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Língua: Conceito e definição

Para Cunha e Cintra, a língua é um “sistema gramatical pertencente a um grupo de


indivíduos. Meio através do qual uma coletividade se expressa, concebe o mundo e age sobre
ele. É a utilização social da faculdade da linguagem”.

Rocha Lima (2003: 05) refere-se à língua como “um sistema: um conjunto organizado e
opositivo de relações, adotado por determinada sociedade para permitir o exercício da
linguagem entre os homens”. Trata-se aqui de meio através do qual os seres humanos
realizam a sua faculdade de linguagem.

Bechara (2001) considera que a língua nunca é um sistema único, mas um conjunto de
sistemas, que encerra em si várias tradições. “Uma mesma língua apresenta diferenças
internas: no espaço geográfico, no nível sócio cultural e no estilo ou aspecto expressivo”.

Multilinguismo é o ato de usar ou promover o uso de vários idiomas, seja por uma pessoa
individual ou por uma comunidade de pessoas.
Língua Portuguesa em Moçambique

A língua é uma ferramenta importante para o desenvolvimento quantitativo e qualitativo na


educação seja ela tradicional ou moderna. Nos países multilíngues, com características
culturais diversas, como é o caso de Moçambique, tanto as línguas africanas antigas quantas
as recentes, como é o caso do crioulo, exercem um papel fundamental na vida do povo. O
povo de Moçambique é na sua maioria de origem bantu e é de tradição oral, uma vez que as
regras de ser e de estar na sociedade são transmitidas através da oralidade. A língua oral tem
servido de forma plena na transmissão da cultura e dos hábitos tradicionais que são marcas de
identidade, tanto no continente africano como em outras partes do planeta.
A educação na língua do educando facilita o desenvolvimento cognitivo, sobretudo nas
primeiras fases da educação básica, para além de constituir bases da referência cultural.
Estatuto de língua portuguesa em Moçambique

Moçambique está entre os países onde o português tem o estatuto de língua oficial, sendo
falada, essencialmente como segunda língua, por uma parte da sua população.

De acordo com dados do Censo de 1980, o português era falado por cerca de 25% da
população e constituía a língua materna de pouco mais de 1% dos moçambicanos. Os dados
do Censo de 1997 indicam que a percentagem atual de falantes de Português já é de 39,6%,
que 8,8% usam o português para falar em casa e que 6,5% consideram o português como sua
língua materna. A vasta maioria das pessoas que têm a língua portuguesa como materna
reside nas áreas urbanas do país, e são os cidadãos urbanos, principalmente, que adotam o
português como língua de uso em casa. No país como um todo, a maioria da população fala
línguas do grupo bantu. A língua materna mais frequente é o emakhuwa (26.3%); em
segundo lugar está o xichangana (11.4%) e em terceiro, o elomwe (7.9%)

Multilinguismo moçambicano e o papel do Português neste contexto

Moçambique é um país bastante heterogéneo em termos da situação linguística. Convivem no


mesmo espaço geográfico diversas línguas, nomeadamente as línguas autóctones de origem
bantu, a língua portuguesa e algumas línguas asiáticas como o Urdu, o Paquistanês e o Árabe.
É um país que se pode considerar totalmente multilingue e multicultural tendo em conta a
diversidade de culturas do seu povo. Uma cultura que varia de acordo com o lugar/região do
país onde as pessoas se encontram.

A maior parte da população de Moçambique fala com frequência as suas línguas maternas,
que são as da família bantu, totalmente diferentes das línguas europeias.

Estima-se que 40% da população moçambicana fala Emákuwa, sendo esta a língua mais
falada. Os restantes cerca de 60% distribuem-se pelas outras 26 línguas bantu existentes e
faladas no território moçambicano. (Confira o mapa abaixo)

Fonte: http://macua.blogs.com

É neste contexto de muita diversidade em que entra a língua portuguesa. Trata-se de um


processo um tanto quanto controverso na medida em que assumiu, no princípio, um carácter
de opressão das massas por parte do colonizador, mas que depois foi usada em benefício
daquelas pessoas dominadas por longo tempo. Essas pessoas passaram a usá-la como sua
língua, como instrumento unificador e de antagonismo face a dominação. Ora vejamos de
forma pormenorizada.

A língua portuguesa entra no território moçambicano trazida pelos portugueses no século


XV. Nesta dominação, o povo moçambicano, através do processo de assimilação adoptado
pelo colono português, foi forçado a usar a língua portuguesa para ser considerado civilizado.
É que na óptica do colonizador, ser civilizado passava por saber se comunicar em língua
portuguesa e desprezar a cultura africana.

Desde o momento da penetração mercantil europeia em África até à independência de


Moçambique, o Português era considerado como língua colonial, usada em todos contextos
administrativos e oficiais do governo português, sendo igualmente usada nas escolas
coloniais instituídas para os brancos e/ou assimilados e outras escolas construídas para
assegurar a educação dos indígenas, todos aqueles que ainda não tinham atingido o estágio de
assimilado (civilizado). Assim, a pessoa já assimilada/civilizada podia ser considerada como
um cidadão português (de segunda).

Essa mesma língua, a portuguesa, até à independência é tida como língua de elite, de pessoas
escolarizadas. É uma língua usada como meio de ascensão social, de bárbaro/indígena ao
assimilado/civilizado. É simplesmente uma língua estrangeira falada por uma pequena
minoria da população moçambicana, principalmente nas cidades, devido às condições através
das quais ela foi aprendida pelos falantes.

As línguas autóctones de Moçambique são faladas em todo o território moçambicano, mas


têm uma localização muito restrita, ou seja, cada uma das línguas se circunscreve a um dado
lugar, uma dada região ou distrito do país, havendo focos muito heterogéneos de uso de
línguas. Por exemplo, a língua Emákuwa, a mais falada, é conhecida e utilizada
efectivamente na região Norte de Moçambique: estamos a falar da província de Nampula e
parte das províncias de Cabo Delgado, Niassa e Zambézia. Nas outras regiões do país a
língua Emákuwa não tem muita expressão, sendo falada por pequenos focos de pessoas
vindas do Norte.

Por seu turno, a língua Xixangana, a segunda mais falada, é predominante no sul do país e é
apenas amplamente falada nas províncias de Gaza e de Maputo.
Assim, nenhuma língua é capaz de servir como língua franca, que pode ser usada na
comunicação entre pessoas de diferentes línguas. É aqui onde entra a língua portuguesa.
Assiste-se assim a uma nacionalização, a uma oficialização e a uma naturalização da língua
portuguesa. Ora vejamos.

Já que nenhuma das línguas bantu faladas em Moçambique consegue cobrir a totalidade do
país, no período de Luta de Libertação Nacional, a língua portuguesa foi eleita pelos
combatentes como a Língua de Unidade Nacional, uma língua que fosse capaz de ser usada
no estabelecimento de comunicação interpessoal quotidianamente. FRELIMO, o movimento
anticolonialista surgido em Moçambique para combater todas as formas de dominação e
colonização, achou por bem usar a língua portuguesa para poder unir as pessoas de todo o
país, dado que a situação do momento exigia a união de todos os moçambicanos para juntos
combaterem o colono português. Assim, aconteceu o processo de nacionalização da língua
portuguesa – a língua do colonizador passa agora a ser usada como instrumento de combate.
Assiste-se assim à transformação do meio que o opositor usou para oprimir o povo nativo em
meio de combate deste contra aquele que trouxe tal instrumento.

Desta forma, com a união e junção de forças por parte da população moçambicana, foi
possível alcançar-se a independência nacional, graças ao uso da língua portuguesa. Chegado
aqui, há um outro problema linguístico por resolver: que língua usar em questões formais,
administrativas e políticas nacionais numa situação em que a população fala línguas
totalmente diferentes?

Este dilema conduziu o povo moçambicano ao processo de oficialização da língua


portuguesa, pois era a única língua falada por pessoas de todas as regiões do país. Só ela é
que reunia condições suficientes para ser utilizada como língua oficial.

A par da dificuldade de os moçambicanos usarem uma das suas línguas como língua de
comunicação de todos, outra questão que favoreceu a escolha do Português foi o facto de até
então ser a única língua, dentre várias moçambicanas, a que já possuía a linguagem escrita
enquanto as outras não tinham, limitando-se simplesmente à comunicação através da
oralidade.

Assim, a língua portuguesa passa a ser usada em todas os contextos formais e


administrativos. É também adoptada como língua de ensino. Isso vai significar uma maior
procura desta língua pela população devido a necessidade que se adquire com a sua
oficialização; necessidade cada vez mais crescente, pois as pessoas precisam da língua para
aceder aos serviços oferecidos pelo Estado no país.

Por outro lado, a adopção do Português no ensino permite que cada vez mais pessoas a
conheçam e a falem em muitas situações da vida: muitas pessoas que não falavam a língua
portuguesa passam a usá-la na escola, os meios de comunicação usam a língua portuguesa, os
discursos governamentais são feitos em língua portuguesa.

Deste modo, surge uma outra situação envolvendo a língua portuguesa. É que aquelas
pessoas que já falam o Português têm as suas línguas maternas e estiveram envolvidos no
processo de aprendizagem da segunda língua. O Português é o seu L2 e é propenso a
influência das línguas maternas. Tudo isso acontece porque na produção da L2, o aprendente
apoia-se sempre na estrutura da sua L1, o que ocasiona muitos erros linguísticos devido ao
fenómeno de transferência das regras e hábitos da L1 para a L2. (cf. FIGUEREDO, Francisco
José Quaresma de., Aquisição e aprendizagem de segunda língua)

Esta situação faz com que os falantes da língua portuguesa em Moçambique realizem o
Português de uma forma totalmente diferente da norma eleita como o padrão de língua a ser
seguido e ensinado nas escolas. Vale lembrar que o Português escolhido pelo governo
moçambicano para ser a língua oficial logo após a independência nacional é o Português
Europeu (PE). O mesmo serve de língua oficial e língua de ensino.

Por causa das razões que avançámos atrás, actualmente no território moçambicano vem sendo
desenvolvido um novo dialecto da língua portuguesa, com características muito particulares
que fazem com que esta variedade da língua se individualize no grupo das variedades
conhecidas do Português. É a isso que chamámos, nas páginas anteriores, de naturalização da
língua portuguesa em Moçambique. O mesmo fenómeno poderá conduzir àquilo que mais
tarde pode ser considerado como o Português Moçambicano (se houver vontade política
nesse sentido).

Assim, é necessário que os professores tenham a consciência dos fenómenos que vêm
acontecendo à língua portuguesa. Fenómenos esses que se assistem desde o momento da
implantação desta língua em Moçambique até aos dias de hoje. Isso permitirá que os
professores saibam que não é possível nem é preciso que os alunos falem como nativos da
língua portuguesa.
Curioso é que nos dias que correm há cada vez mais pais que incentivam seus filhos a usarem
a língua portuguesa a toda hora, visto que faz parte de um dos grandes requisitos para a
ascensão social: nos sectores de trabalho exige-se que o candidato se comunique bem em
língua portuguesa, o mesmo acontecendo em todos os outros sectores da economia, da
política e da cultura

Assim, há muitas crianças, pelo menos nas cidades, que têm o Português como língua
materna, embora os pais falem também as línguas de origem bantu, suas L1. Essas crianças
acabam por falar somente a língua portuguesa, desprezando as outras línguas (bantu). Pois
essa é a educação que eles receberam dos seus pais tendo em conta que nas suas casas são
obrigadas a falar só Português como forma de melhorar a sua performance e serem aceites
mais tarde nos postos de trabalho.

O meu receio é que esta situação possa conduzir, no futuro, à morte das línguas autóctones
pelo uso massificado do Português. Há estudiosos que defendem que uma língua só morre
com a morte do último falante – coisa que muito raramente pode acontecer. Contudo, se as
nossas crianças não são incentivadas a desenvolver uma competência multilingue e
multicultural, também não serão capazes de ensinar seus filhos a falar a língua delas uma vez
que eles próprios não a conhecem. Assim, depois de algum tempo e se isso acontecer com um
número cada vez progressivo e crescente de pessoas, os poucos que permanecerem falando as
suas línguas maternas diferentes do Português sentir-se-ão obrigados a mudarem para esta
língua como forma de estarem ao mesmo nível que os restantes

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