraquecimento da visão; desencoraja- medicina, passando, inclusive, à linguagem leiga coloquial18,17.
mento, abatimento, melancolia ou mesmo loucura”12. Charcot distinguiu duas formas de histeria: uma forma
Outro autor, Raulin, em 1758, chegou a cogitar a possibi- “menor”, representada por sintomas como campo visual em
lidade de contágio da doença histérica, além de contribuir túnel, anestesia cutânea, ou hipnotizabilidade, e uma forma
para acentuar a histórica conexão entre a histeria e a femini- “maior”, com suas explosões emocionais dramáticas, em que
lidade: “essa doença, na qual as mulheres inventam, exage- os pacientes supostamente evoluem por fases de um ata-
ram e repetem todos os diferentes absurdos de que é capaz que completo. Sua teoria desmoronou rapidamente após
uma imaginação desregrada, por vezes tornou-se epidêmica sua morte, em 18931.
e contagiosa”. Para Sydenham, a histeria “imita quase todas Há poucos estudos de neuroimagem aplicados à his-
as doenças que ocorrem no gênero humano, pois seja em teria e os existentes são limitados por pequenos conjuntos
que parte do corpo for que ela se encontra, produz logo os amostrais, populações heterogêneas, diferenças na duração
sintomas que são próprios dessa parte, e se o médico não dos sintomas e na presença de comorbidades. Esses estudos,
tem muita sagacidade e experiência, facilmente se enganará entretanto, sugerem alterações variáveis na atividade de de-
e atribuirá a uma doença essencial e própria desta ou daque- terminadas regiões corticais e subcorticais19, principalmente
la parte os sintomas que dependem unicamente da afecção dos córtices pré-frontal e parietal, do tálamo e dos núcleos da
histérica”, uma constatação ainda hoje bastante atual12. base, possivelmente ligados aos transtornos conversivos. Um
Com o nascimento e o desenvolvimento das ciências achado importante nesses transtornos é de que testes ele-
naturais, o variado conjunto sintomático da histeria adqui- trofisiológicos indicam vias motoras e sensoriais inalteradas20.

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Uma proporção elevada dos pacientes histéricos apre- Freud e Breuer, nessas primeiras investigações, divergi-
senta danos cerebrais, particularmente epilepsia e esclerose ram sutilmente. Breuer postulava a existência de um esta-
múltipla, mas isso não foi confirmado em populações não do hipnoide, prévio à emergência dos sintomas histéricos,
neurológicas. A histeria é considerada, por alguns, como enquanto Freud já sustentava a essencialidade da repressão:
uma disfunção da memória ou da atenção, com injúrias nos para a existência dos fenômenos inconscientes é necessária
lobos frontais, sobretudo no hemisfério não dominante21. a operação de uma defesa contra a emergência das “recor-
Pesquisadores detectaram uma maior incidência de distúr- dações patógenas”. Assim, para Freud, a histeria se caracte-
bios sensitivos e motores no lado esquerdo de pacientes his- riza como uma histeria de defesa, em que são afastados da
téricos, implicando o hemisfério direito na etiologia desses corrente principal da consciência ideias e afetos conflitivos e
sintomas20. perigosos para a unidade psíquica. Um ano após a publica-
Seja como for, parece-nos pouco provável que, qualquer ção dos Estudos sobre a Histeria, Freud e Breuer já divergiam
que sejam as anormalidades neurológicas envolvidas com consideravelmente; Freud investigava cada vez mais o papel
a etiopsicogênese da histeria, o simples fato de um melhor da repressão dos impulsos como fato primário constitutivo
mapeamento da topografia cerebral nos fenômenos histéri- das neuroses, enquanto Breuer discordava do papel cada vez
cos resulte numa compreensão mais detalhada das diversas maior que a sexualidade assumia nas investigações psicana-
conexões psicodinâmicas relacionadas à histeria, já que ela líticas. Com o avançar de suas observações, Freud descartou
demanda, por parte do médico, um posicionamento que vai o papel que o estado hipnoide poderia desempenhar em
além da detecção, por meio de exames complementares, de relação ao mecanismo da produção dos sintomas, reconhe-
uma dada patologia, e a consequente adoção de tratamen- cendo que as manobras defensivas poderiam originar outras
tos cirúrgicos ou medicamentosos, como comumente ocor- enfermidades neuróticas25. Com isso, Breuer preferiu aban-
re em outras especialidades médicas. donar a colaboração científica que mantinha com Freud.
É difícil demonstrar cientificamente que a somatização É interessante considerar a história dessas transformações
pode ser um evento aprendido, embora seja razoável infe- pensando em dois grandes movimentos: um iniciado com as
rir que a criança possa adquirir e desenvolver tal comporta- formulações de Freud sobre os sintomas histéricos conversi-
mento ao observar um de seus familiares doente. O sucesso vos e outro com Janet, com a concepção de que alguns sin-
da terapia comportamental no tratamento dessas desordens tomas são consequências de certas “falhas da mente”. Ambas
também sugere que o aprendizado mal-adaptativo possa ter as ideias foram concebidas no mesmo momento histórico, e
um importante papel em sua etiologia21. ambas tentaram explicar o fenômeno da histeria. Lentamen-
te, elas estão sendo retomadas com a aceitação de suas bases
A psicanálise e as classificações diagnósticas das filosóficas comuns. A primeira, articulada por Freud, tornou-
doenças -se parte da fundação da psicanálise. A outra, articulada por
Diferentemente da psiquiatria, a histeria não apenas foi ex- Janet, ficou excluída da psicanálise por 75 anos, somente
tremamente valorizada nos primórdios da psicanálise, como mais tarde voltando a se integrar a ela, gradualmente9.
ainda hoje representa para ela um tema de grande signifi- Em Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses26, Freud
cado, recebendo a atenção de importantes estudiosos con- questionou se “seria possível estabelecer uma relação etio-
temporâneos, como Nasio22 e Bollas23, entre outros, mesmo lógica entre uma causa particular e um efeito neurótico
quando redesignada e ampliada. particular, no qual um meio pelo qual cada uma das neuro-
A histeria acompanhou Freud ao longo de toda a sua car- ses maiores possa ser atribuída a uma etiologia específica”.
reira. Para ele, sempre significou sintomas físicos associados A resposta a que chegou: cada neurose “tem como sua cau-
a causas psicológicas. Contudo, sua concepção sobre esse sa imediata um distúrbio particular na economia do sistema
mecanismo variou consideravelmente no decorrer dos anos. nervoso” e, em especial, distúrbios da “vida sexual do indiví-
Em 1895, em Estudos sobre a Histeria, em coautoria com Breuer, duo, baseados em uma desordem de sua vida sexual atual
Freud sugeriu que a “histeria traumática” seria causada por ou em importantes eventos de seu passado”27,25. Essas supo-
eventos traumáticos vividos precocemente, exercendo uma sições que Freud desenvolveu em dois trabalhos, publicados
ação remota na vida do indivíduo, formulando a famosa fra- entre 1896 e 189826,28, foram a base da concepção das “neu-
se: “o histérico sofre de reminiscências”24. roses atuais” (Tabela 1)7.

Tabela 1. Neuroses atuais (ou psicossomáticas)


Neuroses traumáticas Neuroses atuais propriamente ditas Doenças psicossomáticas em sentido estrito
São consequentes a eventos traumáticos de origem externa, Também decorrem de um conflito atual, porém de natureza A descarga do conflito se faz de acordo com um padrão
cuja magnitude ultrapassa a capacidade do psiquismo em predominantemente endopsíquica. Predominam as psicossomático reacional, estabelecido na primeira infância.
manejar a situação traumatizante descargas emocionais (neurose de angústia) ou os sintomas Os sintomas psíquicos aparecem velados, predominando as
inibitórios (neurastenia) manifestações orgânicas

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A psicanálise aos poucos abandonou a noção das neuro- DSM-III, em parte por sua conotação neutra, em parte pelo
ses atuais. Com a evolução de seu pensamento, embasado poder de autoridade do sistema classificatório do DSM. Ele
firmemente na observação clínica, Freud pôde se desven- substituiu o antigo termo (histeria), que era insatisfatório por
cilhar dos fatores concretos, fossem eles traumáticos ou causa de seus múltiplos significados e da carga pejorativa
relacionados à estase libidinal, e abordar as neuroses como que continha34.
complexas formações de compromisso entre os impulsos James Lorimer Halliday sugeriu, no British Medical Journal,
reprimidos, fundamentalmente sexuais, e as forças da cons- em 1938, o termo “doença psicossomática” para designar o
ciência opostas à realização dos impulsos. Novamente, em modo pelo qual sofrimentos de ordem psicológica, com re-
1914 e 1915, Freud modificou sua compreensão da dinâmica percussões tanto no sistema nervoso autônomo quanto no
psíquica, fazendo intervir a questão das pulsões dirigidas ao sistema endócrino, poderiam provocar diversas disfunções
ego29. Com a sua metapsicologia30,31, todo o edifício freudia- no corpo humano. Em seu último livro, Medicina Psicosso-
no foi redimensionado, e a histeria passou a ser compreendi- mática (1950), Alexander desenvolve a ideia de que certos
da a partir de sua articulação com a hierarquização das pul- tipos de conflitos intrapsíquicos se expressariam no sistema
sões parciais e a resolução do complexo de Édipo. Segue-se, nervoso autônomo simpático ou parassimpático1. Para o im-
com a assim chamada segunda tópica32, em 1923, uma nova portante historiador da histeria em psiquiatria, Etienne Trillat,
caracterização da dinâmica psíquica, com a histeria sendo pelo fato de a histeria permanecer desconhecida e enigmáti-
considerada no contexto da vida psíquica como um todo, ca para a medicina, ela teve finalmente seu conceito suprimi-
como “a defesa necessária contra as demandas libidinosas do e enterrado sob o campo da medicina psicossomática35.
do complexo de Édipo”1. Assim, a psicossomática seria, ao mesmo tempo, o represen-
Assim, em Freud, a histeria é marcada por uma fixação tante moderno e o túmulo da antiga histeria16.
do desenvolvimento psicossexual primitivo ao complexo A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Édipo, com uma desvinculação incestuosa malsucedida da Associação Psiquiátrica Americana não só não utilizou
com o genitor amado – o que leva a conflitos, na vida adul- o termo “histeria”, como também evitou, explicitamente, o
ta, relacionados à esfera do impulso sexual e organização da termo “transtornos psicossomáticos”, considerando-os mais
personalidade do indivíduo. O impulso fica continuamente um ponto de vista em medicina que uma patologia especí-
submetido à repressão, e a energia derivada dele é converti- fica, em si. Na segunda edição do DSM, de orientação mais
da em sintoma histérico, que tanto protege o doente de um psicanalítica, a histeria retornou como neuroses e neuroses
conhecimento consciente desse mesmo impulso como tam- histéricas, sendo subdividida em tipos conversivo e dissocia-
bém lhe traz a realização disfarçada do que está reprimindo2. tivo. Ao contrário do DSM-I, essa segunda edição também
admitiu a histeria como um transtorno de personalidade, a
A histeria pós-Freud chamada personalidade histérica (atual transtorno de perso-
Após Breuer e sua paciente Anna O., diminui o interesse pela nalidade histriônica)1.
exibição pública dos doentes e de seus sintomas, procuran- O DSM-III utilizou o epônimo “síndrome de Briquet”
do-se curá-los por meio da recordação de possíveis fatos como sinônimo para transtorno de somatização; esse termo
traumáticos significativos para eles3. Um dos autores psica- foi eliminado, posteriormente, pelo DSM-IV34. Sob a pressão
nalíticos a contribuir para a diferenciação entre a histeria e da opinião pública que tendia a ver a palavra “histeria” como
sintomas físicos presentes em outras condições médicas foi estigmatizante, a equipe que elaborou o DSM-III acomodou
Otto Fenichel. Em sua Teoria Psicanalítica das Neuroses, Feni- a histeria em vários compartimentos, abolindo-a da nomen-
chel descreveu quatro categorias de sintomas funcionais, in- clatura psiquiátrica. Essa edição baniu os sintomas psicosso-
cluindo sintomas que se comportariam como manifestações máticos, historicamente o cerne da histeria, para utilizar-se
físicas das emoções, desregulações de secreção hormonal, de um grupo de diagnósticos chamados de transtornos so-
alterações somáticas provocadas por repetições de determi- matoformes, ou sintomas físicos sugerindo desordem física.
nados comportamentos e, finalmente, disfunções no siste- Entre os transtornos somatoformes estavam o transtorno de
ma vegetativo33. somatização e os transtornos conversivos. Os transtornos
Em 1924, o termo “somatização” foi introduzido na psi- dissociativos permaneceram essencialmente inalterados1.
quiatria por Wilhelm Stekel, ex-colaborador de Freud1. Essa Assim como o DSM-IV, a CID-10 também utilizou o termo so-
expressão foi cunhada, curiosamente, por um erro de tradu- matização e retirou a “síndrome de Briquet” como sinônimo
ção de uma palavra alemã usada por Stekel, nos anos 1920. para transtorno de somatização34.
A palavra original (organsprache) literalmente significava O DSM-IV-TR lista cinco tipos de transtornos somatofor-
discurso do órgão, um conceito desajeitado e obscuro àquilo mes, incluindo o transtorno de somatização, o transtorno
que, de fato, se propunha. Ainda assim o termo teve grande conversivo, a hipocondria, o transtorno dismórfico corporal
divulgação, particularmente após 1980, quando foi intro- e o transtorno doloroso, além de contar com outras duas
duzido como um diagnóstico psiquiátrico pelos autores do categorias residuais, a saber: o transtorno somatoforme in-

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338 Ávila LA, Terra JR revisão de literatura

diferenciado e o transtorno somatoforme sem outra espe- Um passo adicional nesse sentido foi dado pelos traba-
cificação. A neurastenia e a síndrome da fadiga crônica não lhos do fisiologista americano Cannon, que publicou Bodily
estão inseridas nos transtornos somatoformes. De forma Changes in Pain, Hunger, Fear, and Rage, em 1915, mostrando
geral, esse capítulo engloba um grupo abrangente de doen- em detalhes a poderosa influência de certas emoções sobre
ças cujos sintomas e sinais corporais constituem o principal funções físicas vitais, tais como a respiração, a digestão, a
componente do quadro clínico geral36. circulação sanguínea e o sistema endócrino. Pesquisadores
Com relação aos transtornos dissociativos, o DSM-IV-TR passaram a investigar os efeitos em longo prazo dessas re-
prevê quatro classificações diagnósticas: a amnésia dissocia- lações fisiopatológicas, e o antigo princípio de que mente
tiva, a fuga dissociativa, o transtorno dissociativo da persona- e corpo interagem estava agora demonstrado por meio de
lidade e o transtorno de despersonalização. A classificação fundamentos científicos consistentes – a moderna medicina
também apresenta, em seu apêndice, diretrizes diagnósticas psicossomática, com isso, emergiu37,38.
para o transtorno do transe dissociativo. Para quadros que Em seus Estudos sobre a histeria e em outros trabalhos,
não satisfaçam os critérios dos demais transtornos disso- Freud apresentou algumas das mais bem conhecidas descri-
ciativos, o DSM-IV-TR reserva a classificação “transtorno dis- ções da histeria, introduzindo inovações teóricas que também
sociativo sem outra especificação”. O que diferencia esses contribuíram para o abandono desse diagnóstico. Termos
quadros dos transtornos somatoformes é a sensação de não seus como “psiconeurose de defesa” e “histeria de angústia”
existência de um self unificado36. foram, com efeito, rótulos para modelos de comportamento
que já eram descritos, anteriormente, como histéricos37.
Os clínicos contemporâneos, fundamentados nos ma-
CONCLUSÃO nuais classificatórios DSM e CID, adotaram amplamente
a categoria dos transtornos somatoformes, deixando os
Em psiquiatria, o termo “histeria” tanto pode designar um transtornos conversivos restritos a situações bem circuns-
sintoma quanto uma doença, ou mesmo uma síndrome. critas. Já a somatização ganhou um caráter de fenômeno
E a imprecisão desse diagnóstico, a sua etiologia incerta e generalizado, associado a grande número de síndromes e
a apresentação clínica de algo tão multifacetado dificultam condições, perdendo, assim, qualquer direito à especifici-
que se lhe atribua uma identidade nosográfica bem defini- dade. O transtorno de somatização foi definido a partir do
da15. Mas, afora a dificuldade de enquadrá-la conceitualmen- DSM-III e foi inserido no grupo das condições chamadas
te, o que poderia estar ocupando o lugar dos antigos sinto- transtornos somatoformes, refletindo uma tentativa de re-
mas histéricos nos dias atuais? definir pacientes com sintomas histéricos, como antes eram
Primeiramente, os historiadores veem a histeria como formalmente assumidos39. Com o DSM-IV, consolidou-se a
uma síndrome cultural, resultante da repressão sexual vito- exclusão da expressão histeria e sua substituição por novos
riana; o seu declínio no século XX corresponde à superação termos nosográficos.
dessas condições. Além disso, alguns autores acreditam que Consideramos que essa grande abrangência da somati-
antes do século XX as pessoas tinham maior tendência a zação represente o ressurgimento de antigos atributos da
expressar seus conflitos emocionais por meio de sintomas histeria. Nesse sentido, a psicanálise se sustenta como um
físicos, já que tinham pouco autoconhecimento do ponto importante campo de conhecimento capaz de prover dire-
de vista psicológico, diferentemente do que se observa na trizes adequadas para o diagnóstico e para o tratamento des-
atualidade, na qual conceitos de motivação inconsciente e ses pacientes. Para uma patologia tão amorfa, que se esquiva
de doenças psicossomáticas encontram-se bastante difun- furtivamente da “normalidade” que se espera numa relação
didos. Apesar disso, essas teorias ainda não explicam satisfa- entre pacientes e profissionais de saúde, cremos que a psica-
toriamente bem o declínio da histeria37. nálise, por também ser uma ciência sui generis, uma ciência
Outro processo, frequentemente ignorado, também tem do negativo (em contraponto ao positivismo presente nas
sido discutido: o das mudanças conceituais nas classificações demais ciências, e que se tenta trazer para o cenário da saú-
diagnósticas psiquiátricas6,37. Entre 1895 e 1915 os autores al- de mental), disponha dos requisitos necessários para melhor
teraram grandemente sua visão sobre a clínica da histeria e o amoldar a realidade médica à discussão dos fenômenos his-
seu lugar no sistema de classificação médica, graças a avan- téricos. Relembrando Sydenham, para quem “a histeria imita
ços na neurologia, a uma nova classificação dos sintomas quase todas as doenças que ocorrem no gênero humano”12,
psicóticos e ao surgimento do conceito das psiconeuroses37. constatamos que velhas questões do manejo clínico peran-
Entre 1915 e 1993 a histeria se adaptou às transformações te a problematização histérica encontram-se rebatizadas sob
diagnósticas e aos avanços científicos da neurologia e da o nome de somatização. E isso nos conduz a um instigante
psiquiatria, adquirindo o seu status atual. O seu “desapareci- pensamento de Etienne Trillat: “a re­pressão da expressão his-
mento” coincide, portanto, com a adoção de novos sistemas térica é um fato de ordem sociocultural que engendrou os
diagnósticos para os transtornos mentais. estados psicossomáticos”35.

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revisão de literatura Histeria e somatização: o que mudou? 339

Após Freud, e com os novos manuais classificatórios, a his- ginecologistas, cardiologistas, endocrinologistas, reumatolo-
teria foi reclassificada e gradativamente desdenhada, enquan- gistas e neurologistas, estejam até mais despreparados para
to diagnóstico, pelas investigações clínicas, obtendo-se, assim, reconhecer os meandros da mimética histeria. Isso os torna,
um legado de múltiplos quadros sintomáticos. Ela foi desmem- provavelmente, mais facilmente enredados nos complexos
brada em um amplo conjunto de condições médicas, às vezes fatores psicodinâmicos que sempre cercam a condição his-
com componentes orgânicos mais acentuados, como ocorre térica, em particular, e a prática médica, em geral.
na fibromialgia ou na sensibilidade química múltipla, outras Pensamos que a psicossomática moderna ainda não
vezes com aspectos de indeterminação que conduziram aos forneceu as respostas mais convincentes para o esclareci-
imprecisos quadros dos sintomas médicos inexplicados. mento dessas questões. São urgentes estudos que permi-
O desaparecimento da histeria dos diversos manuais tam compreender a plasticidade dos sintomas do que antes
médicos vem a serviço de uma tentativa de classificação era denominado “histeria” (e hoje recebe, principalmente, o
mais quantificável das enfermidades, norteada pelo preen­ rótulo de “somatização”), bem como investigações que pro-
ponham manejos mais adequados para essa ampla gama de
chimento ou não de critérios clínicos, em busca de uma
pacientes, tanto por psiquiatras e psicólogos quanto pelos
mensurabilidade que antes não se especulava para o caso
clínicos e pelos especialistas em aparelhos e sistemas orgâni-
específico dessa condição. Se, para outras patologias isso
cos que podem ser sintomatizados “psicossomaticamente”.
representou um avanço, não nos parece que o mesmo te-
nha ocorrido em relação à histeria. Essa é uma entidade que
segue parâmetros próprios, muito diversos dos buscados
REFERÊNCIAS
por uma ciência que prima, cada vez mais, por evidências
demonstráveis e replicáveis. As evidências encontradas para 1. Shorter E. A historical dictionary of psychiatry. Oxford (NY): Oxford University Press; 2005.
a histeria, aliás, muitas vezes são evidências de camuflagem 2. Almeida KF. Histeria – uma revisão bibliográfica. Inform Psiq. 1983;4(3):63-8.
em outros diagnósticos – esses sim, quantificáveis. 3. Mendoza MLC. A grande farsa da histeria. CCS João Pessoa. 1987;9(4):55-61.
É certo que muitas condições orgânicas graves deixaram 4. Matos EG, Matos TMG, Matos GMG. Histeria: uma revisão crítica e histórica do seu conceito.
de ser consideradas como histéricas, representando esse fato J Bras Psiquiatr. 2005;54(1):49-56.
um avanço notável para a medicina. Por outro lado, a histeria 5. Ávila LA. Somatization or psychosomatic symptoms? Psychosomatics. 2006;47:163-6.
foi submetida a um processo inverso, no qual questões de 6. Bathia MS, Choudhary S. Hysteria – a chamaleon or a fóssil? Indian J Med Sci.
ordem nitidamente psicodinâmica passaram a ser enquadra- 1998;52(6):227-30.
das, paulatinamente, em categorias que pouco ou nenhum 7. Rocca RE. La piconeurosis histérica y sus limites psicopatológicos y clínicos. Acta Psiquiát
valor atribuem à dinâmica do próprio homem e, sobretudo, Psicol Amer Lat. 1981;27(3):209-18.
do paciente histérico, desconsiderando-se aqui a acepção 8. Wilkinson P, Bass C. Hysteria, somatization & the sick role. Practitioner.
1994;238(1538):384-90.
pejorativa que o uso, infelizmente, legou a esse termo.
9. Gottlieb RM. Psychosomatic medicine: the divergent legacies of Freud and Janet. J AM
Atrelada a tudo isso ocorre uma valorização crescente Psychoanal Assoc. 2003;51(3):857-81.
do neurofisiológico em detrimento do psicodinâmico. Desta- 10. Fisher CM. Hysteria: a delusional state. Med Hypotheses. 1999;53(2):152-6.
cadas as respectivas importâncias, há de se convir que, da
11. Ford CV. Somatization and fashionable diagnoses: illness as a way of life. Scand J Work
mesma maneira que não se trata (ou não se deveria tratar) Environ Health. 1997;23(3):7-16.
um paciente portador de tumor cerebral com psicoterapia 12. Foucault M. História da loucura na idade clássica. Tradução de José Teixeira Coelho Netto.
orientada para o insight, parece-nos bastante plausível que São Paulo: Perspectiva; 1972.
um paciente psiquiátrico, histérico, não deveria ser tratado 13. Adair MJ. Plato’s lost theory of hysteria. Psychoanal Q. 1997;66(1):98-106.
como portador de uma patologia neurológica, no sentido 14. Saurí JJ. Los nombres metafóricos de la histeria. Acta Psiquiát Psicol Am Lat.
mais estrito dessa expressão. 2000;46(4):363-71.
Por meio de uma aparente dificuldade em reconhecer 15. Meleiro AMAS, Wang YP. A concepção da histeria ao longo do tempo: psiquiatria e psica-
nálise. Revista ABP-APAL. 1992;14(2):45-50.
onde residem o neuro- e o psi- de cada doença, da crença de
16. Ávila LA. Doenças do corpo e doenças da alma: investigação psicossomática psicanalítica.
que tudo em psiquiatria é passível de categorização median- 3. ed. São Paulo: Editora Escuta Ltda; 2002.
te critérios de inclusão ou exclusão, como ocorre em algumas 17. Hurst LC. Freud and the great neurosis: discussion paper. J R Soc Med. 1983;76:57-61.
áreas da medicina, percebemos uma influência cada vez mais
18. Viesca TC. Charcot y la histeria. Salud Ment. 1990;13(1):9-11.
marcante das neurociências no sentido de tentar encaminhar
19. Vega LMC, Madariaga AA, García-Campayo. La Complejidad de los fenómenos de somati-
a psiquiatria para uma espécie de “neurologia do comporta- zación – Cartas ao Director. Aten Primaria. 1997;20(3):154.
mento”, com importantes repercussões sobre a forma como 20. Black DN, Seritan AL, Taber KH, Hurley RA. Windows to the brain – conversion hysteria:
são descritas as diversas patologias mentais e, por conseguin- lessons from functional imaging. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2004;16:245-51.
te, sobre a concepção dos novos manuais diagnósticos. 21. Mai FM. The psychobiology of hysteria. J Psychiatry Neurosci. 1996;21(5) 313-4.
Histeria e somatização: o que mudou? É possível que 22. Nasio JD. A histeria: teoria e clínica psicanalítica. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
hoje os psiquiatras, em primeiro lugar, mas também os es- Jorge Zahar Editor; 1991.
pecialistas de outras clínicas, como gastroenterologistas, 23. Bollas C. Hysteria. São Paulo: Escuta, 2000.

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340 Ávila LA, Terra JR revisão de literatura

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25. Freud S. As neuropsicoses de defesa (1896). In: Salomão J (trad.). Obras psicológicas com- 32. Freud S. O ego e o id (1923). In: Salomão J (trad.). Obras psicológicas completas de Sig-
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26. Freud S. A hereditariedade e etiologia das neuroses (1896). In: Salomão J (trad.). Obras 33. Fenichel O. Teoria psicanalítica das neuroses. Rio de Janeiro: Atheneu; 1981.
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1995.
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