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cio da meia-idade. Nes- ~ Em relação aos ratos


sa fase da vida, com do grupo de controle, os
mais Glut 4 disponível animais que receberam
nos tecidos adiposos, o glutamato monossódi-
ocorre um aumento da co exibiram quantida-
sensibilidade à ação da des aumentadas da pro-
insulina, criando, assim, teína em dois dos três
uma propensão a en- momentos estudados.
gordar. Mais tarde, da Aos 2 meses, no início
meia-idade em diante, do processo de aumen-
quando possivelmente to de peso, apresenta-
esse indivíduo obeso se ram taxas de Glut 4 por
torna diabético, a situa- unidade de área super-
ção se inverte: os níveis ficial das células de gor-
de Glut 4 nas células de Estrutura tridimensional da insulina: dura (adipócitos) 36%
gordura (e em outros ti- ação do hormônio depende do Glut4 mais elevadas do que as
pos de tecidos) oscilam verificadas no grupo de
para baixo e diminuem controle. Quando atin-
a sensibilidade à ação da insulina. Mais tes de diabetes do tipo 2 geralmente fa- giram 4 meses e já estavam visivelmen-
glicose, então, fica no sangue. bricam grandes quantidades de insuli- te gordos, os animais submetidos ao
na. O problema é que, por alguma de- tratamento para ganhar peso tinham
Prevenção - A diminuição nos níveis sordem metabólica, a partir de um índices de Glut 4 em suas células de
de Glut 4 em diabéticos do tipo 2 já era determinado ponto da vida, os princi- gordura cerca de 220% acima dos en-
um fenômeno bem conhecido. Tanto pais tecidos normalmente sensíveis à contrados nos animais de referência. A
que as principais drogas usadas para ação da insulina - as células adiposas, escalada das taxas de Glut 4 só se inter-
tratar esses pacientes procuram aumen- do músculo esquelético e do coração - rompeu quando os ratos que receberam
tar a quantidade de Glut 4 e, dessa for- passam a não reagir à presença do hor- glutamato atingiram 7 meses. Nessa fa-
ma, restabelecer a sensibilidade do do- mônio com a mesma eficiência de an- se, 25% mais obesos do que seus pares
ente à insulina. A novidade do estudo, tes. No jargão médico, os especialistas do grupo de controle, esses animais apre-
publicado na edição de 6 de setembro dizem, então, que esses tecidos desen- sentavam níveis reduzidos da proteína
da revista Life Sciences, foi a detecção da volveram uma resistência à ação da in- em todos os seus tecidos analisados, in-
elevação precoce nos níveis dessa pro- sulina, possivelmente por uma dimi- clusive nas células de gordura, que, du-
teína nos tecidos adiposos de ratos que nuição, nessas células, da presença de rante o processo de engorda, exibiam
passam por um processo rápido de ga- proteínas transportadoras de glicose, taxas acima do normal de Glut 4.
nho de peso. Se essa linha de pesquisa das quais a mais importante parece
estiver correta, o combate à subida nos ser o Glut 4. Até um certo limite, o pân- Glicose estocada - Um detalhe interes-
níveis de Glut 4 pode ser a chave para creas compensa essa menor eficiência da sante do experimento: nos dois primei-
evitar o acúmulo de gordura e o diabe- ação do hormônio secretando quanti- ros períodos estudados, aos 2 e 4 meses,
tes do tipo 2. "Se um dia conseguirmos dades ainda maiores de insulina. Quan- só foi constatado aumento na taxa de
reduzir a produção de Glut 4 nos teci- do essa estratégia passa a não surtir Glut 4 nas células adiposas - e em
dos adiposos das pessoas que estão en- mais efeito, o quadro de diabetes se ins- mais nenhum outro tipo de tecido -
gordando, talvez possamos prevenir a tala no paciente e sua taxa de açúcar no dos ratos submetidos ao tratamento de
instalação da obesidade e até o desen- sangue dispara. engorda. "Em células do coração e do
volvimento do diabetes do tipo 2': afir- músculo esquelético, também sensíveis
ma Machado. Numa outra linha de tra- Propensão a engordar - No experimen- à insulina, os níveis dessa proteína não
balho, pesquisadores da Universidade to que deu origem ao estudo da equi- estavam aumentados em nenhum dos
Estadual de Campinas (Unicamp), che- pe de Machado, os pesquisadores do dois grupos de ratos", diz Machado. O
fiados por Mario Saad, investigam as ICB acompanharam durante sete me- dado mostra que a elevação nas taxas de
eventuais implicações da insulina e seus ses o ganho de peso e os níveis de Glut Glut 4 parece ser muito seletiva. Com
receptores no cérebro sobre a gênese 4 em dois grupos de ratos: um que re- mais Glut 4 à sua disposição nos teci-
do acúmulo de gordura em diabéticos. cebeu o glutamato monossódico - dos adiposos do que em outras partes do
"Problemas de sinalização no hipotála- com propensão a engordar e desenvol- corpo, a insulina realiza de forma mais
mo também podem levar à obesidade ver diabetes - e outro que não foi sub- eficiente seu trabalho justamente na re-
nesses pacientes", afirma Saad (veja metido a esse tratamento. As medições gião das células de gordura. Resultado:
quadro ao lado). foram efetuadas em três momento da mais glicose é estocada nos tecidos adi-
Diferentemente das pessoas que so- vida dos animais, aos 2, 4 e 7 meses de posos, onde é armazenada na forma de
frem de diabetes do tipo 1, chamadas idade. "Em seres humanos, esses pe- triglicérides como fonte de energia, do
de insulino-dependentes, visto que seu ríodos equivalem mais ou menos aos que no resto do corpo.
pâncreas não produz as quantidades 20, 40 e 50 anos de idade", compara Se as variações das taxas de Glut 4
necessárias desse hormônio, os pacien- Machado. nos vários tecidos sensíveis à ação da

36 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82


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II Quando o problema está no cérebro :


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II i
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I' Um estudo feito por pesquisado- a enzima PI 3-quinase, é 50% me- po, sabemos que a insulina inibe a
I' res da Universidade Estadual de Cam- nos sensível à ação da insulina em fome': comenta Saad, coordenador i
I

i pinas (Unicamp) e Universidade Fe- ratos obesos do que em roedores ma- de um projeto temático sobre os I
I deral de São Paulo (Unifesp) reforça gros. Como o principal efeito desse efeitos desse hormônio no sistema I
uma hipótese que vem ganhando cor- hormônio no hipotálamo é dimi- nervoso central. "Nossa prioridade
po desde a década de 80: uma das nuir a ingestão de alimentos, o mau agora é entendermos as vias de sina- I
causas da obesidade em diabéticos do funcionamento desse receptor pode lização utilizadas pelo hormônio
tipo 2 pode estar relacionada a pro- ser um fator importante na perpe- para atuar no hipotálamo. Dessa
blemas nas etapas iniciais da ação tuação da obesidade em diabéticos. forma, poderemos um dia desenvol-
I
do hormônio insulina, que ocorrem Em um dos experimentos, os pes- ver drogas que diminuam a resis- I
numa região do cérebro chamada hi- quisadores deram insulina aos roe- tência à insulina no cérebro." Outra
potálamo, dotada de centros nervo- dores e verificaram que, em relação proteína desse processo, a enzima i
: sos ligados a uma série de funções e ao seu padrão normal de consumo, MAP, também foi testada, mas seu I

I
sensações, entre as quais o controle houve uma redução de 50% a 90% papel não se mostrou relevante para I

I do apetite. A equipe de cientistas, che- na quantidade de comida ingerida a questão da obesidade. Os resulta-
fiada por Mario Saad, da Faculdade pelos animais magros. Os ratos obe- dos do estudo, que foi tema do dou-
I de Ciências Médicas da Unicamp, sos, no entanto, apresentaram uma torado de José Carvalheira, na Uni-
I produziu evidências de que um dos
receptores envolvidos nesse processo,
baixa mais modesta em seu apetite,
entre 30% e 45%. "Há algum tem-
camp, devem sair em breve no
[ournal of Clinical Investigation. I
- .-

insulina forem mesmo um dos fatores International ]ournal of Obesity, a equi- Saúde Pública e Meio Ambiente da Ho-
cruciais para o surgimento da obesida- pe de Machado mostrou que a admi- landa, publicado mês passado na res-
de e do diabetes do tipo 2, controlar o nistração de uma dieta 20% menos ca- peitada revista inglesa The Lancet, su-
funcionamento do gene responsável lórica para ratos obesos e diabéticos, gere que o consumo de sete xícaras de
pela produção dessa proteína será uma que apresentavam índices reduzidos de café reduz à metade o risco de alguém
importante medida profilático-tera- Glut 4, era capaz de elevar a quantida- desenvolver a doença. O dado é curio-
pêutica dessas duas condições. Infeliz- de dessa proteína a níveis normais em so por um motivo: a cafeína, um esti-
mente, esse intento ainda é um sonho todos os tecidos sensíveis à insulina. mulante presente no café, sempre foi
distante. "Não sabemos quais fatores vista como uma droga que dificultava a
regulam a expressão do gene dessa pro- Efeitos do café e do álcool - Entender absorção de glicose do sangue e au-
teína", comenta Machado. Há, no en- o que favorece e o que dificulta o apa- mentava a resistência à insulina.
tanto, pelo menos uma medida simples recimento do diabetes do tipo 2 nem Outra pesquisa recente, conduzida no
que aparentemente ajuda os diabéticos sempre é uma tarefa fácil. Muitos estu- ICB, também chegou a dados interessan-
a aumentar seus níveis de Glut 4 e oti- dos apontam resultados contraditórios. tes e intrigantes em termos de possíveis
mizar a ação da insulina: comer menos. Um exemplo recente: um trabalho de tratamentos do diabetes. Num estudo
Num trabalho de 1997 publicado no pesquisadores do Instituto Nacional de conjunto com o pesquisador alemão Ralf
Binsack, que fez pós-doutorado na USP,
Machado constatou que o consumo
OS PROJETOS moderado de álcool ~ na verdade, água
com uma concentração de 3% de eta-
Regulação do Transportador Mecanismos Moleculares nol ~ em ratos aumentava a sensibilida-
de Glicose Glut 4 no Diabetes de Resistência à Insulina em de à ação da insulina. Em tese, esse pro-
Mel/itus Tipo 2: Papel Hipotálamo e Tecidos cedimento poderia melhorar os efeitos
da Resistência à Insulina Periféricos: Influência da Leptina, desse hormônio sobre a regulação da
Grelina e Resistina
quantidade de glicose no sangue. "Sabe-
MODALIDADE
Projeto temático MODALIDADE mos que, em altas concentrações, o ál-
Projeto temático cool é prejudicial ao diabético", comenta
COORDENADOR Machado, que vai publicar os resulta-
UBIRATAN FABRES MACHADO- COORDENADOR dos de seus estudos numa revista cien-
ICB/USP MARIO JOSÉ ABDALLA SAAD -
tífica nacional no início do próximo
Unicamp
ano. "Mas, como o consumo moderado
INVESTIMENTO
R$ 332.194A2 INVESTIMENTO talvez possa ser benéfico, estamos estu-
R$ 1.061.489,86 dando os mecanismos envolvidos nesse
possível efeito benéfico do etanol." •

PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 37

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