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LITERARIAS
Resumo: Esse artigo busca abordar algumas idéias centrais do Existencialismo através de
referências extraídas da literatura, escritas por autores aos quais se atribui um forte cunho
existencial. Com isso, pretende-se tratar de conceitos filosóficos através da narrativa de
dramas humanos concretos, mesmo que vivenciados apenas através da fantasia de seus
criadores. Eis uma das propostas do próprio Existencialismo: abrir o olhar do homem para a
análise da sua existência real, algo que está para além dos muros da produção teórica.
Palavras-chave: Existencialismo, filosofia, literatura.
Abstract: This article seeks to address some central ideas of existentialism through drawn
references from the literature, written by authors considered with a strong existential nature.
Thus, it is intended to deal with philosophical concepts through the narrative of concrete
human dramas, even experienced only through the fantasy of their creators. Here is one of
the proposals of Existentialism itself: open the man's gaze to the analysis of its real
existence, something that is beyond the walls of the theoretical production.
Keywords: Existentialism, philosophy, literature.
Nisso reside a busca pelo si mesmo, apesar das muitas prescrições sociais que
versam sobre quem é o homem e o que ele deve fazer.
Esta busca pelo meu lar, ó Zaratustra, tu sabes que esta busca tem sido a minha
provação e está me consumindo.
‘onde fica – o meu lar?’ Pergunto, procuro e procurei-o sem encontrá-lo. A eterna
busca em todos os lugares, a eterna busca em lugar nenhum - ó eterno em vão!
(NIETZSCHE, 2014, p. 366)
(...)
Então, não sei por que, qualquer coisa se partiu diante de mim. Comecei a gritar em
altos berros, insultei-o e disse-lhe para não rezar. Agarrara-o pela batina. Despejava
nele todo o âmago do meu coração com repentes de alegria e cólera. (...) Eu parecia
ter as mãos vazias. Mas estava certo de mim mesmo, certo de tudo, mais do que
ele, certo da minha vida e desta morte que se aproximava. Sim, só tinha isto. Mas ao
menos agarrava esta verdade tanto quanto esta verdade se agarrava a mim. (p. 124)
(...)
Tão perto da morte, mamãe deve ter-se sentido liberada e pronta para reviver tudo.
Ninguém, ninguém, tinha o direito de chorar por ela. Também eu me senti pronto a
reviver tudo. Como se esta grande cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de
esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas eu me abria pela
primeira vez à terna indiferença do mundo. Por senti-lo tão parecido comigo, tão
fraternal, enfim, senti que tinha sido feliz e que ainda o era. (CAMUS, 2014, p. 126)
A vertigem da liberdade
teria sido o discurso que Jesus ouvira em meio às tentações que sofreu no
deserto.
Desejas ir ao mundo e vais de mãos vazias, com uma promessa de liberdade que,
em sua simplicidade e em seu caos inatos, eles não podem nem mesmo
compreender; Tua promessa lhes provoca medo, e eles a temem, pois nada nunca
foi mais insuportável para o homem e para a sociedade humana do que a liberdade!
(DOSTOIÉVSKI, 2013, p. 280)
(...)
O desamparo essencial
Ele então ia para seus aposentos, deitava-se e outra vez ficava a sós com ela. Cara
a cara com ela. E não havia nada que ele pudesse fazer com ela, a não ser olhar e
estremecer. (TOLSTÓI, 2014, p. 67)
O horrível, terrível ato de sua morte, ele via, estava sendo reduzido por aqueles que
o rodeavam ao nível de um acidente fortuito, desagradável e um pouco indecente
(mais ou menos como se comportam com alguém que entra em uma sala de visitas
cheirando mal), e agiam assim em nome do mesmo decoro ao qual ele próprio
subjugara-se a vida inteira. (p. 73)
(...)
(...)
Ocorreu-lhe pela primeira vez, o que lhe tinha parecido totalmente impossível antes
– que ele não teria vivido como deveria. Veio-lhe à cabeça a ideia de que aquela sua
leve inclinação para lutar contra os valores das classes altas, aqueles impulsos de
rebeldia que mal se notavam e que ele havia tão bem aplacado talvez fossem a
única coisa verdadeira, e o resto todo, falso. E suas obrigações profissionais e a
retidão de sua vida e sua família e sua vida social tudo falso e sem sentido. Tentou
defender essas coisas a seus próprios olhos e subitamente deu-se conta da
fragilidade do que estava defendendo. Não havia o que defender. (TOLSTÓI, 2014,
pp. 95- 96)
Já ouvi falar também, e muito, de como você se pinta. Deus te deu uma cara e você
faz outra. E você ondula, você meneia, você cicia, põe apelidos nas criaturas de
Deus, e procura fazer passar por inocência a sua volúpia. Vai embora – chega – foi
isso que me enlouqueceu. (SHAKESPEARE, 2014, p. 69)
(...)
“Oh Deus” pensou ele, “que profissão extenuante que fui escolher! Entra dia, sai dia,
e eu sempre de viagem. As agitações do negócio são muito maiores do que
propriamente o trabalho em casa, e ainda por cima impuseram sobre mim essa
praga de ter que viajar, os cuidados com as conexões de trem, a comida ruim e
desregulada, contatos humanos sempre cambiantes, que nunca serão duradouros e
jamais afetuosos.” (p. 15)
Do deserto do norte devia chegar a sorte, a aventura, a hora milagrosa, que, pelo
menos uma vez, cabe a cada um. Para essa vaga eventualidade, que parecia tornar-
se cada vez mais incerta com o tempo, os homens consumiam ali a melhor parte de
suas vidas. (BUZZATI, 2011, p. 54)
Mesmo que tivesse tocado os clarins, que fossem ouvidas as canções de guerra,
que do norte chegassem mensagens inquietantes, se fosse somente por isso, Drogo
teria igualmente ido embora; mas já havia nele o torpor dos hábitos, a vaidade
militar, o amor doméstico pelos muros cotidianos. Quatro meses haviam bastado
para amalgamá-lo ao monótono ritmo do serviço. (p. 66)
(...)
Ninguém consegue compreender bem o que aconteceu, mas o rosto dos outros dão
nos nervos. “Sempre as mesmas caras”, pensa instintivamente, “sempre as mesmas
conversas, o mesmo serviço, os mesmos documentos”. No entanto, fermentam
tenros desejos, não é fácil estabelecer com exatidão o que se queria, certamente
não essas muralhas, esses soldados, esses toques de clarim.” (p. 131)
Não havia ninguém que lhe dissesse: “Cuidado, Giovanni Drogo!” A vida parecia-lhe
uma inesgotável, obstinada ilusão, embora a juventude já tivesse começado a
perder o viço. Mas Drogo não conhecia o tempo. Ainda que tivesse diante de si uma
mocidade de centenas e centenas de anos, como os deuses, isso também teria sido
pouca coisa. E, em vez disso, ele dispunha de uma vida simples e normal, uma
pequena juventude humana, avaro dom, que os dedos das mãos eram suficientes
para contar e que se dissolveria antes de se dar a conhecer. (p. 70)
No final, Drogo conclui que não era contra os bárbaros que deveria travar
a grande batalha da sua vida, mas contra o tempo e contra a morte, que a
passagem do tempo aos poucos lhe trazia. Diante da morte, surge a dúvida
sobre se há mesmo sobre um modo próprio de existir, tal qual Drogo se
pergunta:
Algumas considerações
Referências
TOLSTÓI, Leon. A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Vera Karan. Porto Alegre:
L&PM, 2014.
Problemata: R. Intern. Fil. v. 7. n. 2 (2016), p. 254-267
ISSN 2236-8612