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O que é ludicidade?

Há muitas conceituações para ludicidade, algumas contradições e até confusões. Não é meu
objetivo discuti-las aqui, e sim apresentar uma possibilidade de compreender o lúdico. Para
traçar os contornos de como o considero, aproprio-me da conceituação de alguns estudiosos
desse tema.
O primeiro aspecto a destacar é que as atividades lúdicas não se restringem ao jogo e à
brincadeira, mas incluem atividades que possibilitam momentos de prazer, entrega e
integração dos envolvidos. Segundo Luckesi2, são aquelas que propiciam uma experiência de
plenitude, em que nos envolvemos por inteiro, estando flexíveis e saudáveis. Para Santin3, são
ações vividas e sentidas, não definíveis por palavras, mas compreendidas pela fruição,
povoadas pela fantasia, pela imaginação e pelos sonhos que se articulam como teias urdidas
com materiais simbólicos. Assim elas não são encontradas nos prazeres estereotipados, no que
é dado pronto, pois, estes não possuem a marca da singularidade do sujeito que as vivencia.
Na atividade lúdica, o que importa não é apenas o produto da atividade, o que dela resulta,
mas a própria ação, o momento vivido. Possibilita a quem a vivencia, momentos de encontro
consigo e com o outro, momentos de fantasia e de realidade, de ressignificação e percepção,
momentos de autoconhecimento e conhecimento do outro, de cuidar de si e olhar para o
outro, momentos de vida, de expressividade.
Uma aula com características lúdicas não precisa ter jogos ou brinquedos. O que traz
ludicidade para a sala de aula é muito mais uma “atitude” lúdica do educador e dos
educandos. Assumir essa postura implica sensibilidade, envolvimento, uma mudança interna, e
não apenas externa, implica não somente uma mudança cognitiva, mas, principalmente, uma
mudança afetiva. A ludicidade exige uma predisposição interna, o que não se adquire apenas
com a aquisição de conceitos, de conhecimentos, embora estes sejam muito importantes.
Uma fundamentação teórica consistente dá o suporte necessário ao professor para o
entendimento dos porquês de seu trabalho. Trata-se de ir um pouco mais longe ou, talvez
melhor dizendo, um pouco mais fundo. Trata-se de formar novas atitudes, daí a necessidade
de que os professores estejam envolvidos com o processo de formação de seus educandos.
Isso não é tão simples, pois, implica romper com um modelo, com um padrão já instituído, já
internalizado.
A escola tradicional, centrada na transmissão de conteúdos, não comporta um modelo lúdico.
Por isso é tão freqüente ouvirmos falas que apóiam e enaltecem a importância do lúdico estar
presente na sala de aula, e queixas dos futuros educadores, como também daqueles que já se
encontram exercendo o magistério, de que se fala da importância da ludicidade, se discutem
conceitos de ludicidade, mas não se vivenciam atividades lúdicas. Fala-se, mas não se faz. De
fato não é tão simples uma transformação mais radical pelas próprias experiências que o
professor tem ao longo de sua formação acadêmica.
Como bem observa Tânia Fortuna, em uma sala de aula ludicamente inspirada,
convive-se com a aleatoriedade, com o imponderável; o professor renuncia à centralização, à
onisciência e ao controle onipotente e reconhece a importância de que o aluno tenha uma
postura ativa nas situações de ensino, sendo sujeito de sua aprendizagem; a espontaneidade e
a criatividade são constantemente estimuladas4.

Podemos observar que essas atitudes, de um modo geral, não são, de fato, estimuladas na
escola. Como afirmei em um texto recente, “as atividades lúdicas permitem que o indivíduo
vivencie sua inteireza e sua autonomia em um tempo-espaço próprio, particular. Esse
momento de inteireza e encontro consigo mesmo gera possibilidades de autoconhecimento e
de maior consciência de si”5.
Considero como lúdicas as atividades que propiciem a vivência plena do aqui-agora,
integrando a ação, o pensamento e o sentimento. Tais atividades podem ser uma brincadeira,
um jogo ou qualquer outra atividade que possibilite instaurar um estado de inteireza: uma
dinâmica de integração grupal ou de sensibilização, um trabalho de recorte e colagem, uma
das muitas expressões dos jogos dramáticos, exercícios de relaxamento e respiração, uma
ciranda, movimentos expressivos, atividades rítmicas, entre outras tantas possibilidades. Mais
importante, porém, do que o tipo de atividade é a forma como é orientada e como é
experienciada, e o porquê de estar sendo realizada. Ela deve permitir que cada um possa se
expressar livre e solidariamente, que as couraças, bloqueios que se estabelecem, possam ser
flexibilizadas e que haja um maior fluxo de energia.
A espontaneidade do indivíduo, sua auto-expressão e criatividade são bloqueadas quando
ocorre a contenção da bioenergia, isto é, da energia vital que circula em nosso organismo
através da corrente sanguínea e de outros fluidos energéticos como a linfa e os fluidos
intracelulares. Mas este fluxo energético pode ser restabelecido através da mobilização da
energia estagnada. Para que este processo seja entendido, trago algumas questões básicas da
teoria reicheana, que nos permitem a compreensão dos bloqueios e desbloqueios da energia,
que constituem a base para uma prática educativa lúdica.

Bibliografia

2 LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: uma
proposta pedagógica a partir da Biossíntese. In: LUCKESI, Cipriano Carlos (org.) Ludopedagogia
– Ensaios 1: Educação e Ludicidade. Salvador: Gepel, 2000.

3 SANTIN, Silvino. Educação física: da opressão do rendimento à alegria do lúdico. Porto


Alegre: Edições EST/ESEF – UFRGS, 1994.

4 FORTUNA, Tânia Ramos. Formando professores na Universidade para brincar. In: SANTOS,
Santa Marli P.dos (org.). A ludicidade como ciência. Petrópolis: Vozes, 2001, p.116.

5 PEREIRA, Lucia Helena P. Ludicidade: algumas reflexões. In: PORTO, Bernadete de Souza
(org.). Ludicidade: o que é mesmo isso? Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Gepel, 2002, p.17.

6 REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. Problemas econômico-sexuais da energia biológica.


Tradução de Maria da Glória Novak. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p.256.

7 REICH, Wilhelm. Análise do caráter. Tradução de Ricardo Amaral do Rego. 3 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.

8 REICH, 1995, p. 245-246.

9 KELEMAN, Stanley. Anatomia emocional: a estrutura da experiência. Tradução de Myrthes


Suplicy Vieira. 3 ed. São Paulo: Summus, 1992, p.77.
10 Motilidade corporal é o fluxo interno, diferente do movimento, que se manifesta
externamente; “é a vitalidade do padrão pulsátil, a força e a intensidade das pulsações dos
órgãos que dão energia e identidade pessoal” (KELEMAN,1992, p.42).

11 REICH, 1995, p.255.

12 LOWEN, Alexander. Medo da vida. Tradução de Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo:
Summus, 1989, p.81-82.

13 LOWEN, 1989, p.114.

14 LOWEN, 1989.

15 LOWEN, Alexander. Prazer. Uma abordagem criativa da vida. Tradução de Ibanez de


Carvalho Filho. 6 ed. São Paulo: Summus, 1984.

16 LOWEN, 1984, p.29.

17 BOADELLA, David. Correntes da vida. Uma introdução à Biossíntese. Tradução de Cláudia


Soares Cruz. 2 ed. São Paulo: Summus, 1992, p.11.

FONTE:
http://www.fw2.com.br/clientes/artesdecura/REVISTA/corpo_terapia/bioexpressao.htm

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