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O PAPEL DOS SUBSTITUTOS DOS JUÍZES MUNICIPAIS NAS

PRÁTICAS DO CLIENTELISMO NA CIDADE DE MAGÉ


(PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, 1857-1889)

Antônio Seixas
(Doutorando em História pelo PPGH/UNIVERSO)

Palavras-chave: Segundo Reinado. Juizado Municipal. Cidade de Magé.

Introdução

O Império do Brasil se consolidou a partir de uma hierarquização em classes


sociais: a boa sociedade, representada pelas pessoas livres, brancas, proprietárias de
escravizados e dotadas de um sentimento aristocrático de ordenar a sociedade imperial; o
povo, os que eram livres, pobres e não possuíam escravizados; e os escravizados, que
integravam o mundo do trabalho e não exerciam o direito de propriedade sobre outrem.1
Com o conceito de boa sociedade identificamos a reduzida elite econômica,
política e cultural do Império, que partilhava códigos de valores e comportamentos
modelados na concepção europeia de civilização.2 Sua missão era perpetuar os
monopólios que lhes sustentavam desde os tempos coloniais. Afinal, o sentido da
colonização nos trópicos estava na exportação do açúcar, tabaco, ouro e diamantes, do
algodão e do café para o mercado europeu.3
Uma das estratégias da boa sociedade para atingir o seu fim estava na ocupação
dos espaços de prestígio social, a exemplo dos postos da Guarda Nacional; das funções

1
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. 2 ed. São Paulo:
Hucitec, 2011, p. 122-141.
2
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Boa sociedade. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do
Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 95.
3
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 8 ed. São Paulo: Brasiliense,
1965, p. 13-26.
vinculadas à administração pública, ao Legislativo e ao Poder Judicial; e das cadeiras nas
irmandades religiosas, nas lojas maçônicas, nas sociedades literárias ou musicais.
Richard Graham observou que a sociedade imperial era marcada pelo peso das
famílias, pela tensão entre pobres e ricos, por um senso de hierarquização social e pelas
práticas do clientelismo, caracterizadas pelo exercício de cargos públicos e a proteção de
pessoas humildes, visando à manutenção do poder.4
Tendo por tema a administração da Justiça no Império do Brasil, a nossa análise
tem por objeto o cargo de substituto do juiz municipal, visto como um espaço de prestígio
social apropriado para as práticas do clientelismo, e por isso disputado pelas famílias
representativas da boa sociedade da Cidade de Magé, na Província do Rio de Janeiro.
O conceito de família aqui adotado compreende não só o casal, mas também sua
descendência, seus parentes laterais (primos e tios) e aqueles advindos dos casamentos
(sogros, genros e cunhados). No Segundo Reinado, as principais famílias de Magé
formavam um todo, como se fosse uma só família, distinguindo-se as dos negociantes e
fazendeiros que desempenharam papel de relevo na administração municipal.5
O recorte cronológico abarca da elevação do Município de Magé à categoria de
cidade, em 2 de outubro de 1857, passando pelos reflexos da Guerra do Paraguai (1865-
1870) e das leis abolicionistas (1871-1888), até o golpe militar que pôs fim ao Império do
Brasil, em 15 de novembro de 1889.
A fim de reconstituir o ambiente social, econômico e cultural da Cidade de Magé,
recorremos à coleção de periódicos da Biblioteca Nacional, notadamente, os acervos do
Almanak Laemmert (1857-1885) e dos jornais Correio Mercantil (1857-1868), Diário do
Rio de Janeiro (1857-1878) e Jornal do Commércio (1857-1889).
Objetivamente, buscamos demonstrar como os chefes locais poderiam ampliar seu
poder de apadrinhamento ao assumirem como substituto do juiz municipal, exercendo,

4
GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.
28.
5
FERNANDES, Antônio de Paiva. Magé, durante o Segundo Império e os primeiros tempos da
República: a história de uma abnegada mulher. Rio de Janeiro: Gráfica Hélio, 1962, p. 22.
mesmo que temporariamente, as funções da magistratura togada. Nossos objetivos
específicos foram, então, analisar os critérios para a escolha dos substitutos dos juízes
municipais e as suas competências, bem como os ocupantes do cargo, na Cidade de Magé.
A chave para compreender esse processo histórico está no patrimonialismo,
entendido como uma forma de poder em que o Estado passa a ser visto como um bem de
quem exerce o poder e a gestão pública torna-se assunto de interesse particular.6 É através
do patrimonialismo que a boa sociedade, sustentada pela propriedade da terra e pela
exploração do trabalho escravizado, perpetuava-se ao transferir para os filhos e genros o
mando político, afinal, a carreira política e os empregos públicos representavam a
nobilitação, o embranquecimento e a permanência no poder.7
A hipótese é de que a boa sociedade mageense via na atuação no juizado municipal
e de órfãos uma forma de demonstrar seu mando política, assegurando, no final das
contas, a manutenção de seu poder e a reprodução da ordem escravista.
A fim de se identificar os substitutos dos juízes municipais de Magé, adotamos o
método onomástico, que permite encontrar o mesmo indivíduo em diferentes contextos
sociais,8 pois o nome próprio é o atestado visível da identidade do seu portador, através
dos tempos e dos espaços sociais, em registros oficiais, necrológios e biografias.9
Na análise da história de cada personagem, adotamos o método biográfico de
análise individual, próprio para o estudo de famílias com uma posição de prestígio no seio
da sociedade.10 Neste sentido, a construção de micro-biografias nos permitiu uma
aproximação da lógica própria do Segundo Reinado, auxiliando-nos a perceber a
dinâmica do poder local e os agentes que o integravam.

6
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.
141-146.
7
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. v. 1. 10 ed. São
Paulo: Globo; Publifolha 2000, p. 437-441
8
GINZBURG, Carlo et al. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, p. 174.
9
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADA, Janaína (org.).
Usos & abusos da história oral. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 187.
10
MACEDO, Ana Maria da Costa. Família, sociedade e estratégias de poder: a família Jácome de
Vasconcelos da freguesia de São Tiago da Cividade – Braga (1750-1830). Braga: Edições APPACDM
Distrital de Braga, 1996, p. 38.
O artigo está estruturado em três partes, além das considerações finais.
Inicialmente, buscamos reconstituir o ambiente econômico, social e cultural da Cidade de
Magé, no Segundo Reinado. Na segunda parte, analisamos o processo de escolha e as
competências dos substitutos dos juízes municipais. Por fim, identificamos os substitutos
dos juízes municipais de Magé, entre 1857 e 1889, considerando os traços pertinentes de
cada biografia.11

A Cidade de Magé

A colonização do recôncavo da Baía de Guanabara começou, em 1565, com a


distribuição de sesmarias entre os vitoriosos pela expulsão dos franceses da Cidade do
Rio de Janeiro. O povoado de Magé tornou-se sede de vila (1789), de cidade (1857) e de
comarca (1860).12
Em 1836, a Presidência da Província do Rio de Janeiro firmou contrato com o
Capitão Francisco Ferreira Leite para a construção de uma estrada que, partindo do Porto
da Piedade, em Magé, iria até o Rio Paraíba do Sul, nas proximidades de Mar de Espanha,
na Província de Minas Gerais.13 Nascia a Estrada de Magé a Sapucaia.
A ideia era encurtar o trajeto entre a Corte e a Zona da Mata Mineira, evitando-se
a passagem pelo sem número de rios da Estrada de Mar de Espanha a Três Córregos, ao
mesmo tempo em que movimentaria o Porto da Piedade e a Vila de Magé. Construiu-se,
então, o hotel em Piedade; a calçada pela serra; a ponte pênsil em Sapucaia; e as duas
barreiras de pedágio, nas margens dos rios Soberbo e Paraíba do Sul.14
Pela nova estrada transitavam, diariamente, de oitocentas e mil bestas de carga,

11
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 191.
12
SANTOS, Renato Peixoto dos Santos. Magé, a terra do Dedo de Deus. Rio de Janeiro: IBGE, 1957, p.
46-50.
13
FERREZ, Gilberto. Colonização de Teresópolis à sombra do Dedo de Deus (1700-1900): da Fazenda
March a Teresópolis. Rio de Janeiro: IPHAN, 1970, p. 30-31.
14
SOUSA, José Antônio Soares de. A estrada da Serra do Couto. RIHGB, v. 281, Rio de Janeiro, 1968, p.
3-26.
que traziam para o Porto da Piedade e, depois para o porto do Canal de Magé, a produção
agrícola fluminense e mineira.15 Em 1847, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho,
Presidente da Província do Rio de Janeiro, afirmava que era visível a prosperidade trazida
pelo movimento das tropas de mulas para a Vila de Magé.16
A presença dos tropeiros estimulou o surgimento de uma variedade de armazéns,
empórios e oficinas no povoado de Magé, inclusive de uma fábrica de tecidos, em Santo
Aleixo, que fabricava panos grossos para roupas de escravos e sacaria e vendia algodão
torcido para pavio de velas, cordão para redes e algodão cardado em pastas finas para as
modistas.17
Em 1857, o Município de Magé era formado pelas freguesias guanabarinas de
Nossa Senhora da Piedade da Vila de Magé, São Nicolau de Suruí e Nossa Senhora da
Ajuda de Guapimirim e pelas freguesias serranas de Nossa Senhora Aparecida e de Santo
Antônio do Paquequer, sem esquecer o curato de Sapucaia.18 Naquele ano, a Província do
Rio de Janeiro concedeu o predicado de cidade às vilas de Magé e de Cantagalo.19
No núcleo urbano da Cidade de Magé estavam instalados o Paço Municipal, a
Casa de Caridade, a Cadeia Pública, a Agência dos Correios e a Coletoria de Rendas.20
Em 1880, com uma população livre de 4.456 moradores, sendo 14 eleitores, contava ainda
com o Gabinete Mageense de Leitura, a Sociedade de Música Recreio Mageense, uma
Agência Consular de Portugal e uma inspetoria de instrução pública.21
Se na primeira divisão judiciária da Província do Rio de Janeiro, em 1835, o termo
da Vila de Magé ficou subordinado a Comarca de Niterói, a importância do município

15
VIEIRA, Armando. Therezópolis. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1938, p. 11.
16
Relatório do presidente da Província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Souza e Oliveira
Coutinho, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no 1.o de março de 1846, acompanhado do
orçamento da receita e despesa para o ano financeiro de 1846 a 1847. Segunda edição. Nictheroy,
Typographia de Amaral & Irmão, 1853, p. 35.
17
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1855, p. 101.
18
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1857, p. 199-204.
19
SANTOS, Renato Peixoto dos Santos. Magé, a terra do Dedo de Deus. Rio de Janeiro: IBGE, 1957, p.
31.
20
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1857, p. 199-204.
21
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1880, p. 153-155.
para a região do recôncavo da Guanabara justificou a criação da comarca, em 1860,
abrangendo, inicialmente, três termos, o da Cidade de Magé e os das vilas de Estrela e de
Iguassu, chegando a um total de 14 freguesias (Tabela 1). Em que pese ter perdido os
termos de Iguassu (1871), de Estrela (1875) e de Sapucaia (1875), a Comarca de Magé
manteve sua importância para a administração da Justiça, sendo elevada à categoria de
entrância especial, em 1888.22

Tabela 1. Termos e Freguesias da Comarca de Magé (1860-1871)

Termo Criação Freguesias

N.ª S.ª da Piedade de Magé, N.ª S.ª da Ajuda de Guapimirim, São Nicolau
Magé 1789 de Suruí, N.ª S.ª da Conceição Aparecida, Santo Antônio do Paquequer e
Santo Antônio de Sapucaia
São João Batista de Merity, N.ª S.ª da Piedade de Iguassu, Santo Antonio
Iguassu 1833 de Jacutinga, N.ª S.ª da Conceição de Marapicu e Sant’Anna das
Palmeiras
N.ª S.ª da Piedade de Inhomirim, N.ª S.ª do Pilar e N.ª S.ª da Guia de
Estrela 1846
Pacobaíba
Fonte: Almanak Laemmert, 1860-1871

Ocorre que a Companhia da Estrada de Magé a Sapucaia já vinha sofrendo, desde


a década de 1860, com a concorrência da estrada vicinal aberta pela Companhia União e
Indústria, que desviava o tráfego que antes seguia de Aparecida para o Porto da Piedade.23
Além disso, em 1871, foi inaugurada a estação de Sapucaia, da Companhia da Estrada de
Ferro Dom Pedro II, que ligou a região diretamente com a Corte.24 O Visconde de Taunay
ao visitar Magé, em 1873, registrou a decadência da cidade, descrita como tristonha e

22
ABREU, Antonio Izaiais da Costa. O Judiciário Fluminense e suas comarcas: Interior. Rio de Janeiro:
edição do autor, 2008, p. 346-347; SOARES, Emmanuel de Macedo. Contribuição à história da
magistratura fluminense (1835-1889). Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2007, p.
52-53.
23
Relatório apresentado à Assembleia Geral dos Acionistas da Companhia União e Indústria em 3 de
fevereiro de 1868, pela diretoria da mesma. Rio de Janeiro: Tipografia do Correio Mercantil, 1868, p. 10
24
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), 22 de janeiro de 1871, p. 1; Diário do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro (RJ), 24 de janeiro de 1871, p. 1.
furiosa contra a ferrovia, que lhe tomou as cargas de café.25
Na segunda metade da década de 1870, os fazendeiros de Magé passaram a aplicar
parte do capital, antes investido na escravidão, em apólices da dívida pública, imóveis
urbanos e no comércio, diante da dificuldade de manutenção do sistema agrário, em razão
do esgotamento do solo, e do desestímulo ao investimento em escravizados, provocado
pela Lei do Ventre Livre.26
Em 1880, o Município de Magé compreendia apenas as freguesias de Magé, Suruí,
Guapimirim e Paquequer, contando com 11.319 habitantes livres, 45 eleitores e 8.714
escravizados matriculados.27 Segundo o professor de música Carlos Werhs, a Cidade de
Magé apresentava, em 1887, um aspecto desolador, mas que poderia se reconhecer a sua
importância no passado, pelos armazéns que ainda podiam ser vistos, apesar de vazios, e
pelos diversos pares de trilhos que atravessam as ruas, mas que estavam enferrujados, por
falta de uso.28
A abolição da escravidão (1888) e o golpe militar (1889) trouxeram poucas
mudanças, pois, embora o porto do Canal de Magé não fosse mais tão movimentado,
havia recursos para manter o município. Apenas a segunda Revolta da Armada foi capaz
de trazer efetivo prejuízo, quando os soldados do Exército promoveram saques e
fuzilamentos, no episódio conhecido como Horrores de Magé (1894).29

Substitutos dos Juízes Municipais

O Código de Processo Criminal de 1832 regulou a organização judiciária da


primeira instância durante o Império do Brasil. A administração da Justiça nas comarcas

25
TAUNAY, Visconde de. Viagens de outr’ora. 2 ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1921, p.
134-135.
26
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução econômica
na produção de alimentos. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: UFF, 1994P. 74-82
27
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1880, p. 153.
28
WEHRS, C. Carlos J. O Rio Antigo – Pitoresco e Musical: memórias e diário. 2 ed. Rio de Janeiro:
Imaginação, 2012, p. 225-226.
29
VALLE, J. H. Magé na História: pequeno resumo. Rio de Janeiro: Papelaria Cruzeiro, 1938, p. 6-8.
competia aos jurados, aos juízes de Direito, aos juízes municipais e de órfãos e aos
promotores públicos. Aos juízes municipais competia, por exemplo, substituir ao Juiz de
Direito, em seus impedimentos e faltas, executar as decisões judiciais e exercer,
cumulativamente, a jurisdição policial.30
A escolha dos juízes municipais recaía, inicialmente, sobre os bacharéis em
Direito ou advogados habilitados (aqueles provisionados pelos Tribunais) e, na falta
destes, sobre qualquer pessoa bem conceituada e instruída, sendo a lista organizada pelas
câmaras municipais e a nomeação pelo Governo, na Corte, e pelo presidente de cada
província.31 Na prática, prevaleciam os interesses dos chefes locais alinhados com o
presidente da província, o que impedia a interferência do governo imperial na estrutura
judiciária.
Em uma medida centralizadora, a reforma do Código de Processo Criminal, em
1841, transferiu o poder de nomeação dos juízes municipais e de órfãos para o próprio
Imperador, passando-se a exigir para a ocupação do cargo a formação em Direito e a
prática no foro de, pelo menos, um ano depois de formado,32 sendo esta comprovada por
meio de certidões passadas pela presidência dos tribunais ou pelos juízes de Direito,
Municipais ou de Órfãos, atestando a atuação em feitos e a participação em audiências e
sessões do júri.33
A reforma de 1841 introduziu a figura dos substitutos dos juízes municipais,
nomeados pelo Governo, na Corte, e pelos presidentes das províncias, para um mandato
de quatro anos, sendo escolhidos seis cidadãos de cada termo, ditos notáveis pela fortuna,
inteligência e boa conduta, que atuavam nos impedimentos e faltas dos juízes
municipais.34 Inclusive, nos lugares em que não houvesse bacharéis em Direito para
ocupar a cargo de juiz municipal, serviria em seu lugar o primeiro juiz municipal

30
BRASIL. Lei Imperial de 29 de novembro de 1832, artigo 35.
31
BRASIL. Lei Imperial de 29 de novembro de 1832, artigos 33 e 34.
32
BRASIL. Lei Imperial n.º 261, de 3 de dezembro de 1841, artigo 13.
33
BRASIL. Decreto Imperial n.º 120, de 31 de janeiro de 1842, artigo 35.
34
BRASIL. Lei Imperial n.º 261, de 3 de dezembro de 1841, artigo 19.
substituto, sendo os cinco restantes os seus suplentes.35
A última grande alteração na organização judiciária, e que permanecerá até o fim
do Império, reduziu o número de juízes municipais substitutos para três em cada termo,
com igual número de suplentes, definindo ainda como incompatível a cumulação com a
autoridade policial.36
Os substitutos dos juízes municipais poderiam conceder fianças e deveriam
cooperar ativamente e continuamente com os juízes municipais na formação da culpa nos
processos criminais comuns e demais procedimentos penais até a pronúncia e julgamento
pelo conselho de jurados.37 Competia-lhes, ainda, nas ausências do juiz de Direito e do
juiz municipal, atuar no juízo comercial, decidindo sobre causas que derivassem de
direitos e obrigações previstas no Código Comercial de 1850.38
Além disso, os juízes municipais substitutos atuavam no juízo orfanológico, tendo
sob sua responsabilidade não só os órfãos e os inventários e partilhas, mas também a
inspeção das casas de expostos ou das pessoas indicadas pelo juízo para cuidar da
educação dos menores libertos; a fiscalização das sociedades de emancipação; e o
arbitramento dos alimentos a serem pagos pelo ex-senhor em favor dos libertos
inválidos.39
Aos substitutos dos juízes municipais competia, ainda, a responsabilidade pelos
africanos livres, importados depois da Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, e dispensados
das obras a cargo da Secretaria de Estado dos Negócios do Império.40 Além disso, a
homologação do valor da gratificação pecuniária por dia de serviço, arbitrada pelos ex-
senhores em favor dos libertos sexagenários que continuassem a trabalhar nas fazendas,
poderia ser feita pelos substitutos dos juízes municipais que atuavam no juízo

35
BRASIL. Decreto n.º 120, de 31 de janeiro de 1842, artigo 33.
36
BRASIL. Lei Imperial n.º 2.033, de 20 de setembro de 1871, artigo 1.º, §§ 3.º e 4.º.
37
BRASIL. Decreto Imperial n.º 4.824, de 22 de novembro de 1871, artigo 18.
38
BRASIL. Lei Imperial n.º 556, de 25 de junho de 1850, artigos 17 e 18.
39
BRASIL. Lei Imperial n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, artigos 2.º, 5.º e 6.º.
40
BRASIL. Decisão n.º 194 do Governo do Império do Brasil, de 17 de abril de 1837.
orfanológico.41

Substitutos dos Juízes Municipais e de Órfãos de Magé

Considerando que, na prática, o primeiro substituto de juiz municipal e de órfãos


era quem atuava nas ausências e impedimentos dos bacharéis nomeados, vemos que a
função foi exercida, no período analisado, por fazendeiros e negociantes representativos
da boa sociedade mageense, considerados por seus pares como notáveis pela fortuna,
inteligência e boa conduta, e que exerceram também as funções de vereador, juiz de paz
e delegado de polícia (Tabela 2).

Tabela 2. Substitutos dos Juízes Municipais e de Órfãos de Magé (1857-1889)

1.º Substituto do
Período Juiz Municipal e Freguesia Ocupação Outros cargos
de Órfãos
Vereador, delegado de
polícia, comandante do
Batalhão da Reserva da
Coronel Francisco
Guarda Nacional, juiz
Maciel Gago
Fazendeiro, comissário da Repartição de
1853- Quintanilha, Oficial
Guapimirim Negociante, Terras para Magé, Santo
1876 da Imperial Ordem
proprietário Antonio de Sá e Estrela,
da Rosa e Cavaleiro
suplente do conselho fiscal
de Cristo
da Companhia de
Navegação à Vapor União
Niteroiense
Presidente da Câmara
Municipal de Magé,
delegado de polícia, juiz de
Negociante, paz, comandante do
1876- Coronel Procópio
Magé capitalista, Batalhão de Infantaria da
1880 José dos Reis
proprietário Guarda Nacional,
Comandante Superior
interino da Guarda Nacional
de Magé e Estrela

41
BRASIL. Lei Imperial n.º 3.270, de 28 de setembro de 1885, artigo 3.º, § 4.º.
Vereador, juiz de paz,
substituto do delegado de
1880- Capitão José
Suruí Fazendeiro polícia, subdelegado de
1888 Francisco de Paula
polícia, inspetor das escolas
da freguesia
Tenente Manoel
Pereira de Fazendeiro, Vereador, subdelegado de
1888-
Azevedo, cavaleiro Magé negociante, polícia, inspetor das escolas
1892
da Imperial Ordem proprietário da freguesia
da Rosa
Fonte: Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1856-1885; Jornal do Commércio, Rio de
Janeiro (RJ), 15 de abril de 1888, p. 1; Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro (RJ), 20 de janeiro de
1889, p. 1.

No período entre 1857 e 1860, por exemplo, o Comendador Francisco José dos
Reis acumulava as funções de Presidente da Câmara Municipal de Magé, de 2.º substituto
do juiz municipal e de substituto do delegado de polícia; e o Coronel Francisco Maciel
Gago Quintanilha, de 1.º substituto do juiz municipal e de delegado de polícia.42
Considerando que as funções de presidente da Câmara, delegado de polícia e substituto
do juiz municipal e de órfãos eram as mais importantes, pode-se afirmar que a política
municipal, no final da década de 1850, foi controlada pelo Comendador Francisco José
dos Reis e pelo Coronel Francisco Maciel Gago Quintanilha.
A transferência do mando político descrita por Raymundo Faoro se reproduzia na
Cidade de Magé, onde Francisco José dos Reis teve por herdeiro político seu filho
Procópio José dos Reis,43 que sucedeu ao Coronel Francisco Maciel Gago Quintanilha no
cargo de 1.º substituto do juiz municipal e de órfãos, além de também ter presidido a
Câmara Municipal e ocupado também as funções de delegado de polícia e juiz de paz.
O Coronel Francisco Maciel Gago Quintanilha também fez seu herdeiro, o Dr.
Francisco Maciel Gago Quintanilha Júnior, formado pela Faculdade de Direito de São

42
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ), 1857, p. 199-200; Almanak Laemmert, Rio de Janeiro (RJ),
1857, p. 84-85.
43
Correio Mercantil, Rio de Janeiro (RJ), 2 de dezembro de 1868, p. 3; Jornal do Commércio, Rio de
Janeiro (RJ), 4 de junho de 1879, p. 5.
Paulo, juiz municipal e de órfãos de Estrela (1869) e de Valença (1871),44 e que assumiu
interinamente, em 1869, a titularidade da Comarca de Magé.45 Mesmo que por um curto
período, a administração da justiça no município ficou entregue a pai e filho.
Sem formação jurídica nem a preocupação em progredir na carreira, ao
substituírem a magistratura togada na condução dos feitos cíveis, criminais, comerciais e
orfanológicos, exerciam um poder sobre os resultados das eleições na Cidade de Magé,
agindo parcialmente em favor de seu grupo político, contribuindo para a manutenção de
seu poder e a reprodução da ordem escravista.

Considerações finais

O aumento do aparato burocrático político, judicial, fiscal e militar verificado no


Município de Magé, desde a instalação da Câmara Municipal (1789) até a criação da
Comarca (1860), está intimamente ligado ao seu processo de interiorização do território,
impulsionado, a partir de 1836, pela Estrada de Magé a Sapucaia.
A ocupação de espaços de prestígio social colocava uma reduzida parcela da boa
sociedade no topo da pirâmide social, facilmente identificável pelas funções públicas
(tabelião, coletor de rendas), patentes da Guarda Nacional (capitão, coronel), cargos de
poder (delegado de polícia, vereador) ou de distinção (provedor de irmandade).
A política, os negócios e a família foram os pilares de sustentação da boa
sociedade da Cidade de Magé, que ocupou os principais espaços de prestígio social, a
exemplo do juizado municipal e de órfãos, visando à manutenção da ordem escravista e
à perpetuidade de seus grupos familiares, através das práticas do clientelismo.
A possibilidade de proteger sua clientela tornava o cargo de substituto do juiz
municipal tanto estratégico para a boa sociedade, quanto os de vereador, delegado de
polícia ou juiz de paz. Os resultados apontam para o exercício da função de substituto do

44
SOARES, Emmanuel de Macedo. Contribuição à história da magistratura fluminense (1835-1889).
Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2007, p. 166.
45
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), 11 de julho de 1869, p. 2.
juiz municipal e de órfãos de Magé por fazendeiros e negociantes que buscavam assegurar
o monopólio do mando político.

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