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Anais do IV Seminário Nacional

EDUCAÇÃO E MODERNIDADE EM PERNAMBUCO


RENOVAÇÃO DO ENSINO PÚBLICO (1920/1937)

Lêda Rejane Accioly Sellaro1


RESUMO

Este trabalho se propõe a oferecer subsídios à História da Educação em Pernambuco,


aprofundando a compreensão das relações entre educação e modernidade, mediante a análise
de duas reformas educacionais, implantadas no ensino público, no período de 1920 a 1937. No
contexto das mudanças que marcaram a passagem do modelo agro-exportador para o modelo
urbano-industrial e a evolução do regime político, da oligarquia para a democracia, busca
identificar a natureza e o propósito das ações da sociedade civil, que conclamava o Estado,
enquanto sociedade política, a alargar o âmbito de sua atuação nos diversos campos da vida
social, entre os quais o da educação; e das (re)ações do Estado, nesta direção, ao capacitar-se
para mediar ou conciliar os conflitos sociais, especialmente os ligados ao ensino público,
sobretudo via legislação. Tenta caracterizar a política nacional de educação emergente, como
parte do processo de modernização da sociedade brasileira, contextualizando a emergência
dessa legislação e de sua operacionalização em Pernambuco. Enfoca, especialmente, a
emergência e implantação de duas reformas educacionais: a de Ulisses Pernambucano, em
1923; e a de Carneiro Leão, em 1928, avaliando seus efeitos sobre o ensino elementar e
normal, tentando qualificar tais reformas, em suas repercussões sociais. Ao fazê-lo, procura
situar a relação educação/progresso e/ou modernidade, na legislação, nos discursos oficiais, na
produção intelectual e no noticiário da época: relacionando as idéias dominantes durante o
período estudado com as principais questões educacionais contempladas nas reformas do
ensino, de modo a melhor compreedê-las no seu papel inovador. Espera contribuir para a
compreensão do multifacetado conceito de modernidade que constituia o imaginário social da
época, na qual se coloca o seu objeto de estudo e as questões que o envolvem, sobre as quais
deverá lançar alguma luz; levantando ainda questões que contribuam para o debate sobre a
relação entre educação e modernidade, no enfrentamento dos impasses e contradições que vêm
caracterizando o processo de modernização brasileiro.
TEXTO COMPLETO

Introdução

Esta pesquisa se insere na segunda etapa do projeto Levantamento e Catalogação de


Fontes Primárias e Secundárias da Educação em Pernambuco, a partir de temáticas
específicas, assumido pelo Mestrado em Educação da UFPE.
Uma análise qualitativa, embora incipiente, das fontes já coletadas, no levantamento
acima referido, assinala alguns direcionamentos e desafios, para os quais, o estudo aqui
proposto é uma das muitas respostas possíveis, dentro da nova historiografia; a partir da qual,
delineiam-se novas possibilidades de investigação histórica, inclusive do fenômeno educativo.

1 Professor Adjunto do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional do Centro de


Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Av Acadêmico Hélio Ramos, s/n , Cidade Universitária,
Recife -PE. CEP 50740-530 Fone Fax (081) 271.8324 E-mail lsellaro@elogica.com.br

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1. Delimitação do objeto de estudo

A Primeira República marca, no Brasil, entre os resultados das várias transformações


sociais que se processaram no período - a idéia da educação como motor da história.
Acreditava-se, sobretudo na década de 20, que a expansão de uma educação baseada nos
princípios doutrinários da Escola Nova2, ao atingir grandes contingentes populacionais, seria
capaz de inseri-las na senda do progresso; impulsionando o Brasil na trilha das grandes
nações do mundo.
O período histórico enfocado neste trabalho - 1920/1937 - é caracterizado por Ribeiro
(1988:86-112), dentro de uma periodização com base nas mudanças econômicas, por uma
nova crise do modelo que denomina agrário-comercial exportador dependente; no qual tem
início, também, a estruturação do modelo nacional desenvolvimentista, com base na
industrialização. Nele surgiram os primeiros sinais de uma política educacional estatal, como
fruto das pressões sociais e do fortalecimento do Estado, enquanto sociedade política 3. A
turbulência dos anos 20 - com o acirramento dos conflitos entre a produção pré industrial e a
produção industrial nascente - iria eclodir na revolução de 30 e, posteriormente, no Golpe de
1937, que estabeleceria o Estado Novo.
O fortalecimento do Estado, enquanto sociedade política tivera início com a
Constituição de 1891, que o separara da Igreja 4. Em suas normas relativas às obrigações do
Estado em matéria de educação e à distribuição das competências entre o Estado-federal e os
Estados-federados, dera ao Congresso, embora não privativamente, a responsabilidade de criar
instituições de nível superior e secundário nos Estados, e “animar” no país o desenvolvimento
das letras, artes e ciências; o que deveria ser feito, sem privilégios que tolhessem a ação dos
governos locais.
No entanto, apesar da lei maior expressar a competência concorrente das duas
instâncias de poder, vigorara a interpretação, segundo a qual a educação popular, e, por
extensão, o ensino normal, ficariam sob a responsabilidade exclusiva dos Estados, cabendo ao
Governo Federal a competência, também exclusiva, para legislar sobre o ensino superior
e secundário. Permanecia, desse modo, a dualidade de sistemas, herdada do Império,
decorrente do Ato Adicional de 1834 à Constituição de 1824, que descentralizara a educação,

2O movimento da Escola Nova, também chamado de Escola Ativa, inspirou a criação de escolas inovadoras, na
Inglaterra, ainda no século XIX, tendo boa receptividade em vários outros países da Europa. Seus criadores,
baseados nas descobertas das ciências biológicas e psicológicas, estabeleceram alguns princípios, entre os quais,
destacam-se: a preocupação com a individualidade da criança e com sua interação na sociedade; a ênfase nos
métodos que levem o aluno a aprender fazendo, com base nos seus interesses; e a iniciação, desde a escola
elementar, no mundo do trabalho.
3 Utiliza-se aqui o conceito de Estado segundo Gramsci (extremamente didático para a compreensão do
problema aqui proposto), que o subdivide em duas esferas: a sociedade política, na qual se concentra o poder
repressivo da classe dirigente (governo, tribunais, exército, polícia) e a sociedade civil, constituída pela
associações ditas privadas (igrejas, escolas, sindicatos, clubes, meios de comunicação de massa). A sociedade
política (lugar do direito e da vigilância institucionalizada) é responsável pela formulação da legislação
educacional e pelo acompanhamento e avaliação dos seus resultados, no processo de sua implantação, no Sistema
Escolar, que se situa na sociedade civil, ao lado de outras instituições sociais que a compõem.
4 A Igreja constituíra a sociedade civil, durante o período colonial, no qual também não existiram instituições
autônomas que compusessem a sociedade política - reduzida esta às representações locais de poder da metrópole
portuguesa. Assim, a Igreja seria responsável pela política educacional, numa situação que se prolongaria até
então; pois apesar da expulsão temporária dos jesuítas, eles conseguiram preservar ideologicamente o seu espaço
social, contribuindo para manter a hegemonia da Igreja durante o século XIX, até o final do período imperial.

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com enorme prejuízo para a expansão do ensino elementar, entregue às províncias, depois
Estados. Conforme Nagle (1976:280-1),

“Ao predomínio político e econômico da aristocracia rural e burguesia


urbano mercantil correspondia, no campo da instrução pública, a exigência do
controle, sem competição, do ensino secundário e superior, de onde deveriam
sair os futuros membros das ‘classes dirigentes’ e, portanto, os indivíduos
formados de acordo com a mesma mentalidade da ‘elite’ dominante”.

Os Estados não demonstraram interesse em propor e executar políticas relativas aos


níveis de educação secundário e superior; fato curioso, considerando os numerosos poderes
que lhes haviam sido delegados pela Constituição republicana, entre os quais, os de contrair
empréstimos no exterior, cobrar impostos de exportação, manter as forças armadas,
estabelecer barreiras fiscais. Daí que, esse cerceamento à sua liberdade (um resíduo da política
do Império), não desencadeou reações, embora a propaganda republicana apregoasse
mudanças radicais nas relações entre Estado e educação.
A descentralização de poderes5 , considerada a idéia-força do período republicano,
contribuia para que a implantação das reformas, que propunham a organização nacional da
educação, esbarrasse sempre na falta de infra-estrutura e de apoio das elites, refratárias à
qualquer renovação. Sobre o fato Romanelli (1982:29) afirma: “Assim como acontece com a
cultura letrada e com a ordem econômica, a forma como se origina e evolui o poder político
tem implicações para a evolução da educação escolar, uma vez que esta se organiza e se
desenvolve, quer espontaneamente, quer deliberadamente, para atender aos interesses das
camadas representadas na estrutura do poder”.
Desse modo, ainda que o discurso oficial expresso na legislação se propusesse a
atender aos interesses da maioria, os princípios realmente assumidos pelo Sistema Escolar,
tendiam a beneficiar os grupos de maior representação política.
Na primeira década, veio à tona a necessidade de organização nacional. da educação,
retomada na década seguinte (1915), associada a um movimento nacionalista que se oficializa
em ligas: a Liga de Defesa Nacional e a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo. Após a
Primeira Guerra Mundial, acelera-se o ritmo do processo de urbanização decorrente do
impulso experimentado pela industrialização, ocasionando, também, um aumento da
demanda escolar.
Contra a idéia de descentralização prevalecente, surgira em 1910 uma reação que tinha
como elemento teórico o positivismo, doutrina politicamente centralizadora e autoritária que
não se firmou.6 Multiplicavam-se os conflitos entre o velho e o novo, o tradicional e o

5 A descentralização de poderes urgiu em meados do século XIX, sob a influência do modelo norte-americano,
como uma forma de reação ao centralismo monárquico (bem patente no campo administrativo); e, também , de
fortalecimento político e econômico das oligarquias locais. Sob a capa dessa instituição federativa, o que havia
como força política decisiva era, na verdade, o movimento para fortalecer política e economicamente as
oligarquias locais, sendo esse, conforme Comparato (1987), o principal traço da República Velha. No campo
econômico, os fenômenos mais significativos da descentralização foram o Convênio de Taubaté, em 1906,
(envolvendo o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais) e a Política do Zoneamento do Açúcar, pela qual, a
partir de Pernambuco, cada usina de açúcar teria o monopólio de aquisição da cana e da venda do açúcar numa
determinada zona, na qual, nenhuma outra poderia atuar.
6. O positivismo (caracterizado sobretudo pelo impulso que deu ao desenvolvimento de uma orientação
cientificista do pensamento filosófico) fundamentou a primeira grande reforma educacional da República - a de

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moderno, relacionados, respectivamente, com o atraso e com o progresso. Os debates se


intensificam, sob a influência de idéias francesas e norte-americanas; mas, somente após o
final da primeira grande guerra, a consciência real da situação do ensino se agudiza gerando
alternativas de encaminhamento das questões então percebidas. Realizam-se inquéritos sobre a
situação educacional do povo, sendo o analfabetismo denunciado como uma chaga nacional a
ser sanada. A falta de escolas é apontada como causa de todos os males sociais, responsável,
também, pela crise do regime democrático.
O secundário, de conteúdo humanístico e propedêutico ao curso superior, assim
permanecera, apesar da influência positivista, que tentava incentivar o estudo das ciências da
natureza e das matemáticas.7 A preferência pelo Curso de Direito, situação que remontando ao
Império se estendera até a Primeira República, determinava a estrutura desses cursos
preparatórios para os exames parcelados que lhe davam acesso.8
O Ginásio Pernambucano, antigo Liceu Provincial era, em Pernambuco, o
modelo de ensino secundário. Quanto ao ensino normal, o da escola oficial, antes da Reforma
Ulisses Pernambucano, em 1923, constituía, segundo Valente (1959:05),“um amontoado de
coisas anacrônicas”, situação que atribuia à “ falta de estabilidade administrativa. De
continuidade na experiência de ensino. Daí as reformas constantes, de duração sempre
reduzida para que pudessem refletir-se em esforço útil”.
O contexto é marcado por conflitos. Sodré (1973), referindo-se ao declínio das
oligarquias e a emergência da burguesia industrial, sinaliza para seus pontos de contato, a
partir de interesses semelhantes, explicados, em parte, pela origem comum; e para pontos de
atrito, pela divergência de interesses econômicos que atingem a área política. Aí também se
situam as manifestações do operariado urbano organizado, através dos movimentos grevistas e
das paralisações; e o crescimento do setor médio da população, heterogêneo em sua
composição, mas bastante marcado pelo liberalismo.
O setor médio incluía a pequena burguesia da cidade, grande número de
funcionários públicos, empregados do comércio, intelectuais e militares. Entre os últimos,
desenvolveu-se o movimento denominado tenentismo, decorrente da insatisfação dominante
Benjamim Constant . Segundo Romanelli (1982:42) essa reforma “teve o mérito de romper com a antiga
tradição do ensino humanístico” mas não teve o cuidado de pensar a educação a partir de uma realidade dada,
pecando, portanto, pela base e sofrendo os males de que vão padecer quase todas as reformas educacionais que se
tentou implantar no Brasil. E sobre o descaso com a educação comenta: ”Ademais, é preciso que se leve em
conta o nível de preocupação que o governo vinha manifestando para com a reconstrução do sistema
educacional. A própria criação do Ministério da Instrução Correios e Telégrafos, de curta duração, reunindo
em um só órgão a administração de coisas tão díspares, denunciava o grau de importância que assumia, para as
classes dirigentes do momento, a educação do povo”.
7. “O ensino secundário, numérica e proporcionalmente, como acontecera no Império, estava melhor servido,
porque , como ainda hoje, era privilégio de colégios particulares, isto é, negócio comercial de iniciativa
particular. Não havia falta. Seu currículo obedecia, mais ou menos, quanto às ciências, à seriação comteana:
Matemática, Geografia, Astronomia, Física, Química, História Natural, incluso Biologia, Sociologia e Moral
(Filosofia). A Retórica e a Filosofia (que escondiam o ensino religioso católico) haviam saído oficialmente dos
currículos”. (Basbaum,1975:194)
8. “Para ingressar nas Escolas Superiores era necessário haver completado o curso ginasial de 5 anos, nos
colégios oficiais, dos quais existia apenas 1 em cada Estado, ou apresentar doze ‘preparatórios’ referentes a
exames prestados avulsamente nos estabelecimentos oficiais, das seguintes cadeiras: Aritmética, Álgebra,
Geometria, Geografia, Física e Química, História Natural, História do Brasil, História Universal, Português,
Latim, Francês, Inglês, podendo esta ser substituída pelo Alemão”. A exemplo do Colégio Pedro II , no Distrito
Federal, a instituição oficial de Pernambuco era o Ginásio Pernambucano, antigo Liceu Provincial, fundado em
1925. (Basbaum, 1974:195)

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entre boa parte dos jovens oficiais do Exército. Insurgiam-se eles contra a sua cúpula, que
acusava de “servilismo contumaz”e contra as próprias oligarquias dominantes.
A insatisfação dos setores em crescimento com a política vigente sintetiza-se
no movimento tenentista, marcado por tendências diferentes. O Liberalismo e o Comunismo
influenciavam os grupos de oficiais e, consequentemente, suas propostas. Enquanto uns se
batiam por mudanças políticas de cunho liberal, outros lutavam por reformas radicais de
caráter socialista. Do mesmo modo, a modernidade, que se insinuava, no início do século e
que então se impunha - confrontando idéias, valores e instituições, mudando os costumes,
demandando mudanças - tinha significados e desdobramentos diferentes, dependendo da ótica
dos atores sociais.
Entre as mudanças julgadas imprescindíveis no processo de modernização
estavam as relativas à educação, sendo o Estado pressionado a ampliar sua atuação nessa área.
Assim, entre as transformações e a inquietação social que marcaram a década de 20 emergiram
movimentos que veiculavam a crença no potencial de transformação social da educação,
principalmente se sua expansão ocorresse dentro do ideário escolanovista. Esse clima
materializou-se em manifestações, eventos educacionais, criação de órgãos e instituições
ligados à educação, além das reformas de ensino já mencionadas, sinalizando para um novo
processo de relacionamento entre o Estado e a Nação, orientado pela necessidade de
democratização e modernização do ensino. Repetir-se-ia no Brasil, durante a década de 20, o
que ocorrera no mundo, no final do século passado.
Resumindo, pode-se dizer que na Primeira República, houve a nível nacional, uma luta
pela ampliação das oportunidades educacionais: após a Primeira Grande Guerra (1914/18),
direcionada para a necessidade de difusão do ensino elementar; na década de 20, voltada para
a reformulação dos sistemas de ensino existentes; e, após 30, privilegiando o ensino técnico
profissional. Esse processo teve, naturalmente, características próprias em cada região e,
também nos Estados.
Nos anos 20, Recife começa a ter uma importância regional destacada, apesar das
constantes crises que atingiam a economia de Pernambuco, resultantes do quase monopólio da
agroindústria açucareira. Tendo passado por períodos históricos distintos, a cidade apresenta
configurações urbanas diferenciadas, representativas desses períodos 9. Uma forte presença do
passado marca o imaginário dos seus habitantes, no qual se faziam presentes as lutas
memoráveis, travadas em solo pernambucano. Recife torna-se, então, um local privilegiado
para uma análise das relações entre o tradicional e o moderno. O cotidiano das pessoas era
atingido pelas mudanças, entre as quais, destacam-se as decorrentes da reorganização do
espaço urbano e dos serviços de higiene e saúde públicas, sobretudo no quadriênio de Sérgio
Loreto (1922/26), constituindo pontos polêmicos entre a população.
Mas, os debates não se restringem a tais questões, atingindo outras áreas, entre as
quais, todas as formas de expressão cultural e artística. O modernismo assume em
Pernambuco um caráter regionalista, manifesto no gosto de conservar velhos rituais
alimentares e na valorização da arte popular, da arquitetura, dos costumes, etc. Gilberto
Freyre, recém chegado dos Estados Unidos, exerce forte liderança nos meios intelectuais,

9 No século XVII, a presença holandesa transformara o limitado espaço urbano, havendo uma grande
valorização imobiliária, muito importante na época. Na administração de Francisco do Rego Barros, o Barão da
Boa Vista, já em meados do século XIX, a cidade sofreu mudanças significativas, acompanhando os traçados
modernos de então a partir das aspirações burguesas dos governantes, ajudados por engenheiros e técnicos
europeus.

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sobretudo com seus artigos polêmicos publicados desde 1918, no Diário de Pernambuco; no
centenário do qual, em 1925, publica o Livro do Nordeste. Em 1926, articula o Congresso
Regionalista, do qual surge o Manifesto Regionalista, amplamente contestado por Joaquim
Inojosa, o mais fiel representante do discurso modernista de 1922, no Nordeste. O número
significativo de jornais em circulação integrava as camadas médias na discussão intelectual da
época.
O aparecimento de grandes colégios protestantes nos principais estados
brasileiros, desde o final do século passado, evidenciara a forma antiquada e anacrônica do
sistema educacional vigente; servindo de modelo para a renovação educacional em São Paulo
e fortalecendo, posteriormente, o movimento em torno da Escola Nova. 10 A dependência11,
que remonta à Colônia, assumira nova fase com o processo de industrialização, sem que os
renovadores a percebessem.
Em Pernambuco, a defasagem entre a educação e o desenvolvimento econômico, cujas
solicitações esbarravam com o tradicionalismo da educação nos moldes franceses, haviam
favorecido a aceitação e o desenvolvimento do modelo anglo-saxão de educação, representado
pelos colégios protestantes, na primeira década do século. Diante do arcaísmo do sistema
tradicional, visto como causa do atraso nacional em relação a nações desenvolvidas, tais
colégios eram vistos como símbolos da modernização necessária à educação local e,
consequentemente ao progresso.12 Neles encontravam-se, muitas práticas consideradas
modernas13 que só seriam vivenciadas, parcialmente, nas escolas públicas, a partir das
reformas educacionais dos anos 20.
Até aí os fatores sócio-econômicos, políticos e culturais haviam se mantido integrados,
constituindo um complexo, em meio ao qual, a educação ofertada correspondia às exigências
da sociedade de então.
“Uma vez que a economia não fazia exigências à escola em termos de
demanda econômica de recursos humanos; que a herança cultural havia sido
criada a partir da importação de modelos de pensamento provenientes da
Europa; que a estratificação social, predominantemente dual na época da
colonial, havia destinado à escola apenas parte da aristocracia ociosa; que
essa demanda social da educação, mesmo quando englobou no seu perfil os

10 Trata-se aqui, do fenômeno “efeito de demonstração”, relacionado à Teoria da Modernização(Ver


Garcia:1988). Diz respeito ao incentivo a um modelo a ser imitado, que pode ter um papel positivo ou negativo.
Independente desse papel, não há dúvida sobre a influência do efeito de demonstração na transposição de padrões
culturais da nação emissora para a nação receptora; o que pode ocorrer via educação formal ou informal e através
dos meios de comunicação.
11 A Teoria da Dependência explica as relações que se estabelecem entre as nações no interior do sistema
capitalista. Theotonio dos Santos (in Garcia 1977:49) a define como “uma situação na qual a economia de
determinados países está condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia, à qual está
submetida a primeira”.
12 Conforme Garcia (1977:19 e 21), “A teoria da Modernização procura traduzir o processo percorrido desde o
arranque da forma de organização social, caracterizada como tradicional ou pré-industrial, até o estágio da
modernidade.”(...) “A orientação do processo de modernização está sempre referida às nações desenvolvidas que
são o ‘modelo valorado positivamente.”
13 Um dos aspectos inovadores, foi a ênfase científico-tecnológica, decorrente do pragmatismo americano,
também responsável pela valorização da natureza e do trabalho, fato aparentemente aceito, embora estranho à
mentalidade brasileira. A defesa de uma educação mais prática enfrentou sempre as barreiras decorrentes da
herança cultural e da estigmatização do trabalho, alimentada pela organização social, por tanto tempo baseada na
latifúndio e na escravidão. (Sellaro,1987:200)

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estratos médios urbanos, procurou sempre na escola uma forma de adquirir ou


manter status, alimentando, além disso, um preconceito contra o trabalho que
não fosse intelectual e uma vez, enfim, que todos esses aspectos se integravam,
é possível afirmar-se que a educação escolar existente, com origem na ação
pedagógica dos jesuítas, correspondia às reais necessidades da sociedade
como um todo”. Romanelli (1978:45)

Tendo a escola a função de formar indivíduos para preencher os quadros da política e


da administração pública - as cabeças pensantes do regime - pode-se afirmar que o
desequilíbrio só ocorreu, quando o processo de industrialização/urbanização intensificou-se,
modificando a demanda social de educação e tornado insuficiente a oferta de escolas.
Depois, as novas e crescentes necessidades de recursos humanos para os setores
secundário e terciário da economia mostrariam que, além de insuficiente, o tipo de ensino
oferecido não correspondia às necessidades emergentes, resultantes da expansão econômica e
da estratificação mais diversificada. Em 1920, a população do país (que era de 14 milhões em
1890), atinge os 30 milhões, com 65% de analfabetos. A partir dessa triste realidade, e
sinalizando para as mudanças que se gestavam, nas relações entre Estado e educação, a década
de 20 é pontuada pelas reformas educacionais nos principais estados da federação, por meio
das quais buscavam, de forma isolada e desarticulada, enfrentar os desafios da modernidade,
cujos componentes seriam realmente introduzidos nas estrutura social, na década seguinte.
Tanto o processo de industrialização/urbanização quanto a percepção da defasagem
quantitativa e qualitativa da educação, em face das novas exigências desse desenvolvimento,
tiveram peculiaridades próprias nos Estados; com implicações no processo de renovação dos
seus respectivos sistemas de ensino. A educação, que era parte importante de um amplo
projeto de ação social caminhava para uma limitação - terminando por restringir-se a um
programa de formação, no qual a escolarização passaria a ser concebida como alavanca para o
progresso. Os educadores, embora percebessem os problemas políticos, econômicos e sociais,
viam-nos como secundários aos problemas educacionais; na solução dos quais, julgavam ter,
também, a chave para aqueles.
Os anos 30, começam com a revolução - centralizando poderes e atribuições. O Estado
tenta enfrentar os dois maiores problemas nacionais com a criação do Ministério da Educação
e Saúde. Na educação, o Ministério inicia sua atuação com a Reforma Francisco Campos 14,
sendo desafiado, em 1932, pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a democratizar o
ensino nos novos moldes. A Constituição de 1934 estabelece as bases para a democratização
do ensino; mas, infelizmente, tem vida curta, sendo substituída pela de 1937, que marca o
início do Estado Novo (ditadura Vargas).
Um contato inicial com várias fontes primárias e secundárias relativas à educação, em
Pernambuco, nos anos que antecedem e sucedem a Revolução de 1930, permitem traçar um
quadro da estrutura organizacional do seu Sistema Escolar, no qual se percebe uma ampliação
significativa das atividades do Estado, seja pela criação ou reestruturação de órgãos, seja pelas
reformas educacionais. Entre as medidas desta atuação inovadora, destacam-se: a substituição
das antigas inspetorias pelas diretorias gerais de instrução; a divisão do Estado em regiões
14 “Na exposição de motivos em que propõe a reforma do ensino secundário (1931) Francisco Campos, além de
considerar este ramo o mais importante, manisfesta intenção de atribuir-lhe um caráter essencialmente formativo
(entendida essa formação como posse de conhecimentos humanístico/literários). Como primeira medida dessa
reforma amplia a duração do curso secundário para 7 anos”. (Cf. Garcia,1980:213)

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escolares; a divisão do Recife em circunscrições; o crescimento e aperfeiçoamento dos


serviços de inspeção; e a realização dos censos escolares.
Quanto às reformas locais, foram aqui implantadas: a de Ulisses Pernambucano, em
1923, incidindo sobre o ensino elementar e normal; e a de Antonio Carneiro Leão, em 1928,
contemplando todo o sistema educacional do Estado. Esta última seria atropelada pela
Revolução de 1930, porém, retomada no mesmo ano, sendo vivenciada, em grande parte de
suas proposições, até 1937, por Aníbal Bruno - Diretor Técnico da Educação- como parte do
processo de renovação e democratização do ensino, desenvolvido até o golpe de 1937.
Ambas propunham mudanças significativas na educação em Pernambuco e
enfrentaram fortes reações do clero e de alguns chefes políticos. Aqui, a exemplo dos demais
estados, o ensino livresco, a formação bacharelesca, a estigmatização do trabalho prático e
produtivo, guardavam a marca, não só da natureza exploratória do processo colonizador
português, como da religião e da educação que a legitimara. O peso dessa herança cultural
soprepunha-se às mudanças econômicas, políticas e sociais que marcavam o país, colocando a
educação em defasagem em relação a essas mudanças. Observa-se de modo geral, a ausência
de uma análise crítica da problemática que provocara e fomentara tal situação.
Na década de 20, a ação católica, plenamente articulada, voltava-se contra as forças
populares organizadas, vendo em todos os movimentos e reformas a marca da subversão e do
comunismo. Nesse período, acentuaram-se todas as contradições que sempre marcaram o
Liberalismo brasileiro. As tentativas de modernização educacional, partidas das oligarquias
rurais, buscavam restaurar uma credibilidade cada vez mais abalada. A crise do setor
exportador, os levantes armados, a organização das classes populares, o banditismo, o rumo
tomado pelo movimento modernista, evidenciavam os conflitos sociais, na solução dos quais
dividiam-se os próprios grupos oligárquicos em decadência e os liberais.
A polarização em torno das iniciativas de Ulisses Pernambucano, na área da educação
e da saúde, e da Reforma do ensino de Antonio Carneiro Leão, exemplifica tais divisões. Os
liberais renovadores, defensores do movimento escolanovista, despertados para os problemas
sociais por meio dos problemas educacionais, olhavam essa realidade pela ótica estrangeira,
principalmente a norte-americana. E, enquanto os católicos colocavam-se como orgânicos das
oligarquias no poder, os educadores protestantes reforçavam o papel dos liberais como
intelectuais dos setores progressistas da sociedade, propondo soluções modernizantes para a
sociedade brasileira, sem questionar a estrutura social mais ampla.
De forma genérica, a nível do país, observa-se que, no campo da escolarização, o
Estado federal manteve-se, nos anos 20, como centro de decisão para o ensino secundário e
superior; mas, tanto nestes quanto nas demais níveis - elementar e profissional - permaneceu
como agente que impediu ou atrapalhou, mais do que dinamizou, a escolarização, expressando
assim, as exigências de uma pequena parcela da Nação. Desse modo, abandonou a educação
das massas e deseducou as elites, articulando-as e comprometendo-as com interesses estranhos
e desvinculados das necessidades nacionais.
É nesse contexto que as reformas educacionais se sucedem nos principais estados
brasileiros, durante a década de 20, com base no ideário da Escola Nova; fato que, em
Pernambuco, é atribuído à reforma de Antonio Carneiro Leão, em 1928. Porém, a análise de
algumas fontes primárias sobre a atuação de Ulisses Pernambucano como diretor da Escola
Normal; e da reforma que alí implantou em 1923, evidencia a presença de princípios
importantes desse ideário orientando tais inovações. Percebe-se também, que a atuação
educacional de Ulisses Pernambucano, expressa mais concretamente nessa reforma; porém,

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presente em muitas de suas ações como professor e como médico/educador, podem colocá-lo
entre aqueles que pensaram a educação de forma mais abrangente, situando-a entre
proposições mais amplas de mudanças sociais da época.
Assim parto do pressuposto, que tomo como hipótese para a pesquisa, que: o
processo de renovação educacional15 do ensino público16 (elementar e normal) em
Pernambuco, cujo início vem sendo atribuído à Reforma de Carneiro Leão, em 1928/29,
tem como marco definidor a implantação da Reforma de Ulisses Pernambucano, em 1923,
efetuada em meio a muitas outras mudanças que caracterizavam o processo de
modernização, pelo qual passava o estado de Pernambuco e, particularmente, a cidade do
Recife, no governo de Sérgio Loreto (1922/26)17. Nesse período, as questões educacionais se
inseriam numa proposição mais abrangente de mudanças; e Ulisses parece ter sido um
representante dessa forma de pensar a educação. A reforma de Carneiro Leão, somente
implantada após a Revolução de 30, estaria identificada com o segundo momento, quando
a ênfase recai sobre as questões técnico-pedagógicas. Isso não lhe tira o mérito, como parte
do processo de modernização do ensino em Pernambuco e do movimento de mobilização do
país, em torno da democratização da educação nacional, com base no novo modelo,
apresentado em 1932, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Assim, ao destacar a Reforma de Ulisses Pernambucano, baseio-me na influência
educativa mais ampla de suas ações renovadoras. Seu pensamento está presente em seu
trabalho, estudos, discursos, pesquisas, publicações e realizações; e até nas reações,
favoráveis ou adversas que desencadearam, evidenciando a dimensão de sua influência.
Muitos dos seus inquéritos e projetos, denunciando ou equacionando problemas e apontando
soluções para questões afetas à área da educação e da saúde, fizeram avançar um processo de
construção da cidadania, cuja trajetória se afigurava contraditória, como ainda hoje - uma
história marcada por avanços e retrocessos - e com ritmos e direcionamentos impostos por um
Estado, que agia em meio à forças antagônicas, ligadas à tradição ou à modernização.
Ao contextualizar a proposição e implantação das reformas supracitadas, em momento
tão significativo da vida brasileira tenho a expectativa de acrescentar informações relevantes a
respeito do tema em tela, enriquecendo a historiografia da educação em Pernambuco, tão

15 Considero como Garcia (1980:207) que a legislação que renova (inovação educacional entendida como
modificação julgada qualitativamente melhor em relação a algo existente) é aquela que traz modificações, em
decorrência de outras alterações significativas que também ocorrem na esfera sócio-econômica, política e
cultural. Portanto, a forma como a dinâmica da sociedade se reflete na educação, pode ser melhor observada
quando se inicia um período de transformações e o sistema de ensino existente ou em fase de constituição, já não
responde às novas necessidades, carecendo de expansão e renovação. Do mesmo modo que a legislação
educacional, os movimentos educativos que propõem mudanças quantitativas e/ou qualitativas no ensino, variam
de acordo com a conjuntura decorrente de fatores relativos às esferas mencionadas.
16 Refiro-me ao ensino público, porque no ensino particular, a proposta da Escola Nova já era conhecida e
vivenciada, sobretudo nos colégios protestantes (desde o final do século passado, no sudeste; e no início deste
século, aqui em Pernambuco.
17 . Na Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado, no final do seu governo, em 07 de setembro
de 1926, Sérgio Loreto presta contas da receita do Estado enumerando as obras de higiene, saneamento,
abastecimento d‘água, edifícios públicos, escolas, hospitais, cadeias, pontes e estradas, além de várias outras
melhorias, realizadas segundo ele “desde a capital até os pontos mais remotos do Estado”. Segundo Rezende
(1992:6-7) “O noticiário de imprensa da época registra esses acontecimentos, acompanhando a remodelação do
cenário urbano e as perplexidades que ela trazia.”(...) “as idéias modernas estavam circulando, penetravam nos
costumes enraizados, mexiam com as tradições, estavam presentes na imprensa, cujo conteúdo registrava o uso
do termo moderno para valorizar produtos, além de outros apelos bem típicos da sociedade moderna”.

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pouco explorada em nossas pesquisas. Espero, ainda, contribuir para a compreensão do


multifacetado conceito de modernidade que constituía o imaginário social da época, na qual se
coloca o problema, objeto deste estudo, e as questões que o envolvem, sobre as quais, tentarei
lançar alguma luz; levantando, ao mesmo tempo, novas questões que contribuam para o debate
sobre a relação entre educação e modernidade, no enfrentamento dos impasses e contradições
que vem caracterizando o processo de modernização brasileiro.

2. Explicitação dos objetivos

Este trabalho tem por objetivo geral oferecer subsídios à História da Educação em
Pernambuco, aprofundando a compreensão das relações entre educação e modernidade,
mediante análise de reformas educacionais, implantadas no ensino público, no período de
1920/1937.
No contexto das mudanças que marcaram a passagem do modelo agro-exportador para
o modelo urbano industrial18 e a evolução do regime político, da oligarquia para a
democracia19 - buscarei:
 identificar a natureza e o propósito das ações da sociedade civil, que conclamava o
Estado, enquanto sociedade política, a alargar o âmbito de sua atuação nos diversos
campos da vida social, entre os quais o da educação; e das (re) ações do Estado, nessa
direção, ao capacitar-se para mediar ou conciliar os conflitos sociais, especialmente os
ligados ao ensino público, sobretudo via legislação; e
 caracterizar a política nacional de educação emergente, como parte do processo de
modernização da sociedade brasileira, contextualizando a emergência dessa legislação e
de sua operacionalização em Pernambuco.
Tendo em vista a defasagem quantitativa e qualitativa que marcava o ensino público,
em relação às novas necessidades postas pelo desenvolvimento econômico e pela
modernização da sociedade, que se configuraram mais nitidamente durante a década de 20, me
proponho a:
 enfocar, especialmente, a emergência e implantação de duas reformas educacionais:
a de Ulisses Pernambucano, em 1923; e a de Carneiro Leão, em 1928, avaliando seus
efeitos sobre o ensino elementar e normal.
Para verificação da capacidade de renovação atribuída a estas reformas e da
importância que se credita à primeira, nas transformações observadas na sociedade e,
especificamente no ensino em Pernambuco, pretendo

18 Conforme Ribeiro (1988:86) no interior do processo de industrialização nacional ocorria, no período de 1920
a 1937, o que chama de “nova crise do modelo agrário-comercial exportador dependente e início de
estruturação do modelo nacional-desenvolvimentista, com base na industrialização”.
19 Analisando a Primeira República, no seu livro Educação Estado e Poder, Comparato (1987) caracteriza a
evolução do regime político como o início da passagem da oligarquia para a democracia. Esse processo, que
constitui um percurso inconcluso, é marcado por desvios, tensões e conflitos não resolvidos satisfatoriamente, no
sentido de acelerar essa passagem, na qual a educação constitui um importante fator.

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Anais do IV Seminário Nacional

 qualificar tais mudanças20, em suas repercussões sociais, procurando evitar a


crença ingênua de considerar como renovação a mera introdução de algo novo e
diferente no ensino.
Ao fazê-lo, tentarei
 situar a relação educação/progresso e/ou modernidade na legislação, nos discursos
oficiais, na produção intelectual e no noticiário da época: relacionando as idéias
dominantes durante o período estudado com as principais questões educacionais
contempladas nas reformas do ensino, de modo a melhor compreendê-las no seu papel
inovador.

3. Considerações teórico-metodológicas

Quando se percebe a história como um campo de possibilidades, um estudo como este


se afigura como uma das muitas leituras que podem ser feitas sobre a evolução da educação
em Pernambuco na Primeira República; pois a escolha e o tratamento do objeto de análise
dependem da postura teórica e da vivência do pesquisador, podendo desenvolver-se por
caminhos diversos e conduzir a diferentes resultados. “Dessa forma, fazer história como
conhecimento e como vivência é recuperar a ação dos diferentes grupos que nela atuam,
procurando entender porque o processo tomou um dado rumo e não outro, significa resgatar
as informações que permitiriam a concretização de uma possibilidade e não de outras”
(VIEIRA e outros, 1989:11).
Daí não se ter a pretensão de apontar quantas e quais reconstruções devem ser
buscadas nem tampouco desconsiderar o que já foi produzido sobre o tema eleito. E, sobre a
legitimidade e limitações das questões a serem investigadas em cada momento histórico,
Nunes (1992:13) afirma: “Quando o historiador elege as questões sobre as quais trabalha
está realizando um exercício de poder, cujos limites são dados entre outros aspectos, pelo
lugar social de onde escreve e pelas práticas institucionais nas quais está mergulhado. É isso
que faz da historiografia uma expressiva síntese entre um lugar, um trabalho e um discurso”.
A proposição deste projeto emerge da minha preocupação com o presente, que se sabe
enraizado no passado. Acredito que o conhecimento histórico pode contribuir para a
compreensão de questões atuais. Observa-se hoje, um reconhecimento de sua utilização
prática; havendo mesmo grandes expectativas quanto à possíveis contribuições do estudo do
passado. Esse passado “que nunca se entrega a nós, mas que nos envia sinais cifrados do seu
misterioso desejo de redenção” ( Nunes: 1992:7)
Com essa concepção do conhecimento histórico, encontramos desde a década de 30,
pensadores como Walter Benjamim, para quem “a História não é a busca de um tempo
homogêneo e vazio preenchido pelo historiador com a sua visão dos acontecimentos, mas é
muito mais uma busca de respostas para ‘os agoras’.” Assim, ela se configura como “ um
imenso campo de possibilidades onde inúmeros ‘agoras’ irão questionar momentos, trabalhar
perspectivas, investigar pressupostos...” (Benjamim, 1986).
Nessa linha de pensamento Marc Bloch (1941) afirma ser o conhecimento do passado
reavivado com as tintas do presente, por meio da comparação; tendo como pressuposto que o
20 Considera-se como Goldberg (in Garcia,1980:184) que a inovação educacional deve ser entendida como
“processo planejado e científico de desenvolver e implantar no Sistema Educacional uma mudança, cujas
possibilidades de ocorrer com freqüência são poucas, mas cujos efeitos representam um real aperfeiçoamento
para o sistema”.

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desconhecimento desse passado não só prejudica o conhecimento do presente mas


compromete a qualidade da própria ação, pela qual se tenta nele interferir. 21 A
complexidade dessa relação passado/presente é comentada por Jacques Le Goff, (in
Enciclopédia Einaudi, 1984), quando adverte para o fato e faz um resumo esquemático das
posições coletivas que a humanidade vem apresentando, em relação ao passado, ao presente e
ao futuro, na tentativa de distinguir os tempos. Afirma Le Goff que, a valorização do passado
em face de um presente decadente, predominou na Antigüidade pagã; na Idade Média,
prevaleceu a idéia de um presente comprimido entre o peso do passado e de um futuro
escatológico; no Renascimento ocorreu a valorização do presente; no período entre os séculos
XVII a XIX, a ideologia do progresso levou a uma valorização do futuro; e, finalmente, no
século atual, a crise e a decepção com esse progresso fazem aflorar novas posturas em relação
ao passado, presente e futuro.
Na visão desses pensadores, está posto para nós educadores/historiadores, o desafio de
pensar essa intrincada relação passado/presente/futuro, resgatando a historicidade da educação
e da instituição escolar a partir de questões da atualidade.
O estudo das relações entre educação e modernidade em Pernambuco, como fatores
reciprocamente condicionantes; com ênfase nas reformas educacionais da década de 20, ganha
maior significado pela importância que estes fenômenos assumiram no período delimitado
neste estudo - 1920/1937. Este constitui, sem dúvida, um momento privilegiado; pelas
transformações sociais; pela tentativa de adequação da educação às mudanças delas
decorrentes; e pela abundância de leis educacionais.
Quanto à utilização dessa legislação educacional22, acredito que um estudo histórico-
crítico desses documentos, que não se limite ao texto mas que se debruce sobre o contexto -
tanto de sua elaboração e como de sua operacionalização - é capaz de desvelar muitos dos seus
condicionantes; tornando possível, a identificação das expectativas não satisfeitas e dos seus
resultados efetivos. Saviani, (1980:154/5), reforça essa idéia e ressalta a importância desse
tipo de estudo, embora não credite as mudanças à legislação.

“A organização escolar não é obra da legislação”(...) “A legislação constitui o


instrumento através do qual o Estado regula, acentuando ou amenizando as
tendências em marcha. Assim, à luz do contexto, revelam-se ao mesmo tempo a
falácia e a eficácia da legislação. A falácia diz respeito às esperanças nela
depositadas e que não pode realizar. A eficácia consiste nas conseqüências
esperadas ou não, que ela acarreta”.

Mas, quanto ao uso dessa legislação para a análise buscada, a idéia é respaldada pelo
mesmo autor, quando diz: “o estudo da legislação se revela um instrumento privilegiado para
a análise crítica da organização escolar porque, enquanto mediação entre a situação real e
aquela que é proclamada como desejável, reflete as contradições objetivas que, uma vez
captadas, nos permitem detectar os fatores condicionantes da nossa ação educativa”.

21 Tais posturas contrapõem-se à escola positivista, na sua busca da “verdade histórica” nos documentos
escritos, sobretudo nos oficiais, que assumem, o peso de “prova histórica”, sendo a fidelidade a eles, a garantia de
objetividade e neutralidade do pesquisador.
22 A expressão “legislação educacional” será usada não só para as leis específicas de educação e os capítulos
das Constituições concernentes ao assunto mas inclui os decretos, regulamentos, portarias, pareceres e normas
vigentes referentes ao tema,produzidos no período estudado.

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Anais do IV Seminário Nacional

Ao tentar recuperar o contexto no qual teve início o processo de modernização da


sociedade e da educação em Pernambuco, busco, também, caracterizar o tipo de professor e o
tipo de escola que estavam sendo buscados e oferecidos. Certamente, neles se confrontavam
diferentes projetos de educação, impostos de forma autoritária ou tecidos a partir de projetos
de sociedade não hegemônicos.
As respostas para as questões que envolvem o objeto de pesquisa estão sendo
buscadas inicialmente, em fontes primárias e secundárias, restringindo-se à análise de
conteúdo de documentos e de publicações sobre o conhecimento já produzido sobre o tema.
Tais respostas poderão redirecionar os procedimentos iniciais e ampliar os limites do trabalho,
de modo a contemplar outras evidências, perceptíveis em diferentes formas de linguagem,
além da escrita, posto que, concordo com Vieira e outros (1989:30), quando afirma: “Definir o
tema é pensar o objeto e não apenas escolher o assunto. Nesse sentido, a definição não é um
ato só inicial, ela se articula com a problematização, formando com esta momentos e
expressões de um único movimento”.
Thompson (1981) chama atenção para a importância da experiência social vivida pelos
homens reais, no seu cotidiano, defendendo que é dessa experiência que surge a
conscientização, e não o contrário. Ele amplia não só o conceito de documentos e fontes, mas,
também de temas , periodizações, etc23. Os fatos não têm voz em si mesmos como defendiam
os positivistas; ele são construídos pelo historiador, que lhes dá voz, no seu diálogo com as
evidências. Tanto as fontes, quanto a própria história são uma construção do homem. Não
existem documentos/verdades pois eles resultam de um esforço das sociedades passadas para
impor ao seu futuro uma determinada idéia de si. Também o uso que é feito desses
documentos resulta numa interpretação do passado e nunca no passado tal qual aconteceu.
Problematizar é dar voz a sujeitos históricos; não só aos vencedores mas também aos
vencidos, de modo a evidenciar os possíveis não realizados. Assim, com base nesse lógica, os
conceitos, as categorias, as técnicas, serão esboçadas como intenções iniciais; o que não
minimiza o seu papel na investigação, mas permite que sejam forjadas no desenvolvimento
dos trabalho, pois, “O historiador que busca compreender e recuperar o movimento, a
contradição, e que entende que esta compreensão é dada pela mútua determinação do sujeito
que investiga e do objeto investigado, só pode entender por método o diálogo entre teoria e
evidência” (Vieira e outros,1989:44).
Tais evidências serão perceptíveis em várias formas de linguagem entre as quais estão
a literatura, o cinema, o teatro, a música, a pintura, a fotografia, os relatos, etc.; os quais,
embora não contempladas intencionalmente neste projeto, poderão emergir durante a
investigação, de modo que será impossível não considerá-las.
O desenvolvimento da pesquisa envolverá o aprofundamento teórico-metodológico da
abordagem do objeto, face aos objetivos propostos, de modo a não perder a dimensão própria
de cada uma dessas linguagens.
Nessa perspectiva, consciente das limitações atuais, mas na pretensão de superá-las ou
minimizá-las, assinalo como passos iniciais para o desenvolvimento deste projeto os seguintes
procedimentos:
 levantamento e análise da legislação educacional e outros documentos afins produzidos
no período, especialmente os relacionados com o ensino elementar e normal,
23 As autobiografias, os romances, os diários, a correspondência dos professores (relativas às nomeações,
remoções, promoções, etc.) constituem fontes valiosas para compreensão do cotidiano desses profissionais, no
auge do sistema coronelista, período no qual, a vida funcional deles estava a mercê de interesses políticos

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contextualisando-os desde sua gênese, processo de elaboração, aprovação, implementação,


etc.
 levantamento e análise de dados relativos à organização e ao funcionamento do
Sistema Educacional de Pernambuco, sobretudo no que diz respeito ao ensino elementar e
normal, tais como censos escolares, relatórios de inspetores da instrução pública, anuários
de instituições, correspondência dos professores para o secretário da instrução, etc.;
 revisão da literatura existente sobre o tema em tela; e
 realização de entrevistas (gravadas e/ou filmadas) com educadores e alunos que
vivenciaram a educação em Pernambuco durante as décadas de 20/30.
Certa de que a excessiva preocupação com as técnicas - uma herança positivista -
prejudica a busca de compreensão da realidade, na qual se faz presente, não só a reflexão do
pesquisador mas o próprio objeto, considero que é preciso estar atenta a todas as linguagens
pelas quais os possíveis não realizados possam se expressar, ajudando nessa difícil busca de
compreensão do presente, como condição para ações mais conseqüentes.

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